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Uma análise da judicialização enquanto forma de concretização do direito à saúde.

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ

DEPARTAMENTO DE DIREITO BACHARELADO EM DIREITO

UMA ANÁLISE DA JUDICIALIZAÇÃO ENQUANTO FORMA DE CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE.

SEBASTIÃO CAIO DOS SANTOS DANTAS

CAICÓ/RN 2017

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SEBASTIÃO CAIO DOS SANTOS DANTAS

UMA ANÁLISE DA JUDICIALIZAÇÃO ENQUANTO FORMA DE CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE.

Trabalho de Conclusão de Curso na modalidade Artigo Científico, apresentado à Coordenação do Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ensino Superior do Seridó – Campus Caicó, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Fabrício Germano Alves

CAICÓ/RN 2017

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial Profª. Maria Lúcia da Costa Bezerra - - CERES--Caicó

Dantas, Sebastião Caio Dos Santos.

Uma análise da judicialização enquanto forma de concretização do direito à saúde / Sebastião Caio Dos Santos Dantas. - Caicó-RN, 2017.

28 f.: il.

Artigo Científico (Graduação) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ensino Superior do Seridó - CERES, Bacharelado em Direito.

Orientador: Fabrício Germano Alves.

1. Direito - Artigo Científico. 2. Políticas Sociais - Artigo Científico. 3. Saúde - Artigo Científico. 4. Judicialização - Artigo Científico. 5. Direitos humanos fundamentais - Artigo Científico. I. Alves, Fabrício Germano. II. Título.

RN/UF/BS - Caicó CDU 342.7:614

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SUMÁRIO

RESUMO ... 3

ABSTRACT ... 3

1. INTRODUÇÃO ... 4

2. SAÚDE E DIREITOS HUMANOS ... 7

3. A PERSPECTIVA BRASILEIRA: DO CASO DE POLÍCIA AO DIREITO DE TODOS E DEVER DO ESTADO ... 09

3.1 A Política de Saúde nos Moldes da Reafirmação da Cidadania. ... ..13

3.2 Compreendendo os moldes da Política Social e seu lócus no campo do direito .... 16

4. JUDICIALIZAR É PRECISO? UMA ANÁLISE SOBRE A NECESSIDADE DA INTERVENÇÃO DO JUDICIÁRIO NA ESFERA DAS POLÍTICAS SOCIAIS PARA CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO ... 17

5. CONCLUSÕES ... 24

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A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE COMO MECANISMO DE CONCRETIZAÇÃO DE DIREITO

RESUMO

Constitui uma análise da saúde enquanto categoria social e historicamente construída, inicialmente enquanto caridade promovida por religiosos aos pobres, e garantia aos trabalhadores formalmente inseridos no mercado, até sua conformação atual, em busca de suas relações com a esfera do direito, priorizando a constituição do lócus dessa relação no âmbito dos direitos humanos fundamentais a partir da teoria dimensional. Outrossim, propõe-se ainda a uma abordagem analítica sobre o fenômeno da judicialização da saúde, com vistas a interpretação do mesmo ante a compreensão do Estado democrático de direito e do ativismo judicial nas políticas sociais. Tem por objetivo analisar a existência no âmbito da judicialização de uma relação de necessidade, bem como, a compreensão de quais seriam as causas que conduziriam a mesma. Em uma segunda vertente buscar compreender se o aquele fenômeno cumpre com a função social da justiça. Para tanto, utiliza-se de um arsenal metodológico de estratégias bibliográficas sistemáticas e de estudo documental, a partir da análise da doutrina constitucional, em especial de autores que dedicam-se a teoria dimensional dos direitos humanos fundamentais, além do aporte à legislação pátria, e na análise de algumas decisões de tribunais, visando a obtenção do posicionamento desses, com relação a tais demandas.

Palavras-Chave: Direito; Políticas Sociais; Saúde; Judicialização; Direitos Humanos

Fundamentais.

ABSTRACT

It constitutes an analysis of the health while social category and historically constructed, initially while charity promoted for religious to the poor persons, and warranty to the formal inserted workers in the market, until its current conformation, in search of its relations with the sphere of the right, prioritizing the constitution of locus of this relation in the scope of the basic human rights from the dimensional theory. Also, is still considered to an analytical boarding on the phenomenon of the judicialization of the health, with sights the interpretation of the same before the understanding of the democratic State of right and the judicial activism in the social politics. It has for objective to analyze the existence in the scope of the judicialization of a necessity relation, as well as, the understanding of which would be the causes that would lead the same one. In one second source to search to understand if that phenomenon fulfills with the social function of justice. For in such a way, it is used of a methodological armory of systematic bibliographical strategies and of documentary study, from the analysis of the constitutional doctrine, in special of authors who dedicate dimensional theory to it of the basic human rights, beyond it arrives in port it to the native legislation, and in the analysis of some decisions of courts, aiming at the attainment of the positioning of these, with regard to such demands.

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1. INTRODUÇÃO

Um dos desafios da contemporaneidade constitui a compreensão dos ciclos que norteiam as relações de construção, desconstrução e reconstrução dos parâmetros das políticas sociais, que são os instrumentos de efetivação dos direitos sociais, aqueles de segunda dimensão, que exigem do Estado uma ação positiva em face de sua exequibilidade. Todavia, não se caracteriza como uma missão de fácil resolução o pensar essas políticas quando se encontra imerso no ambiente jurídico. Talvez pelo perfil formativo, balizado pelas relações com um direito positivo, instituído e suficiente por meio de um movimento de exercício de um poder que supostamente emana do povo por meio dos mecanismos de representatividade. Ou mesmo pelo distanciamento das perspectivas críticas que entrelaçam o próprio campo do direito enquanto ramo da ciência.

Nesse rumo, cruzar com a política de saúde acaba sendo um privilégio, tendo em vista a possibilidade de rememorar sua construção em nível de Brasil, suas particularidades e peculiaridades. Bem como, pela oportunidade de refletir criticamente através de um aporte de autores incisivamente ligados a uma perspectiva crítica analítica das políticas sociais, sobre os movimentos societários que construíram o cenário atual ao qual presenciamos diuturnamente.

Mais desafiador ainda, foi reconhecer o lócus que a saúde ocupa, no entrecruzamento com o direito, quando partimos do ponto de análise da teoria dimensional dos direitos humanos fundamentais, compreendendo que tais direitos nãos se constroem naturalmente, mas como resultante de movimentos e luta.

Instigante é compreender o papel do Estado como balizador das relações sociais de reprodução da vida e da sociabilidade, desde a esfera civil e política, até as relações de efetivação dos direitos sociais, econômicos e culturais, transcendendo até os direitos difuso e coletivos. Sendo o Estado a figura de base para a busca do equilíbrio na sociedade.

Para tanto utilizou-se de uma abordagem metodológica de aporte bibliográfico sistemático junto a doutrina constitucional, mais especificamente aos autores que se destinam ao estudo da teoria dimensional dos direitos humanos fundamentais. Para dar um grau de análise e aprofundamento, bem como apropriação de um padrão de verossimilhança adotou-se ainda uma abordagem documental a partir da análise da constituição federal, bem como da legislação infraconstitucional que dá sustentação a política da saúde no Brasil. Além de

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buscar compreender como os tribunais vem respondendo a tais demandas, tendo em vista que manifesta-se cada vez mais presente em nossa realidade, e requer respostas certas, do poder judiciário, que não pode eximir-se de fornecê-las, em conformidade com os princípios que norteiam a própria existência da jurisdição. Tais modelos metodológicos podem ser caracterizados como um dos caminhos de aproximação da verdade científica em se tratando das ciências sociais e aplicadas

Todavia, esse trabalho busca compreender para além de tais determinações, se o fenômeno da judicialização da saúde é “preciso” na sociedade a qual estamos inseridos. Tal direcionamento aponta para a necessidade de compreendermos se a judicialização cumpre com sua função social, qual seja a efetivação da justiça e a coletivização dos direitos sociais. Contribuindo para a formulação de mecanismos que garantam sua expansibilidade e efetividade plena pela via estatal das políticas sociais e econômicas.

