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Programa Bolsa Família: Mudanças e continuidades na vida das mulheres beneficiárias da cidade de Machado- MG

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ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL

PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM POLÍTICA SOCIAL MESTRADO EM POLÍTICA SOCIAL

Ana Paula Bernardes da Silva

Programa Bolsa Família: Mudanças e continuidades na vida das

mulheres beneficiárias da cidade de Machado- MG

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL

PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM POLÍTICA SOCIAL MESTRADO EM POLÍTICAS SOCIAIS – MODALIDADE MINTER

PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA: MUDANÇAS E CONTINUIDADES NA VIDA DAS MULHERES BENEFICIÁRIAS DA CIDADE DE MACHADO – MG.

Ana Paula Bernardes da Silva

Dissertação de mestrado apresentada à banca examinadora do Programa de Estudos Pós-graduados em Políticas Sociais da UFF, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Política Social.

Orientadora: Rita de Cássia Santos Freitas

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Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do Gragoatá

S586 Silva, Ana Paula Bernardes da.

Programa Bolsa Família: mudanças e continuidades na vida das mulheres beneficiárias da cidade de Machado - MG / Ana Paula Bernardes da Silva. – 2012.

78 f.

Orientador: Rita de Cássia Santos Freitas.

Dissertação (Mestrado em Política Social) – Universidade Federal Fluminense, Escola de Serviço Social, 2012.

Bibliografia: f. 64-68.

1. Programa Bolsa Família. 2. Brasil. 3. Política social. 4. Mulher; aspecto social. 5. Machado (MG). I. Freitas, Rita de Cássia Santos. II. Universidade Federal Fluminense. Escola de Serviço Social. III. Título.

CDD 362.5820981

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Dedicatória

Às duas mulheres que me permitem, a

cada dia, conhecer o verdadeiro sentido

do amor. Minha mãe D. Benedita e

minha filha Sophia.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço em primeiro lugar a Deus que me guia sempre dando-me

luz e perseverança para caminhar.

À minha mãe amada e gentil que cuidou de mim e de Sophia durante

esses dois anos para que este projeto pudesse ser concluído. Devo esta

conquista à senhora. OBRIGADA MÃE!

Agradeço ao meu marido Roberto pela troca de conhecimentos.

Nossas discussões sobre os temas abordados ao longo desse Mestrado

foram de extrema importância para mim. Sua visão humanista frente aos

problemas sociais foi fundamental para meu aprendizado. É muito bom

caminharmos juntos.

À minha orientadora Rita Freitas por todo conhecimento que me foi

transmitido ao longo desse curso. Agradeço pela acessibilidade, pela

atenção, carinho e dedicação com que conduziu este trabalho.

Aos professores Monica, Lenaura, João e Nivia. Foram momentos de

aprendizagem divertidos e inesquecíveis!

Vocês são muito especiais!

Agradeço novamente à professora Monica Senna e à professora

Monica Alencar que gentilmente aceitaram o convite para compor a Banca

Examinadora.

Às moradoras de Douradinho por terem sido solícitas e dividirem

suas histórias de vida comigo.

À minha sogra D. Benedita Órfão pelas orações ao longo desse

curso. Mesmo não estando mais fisicamente entre nós, sinto sua presença

nos abençoando.

Finalizo agradecendo ao amor da minha vida, minha filha Sophia.

Razão do meu viver. Você me possibilitou viver intensamente este

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mestrado. Estudar sobre mulheres, maternidade e famílias foi estudar

sobre nós, nosso universo, nossas vidas. Com vinte dias de nascimento,

em meio ao período de amamentação, voltei-me para os textos, mergulhei

nos estudos. Não foi um período fácil pra nós, mas conseguimos! E eu me

pergunto se tudo valeu a pena. É claro que sim! Como já dizia o poeta

Fernando Pessoa “Tudo vale a pena, se a alma não é pequena.”

(7)

O senhor

mire, veja: o mais importante e bonito,

do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre

iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas

vão sempre mudando. Afinam ou desafinam,

verdade maior. É o que a vida me ensinou. Isso

que me alegra montão.

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RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo investigar o Programa Bolsa Família e seus rebatimentos na vida das mulheres rurais beneficiárias deste programa. A pesquisa foi realizada no Distrito de Douradinho, bairro rural pertencente à cidade de Machado-MG. A pesquisa envolveu uma dimensão qualitativa, utilizando como metodologia a história oral. Através de trinta e seis entrevistas que nos possibilitaram conhecer a realidade vivida por estas mulheres do campo, buscamos conhecer o perfil da beneficiária do Programa Bolsa Família, moradora da zona rural. Nosso foco nesse trabalho foi analisar quais as transformações ocorridas na dinâmica familiar, na auto-estima e nas relações interpessoais dessas mulheres a partir da inserção neste programa de transferência de renda. Os resultados desta pesquisa nos permitem afirmar que o Programa Bolsa Família cumpre seu objetivo em promover um alívio imediato para a pobreza, já que todas afirmaram a importância econômica do benefício. No entanto, mudanças nas relações de gênero ou aumento da auto-estima não foram vivenciadas pelas beneficiárias rurais. Estas apresentaram uma identidade centrada na maternidade, reafirmando uma exclusiva dedicação á família. Mostrando-nos pouco ou nenhum empoderamento em suas vidas.

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ABSTRACT

This study aims to investigate the Bolsa Família and its repercussions on the lives of rural women beneficiaries of this program. The survey was conducted in the District of Douradinho, rural district belonging to the city of Machado-MG. The research involved a qualitative dimension, using oral history as methodology. Through thirty-six interviews that enabled us to know the reality experienced by these women from the countryside, we know the profile of the beneficiary of Bolsa Família, a resident of rural area. Our focus in this study was to analyze what changes occurred in family dynamics, self-esteem and interpersonal relationships of these women from the insertion of this income transfer program. These results allow us to state that the Bolsa Família Program accomplishes its objective to promote an immediate relief to poverty, since they all affirmed the importance of the economic benefit. However, changes in gender relations and increased self-esteem were not experienced by rural beneficiaries. These showed an identity centered on motherhood, reaffirming an exclusive devotion to family. Showing us little or no empowerment in their lives.