2. A SAÚDE ENQUANTO UM DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL

O pensar a saúde como categoria conceitual em suas intrínsecas relações com o direito, pressupõe a necessidade de formulação prévia de meandros, que realizem os enlaces entre essas categorias. Nesse sentido, indispensável é, compreender em que esfera do direito a mesma situa-se, e quais os elementos que norteiam essa inserção. Nesse rumo, é indispensável ao nosso prisma, observar historicamente, como a saúde se insere nessa relação, e ainda, sob quais influências.

Uma das primeiras questões a entender é que após diversos modelos de efetivação e construção legal do Estado em face da cidadania e sua relação para com o povo e seus direitos. Contemporaneamente podemos situar-nos pela inserção em um Estado Democrático de Direito. Tal assertiva denota uma série de características norteadoras, impulsionando-o a efetivação de um modelo notadamente garantista nos moldes elencados por Vieira (2009), assim como por Simões (2013).

Todavia, vale salientar, que tal Estado não se produziu pacífica e harmonicamente, mas, como resultado de um vasto e longo processo de lutas dos diversos setores e movimentos societários. No plano real, é notório o descaso para com tais ditames. O modelo atual, pressuposto essencial do modelo de Estado em voga, encontra-se muito aquém das necessidades do cidadão. Designando-se as conquistas no plano legal majoritariamente inscritas em um papel e reservadas – em sua plenitude – a mera pretensão de direitos.

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Faz-se importante compreender que tal discussão é basilar, tendo em vista que o próprio Bobbio (2004)1denuncia a existência no âmbito da construção do direito de relações entre o existente ou seja o plano fático-real, e o desejável, aquilo que se almeja, e se encontra inserido no plano ideal. Elenca então que esse é um pilar questionável dos fundamentos do próprio modo de construção do direito, definindo-o e caracterizando. Ora, sabendo que o que temos, ou está posto nas leis e instrumentos normativos complementares ou nos costumes e demais fontes do direito, e essa esfera é a positiva, a que se aplica no plano real. Utilizando a mesma perspectiva adotada pelo teórico, na ausência daqueles, há a utilização de razões que convençam que há legitimidade mesmo sem lei ou inscrição normativa positiva. Assim sendo os direitos humanos são para ele elementos desejáveis em uma sociedade, não significa que tenham sido reconhecidos, mas é através da utilização do discurso qualificado, bem como da utilização de estratégias políticas eficazes que se logrará êxito na efetivação nessa perspectiva de concretização da idealidade.

Compreender a incidência da saúde enquanto direito humano fundamental, vincula a necessidade de anteriormente compreender uma classificação conceitual realizado pelo jurista tcheco-francês Karel Vasak (1979)2, com maior amplitude em sua obra a partir de então, cabendo destaque para a obra publicada em 19783 que ganha reimpressões após a referida palestra. Todavia, tais conceitos foram publicizados com maior alcance por Norberto Bobbio, demonstrando o surgimento das gerações ou dimensões de direitos fundamentais, numa tentativa de enquadrar os direitos humanos fundamentais correlacionando-os numa ligação direta aos princípios da revolução francesa, quais sejam, liberdade, igualdade e fraternidade. No Brasil, alguns autores constitucionalistas dedicam-se ao estudo de tais teorias, vislumbrando a existência “ou não” de tal dimensionamento, bem como apontando para o surgimento de novas dimensões. Dentre esses expoentes poder-se-ia citar Paulo Bonavides e Ingo Sarlet.

Para o Bobbio (2004) inicialmente surgiram os direitos civis e políticos, sendo denominados de direitos de primeira dimensão, que versam sobre as garantias e possibilidades do pleno exercício da liberdade política por parte do cidadão, bem como na efetivação legal da garantia da produção e reprodução da propriedade privada. Caracterizando as chamadas liberdades negativas, nas quais o Estado não poderia intervir em face da titularidade do indivíduo, uma resposta direta do Estado liberal ao Estado Absolutista, na qual a burguesia

1 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 1. Ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

2 Por meio de um texto publicado em 1977, bem como por meio de palestra proferida em 1979 como resultado

de uma conferência no Instituto Internacional de Direitos Humanos em Estrasburgo (França) que tinha como tema “Pelos Direitos Humanos da Terceira Geração: os direitos de solidariedade”(TORRANO, 2014, p. 01)

3 VASAK, Karel. Les dimensions internationales des droits de l‟homme: manuel destiné à l‟enseignement des

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reclamara a intangibilidade sobre determinados aspectos da seara individual. Segundo o autor surgem como fruto das revoluções burguesas do século XVIII4.

Erigem-se então os direitos de segunda dimensão, denominados sociais, econômicos e culturais, sendo aqueles vinculados as chamadas liberdades positivas do Estado, ou seja, se os primeiros limitam a atuação do Estado em face aos direitos individuais, esses exigem do mesmo, uma intervenção garantidora, estão intimamente ligados ao princípio da igualdade.

Na sequência apresentam-se os direitos fundamentais de terceira dimensão, como sendo aqueles que versam sobre as garantias da coletividade. Esses ultrapassam o caráter individual, não sendo apenas de um único indivíduo, mas de todos os membros que compõe o viver em coletivo, remete a própria sociabilidade coletiva, alguns exemplos desses diretos são o direito ao meio ambiente, a autodeterminação dos povos, comunicação, a paz.

E mais recentemente alguns teóricos apontam para o surgimento de uma quarta dimensão dos direitos fundamentais, o que vem gerando uma cisão nas correntes doutrinárias, um ramo a relaciona a engenharia genética e ao patrimônio genético que ganha espaço através das descobertas e desenvolvimento de técnicas de manipulação genética e reprodução humana assistida por vias laboratoriais que ganham espaço mais fortemente a partir do final do século XX e início do século XXI. Todavia, é notória a construção de uma nova perspectiva para essa dimensão, que a vincula aos direitos a democracia e a efetivação da liberdade de exercer o poder enquanto povo, o direito a informação e ao pluralismo político e ideológico. Nesse

4

Refiro-me a tais revoluções como burguesas, com base na teoria marxiana e na tradição marxista, que muito embora não sejam fortemente utilizadas no âmbito do direito (ao menos numa perspectiva majoritária) trazem algumas contribuições à crítica das relações sociais, principalmente no âmbito da compreensão histórica, cultural e econômica, que afirmam que as revoluções que incendiaram o mundo em meados do referido século foram grandemente pautadas nas lutas que encontraram amparo ideológico na burguesia através de um discurso pautado nos princípios liberais iluministas da “liberdade, igualdade e fraternidade” –Liberté, Egalité, Fraternité- Lemas da Revolução Francesa, que estendia a todos os indivíduos os aspectos da cidadania e acima de tudo direitos, denominados fundamentais, capazes de criar/fortalecer laços de pertença e dignidade fraterna entre os indivíduos, independente de onde vieram e/ou de que classe eram oriundos. Pode-se dizer que tais revolução de uma maneira geral e basilar buscavam a queda dos regimes absolutistas, e a formação de um novo Estado. Podemos Citar como exemplo de revoluções desse nicho a Revolução Inglesa – 1642 a 1649; Revolução Americana – 1776; Revolução Francesa – 1798 – com a queda da Bastilha e implantação da primeira República; Revolução Liberal do Porto – 1820; Revolução Liberal de Cádis(Espanha) – 1823; Revoluções Liberais de 1830 na Bélgica, nos Estados Alemães, nos Estados Italianos, Portugal, Espanha e Polônia. As revoltas liberais de 1842 no Brasil; As revolução de 1848 na França – Criando a Segunda República Francesa; nos Estados Alemães, dentre outras. Tal esclarecimento faz-se necessário, tendo em vista que tantos movimentos são invisibilizados no processo, tende-se a lecionar, principalmente nos bancos secundários apenas a revolução francesa como um único movimento, desconsiderando a própria historicidades dos movimentos revolucionários franceses dos séculos XVIII e XIX.

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ponto Bobbio e Bonavides diverge parcialmente quando a matéria constante da dimensão. Mas para ambos, um pressuposto é indubitável, qual seja, a existência da mesma.

Ainda há debates no âmbito ideológico sobre a existência de uma quinta dimensão de direitos humanos fundamentais, que estaria ligada efetivamente a paz e a garantia das condições de efetivação da harmonia entre os povos. Conste que esse é um direito já está contidos na terceira dimensão, todavia, em decorrência do agravamento do número de conflitos armados, oriundos da intolerância religiosa, étnica, racial ou ainda pela garantia de interesses econômicos, ou pela via do monopólio das relações de poder, sob o véu da manutenção dos instrumentos democráticos, se espalha cada vez mais terror aos povos, o que favorece a criação de uma dimensão específica para esse direito humano fundamental.

Tal debate não caracteriza-se como terminativo, tendo em vista, que já se vislumbra o surgimento de novas dimensões de direitos, o que ao nosso ver é uma importante fonte de reflexão no que se refere aos direitos humanos fundamentais, vinculando-os a uma perspectiva de luta e de anseio de um “por vir” onde o ser humano seja visto e respeitado com tal e a ele sejam garantido pelo Estado, os elementos constitutivos de sua dignidade. Onde a igualdade ultrapasse a perspectiva formal e permeie as relações em sociedade.

Nossa observação de intersecção se inicia aqui, após essa caracterização inicial, sobre os direitos humanos fundamentais, dentro da perspectiva da teoria dimensional, precisamos agora compreender em que lugar encontra-se a Saúde enquanto Direito.

Tal problemática inicia-se com o surgimento dos primeiros direitos de segunda dimensão, impondo ao Estado a responsabilidade por velar e proteger determinadas relações, inicialmente de cunho principalmente previdenciário-trabalhistas. Perpassa todo o processo de mobilização mundial por parte dos Estados, principalmente a partir de 1945 com a Carta das Nações Unidas, seguindo-se da declaração universal dos direitos humanos (1948) e do Pacto de San José da Costa Rica (1969), elencando quais seriam as garantias mínimas para a produção e reprodução da existência humana, visando o alcance da dignidade da pessoa humana. Logra seu auge no Brasil a partir do processo de positivação dos diversos direitos inscritos na Constituição Federal de 1988, respaldando o dever do Estado para a construção e efetivação de política, programas e projetos que viabilizem a condução para o alcance e garantia dos Direitos do Homem de forma universal.

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Nesse contexto poder-se-ia inserir o Direito à saúde. Mesmo inicialmente em modelo voltado ao atendimento focalizado/centrado no processo de reprodução da força de trabalho, sendo direcionados aos sujeitos inseridos formalmente nos setores de geração da riqueza. Visando o atendimento das condições do desenvolvimento instaurado e a reprodução da lógica produtiva. Nesse sentido, Cohn (2005), destaca que as políticas de saúde transcorreram um longo caminho até o alcance da relação de universalização e a construção de um Sistema Único de Saúde. Não sendo algo imediato, tido como natural, mas como resultante de reivindicações populares por melhores condições de subsistência, face ao processo migratório para os grandes centros urbanos em decorrência da industrialização e desenvolvimento tecnológico advindos das ondas da Revolução Industrial. Todavia, é importante memorarmos o processo de construção da própria saúde até sua instauração enquanto Direito.

3. A PERSPECTIVA BRASILEIRA: DO CASO DE POLÍCIA AO DIREITO DE

TODOS E DEVER DO ESTADO

O Direcionamento de olhares para a questão da saúde no que se refere ao Brasil, historicamente caracteriza-se como ponto sensivelmente delicado. Talvez pela própria forma como a “má fama” dessas terras, desde quando colônia das terras de além mar no que se refere a esse aspecto, ou mesmo pelo longo processo de busca de soluções para os problemas de saúde até os dias atuais no Brasil. Todavia, necessitamos percorrer em um caminho lógico para compreendermos como chegamos a este ponto.

Para os estudiosos da saúde coletiva, a exemplo de Gastão Wagner (2008) desde antes mesmo da chegada dos povos europeus havia doenças nesse território, todavia, com o relativamente pequeno número de habitantes, principalmente convivendo entre si, tendo em vista que viviam, em grupos (tribos) e com pouco contato com as demais, tais males eram combatidos com recursos da natureza, com práticas de curandeirismo, isolamento e xamanismo.

O grande problema ocorre quando há a chagada do homem europeu, e trás consigo novas doenças, além de levar consigo as que aqui existiam. Sem entrar no mérito do processo de dizimação da população nativa pela via brutal do extermínio, as doenças mataram milhares de nativos e de estrangeiros.

Com base no autor por 389 anos entre a colônia e o império portugueses nada ou quase nada se fez para combater ou prevenir tais doenças. A solução para população encontrava-se

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na busca pela santas casas de misericórdia, muito embora não existissem profissionais a época para prestar-lhes atendimento, sendo que o atendimento era pautado na oferta de alimento, banho, roupa limpa e caridade.

De acordo com Bertolli Filho (2000)5, muito embora a criação da universidades, a delimitação das funções médicas e a criação de estruturas de fiscalização sanitárias tenham ocorrido ainda com Dom Pedro I, tais medica não trouxeram grandes mudanças no que se refere ao perfil epidemiológico dessas terras, e continuamos a ser vistos externamente como uma terra de doentes e de doenças.

Para os estudiosos, é mais exatamente a partir da república que se intensificam as ações para a mudança dessa imagem do país. Principalmente, se percebermos que a Lei Áurea é assinada um ano antes da proclamação da Republica6. A partir de então há a necessidade de mão de obra para os campos e para a cidade, e a via alternativa seria a mão de obra pela imigração, todavia, com a má fama que o Brasil possui, tornava-se difícil a captação de estrangeiros para esse fim.

Começava uma verdadeira campanha de sanitização do território para modificar tal imagem. Alguns estudiosos tomam frente no processo de construção de estratégias de combate as pragas e doenças, dentre esses encontra-se o Dr. Oswaldo Cruz7, que propõe a vacinação compulsória8 para controle da febre amarela e varíola, bem como ações para controle da peste bubônica9. Durante os anos de 1990 a 1920 o país passa por um processo de reforma na estrutura das cidades e também por reformas sanitárias.

5

BERTOLLI FILHO, Claudio. História da Saúde Pública no Brasil. 4. Ed. São Paulo: Ática, 2000.

6

Assinada em 13 de maio de 1888.

7 Foi designado pelo então presidente Rodrigues Alves (que assumira o governo em 1902 com o objetivo de

reformular a estrutura da capital do país, bem como de torna-la produtiva e atrativa aos olhos da mão de obra estrangeira) em 1903, como Diretor da Diretoria geral de Saúde Pública, órgão responsável pelo controle das epidemias e pragas que assolavam o Rio de Janeiro, oriundas das condições de ausência de saneamento.

8 Tal obrigatoriedade acabou gerando inconformismo por parte da população, pois a vacinação obrigatória foi

imposta sem quaisquer formas de publicidades sobre o que era a vacina, seus efeitos, e benefícios para a população, em algumas situações os agentes sanitários chegaram a invadir as casas e a força (com o auxilio de força policial) vacinaram populares. Somado a esse fato o governo estava promovendo reformas urbanas retirando populações carentes e cortiços do centro da cidade e realocando-os para áreas mais periféricas, construindo grandes avenidas, áreas de comércio, dentre outras ações, o que acabou gerando uma revolta com aproximadamente 30 mortos 100 feridos no ano em 1904.