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 9

A cidade de Machado 12

Procedimentos Metodológicos 14

CAPÍTULO I: POLÍTICAS PÚBLICAS DE ATENÇÃO À POBREZA, PROTEÇÃO SOCIAL E GÊNERO

16

1.1 Gênero, Famílias e Redes 17

1.2 Proteção social e Famílias - Refletindo esta relação 27 1.3 Proteção Social e Famílias – A realidade brasileira 29

1.4 O Programa Bolsa Família 37

CAPÍTULO II: MACHADO, PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA E GÊNERO

40

2.1 A cidade de Machado 41

2.2 Empoderamento, Gênero e Programa Bolsa Família 46

2.3 Os resultados da pesquisa 47

CONSIDERAÇÕES FINAIS 60

BIBLIOGRAFIA 64

ANEXOS ANEXO I – ROTEIRO DE ENTREVISTA ANEXO II – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

ANEXO III – QUADRO I – Perfil das beneficiárias

ANEXO IV – QUADRO II – Relação das beneficiárias com o Programa Bolsa Família

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APRESENTAÇÃO

O Programa Bolsa Família é considerado um dos programas sociais de maior importância dos últimos tempos, pois atualmente atende mais de 13.000.000 famílias, tendo como objetivo intervir no ciclo de pobreza que se perpetua entre as famílias pobres e miseráveis de nosso país. O programa tem como principal beneficiária a mulher, que passa a ser sujeito ativo neste processo, já que é ela quem recebe preferencialmente o benefício e decide como gastar este dinheiro.

Os objetivos do programa são claros: erradicar a pobreza e promover o desenvolvimento das famílias. No entanto, acredito que o programa possa alterar as relações de gênero já que oferece renda a quem antes não tinha A mulher, dona de casa, mãe e responsável pela gestão doméstica passa a receber uma renda mensal, e pode decidir sobre o destino que é dado a este valor. Dessa forma, pode-se ganhar mais autonomia, maior independência e outras formas de empoderamento, que não estão entre os objetivos do programa mas podem ser conseguidas indiretamente1. Embora não possamos esquecer que o fato da mulher ser a principal beneficiária do programa também reafirma o papel desta mulher como responsável pela casa e pela família, bem como seu papel materno.

Acredita-se que as usuárias do programa adquirem maior autonomia financeira, pois são elas que administram esta renda, não só recebendo o dinheiro, mas também decidindo sobre o que será comprado com o mesmo; além disso, as beneficiárias podem participar dos programas complementares, os quais incluem cursos de capacitação e palestras nos Centros de Referência da Assistência Social – CRAS.

1 Optamos por não inserir neste momento a discussão acerca do empoderamento, Ela será abordada no segundo capítulo

– juntamente com os resultados da pesquisa. Por enquanto, é importante enfatizar que “o empoderamento envolve o aprendizado de novas atitudes, uma tomada de consciência do sujeito com relação a sua situação de subordinado, preconizando a decisão de agir em seu benefício, para sair da situação de exclusão e falta de poder, fazendo um levantamento de competências e recursos necessários para maior controle de suas vidas” (CARVALHO, 2012, p. 45).

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Estes programas podem colaborar para que estas mulheres aumentem sua auto-estima pois desenvolvem a noção de pertencimento, podem expor suas opiniões em grupo, valorizando sua individualidade, valorizando seu saber, há apreensão de novas informações, estimulando maior sustentação e autonomia. Além disso, o programa pode romper com o isolamento social dessas mulheres, já que passam a circular mais vezes para fazer suas compras ou para participarem dos programas complementares, sendo assim, há uma maior visibilidade pois passam a ocupar os espaços públicos.

Assim a presente dissertação de mestrado tem como objetivo analisar as transformações ocorridas na vida das mulheres rurais, beneficiárias do Programa Bolsa Família da cidade de Machado, sul de Minas Gerais a partir da entrada das mesmas neste importante programa de transferência de renda. Dessa forma, analisarei quais as mudanças e continuidades na vida das beneficiárias machadenses, do bairro rural de Douradinho. Este valor recebido mensalmente altera sua situação econômica, bem como suas relações interpessoais são modificadas em função do valor monetário recebido pelo programa? Estas mulheres passam a ser mais respeitadas no ambiente familiar em função do recebimento do benefício? As beneficiárias têm acesso aos programas complementares do Programa Bolsa Família (PBF)? O PBF conta com as atividades dos CRAS para maior integração das beneficiárias com a sociedade e com elas próprias através de palestras, cursos e informações. Estas atividades acontecem no CRAS de Machado? Se afirmativo, pode-se dizer que as beneficiárias aumentaram sua auto-estima, participam mais ativamente de eventos sociais, ou das questões sociais de sua cidade em função de participarem do programa? Há maior participação na esfera pública após ingressarem no programa? O que permaneceu? Quais foram as continuidades? O programa realmente trouxe mudanças significativas na vida dessas mulheres?

Minha proposta é fazer um estudo sobre a vida destas mulheres, e o impacto deste programa de transferência de renda no cotidiano destas. Também acredito ser importante fazer um levantamento sobre o perfil destas mulheres, pois os estudos mostram que as beneficiárias além de serem pobres, são negras em sua maioria, com baixa escolaridade, solteiras ou separadas, que criam sozinhas seus filhos. No entanto, como é essa realidade no mundo rural, mais especificamente, na cidade de Machado? Pretendo estudar este universo feminino cheio de vulnerabilidades e exclusões, mas, sobretudo, marcado por lutas e vitórias.