9 Também conhecida como peste negra, é causada pela bactéria Yersinia pestis transmitida pelas pulgas do

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Vale salientar que é em 1923 é dado um dos primeiros passos rumo à formulação do atual sistema de seguridade social que possuímos, com a sanção do decreto 4.68210. Tal ato normativo denominado Lei Eloy Chaves cria as Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs) para os Ferroviários, assim cada empresa poderia criar sua própria caixa de aposentadoria e pensões, logo em seguidas outros nichos adotam a mesma abordagem e criam também suas CAPs tais como bancários, marítimos. A lógica era simples.11

Assim, aqueles que eram considerados empregados, ou seja os que estivessem a serviço das empresas a mais de seis meses, compulsoriamente, pagariam um percentual de 3% (três por cento) dos vencimentos, enquanto as empresas contribuiriam com o equivalente a 1% (um por cento) de sua renda bruta, e tais recursos eram destinados às CAPs para provimento de assistência médica, além de garantia de auxílio previdenciário e pensões em casos de invalidez e morte.

Para Rocha (2017)12, esse sistema deu tão certo, que progressivamente as Caixas de aposentadoria e pensões se expandiram, criaram seus próprios hospitais, com atendimento especializado de referência, sendo garantido aos segurados uma assistência pela. Todavia, pelo crescimento das CAPS de algumas empresas, os interesses Estado se voltam para as essas organizações, e em 1930, Getúlio Vargas decide intervir no processo de expansão do modelo de caixas de aposentadorias e pensões. Unifica as CAPs por categorias, transformando-as em institutos com natureza jurídica autárquica, subordinada diretamente ao governo federal13. Paralelamente em 1953 cria-se o Ministério da Educação e Saúde Pública,

10 Decreto legislativo sancionado em 24 de janeiro de 1923 por Arthur da Silva Bernardes.

11 Art. 1º Fica creada em cada uma das emprezas de estradas de ferro existentes no paiz uma caixa de

aposentadoria e pensões para os respectivos empregados.

Art. 2º São considerados empregados, para os fins da presente lei, não só os que prestarem os seus serviços mediante ordenado mensal, como os operarios diaristas, de qualquer natureza, que executem serviço de caracter permanente.

Paragrapho unico. Consideram-se empregados ou operarios permanentes os que tenham mais de seis mezes de serviços continuos em uma mesma empreza.

Art. 3º Formarão os fundos da caixa a que se refere o art. 1º:

a) uma contribuição mensal dos empregados, correspondente a 3 % dos respectivos vencimentos; b) uma contribuição annual da empreza, correspondente a 1 % de sua renda bruta: [...]

Art. 4º As emprezas ferroviarias são obrigadas a fazer os descontos determinados no art. 3º, letras a, d e e nos salarios de seus empregados depositando-os mensalmente, bem como as importancias resultantes das rendas creadas nas letras c, f, g e. h do mesmo artigo, em banco escolhido pela administração da Caixa, sem deducção de qualquer parcella. (BRASIL, 1923)

12 ROCHA, Juan Stuardo Yaslle. Manual de Saúde pública e Saúde Coletiva no Brasil. 2. Ed. São Paulo:

Atheneu, 2017.

13

Ou seja se antes cada empresa poderia criar sua própria CAPs, agora, seria o Estado que regularia tal relação, as contribuições seria para a categoria, ou seja todos os ferroviários contribuiriam para o mesmo instituto, assim como os marítimos, os bancários, e assim por diante. Nessa lógica, são sucateados serviços, tendo em vista que

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destinado ao trabalho campanhista voltado aos não cobertos pelo sistema dos Institutos de Aposentadorias e Pensões, ou seja os não trabalhadores formais. Mesmo com todas as dificuldades o modelo de institutos por categorias sobrevive desde a década de 1930 até os idos de 1964, conste, que sob a influência do modelo do seguro social instituído nos Estados unidos, para Viana (2006) como resultado do aporte ao desenvolvimentismo fortemente imbricado nas relações com aquele país desde a era de Getúlio.

Em 1964 é criada uma comissão para restruturação dos institutos e unificação dos mesmos em um único órgão. Em 21 de novembro de 1966 o Presidente Humberto de Alencar Castelo Branco por meio do Decreto-lei nº 72, unifica os antigos IAP‟s, criando o Instituto Nacional de Previdência Social – INPS, tal instituto tinha responsabilidade de prestar assistência médica, previdenciária e de assistência social a população.

No ano de 1974 sob o governo de Geisel, é institucionalizado o Ministério de Previdência e Assistência Social e três anos depois, é elaborado o Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social. Sistema nacional era constituído por 06 (seis) estruturas governamentais nas áreas de assistência médica, previdência e pensões, e assistência aos pobres e ao “menor”14

, além do Instituto da administração Financeira da Previdência e Assistência Social.15Tal sistema tinha por fim, organizar todas as ações desenvolvidas no âmbito da assistência médica, cobertura previdenciária, pensões e Assistência social.

Todavia, de acordo com Lima et. al. (2005) um processo de mobilização social ocorria nacionalmente, em busca da redemocratização, como resultado desses anseios há fortalecimento dos movimentos sociais e efetiva participação da população.

algumas empresas tem faturamento menos, e/ou pagam menores salários, o próprio processo de crise pós 1929 que exigia do mercado estratégias para seu reestabelecimento, dentre eles, controle com gasto com pessoal, bem como redução dos quadros. Ainda há um outro fator agravante, que é apontado como um dos principais problemas da história dos sistemas de seguro/seguridade social brasileira, qual seja, a utilização dos recursos da seguridade para promoção dos projetos desenvolvimentistas do país. No que se refere aos IAPs, foi exatamente esse um dos problemas segundo apontam estudos desenvolvidos por Mendes e Marques (2008), e Evilásio Salvador (2010).

14 Conste que a época estávamos ainda sob a “égide” do Código de Menores -Lei no 6.697, de 10 de outubro de

1979.

15

Art 4º - Integram o SINPAS as seguintes entidades: I - Instituto NacionaI de Previdência Social - INPS;

II - Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social - INAMPS; III - Fundação Legião Brasileira de Assistência - LBA;

IV - Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor FUNABEM;

V - Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social - DATAPREV;

VI - Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social - IAPAS.

§ 1º - Integra, também, o SINPAS, na condição de órgão autônomo da estrutura do MPAS, a Central de Medicamentos - CEME.

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O que se faz claro é o importante papel dos movimentos sociais por uma saúde pública e de qualidade, no tocante a inserção do acesso à saúde como garantia constitucional, elencando inclusive princípios balizadores e a vedação de retrocessos no que tange o processo positivo-legal. Contudo, torna-se evidente as estratégias de desmobilização das lutas pela efetivação dos direitos, sendo necessário um fortalecimento dos diversos setores para o alcance de um controle social efetivo junto aos legisladores. Também se faz presente e necessária a luta por a efetivação dos direitos positivados, pois não basta criar leis em resposta aos clamores sociais, o provimento de condições para sua implementação eficaz torna-se o norte a ser alcançado.

Fato é que foi inscrito na Constituição federal (1988) e mais especificamente nas leis 8.080 de 19 de setembro de 1990 e na lei 8.142 de 28 de dezembro de 1990 que a saúde é um direito de todos e dever do Estado, responsabilizando os entes que o constitui a garantia da oferta respeitando a integralidade, com igualdade nas condições de acesso e universalidade na produção dos serviços de saúde, bem como aos demais princípios na sua organização.

Outrossim, segundo Fleury (2012) as condições de implantação do Sistema Único de Saúde (SUS) no caso brasileiro, foi realizado sob condições financeiras adversas, bem como sob fortes disputas de interesses muito bem delimitados, se de um lado estava a população através dos movimentos sociais, do outro estava a classe política cercada pelo lobby da indústria farmacêutica, os empresários do setor privado em saúde.

3.1 A POLÍTICA DE SAÚDE NOS MOLDES DA REAFIRMAÇÃO DA CIDADANIA.

A partir do movimento sanitarista e da criação da lei 8.080/90 e 8.142/90, afirma Ayres (2008), a saúde torna-se uma política social de caráter distributivo, sendo assegurada por constitucionalmente, e instrumentalizada por lei, formalizando ao Estado a obrigatoriedade da estruturação através de seus aparelhos de mobilização. Na verdade muda-se até o próprio conceito de saúde, passando de um conceito restrito na qual a saúde era entendida como ausência de doença para uma nova linguagem mais abrangente e ampliada.

Em 1990 com a lei nº 8.029 há a fusão do INPS com o IAPAS, tendo em vista a saída da assistência médica do campo de cobertura da instituição, que passa a ser garantida pela via do Sistema único de Saúde.

Passa a saúde a ser entendida como o completo estado de bem estar físico, psíquico, social e espiritual que pode ser determinado ou condicionado por alguns fatores primordiais à

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subsistência digna de um ser humano de acordo com a Organização Mundial de Saúde (WESTPHAL, 2008).

Sendo eles dentre outros, as condições de moradia, a oferta de saneamento básico na comunidade na qual o indivíduo e sua família encontram-se inserido, a oferta mínima de alimentos diários para atender as necessidades fisiológicas orgânicas, o meio ambiente ao qual o indivíduo encontra-se exposto, as condições de geração de trabalho e renda, bem como a inserção desses nos serviços de garantia de educação básica e complementar de qualidade, as condições de efetivação das práticas de lazer, bem como o acesso digno aos serviços considerados essenciais ao desenvolvimento do ser humano (MINAYO, 2008). Além desses aspectos, ainda acrescenta que é dever do Estado à garantia da saúde a todo cidadão através do planejamento direto de ações, estratégias, programas e planos para promoção, proteção e recuperação da mesma.

As ações de saúde passam a ser planejadas e executadas vislumbrando a efetivação de alguns princípios básicos de origem doutrinária e organizativa:

I. Universalidade – diz respeito ao acesso universal a todos os indivíduos que necessitem de atenção em saúde, como garantia primordial e inegável a todo e qualquer cidadão; II. Integralidade – além do acesso a todos os cidadãos, esse deve ocorrer respeitando os

níveis de assistência, de acordo com a necessidade de cada caso, sendo garantida a continuidade do atendimento, no que se refere à complexidade;

III. Equidade – todo cidadão tem direitos iguais, porém a conformação histórica brasileira acaba por deteriorar a imagem de cidadania, assim sendo devem ser formulados alguns mecanismos de equiparação no que tange ao acesso aos serviços de saúde entendido como necessidade humana básica;

IV. Participação popular – além dos anteriores, a população ainda tem o legitimo direito de participar do planejamento das atividades voltadas ao seu próprio bem, garantindo o controle social entre outros (BRASIL, 1990)16.

Para uma compreensão mais efetiva e de forma integral, sobre a aplicabilidade do Sistema de saúde brasileiro, a nível de política, essa foi planejada para ser executada através de níveis de complexidade, sendo dispostos da seguinte forma:

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 Atenção Primaria / Atenção básica – trata-se do primeiro nível de assistência ao usuário do SUS, sendo considerada como porta de entrada do sistema de saúde brasileiro vigente, neste são executadas ação de prevenção de doenças e promoção à saúde de maneira a construir junto à população um caráter educativo e preventivo no que se refere aos agravos à saúde. É executada atualmente através da Estratégia de Saúde da Família em suas unidades e micro áreas de atuação;

 Atenção Secundária / Média Complexidade – trata-se do segundo nível de atenção a saúde, nele são desenvolvidas ações de recuperação da saúde de forma especializada. Atualmente é desenvolvida através dos núcleos de apoio a saúde da família (NASF), policlínicas e centros de saúde;

 Atenção Terciária / Alta Complexidade – são estratégias de atendimento para agravos que necessitam de maior atenção e complexidade diagnóstica e terapêutica. Atualmente sua execução baseia-se na ação dos grandes centros médicos, hospitais universitários, dentre outros, que possuem tecnologias mais avançadas no tratamento de doença e redução de danos à saúde (WESTPHAL, 2008).

A questão fundamental para Barata (2008) em relação ao enquadramento da saúde como política social distributiva, converge para o direcionamento do acesso a todo e qualquer cidadão que dela necessite, devendo-se a esses indivíduos portadores de direitos e deveres perante a sociedade. A grande discussão que perpassa essa abordagem está no atendimento às minorias sociais, desprovidas do acesso aos direito fundamentais e condições mínimas para sobrevivência.

3.2 COMPREENDENDO OS MOLDES DA POLÍTICA SOCIAL E SEU LÓCUS

NO CAMPO DO DIREITO

É através das relações de produção e trabalho que surgem os direitos sociais. Tal assertiva é o norte para compreendermos, que definitivamente, tais direitos, são fragilizáveis, e repletos de relações tensionais, tendo em vista que foram constituídos historicamente graças a mobilização da sociedade civil organizada, da mesma forma, não seria difícil imaginar um processo de investida de desmobilização e reforma de parte desses direitos.

Para Camila Potyara Pereira (2016) a proteção social no mundo se deu por duas vias,

as medidas protetoras voltadas para os riscos associados ao trabalho industrial, cujas principais características residem no fato de terem sido obrigatórias, condicionadas a contribuições prévias, de caráter legal e geridas pelo Estado. Foi o caso do seguro social, originalmente pensado como medida defensiva e reparadora de proteção aos

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trabalhadores formalmente empregados e cuja integração ao sistema social dominante se fazia necessária por questão de ordem pública; isto é, como um antídoto contra as ideias socialistas que rondavam a Europa. (PEREIRA, 2016, p.23)

Para a estudiosa, esse molde ganha espaço na Alemanha do Século XIX sob o governo do Chanceler Otto Von Bismarck, por este motivo ficou conhecido como modelo bismarckiano, ou seguro social, pelo qual as pessoas devem contribuir previamente para poder usufruir de serviços sociais. Outro Modelo apontado pela autora e o modelo Beveridgiano. Que consta da ampliação do sistema do seguro social para cidadãos não contribuintes. Essa nova tendência foi desenvolvida na Inglaterra por Willian Beveridge.

a Seguridade ganhou status de direito social, responsabilizando o Estado pela sua garantia e esvaziando a prédica liberal de que a pobreza e a desigualdade eram problemas individuais, gerados pelas próprias pessoas que deles padecem, ou pelos acasos do destino e de circunstâncias imponderáveis. E mais: sua ampla aceitação desbancou o predomínio da cultura filantrópica sempre presente, assim como impediu que a classe trabalhadora se transformasse em um subproletariado. (PEREIRA-PEREIRA, 2005, p. 3, grifos nossos)

No caso brasileiro, a política de saúde instaurada pela constituição federal de 1988 atende ao modelo Beveridgiano, “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (Brasil, 1988)”.Ainda, é possível inferir com base na legislação específica, que tal obrigação do Estado possui sentido amplo, tendo em vista que a saúde possui fatores condicionantes e determinantes, diretamente ligados a outros direitos sociais.

Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.

§ 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. § 2º O dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade.

Art. 3o Os níveis de saúde expressam a organização social e econômica do País, tendo a saúde como determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, a atividade física, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais.

Parágrafo único. Dizem respeito também à saúde as ações que, por força do disposto no artigo anterior, se destinam a garantir às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e social. (BRASIL, 1990, grifos nossos)

O elemento que torna-se central nessa construção é que a saúde passa por um processo de construção como categoria do Direito. Se no início do século XX apenas gozava de

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assistência médica quem estava formalmente inserido no mercado de trabalho e contribuindo ara uma caixa de aposentadoria e pensão, e tal situação caracterizava elemento normativo para usufruto dos serviços de saúde e assistência médica, a partir das duas últimas décadas do mesmo século a sociedade se mobiliza para a construção de uma constituição e de um modelo de Estado que garanta condições de dignidade a existência humana, e sem saúde não há como se falar em dignidade. Ora é ele, o Estado a figura mestra, o pilar central de sustentação das relações de garantia desse direito fundamental, e o marco normativo constitucional e infraconstitucional assim direciona.