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O estudo pelo universo da categoria “gênero” iniciou-se em minha primeira pesquisa acadêmica, quando conclui minha pós-graduação em Gestão de Negócios em 2006, estudando o “Perfil da Administração Feminina”; nesta época já me despertava interesse toda a literatura sobre este tema envolvendo as mulheres e o mercado de trabalho. Em 2009 tive contato com um grupo de costureiras da zona rural da cidade de Machado, mas especificamente com a Associação de costureiras do bairro da Caiana, e, estreitando relações com estas mulheres pude conhecer um pouco mais sobre suas vidas, suas relações pessoais, seus trabalhos, suas vulnerabilidades seus sonhos. Em 2010 iniciei o Mestrado em Políticas Sociais e estudando sobre avaliações de políticas públicas na disciplina “Avaliação de Políticas Sociais” ministrada pela Professora Lenaura, tive contato com as avaliações sobre o Programa Bolsa Família, e, me vi interessada por esta política, já que seria uma oportunidade de estudar sobre a vida de mulheres pobres como as costureiras da Caiana tendo como enfoque a participação dessas mulheres em uma política pública como um Programa de Transferência de Renda intitulado Programa Bolsa Família.

Desde as últimas décadas agentes governamentais e a sociedade civil se vêem diante de um desafio que se arrasta por anos; este desafio é chamado de erradicação da pobreza presente na vida de milhares de brasileiros. Esta triste realidade vem acompanhada de problemas complexos como a exclusão social, o desemprego ou subemprego, e juntamente com todos estes problemas vemos que a pobreza tem sexo e cor. As mulheres vivem a herança deste país que por anos, assistiu a presença feminina sempre em ocupações menos significativas ou, simplesmente, sendo submissas aos homens. Estas diferentes oportunidades oferecidas a homens e mulheres se refletem neste quadro de miséria que assombra este país o qual luta para crescer gerando melhores condições de vida para toda sua população.

Diante desta realidade, os programas de transferência de renda oferecem uma proposta de intervenção neste ciclo de pobreza ao contribuir com uma renda mensal fixa às famílias pobres dando prioridade às mulheres como principais beneficiárias deste programa, que é fruto da integração de outros programas sociais, e tem, dentre seus objetivos, promover o alívio imediato da pobreza e propiciar o desenvolvimento para as famílias, através dos programas complementares. Entendo que o Programa Bolsa Família tenha se tornado um dos principais programas de combate à fome no Brasil, uma vez que para muitas famílias pobres, os benefícios deste programa seriam a única possibilidade de obtenção de renda. Dessa forma analisarei o impacto deste programa na vida destas beneficiárias da cidade de Machado. Para isso, é importante conhecer um pouco mais dessa cidade.

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A cidade de Machado

A cidade de Machado encontra-se localizada no sul de Minas Gerais, sendo considerada uma cidade estratégica já que está próxima das três importantes capitais do sudeste: Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro. Segundo dados do IBGE de 2010 a cidade possui aproximadamente 40.000 habitantes, sendo este total dividido em 19.341 homens e 19.343 mulheres. A população urbana corresponde a 32.068 habitantes, enquanto a zona rural engloba 6.616 pessoas.

Na área da saúde há um único hospital, uma unidade do NAPS (Núcleo de assistência psico-social), além de cinco PSFs (Programa de Saúde da Família). No campo da educação a cidade possui cerca de quarenta escolas que oferecem o ensino fundamental, pré-escola e médio. Além de duas faculdades que oferecem o ensino superior. Destaca-se a presença do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do sul de Minas, IFSULDEMINAS, que possui cursos que vão do ensino fundamental ao superior, promovendo atividades de ensino, pesquisa e extensão. A cidade possui grandes empresas na área alimentícia como a “Santa Amália” e a “Reserva de Minas” que juntas, geram cerca de 2000 empregos. Além de várias micro e pequenas empresas como confecções e facções2 voltadas para atender o contingente feminino de mão-de-obra. No entanto, a principal atividade econômica da cidade é a cafeicultura. Machado é marcada por grandes fazendas e fazendeiros, configurando em sua extensa zona rural, com população ativa que trabalha e mora no campo, o que traz um perfil específico para a cidade.

Nesta população rural, sobretudo formada por muitas mulheres, é comum a prática da Agricultura Familiar, onde a família se organiza e se sustenta com seu próprio trabalho3. Observa-se também, em função da grande preObserva-sença feminina na zona rural, a criação de Associações de Costureiras que configuram em uma forma a mais de sustento para estas mulheres.

É também uma cidade festeira. Esta cidade do sul de Minas possui uma grande festa folclórica denominada Festa de São Benedito, que acontece no mês de Agosto de todos os anos. Esta festa mostra quão forte é o catolicismo na cidade, sendo organizada pelos Católicos que passam a ser denominados “Festeiros”. Estes Festeiros ficam responsáveis por arrecadarem objetos

2 No Brasil, "facção"[1] é o nome dado às indústrias de confecções e vestuário que fazem seus serviços exclusivamente

para outras empresas de confecções, seja indústria ou comércio

3A agricultura familiar caracteriza-se pela relação entre terra, trabalho e família, e apresenta uma série de

especificidades e diferenciação regional/local que assegura sua inserção e reprodução na sociedade contemporânea. Apresenta uma relação íntima entre terra, trabalho e família, onde a gerência, o trabalho são realizados pela família e os meios de produção lhes pertencem. Caracteriza-se pelo controle da família sobre os meios de produção e ao mesmo

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que serão leiloados durante o evento, além de organizarem todos os preparativos juntamente com os Congadeiros, que representam o lado folclórico da festa. A cidade possui a Associação dos Congadeiros, formada por negros que se reúnem e realizam atividades durante todo o ano, com apresentações de Congadas que culminam com a Festa de São Benedito. Durante a festa, acontecem as Congadas, com rituais e apresentações durante os quinze dias de festa. O evento mais importante da cidade de Machado acontece na Praça de São Benedito, local de encontro de negros e congadeiros. A Praça também abriga a Igreja de São Benedito, onde as missas são marcadas pelas músicas alegres e pelas vestes coloridas dos congadeiros. Durante o evento, a cidade se movimenta com a presença de dezenas de visitantes, que se encantam com toda a tradição e aproveitam para degustar os quitutes que marcam esta festa, como o famoso biscoito com pernil, oferecido nas várias barracas que são montadas em toda a Praça de São Benedito. A cidade é marcada pelo clima temperado de inverno, com verões chuvosos e um território montanhoso. Pode-se dizer que as montanhas protegem a cidade que tem um povo hospitaleiro e desconfiado como todo bom mineiro.