4. JUDICIALIZAR É PRECISO? UMA ANÁLISE SOBRE A NECESSIDADE DA

INTERVENÇÃO DO JUDICIÁRIO NA ESFERA DAS POLÍTICAS SOCIAIS PARA CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO

Após traçarmos um percurso histórico e conceitual sobre a saúde enquanto direito humano fundamental garantido via de regra pelo Estado, por meio de políticas econômicas e sociais faz-se necessário incorrermos em um novo percurso, agora por uma análise um pouco mais focada no aspecto da concretização da saúde ou na sua negativa.

Coincidência ou não, junto com o movimento de democratização e participação social, instaura-se um movimento de cunho político e econômico que da novos rumos a práxis coletiva no âmbito das políticas sociais e nas conquistas no âmbito dos direitos sociais. Trata-se da investida neoliberal adotada no início dos anos de 1990, principalmente nos Governos de Fernando Henrique Cardoso, se por um lado havia a pressão popular pela implementação dos direitos adquiridos com a constituição cidadã, de outro, estavam os mecanismos econômicos internacionais, tendenciando no afastamento do Estado das relações, devendo o mercado regular os aspectos da vida econômica do povo.

Nesse sentido, o neoliberalismo tende à inefetividade relativa ou ponderada das normas constitucionais, das leis que assegurem os direitos sociais e das políticas sociais de sua efetivação, priorizando sua formulação pelas relações de mercado e tornando inexoráveis os processos de exclusão social. (SPOSATI, 2012, p.93)

Realizando uma analise das políticas sociais brasileira, Behring (2015)17 aponta para um padrão de constituição de políticas sociais que reproduzem as relações de desigualdade18, na verdade, políticas pobres voltadas para pobres, que visam o controle de mobilizações e

17 BEHRING, Elaine Rossetti. Política Social no capitalismo tardio. 6. Ed. São Paulo: Cortez, 2015.

18 Em determinados períodos históricos inclusive com privilegio direto do setor privado, visando a geração direta

de lucros voltados a agentes específicos, utilizando-se de fundo, recursos da seguridade social inclusive para a construção de grandes Hospitais privados, para utilização de parte dos leitos por determinado tempo pelo SUS, e depois desse prazo seriam concedidos às empresas ou pessoas físicas.

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clamores das massas. A criação de programas e serviços com prazo determinado é a marca central do modelo de saúde brasileiro, um modelo campanhista19.

Todavia, essa não é a questão central, em decorrência dos processos de crises cíclicas do capital, instituída desde os anos de 1970 conforme aponta Behring (2008)20, associado ao prevalecimento do setor privado em detrimento do investimento no setor público, há um gradativo aumento na demanda reprimida por serviços no âmbito do Sistema Único de Saúde. Tal fator esta associado ainda a um aumento na incidência21nos índices de doenças crônicas e doenças de grave potencial lesivo nos últimos anos, associados ao modo de vida, a ausência de hábitos saudáveis e/ou adoção de práticas nocivas ou de agravamento das condições de morbidade22 a saúde.

Observe-se, que de acordo com cada período a saúde ganha conceitos distintos, revestidos de caracteres e interesses diversos, todavia voltados a reprodução de uma lógica do próprio sistema organizativo e econômico vigente, respaldado no processo de reestruturação do capital e da polarização de riquezas e reprodução do padrão societário desigual.

Ora, uma das marcas do sistema na contemporaneidade é, que mesmo estando garantido no ordenamento jurídico a existência do direito, ou seja, líquido e certo, positivado, aplicável e válido. O Estado alega não haver recursos para o cumprimento de sua obrigação. Afastando-se de sua responsabilidade como único ente com capacidade objetiva de garantir direitos.

Tais mecanismos demonstram falhas no modus operandi do sistema de saúde, ou na forma de implementação da legislação vigente, ferindo direitos adquiridos e respaldados no ordenamento constitucional pátrio. Restando ao cidadão a busca pela efetivação do seu direito, e ao Estado através de seus Poderes, a organização e estruturação de forma a garantir tais mecanismos.

19 Um verdadeiro atestado de não cumprimento de sua função, tendo em vista que o sistema não realizou

ordinariamente os procedimentos que deveria, a solução é realizar campanhas para alcançar as metas e prestar contas ao Banco Mundial, ao Fundo Monetário Internacional, a Organização Mundial de Saúde, que cada vez mais cobram resoluções para os problemas de saúde, através de metas de gestão.

20 BEHRING, Elaine Rossetti. Brasil em contra-reforma: desestruturação do Estado e perda de direitos. 2. Ed.

São Paulo: Cortez, 2008.

21 Número de casos novos de um determinado agrado – entenda-se agravo como qualquer perturbação ao

perfeito estado de bem estar físico, mental e/ou social.

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Com a criação do Estado Democrático de Direito a partir do processo de positivação da Constituição Federal de 1988, a saúde ganha um novo enfoque, muito embora a reprodução das velhas questões permaneça, tal instrumento traz consigo uma nova possibilidade, a da universalização do direito com intenso deslocamento da responsabilização para o Estado. Bem como dá ao cidadão como foco da política de saúde em voga a requisição da oferta dos serviços que garantam universalmente e integralmente a saúde como um todo, observando as diversas condicionantes e determinantes do processo saúde-doença.

Desde que a saúde se transformou em um direito universal e um dever do Estado (Art. 196 da CF/88), a dimensão jurídica da cidadania passou a ser progressivamente incorporada ao setor que antes se orientava apenas por pressupostos técnico-científicos e administrativos, na forma de organização e oferta dos serviços. O fato de a Constituição assegurar a integralidade do atendimento, mesmo que com prioridade para as atividades preventivas (Art. 198), tornou-se o principal argumento para que as necessidades insatisfeitas dos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) se transformassem em demandas judiciais. (FLEURY, 2012, 159)

Ganha a população uma nova arma na luta pela conquista do direito a saúde, o apoio do poder judiciário, a partir da função jurisdicional do Estado, inovando se comparado as funções administrativa e legiferante. É importante observar os dois lados do processo judicializatório, tendo em vista que:

[...]se por um lado a crescente demanda judicial acerca do acesso a medicamentos, produtos para saúde, cirurgias, leitos de UTI, dentre outras prestações positivas de saúde pelo Estado, representa um avanço em relação ao efetivo exercício da cidadania por parte da população brasileira, por outro, significa um pouco de tensão entre os elaboradores e os executores da política no Brasil, que passam a atender um número cada vez maior de ordens judiciais, garantindo as mais diversas prestações do Estado. Prestações estas que representam gastos públicos e ocasionam impactos significativos na gestão pública. (BOTELHO, 2011, p.65)

Para além dessa análise busca-se ainda uma reflexão óbvia ao processo administrativo da política. Tendo em vista a implementação de ações extras não contidas nas previsões orçamentárias, qual o efeito dessa oferta de serviços para os previamente projetados? Existe um impacto na oferta dos serviços demandados à população? De concreto apenas vale salientar que o direito ao acesso aos serviços de saúde é liquido e certo, presentes nos mais diversos instrumentos do ordenamento jurídico brasileiro, e reafirmado pelos acordos e tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Cabendo ao Estado sua prestação de forma integral, garantindo o aspecto da universalidade.

Para responder a tais questões inicialmente necessitamos caracterizar o direito a saúde como um direito transindividual, ou seja, como sendo de um individuo, mas também de todos

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que residem no território brasileiro. Tal status ficou instituído com o advento da constituição de 1988. Assim sendo quando o Estado garante o direto a um indivíduo, não é única e simplesmente a ele, mas a toda a coletividade.