A cidade possui atualmente 3.838 famílias cadastradas no Cadúnico, dessas famílias 1.888 recebem o Bolsa Família. Neste total há 3021 crianças e jovens até 15 anos e 235 jovens entre 16 e 17 anos. Existe uma única unidade do CRAS e outra em construção. Levando em consideração a extensa e característica zona rural da cidade de Machado, foi que busquei através desta pesquisa um olhar diferenciado sobre as beneficiárias do PBF. Por isso, escolhi analisar as beneficiárias de um bairro rural chamado Douradinho.

Assim, tive como objetivo analisar as possíveis mudanças ocorridas na dinâmica familiar das mulheres beneficiárias do Programa Bolsa Família no Bairro de Douradinho na cidade de Machado, sul de Minas Gerais. Além disso, elenco como objetivos específicos: traçar o perfil dessas beneficiárias; investigar se houve aumento da auto-estima dessas mulheres em função de ingressarem no Programa; avaliar se houve, a partir da existência de uma renda fixa mudanças nas relações interpessoais dessas mulheres com seus filhos, maridos e vizinhos; investigar se as beneficiárias do PBF passaram a frequentar os espaços públicos, ou se intensificaram essa frequência a partir do recebimento do benefício e analisar como vem se construindo as redes de sociabilidade entre essas mulheres.

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Procedimentos Metodológicos

Este trabalho buscou analisar a realidade das mulheres beneficiárias do Programa Bolsa Família. Dessa forma, utilizei-me da história oral para fazer o contato com essas mulheres, analisando por meio de suas falas as mudanças e as continuidades acontecidas a partir do programa.

Para ouvir a voz das mulheres rurais que recebem este benefício em Machado, utilizei como técnica de pesquisa a entrevista qualitativa pois esta “fornece os dados básicos para o

desenvolvimento e a compreensão das relações entre os atores sociais e sua situação.”

(GASKELL, 2003, p. 65). Foi através de suas falas que conheci suas opiniões, suas experiências, seus sonhos, suas expectativas enquanto mulheres do campo.

Acredito nesta técnica como importante instrumento de aproximação com os sujeitos sociais em questão já que esta “se caracteriza por uma comunicação verbal, que reforça a

importância da linguagem e do significado da fala”. (NETO, 1994, p. 57). Além disso, “toda pesquisa com entrevistas é um processo social, uma interação ou um empreendimento cooperativo, em que as palavras são o meio principal de troca.” (GASKELL, 2003, p. 73 )

Busquei, enquanto pesquisadora, acolher um relato, já que segundo BONAZZI (1996, p. 234), “o informante não colhe, não cria, mas acolhe um relato que irá depois difunde..” Estes relatos foram colhidos através de entrevistas semi-estruturadas já que achei importante ter em mãos um roteiro de perguntas, mas também dar espaço para que as entrevistadas pudesem falar sobre algo não pensado por mim.

A cidade de Machado possui uma extensa zona rural, sendo assim, enfrentei certa dificuldade em determinar o bairro a ser pesquisado. Em contato com o CRAS da cidade pude obter informações sobre as beneficiárias de alguns bairros rurais, já que uma pesquisa havia sido feita com todas as beneficiárias do programa, moradoras da zona rural.

A partir daí pude ter acesso às beneficiárias do bairro de Douradinho conhecido pela grande presença feminina e ativa no bairro. O Distrito de Douradinho pertence ao município de Machado, e possui data de fundação anterior à da própria cidade e também pertenceu à cidade de Paraguaçu, isto no século XIX.

Diz a história que o Distrito poderia ter sido a capital de Minas Gerais, mas que com a escassez de água potável, isto não foi possível. Com aproximadamente 400 anos, Douradinho hoje possui cerca de 1700 habitantes e tem como principal atividade econômica a cafeicultura, seguida

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da agricultura e pecuária. O local se destaca pelos pequenos produtores rurais, na sua maioria autônomos que vivem sob o regime da agricultura familiar. Além disso, há um pequeno comércio local, com mercado, lanchonetes e uma associação de costureiras.

Douradinho possui uma unidade do PSF, um posto de saúde com médicos, enfermeiros e dentistas. No campo da educação possui uma escola estadual de 1º e 2º grau que atende cerca de 300 crianças e jovens. Também possui uma creche com aproximadamente 70 crianças de 1 a 5 anos. Há também um Telecentro comunitário que oferece aulas de informática a toda população que conta com uma conexão de internet gratuita desde 2009. Na área da segurança pública, foi implantado um Posto Policial para atender a comunidade.

As atividades de lazer acontecem no Clube Recreativo que conta com piscina, quadra esportiva e salão para eventos. Existe uma Igreja Católica no local, que fica no centro do Distrito, e as residências são construídas ao redor da Igreja. As festas da comunidade são constantes e atraem um público externo ao Distrito. Na sua grande maioria são festas ligadas à comemorações religiosas, sendo grande a influência do padre na comunidade. Também existem três igrejas evangélicas com as seguintes denominações: duas são Assembléia de Deus e uma Congregação Cristã do Brasil.

Escolhi a comunidade de Douradinho pela identificação com o local. Por já ter contato com alguns moradores do bairro, sempre admirei a forma como vivem as pessoas desse distrito e principalmente a influência feminina nas decisões políticas e administrativas dessa comunidade rural. Finalizo, afirmando que acredito na importância de se ouvir os sujeitos das políticas sociais, aqui as beneficiárias do PBF. Poder conhecer as angústias, perspectivas e sonhos dos sujeitos sociais é o caminho seguro para se conhecer sobre a efetividade de uma política social. Também ressalto a importância de pensarmos este programa de transferência de renda sob uma perspectiva de gênero tendo como campo de pesquisa as mulheres rurais.

Essa dissertação está dividida em dois capítulos. O primeiro discute a proteção social oferecida pelas famílias informalmente e a proteção oferecida pelo Estado através das políticas públicas de atenção à pobreza, em especial, o programa Bolsa Família. As discussões em torno das políticas sociais e o universo de gênero também serão abordadas neste capítulo inicial. O segundo capítulo traz os resultados desta pesquisa, além de uma breve história da cidade de Machado e do bairro rural de Douradinho, local de realização da pesquisa.

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CAPÍTULO I

POLÍTICAS PÚBLICAS DE ATENÇÃO À POBREZA, PROTEÇÃO SOCIAL E GÊNERO

Neste capítulo discutirei sobre as políticas públicas, em especial sobre o Programa Bolsa Família. Porém antes de falarmos sobre o PBF, abordarei a temática proteção social e gênero pois o universo de gênero está intimamente ligado com o tema deste trabalho que tem como foco a mulher, beneficiária do Programa Bolsa Família. Trouxe neste capítulo uma pequena discussão sobre os papéis impostos a homens e mulheres ao longo dos anos e toda esta herança de gênero presente na vida das beneficiárias do PBF na cidade de Machado, sul de Minas Gerais.

Esta dissertação reflete acerca das políticas de atenção à pobreza no Brasil, em especial seus rebatimentos na vida das mulheres de Machado. Dessa forma, farei uma análise sobre a proteção social oferecida pelo Estado através dos programas de transferência de renda como o PBF e a proteção social informal, exercida pela família. Entendo que esta proteção social informal seja tão importante e presente quanto a proteção social formal oferecida pelo Estado, como discutirei neste capítulo.

As políticas sociais no Brasil serão abordadas seguindo uma sequência cronológica das principais conquistas a partir da era Vargas, época marcada pelas conquistas trabalhistas. Seguirei mostrando os direitos que foram sendo assegurados à população ao longo dos anos. Abordarei sobre as importantes mudanças acontecidas na década de 80 que marcaram a história da política social brasileira, culminando com a Constituição de 1988 e todas as transformações que esta constituição trouxe para a seguridade brasileira. No campo da Assistência social, falarei sobre a importância deste programa de transferência de renda, o Programa Bolsa Família, sua origem e seus objetivos.

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Mas, como já anunciei, antes de falarmos sobre políticas públicas, em especial sobre o programa Bolsa Família, teceremos algumas reflexões acerca da temática proteção social e gênero.

1.1GÊNERO, FAMÍLIAS E REDES

Ao longo dos anos as características atribuídas a cada sexo foram sendo concretizadas nas sociedades, definindo o que era “ser homem” e o que era “ser mulher”. Ao homem cabia o papel de provedor, o sujeito ativo da relação, aquele que manda, detentor do poder de decidir sobre sua vida e sobre a vida dos que o cercavam. O “ser homem”, deveria ser representado pela força, coragem, vigor, inteligência, aquele que traria o sustento e a proteção à mulher, aos filhos e a todos aqueles que necessitassem de sua proteção. A mulher deveria desempenhar o papel de mãe e esposa, submissa ao marido provedor, era responsável pelos afazeres domésticos, pela criação e cuidado com os filhos e toda a família. A submissão ao homem deveria ser uma característica feminina seja em que fase da vida esta mulher estivesse: quando filha, deveria obedecer ao pai, esposa ao marido, e viúva, obedeceria ao filho mais velho. Dessa forma, a mulher era a representação do delicado, do puro. O isolamento doméstico também era algo extremamente importante para a representação do que deveria “ser uma mulher”, pois os espaços públicos só poderiam ser ocupados pelos homens. Sendo assim, as mulheres eram tidas como fracas e desprotegidas, mas, com uma ambiguidade que merece nossa admiração, elas também eram protetoras e responsáveis, já que a criação dos filhos era tarefa exclusivamente feminina.

Estes papéis acabaram por nortear as atribuições de homens e mulheres, estipulando os deveres de cada sexo na dinâmica familiar e na vida em sociedade. A figura da mulher foi privatizada e restrita ao ambiente doméstico, a responsável pelo lar tranquilo e seguro deveria se ater ao espaço interno da casa. O trabalho feminino fora do ambiente doméstico era visto como indevido pelo mercado, já que o trabalho “natural” da mulher estava restrito ao ambiente doméstico exercendo o papel de mãe e esposa.

Segundo Castells esta subalternidade feminina em relação ao homem assenta-se na estrutura do patriarcalismo, presente na origem das sociedades contemporâneas. Importante ressaltar que, há uma prevalência do patriarcalismo na estrutura familiar, mas para que esta autoridade masculina possa ser exercida no ambiente familiar é necessário que também esteja presente em toda organização da sociedade como assegura Castells ao definir a estrutura do patriarcalismo:

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Caracteriza-se pela autoridade, imposta institucionalmente, do homem sobre a mulher, e filhos no âmbito familiar. Para que esta autoridade possa ser exercida, é necessário que o patriarcalismo permeie toda a organização da sociedade, da produção e do consumo à política, à legislação e à cultura.(CASTELLS, 1999, p. 169)

Sendo assim o que importa é entender que essas representações e práticas não são naturais, ao contrário, são construídas socialmente, por isso, a importância do conceito de gênero que deve ser entendido como “algo que transcende o mero desempenho de papéis, a idéia é perceber o

gênero fazendo parte do sujeito, constituindo-o.” (LOURO, 2008). Além disso, segundo esta

mesma autora, as concepções de gênero diferem de acordo com o momento histórico e com a sociedade em análise.