Um marco para a compreensão das perspectivas da judicialização da saúde no Brasil foi o voto do Min. Gilmar Mendes, em sede julgamento de Apelação Cível nº 408729/CE (2006.81.00.003148-1) no Supremo Tribunal federal em 16 de junho de 2009. Do voto do Ministro passamos a analisar alguns pontos, vejamos:

[...]O fato é que o denominado problema da “judicialização do direito à saúde” ganhou tamanha importância teórica e prática, que envolve não apenas os operadores do direito, mas também os gestores públicos, os profissionais da área de saúde e a sociedade civil como um todo. Se, por um lado, a atuação do Poder Judiciário é fundamental para o exercício efetivo da cidadania, por outro, as decisões judiciais têm significado um forte ponto de tensão entre os elaboradores e os executores das políticas públicas, que se veem compelidos a garantir prestações de direitos sociais das mais diversas, muitas vezes contrastantes com a política estabelecida pelos governos para a área de saúde e além das possibilidades orçamentárias. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal STF - STA: 175 CE, Relator: Min. PRESIDENTE, Data de Julgamento: 16/06/2009, Data de Publicação: DJe-117 DIVULG 24/06/2009 PUBLIC 25/06/2009, p. 09)

Dentre os elementos constitutivos e norteadores do voto em questão é que em primeiro lugar, a judicialização à saúde não é um problema. Mas, uma solução, em face de um gigante, qual seja a ausência da efetivação de um direito humano fundamental pelo Estado. Tal ente, falha previamente, em sua função de planejamento das estratégias de alcance da população a esse direito, bem como na formulação de políticas sociais e econômicas capazes de gerar equilíbrio nas relações de produção de serviços sociais, e por esse motivo, o Poder Judiciário é convocado a intervir e fazer valer o que for de Direito.

[...]Lembro, neste ponto, a sagaz assertiva do professor Canotilho segundo a qual “paira sobre a dogmática e teoria jurídica dos direitos econômicos, sociais e culturais a carga metodológica da vaguidez, indeterminação e impressionismo que a teoria da ciência vem apelidando, em termos caricaturais, sob a designação de „fuzzismo‟ ou „metodologia fuzzy‟”. “Em toda a sua radicalidade – enfatiza Canotilho – a censura de fuzzysmo lançada aos juristas significa basicamente que eles não sabem do que estão a falar quando abordam os complexos problemas dos direitos econômicos, sociais e culturais”. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal STF - STA: 175 CE, Relator: Min. PRESIDENTE, Data de Julgamento: 16/06/2009, Data de Publicação: DJe-117 DIVULG 24/06/2009 PUBLIC 25/06/2009, p.10)

Tal afirmação lançada pelo Relator denota que há de se criar junto aos cursos jurídicos, bem como junto aos operadores do Direito, juristas e julgadores, espaços coletivos

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de debates em torno de temas como saúde, orçamento público em saúde, gestão de serviços públicos, níveis de complexidade, especificidades das demandas e serviços em saúde, Normas Operacionais Básicas, Pacto Pela Saúde, Pacto pela vida, dentre outros aspectos que constituem a formação básica em saúde pública, a fim de dar subsídios à formulação de decisões que amparem e respeitem as particularidades e especificidades da política social da saúde.

[...]Esse foi um dos primeiros entendimentos que sobressaiu nos debates ocorridos na Audiência Pública em Saúde: no Brasil, o problema talvez não seja de judicialização ou, em termos mais simples, de interferência do Poder Judiciário na criação e implementação de políticas públicas em matéria de saúde, pois o que ocorre, na quase totalidade dos casos, é apenas a determinação judicial do efetivo cumprimento de políticas públicas já existentes. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal STF - STA: 175 CE, Relator: Min. PRESIDENTE, Data de Julgamento: 16/06/2009, Data de Publicação: DJe-117 DIVULG 24/06/2009 PUBLIC 25/06/2009, p. 19)

No tocante, ao fator econômico e a necessidade de formulação de políticas econômicas que deem sustentação aos direitos sociais, o Ministro, refere que a o argumento da ausência de recursos não caracteriza-se como justificativa para a não efetivação do direito, assim sendo, dever-se-á tomar decisões alocativas no que se refere ao orçamento, garantindo a exequibilidade do acesso.

[...]Ressalto, [...]para o reconhecimento de que todas as dimensões dos direitos fundamentais têm custos públicos, dando significativo relevo ao tema da “reserva do possível”, especialmente ao evidenciar a “escassez dos recursos” e a necessidade de se fazerem escolhas alocativas, concluindo, a partir da perspectiva das finanças públicas, que “levar a sério os direitos significa levar a sério a escassez”[...] Dessa forma, em razão da inexistência de suportes financeiros suficientes para a satisfação de todas as necessidades sociais, enfatiza-se que a formulação das políticas sociais e econômicas voltadas à implementação dos direitos sociais implicaria, invariavelmente, escolhas alocativas. Essas escolhas seguiriam critérios de justiça distributiva (o quanto disponibilizar e a quem atender), configurando-se como típicas opções políticas, as quais pressupõem “escolhas trágicas” pautadas por critérios de macro justiça. [...]A garantia mediante políticas sociais e econômicas ressalva, justamente, a necessidade de formulação de políticas públicas que concretizem o direito à saúde por meio de escolhas alocativas. É incontestável que, além da necessidade de se distribuírem recursos naturalmente escassos por meio de critérios distributivos, a própria evolução da medicina impõe um viés programático ao direito à saúde, pois sempre haverá uma nova descoberta, um novo exame, um novo prognóstico ou procedimento cirúrgico, uma nova doença ou a volta de uma doença supostamente erradicada. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal STF - STA: 175 CE, Relator: Min. PRESIDENTE, Data de Julgamento: 16/06/2009, Data de Publicação: DJe-117 DIVULG 24/06/2009 PUBLIC 25/06/2009, pp.06-16)

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O que não exclui o fornecimento de novos serviços que estejam sendo estudados e que forneçam grau de segurança e resultados comprovadamente satisfatórios no alcance dos resultados quanto ao reestabelecimento da saúde do indivíduo. Desde que respeitados os critérios de biossegurança. Nesse sentido, os tribunais vem decidindo em sua maioria pela garantia do direito a saúde, mesmo através da via judicial, entendendo que o Estado falhou em não cumprir com sua missão, não podendo o cidadão ser lesado no gozo de seus direitos fundamentais.

CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. TUTELA DE URGÊNCIA CONCEDIDA.

SAÚDE PÚBLICA. IRRESIGNAÇÃO DO ENTE PÚBLICO.

RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO PODER PÚBLICO. LEGITIMIDADE DO MUNICÍPIO. AUTOR ACOMETIDO DE AVC (ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL). NECESSIDADE DE INTERNAÇÃO EM UTI (UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA). DEVER DO ESTADO, EM QUALQUER DE SUAS ESFERAS, DE PRESTAR ASSISTÊNCIA SOB PENA DE AFRONTA A DIREITOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS. DEMONSTRAÇÃO DA NECESSIDADE. PRIMAZIA DO DIREITO À VIDA E À DIGNIDADE DA

PESSOA HUMANA. PRECEDENTES. CONHECIMENTO E

DESPROVIMENTO DO AGRAVO. (RIO GRANDE DO NORTE. TJ-RN - AI: 20170021288 RN, Relator: Des. Dilermando Mota. Data de Julgamento: 21/09/2017, 1ª Câmara Cível, Grifos nossos)

A adoção pelos tribunais de que o Estado é o responsável pelas prestações positivas no âmbito dos direitos sociais, é pacificado, e quando se refere ao “Estado”, não dissocia seus entes. São assim solidariamente responsáveis pela prestação dos interesses do cidadão, nada obstando uma posterior demanda de regresso, pelos valores investidos naquela no cumprimento daquela demanda judicial. Um outro forte argumento utilizado de forma reiterada pelos órgãos julgadores é o da primazia da tutela da vida e da dignidade da pessoa humana, utilizando-se para tanto dos elementos contidos no artigo 5º da Constituição Federal.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.275.990 - DF (2011/0211784-5) RELATOR:

MINISTRO OG FERNANDES RECORRENTE: DISTRITO FEDERAL

PROCURADOR: RICARDO SUSSUMU OGATA E OUTRO (S) RECORRIDO: JONIDES MENDES ADVOGADO: RICARDO KLOSE PARISE DECISÃO Vistos, etc. Trata-se de recurso especial interposto pelo Distrito Federal, com fundamento na alínea a do inciso III do art. 105 da CF/88, contra acórdão proferido pelo respectivo Tribunal de Justiça, assim ementado (e-STJ, fl. 153): MANDADO DE SEGURANÇA. FORNECIMENTO DE OXIGÊNIO DOMICILIAR. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. DEVER DO ESTADO. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. IMPACTOS ECONÔMICOS DAS DECISÕES JUDICIAIS. RESERVA DO POSSÍVEL. JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE. [...] 2. A judicialização do direito à saúde ganhou tamanha importância teórica e prática que envolve não apenas os operadores do Direito, mas também os gestores públicos, os profissionais da área de saúde e a sociedade civil como um todo. O STF, na SS 3854, já advertiu acerca da necessidade de instrução das demandas de saúde para que não ocorra a produção padronizada de iniciais, contestações e sentenças, peças processuais que, muitas vezes, não contemplam as

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especificidades do caso concreto examinado, impedindo que o julgador concilie a dimensão subjetiva, individual e coletiva, com a dimensão objetiva do direito à saúde. 3. No caso dos autos, há prova pré-constituída de que o tratamento prescrito para uso de oxigênio contínuo é indispensável para a manutenção da vida da impetrante. 4. Segurança concedida para que a Autoridade coatora disponibilize o material necessário para a realização do tratamento demandado, de forma contínua, tal como prescrito em relatório médico. [...]Ante o exposto, com base no art. 557, caput, do CPC, nego seguimento ao recurso especial. Publique-se. Intimem-se. Brasília, 12 de maio de 2015. Ministro Og Fernandes Relator. (BRASIL, STJ - REsp: 1275990 DF 2011/0211784-5, Relator: Ministro OG FERNANDES, Data de Publicação: DJ 25/05/2015)

Nessa mesma perspectiva o Superior Tribunal de Justiça, utilizando-se de entendimento firmado no STF, vem formulando julgados que visam garantir a eficácia dos ditames contidos na lei 8.080/1990 bem como no próprio marco constitucional. Compreendendo que tal política é reflexo das relações sociais de produção social e do trabalho, com fortes imbricações na vida cotidiana dos indivíduos, envolvendo o dever de análise apurada com especial atenção as peculiaridades da política social e de cada caso em específico.

O próprio Supremo tribunal federal em casos onde a análise merece maior atenção e sensibilidade, dirige-se ao marco regulatório constitucional para responder a demanda exposta e particular:

Trata-se de recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, assim ementado: AGRAVO REGIMENTAL EM APELAÇÃO CÍVEL. DETERMINAÇÃO PARA INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA DE MENOR. DEPENDÊNCIA QUÍMICA. JULGAMENTO MONOCRÁTICO. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTOS QUE IMPLIQUEM EM ALTERAÇÃO DO JULGADO. [...] 1. O artigo 196 da CF impõe o dever estatal de implementação das políticas públicas, no sentido de conferir efetividade ao acesso da população à redução dos riscos de doenças e às medidas necessárias para proteção e recuperação dos cidadãos. 2. O Estado deve criar meios para prover serviços médico-hospitalares e fornecimento de medicamentos, além da implementação de políticas públicas preventivas, mercê de os entes federativos garantirem recursos em seus orçamentos para implementação das mesmas. (arts. 23, II, e 198, § 1º, da CF). 3. O recebimento de medicamentos pelo Estado é direito fundamental, podendo o requerente pleiteá-los de qualquer um dos entes federativos, desde que demonstrada sua necessidade e a impossibilidade de custeá-los com recursos próprios. Isto por que, uma vez satisfeitos tais requisitos, o ente federativo deve se pautar no espírito de solidariedade para conferir efetividade ao direito garantido pela Constituição, e não criar entraves jurídicos para postergar a devida prestação jurisdicional. 4. In casu, o chamamento ao processo da União pelo Estado de Santa Catarina revela-se medida meramente protelatória que não traz nenhuma utilidade ao processo, além de atrasar a resolução do feito, revelando-se meio inconstitucional para evitar o acesso aos remédios necessários para o restabelecimento da saúde da recorrida. 5. Agravo regimental no recurso extraordinário desprovido. Diante do exposto, com base no art. 21, § 1º, do RI/STF, nego seguimento ao recurso. Publique-se. Brasília, 28 de agosto de 2017. Ministro Luís Roberto Barroso Relator. (BRASIL, STF - RE: 1067612 GO - GOIÁS 0418302-33.2012.8.09.0012, Relator: Min. ROBERTO BARROSO, Data de Julgamento: 28/08/2017, Data de Publicação: DJe-195 31/08/2017, Grifos Nossos)

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Nesse sentido, cabe ao Estado as medidas de prevenção, promoção e reabilitação da saúde do indivíduo, devendo para tanto planejar-se e estruturar-se por intermédio de políticas efetivas e capazes de fornecer as respostas que a lei indica. A interpretação dos elementos normativos deve ser realizada em caráter ampliativo, no que concerne a garantia do padrão de dignidade aos indivíduos, observando a não mitigação dos mínimos existenciais. E quando da existência dessa, cabe ao judiciário enquanto estrutura autônoma do Poder, se posicionar, dando a interpretação da lei, afastando-se dos interesses escusos.

Muito embora sofra fortes críticas por parte de alguns teóricos do direito, a judicialização vem se consolidando como um mecanismo de efetivação de direitos sociais negados pelo Estado em seus níveis, através dos mais diversos aparelhos estatais, caracteriza-se como uma estratégia válida, mas que requer reflexões contínuas, e críticas a fim de não desvirtua-la e descaracterizá-la.

CONCLUSÃO

Ao indagarmos inicialmente se judicializar é preciso, incorremos em uma dupla interpretação, uma primeira que nos carreia a noção de necessidade, ora, se há ausência do Estado na implementação de sua função Executiva, e a judicialização apresenta-se como um meio de tutelar um direito garantido pelo ordenamento jurídico, resultado de lutas e movimentos sociais, esse mecanismo deve ser usado, ele é necessário sim, e útil aos cidadãos.

Uma segunda perspectiva possível é a da precisão, ou seja, da exatidão, essa questão tem como pano de fundo uma questão central, a judicialização da saúde cumpre com a função social da justiça? E qual seria essa função? Para responder a tais questões precisamos repensar os rumos dos processos jurisdicionais em saúde atualmente. Muito embora seja um direito transindividual, a saúde é tratada meramente como direito individual homogêneo, através de ações individualizadas, que não trazem coletivização do resultado das decisões ou do direito. Não há um mecanismo de constrangimento do Executivo e do Legislativo a implementarem a partir de suas funções precípuas, algumas ações de planejamento junto ao orçamento capaz de gerar serviços, insumos e procedimentos e número suficiente e capaz de atender a população de forma a reduzir a procura pelo judiciário. Ou seja, cada cidadão procura o judiciário repetidas vezes para efetivação do mesmo direito, meramente por ausência de previsão orçamentária.

Note-se que uma observação é necessária, na presença de orçamentos cada vez mais reduzidos para os gastos sociais, alguns gestores esperam as decisões judiciais para cumprir com a obrigação para com o cidadão, mesmo sabendo que aquele e um direito líquido e certo, tal ação, algumas vezes incorre em tentativas de driblar os mecanismos da Lei de Responsabilidade Fiscal junto ao limite prudencial, tendo em vista que as ações da

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