Observa-se que as concepções de gênero diferem não apenas entre as sociedades ou os momentos históricos, mas no interior de uma dada sociedade, ao se considerar os diversos grupos (étnicos, religiosos, raciais, de classe) que a constituem. (LOURO, 2008, p. 23)

1.1.1 – O trabalho feminino e a família

Assim, as desigualdades entre homens e mulheres têm sua origem não nas diferenças biológicas mas na história e nas formas de representação. Como consequência desse cotidiano de gênero as mulheres tiveram que romper enormes barreiras para ganharem espaço no mercado de trabalho. Ao analisar o trabalho feminino percebe-se – considerando que as mulheres pobres sempre trabalharam – que foi a partir dos anos 70, que o trabalho das mulheres ganha maior visibilidade e legitimidade nos espaços publico, uma vez que as mulheres da classe média entraram em maior quantidade no mercado de trabalho. Nas universidades ganharam em número e elevaram a escolaridade feminina. O movimento feminista ressurgiu ganhando força, e com ele, estudos sobre o universo feminino. Novos conceitos surgiram em meio a este movimento como o conceito de Gênero, que passa a colocar em discussão os papéis impostos aos sexos e sua relação com o ambiente cultural e social onde homens e mulheres estão inseridos. Este conceito de gênero trouxe consigo a “desnaturalização” das categorias homem e mulher, objetivando pensá-los segundo uma construção simbólica e cultural.

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Ainda refletindo sobre o trabalho feminino, foi a partir dos anos 1990 que as mudanças econômicas e políticas por que passou o país, possibilitaram a criação de um novo cenário social. A imensa terceirização que marcou esta década possibilitou uma intensa inserção das mulheres no mundo do trabalho em função do aumento da prestação de serviços, local que agrega um número considerável de mulheres. No entanto, é nesta ocupação que se encontra o trabalho doméstico, marcado por baixos salários que exprimem o drama da pobreza feminina. Saliento que as mulheres pobres, foco desta pesquisa, sempre trabalharam. Enfrentando preconceitos e vendo seu trabalho desvalorizado, estas mulheres, em sua grande maioria exercem justamente estas funções tidas como “naturais às mulheres”, como babás e empregadas domésticas.

O mercado de trabalho também seleciona as atividades que serão executadas por homens e mulheres, de acordo com a qualificação dos mesmos, mas sobretudo, refletindo as formas de representação dos sexos, construídas histórica e culturalmente. Esta divisão sexual do trabalho também pode ser visualizada no mercado de trabalho formal como assegura Hirata:

Os homens e as mulheres são separados por setor de atividade (indústria, serviços, etc.), pela qualificação e pelo tipo de trabalho efetuado. Mesmo se as mulheres e os homens exercem a mesma atividade, como trabalhadores não-qualificados na indústria, muito raramente têm o mesmo tipo de tarefas e não são facilmente intercambiáveis (HIRATA, 2002, p.176).

Sabe-se que as atribuições femininas foram ligadas ao ato de ensinar, tratar, assistir, como uma tripla missão que constitui a base de profissões femininas. (PERROT, 1999, p. 508). Dessa forma, é como se o mercado de trabalho fosse aberto para as mulheres, mas com profissões já pre-determinadas.

Além disso, as mulheres, ainda hoje, precisam conviver com as diferenças salariais mantidas pelo mercado, pois ganham menos que os homens, mesmo quando ocupam os mesmos cargos. A dupla jornada de trabalho também dificulta a vida profissional feminina, em função das consequências de uma sobrecarga de trabalho. Dessa forma, percebe-se quantas dificuldades são enfrentadas para romper com esta herança de gênero que coloca o trabalho feminino como inferir ao trabalho masculino.

Segundo os dados da PME – pesquisa mensal de emprego – que analisa a mulher no mercado de trabalho, ainda é muito grande a presença feminina nas atividades domésticas. Segundo dados coletados em 2010 pelo IBGE, a participação das mulheres ocupadas no grupamento que incluía os Serviços Domésticos foi quase absoluta, correspondendo a 97,5%, seguido pelo

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grupamento da Administração Pública que correspondeu a 63,2%. É importante salientar que a Administração Pública é o local onde as diferenças salariais entre homens e mulheres que ocupam os mesmos cargos não acontecem, uma vez que existe uma padronização de salários. No entanto, estas diferenças aparecem ao serem preteridas para ocuparem cargos de direção.

Ao analisar o trabalho das mulheres rurais, percebe-se que estas sempre participaram intensamente das atividades agropecuárias. No entanto, assim como no meio urbano, o trabalho doméstico também é predominantemente realizado pelas mulheres. Trata-se de mulheres ocupadas exercendo atividades sem remuneração e ditas “invisíveis”. Baseando-se nas conclusões do livro “Estatísticas rurais e a economia feminina”, o trabalho rural ainda continua sendo o de pior remuneração, sendo o valor da hora média rural inferior ao mesmo tempo de trabalho urbano. É preciso considerar o consumo que é realizado pelos trabalhadores do seu próprio trabalho rural, além disso, a concentração fundiária também pode ser apontada como elemento importante que constitua esta pobreza rural. Segundo Ney e Hoffmann há uma concentração de pobreza nas ocupações agropecuárias que marcam o trabalho exercido por mulheres, mas também pelos homens rurais, reflexo da concentração de terras no Brasil e da má distribuição da mesma. Os pequenos agricultores são muitos, enquanto as grandes propriedades concentram-se nas mãos de poucos. Dessa forma, os pobres da zona rural não tem acesso à terra, ficando estes impedidos de se desenvolverem economicamente e, consequentemente, de contribuírem para o desenvolvimento local. Com relação às diferenças salariais de homens e mulheres no campo, há uma certa “igualdade” de salários neste meio rural, especialmente levando-se em consideração as peculiaridades da região pesquisada neste trabalho que serão abordadas no segundo capítulo.

No entanto, há algo que une a realidade de mulheres urbanas e rurais. Ou seja, o impacto das condições de trabalho e dos processos sociais no interior das famílias, pois como afirma Mônica Alencar “é no âmbito da família que homens, mulheres, jovens e crianças podem vislumbrar

alguma possibilidade de inserção social” (2004, p. 62)

Para iniciar esta discussão tento buscar a definição de família; o que seria uma família? Muitas combinações são possíveis para os dias atuais. Poderia definir uma família como um grupo social formado pelo pai, mãe e filhos; ou mesmo, avós e netos, tios e sobrinhos, ou pessoas que se unem por laços de afinidade sem necessariamente terem alguma ligação sanguínea?

As concepções de família mudam socialmente. A presença da mulher imposta socialmente como organizadora do lar e das atividades internas da casa se fez presente, mesmo durante a Idade

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Média. No entanto, a família no século XV não despertava o valor sentimental entre seus integrantes como atesta Áries:

uma realidade moral e social mais do que sentimental. A família quase não existia sentimentalmente entre os pobres, e, quando havia riqueza e ambição, o sentimento se inspirava no mesmo sentimento provocado pelas antigas relações de linhagem (Áries, 1975: 231)

Segundo Szymanski é no início do século XVIII que se começa a delinear a família nuclear burguesa, formada pelo pai, mãe e filhos. A partir daí, passa-se a ter uma família baseada em laços de amizade, com valor sentimental. No entanto, ainda na Europa do século XIX os filhos viviam afastados de seus pais, assim como a casa-grande Patriarcal de nosso país nesta mesma época. (Szymanski,1995, p. 25).

Com o tempo, como assegura Áries, “a vida familiar se estendeu à quase toda sociedade” (Áries, 1975, p. 271). A partir daí esta nova família baseada em laços de amizade foi se transformando e, ganhando uma pluralidade de significados e modelos de arranjos familiares que se encontram em um mesmo ponto: constituem grupos sociais que oferecem proteção a seus membros.

Mas este modelo também sofre modificações, convivendo, na verdade, com outras possibilidades de arranjos familiares. Pode-se dizer que passamos, neste momento, de um modelo de família nuclear (estatisticamente ainda predominante) para uma família “vivida” (Szymanski) onde as pessoas convivem com uma proposta de união afetiva e duradoura; mas com uma estrutura diferente do modelo tradicional triangular (pai, mãe e filhos):

Um grupo de pessoas vivendo numa estrutura hierarquizada que convive com a proposta de uma ligação afetiva duradoura, incluindo uma relação de cuidado entre os adultos e deles para com as crianças e idosos que aparecerem nesse contexto (GOMES, 1988, apud SZYMANSKI, 1995, p. 26)

Dessa forma, percebe-se a importância da família como grupo social, que divide suas atribuições com a sociedade civil e com o Estado. Desta forma, destaco o papel das redes de ajuda mútua, que funcionam como sistemas informais de proteção social, tão presentes em nossa sociedade.

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1.1.2. As redes de ajuda mútua

Através das redes de ajuda mútua identificamos a coletivização no cuidado das crianças, o que Cláudia Fonseca denomina como “Circulação de crianças”. A circulação de crianças, se refere ao cuidado que é dado às crianças, por adultos que não sejam seus próprios pais. Esta responsabilidade pela criação das crianças é partilhada entre um adulto e outro. Este adulto pode ser um tio, tia, avós, ou mesmo, alguém que esteja próximo desta criança, como um vizinho ou amigo da família. Segundo Fonseca (2005), o modelo de família nuclear, formado pelo pai, mãe e filhos pode ser realizado por uma pequena parcela da população.

Na maior parte das famílias pobres a circulação de crianças é uma realidade latente. Estas famílias contam com esta rede de ajuda mútua para dividirem o cuidado com as crianças. Estes filhos podem passar uma fase de suas vidas sendo criados pelos avós, tios ou mesmo por qualquer pessoa que tenha ligação com seus pais e condições econômicas e pessoais para cuidarem destas crianças. Este cuidado pode ser provisório ou não, já que os estudos mostram que estas crianças podem voltar a morar com seus pais a qualquer momento, ou podem passar a vida toda com esta outra família e conviverem com seus pais biológicos em harmonia.

Dessa forma, segundo esta autora, a circulação de crianças é uma realidade presente nas famílias brasileiras, sobretudo nas famílias pobres onde o conceito de parentes se estende à todos aqueles que se ajudam mutuamente, e não, necessariamente àqueles ligados por laços consanguíneos. Sendo assim, a “ajuda” para criar os filhos é dada por pessoas próximas que não são necessariamente “parentes” dessas crianças, mas que se constituem numa rede de apoio como atesta Rita Freitas, baseando-se nas reflexões de Cynthia Sarti: “A família se define assim, em torno de um

eixo moral, onde a noção de obrigação sobrepõe-se à de parentesco” (FREITAS, 2010, p. 9).

Toda essa estratégia de sobrevivência é uma realidade nas “práticas familiares encontradas

na sociedade complexa atual” (FONSECA, 2002, p. 56). Estas alternativas de redes se encontram

em todas as classes sociais, já que para a classe média e alta existem as escolas particulares onde se internam os filhos, ou mesmo, a proteção paga através dos berçários, creches particulares, ou mesmo babás. No entanto para as mulheres pobres, deve-se destacar que esta circulação envolve aspectos econômicos e culturais, já que torna-se uma alternativa para a classe trabalhadora. Dentro dessa experiência é que crianças passam a ser criadas por tias, avós, vizinhas, patroas, madrinhas, enfim, estas passam a circular em outros ambientes e por outras casas onde crescem amparadas nas redes de ajuda mútua. Num diálogo entre Freitas, Braga e Barros, estas salientam que este convívio

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nem sempre é completamente harmônico, podendo vir acompanhado de conflitos, mas que fortalecem outras redes já existentes4. Outra dimensão importante é que estes estudos normalmente tomam como universo a sociedade urbana – será interessante ver como (ou se) se estruturam no mundo rural.

Um dado importante que merece ser destacado nesta discussão é que na “circulação de crianças” não há o abandono da criança como muitas vezes apontado pela sociedade. Como atesta Fonseca, o fato das classes mais abastadas terem adotado o modelo nuclear como regra, faz com que outras formas de família sejam vistas como um desvio problemático. Sendo assim, quando nos deparamos com crianças sendo criadas por outras pessoas que não sejam seus pais biológicos, percebemos que estas são alternativas encontradas pelas camadas mais pobres para criarem seus filhos com dignidade, mesmo que fora dos padrões impostos como normais pela sociedade. Além disso, é importante destacarmos que este cuidado com as crianças se estende para além da rede de parentesco “(...) para muitas pessoas, cuidar de uma criança é um assunto que não se limita à mãe,

nem ao casal. Mobiliza uma rede de adultos que se estende para além do próprio grupo de parentesco.” (FONSECA, 2002, p.9)

Ao estudar a realidade das redes, me deparei com o conceito de “maternidade transferida”, estudado por Suely Gomes Costa. A maternidade transferida se configura nas mútuas responsabilidades que são divididas entre mulheres com relação aos filhos e à casa. Quando nos deparamos com as situações de mães que ao saírem para o trabalho fora do ambiente doméstico delegam as atividades do cuidado da casa e dos filhos para outras mulheres, sendo elas babás, empregadas domésticas ou mesmo avós ou vizinhas, enfim, para outras mulheres, observamos esta “maternidade transferida”. Neste conceito é importante salientarmos como essas atribuições são delegadas sempre a outras mulheres que passam a administrar a casa e cuidar das crianças. Percebe-se que nestas situações ocorre uma transferência de poderes, já que a mulher dona da casa delega seu “poder” interno a outra mulher que passará a ocupar seu espaço nos cuidados do lar e dos filhos. Dessa forma, observa-se que assim como a circulação de crianças, o convívio entre os envolvidos na maternidade transferida nem sempre é harmônico.

O conceito de maternidade transferida pode ser localizado na circulação de crianças, já que acontece a delegação de responsabilidades maternas, mas observa-se que a maternidade transferida é um fenômeno mais provisório, enquanto a circulação de crianças tende a ser mais estável pois as crianças podem passar a vida com outras pessoas que não sejam seus pais biológicos.

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Toda esta solidariedade encontrada nas redes também é uma realidade nas “redes de parentesco” (WOORTMANN, 1987) que se definem pela ajuda dos parentes na criação dos filhos, onde avós, tios, primos, sogros, enfim, toda a rede de parentes se responsabiliza pelas crianças da família e se unem para consecução de tarefas ou mesmo na solução de problemas que não envolvam os filhos mas que demandem “ajuda” da família.

Estas redes estudadas por Woortmann em estudo clássico mostram a realidade das famílias pobres, foco deste trabalho. Observa-se o quanto a manutenção de uma rede de amigos e familiares é importante para que a mulher pobre possa trabalhar e se sustentar com ou sem a presença de um companheiro. Nestas redes de parentesco, o conceito de parentes para as famílias pobres está ligado ao grau de ajuda que se recebe da família; ou seja, parente é aquele com quem se pode contar, sem necessariamente possuir uma ligação sanguínea, utilizando a concepção de Woortmann (1987). É dessa forma que as redes se organizam, oferecendo ajuda mútua, proteção e suporte para que muitas dessas mães consigam trabalhar enquanto suas crianças crescem. As mulheres são as protagonistas nestas redes, que segundo este mesmo autor se dividem em um círculo distribuído em: Família, congregando aqueles que seriam os mais próximos, Parentes, aqueles não tão próximos e Aparentados os mais distantes. Dessa forma, a obrigação de ajudar seria prerrogativa dos mais próximos.

Nestes estudos, as redes de parentesco das famílias da elite são formadas exclusivamente pela família consaguínea, pelos parentes consanguíneos, já que para a elite o parentesco “é um

importante componente de status” (WOORTMANN, 1987, p.170). Enquanto para as famílias

pobres, parentes são aqueles com quem se pode contar em momentos de precisão.

O que é comum nessas análises é que assim como na “circulação de crianças” e na “maternidade transferida”, nas redes de parentesco a figura da mulher é fundamental para a manutenção desses vínculos. Segundo Woortmann as pessoas sabem mais sobre seus vínculos maternos, bem como, ao contrário dos homens, as mulheres visitam com maior frequência seus parentes.

Os estudos mostram claramente que as mulheres são pontos focais na rede de parentesco, e que as redes das mulheres “atraem” os homens bastante mais que as redes dos homens às mulheres, isto é, os homens tendem a ser absorvidos pelas redes das mulheres. (WOORTMANN, 1987, p. 186)

Analisando essas redes percebe-se que a mulher é a grande protagonista nestas histórias, pois é ela quem faz a ligação entre os envolvidos e estabelece as parcerias que serão firmadas.

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Percebe-se que as avós, ainda, são as principais responsáveis pelos cuidados com as crianças depois das mães, pois subentende que o amor das avós é a extensão do amor materno. É importante salientar que toda esta rede é de fundamental importância para as mulheres pobres já que, para trabalhar, a mãe precisa encontrar alguém que cuide de seu filho.

Saliento também, que estas redes de parentesco oferecem uma proteção a mais para estas mulheres. Há uma preocupação de toda a família com a figura da mãe, e não apenas com as crianças da família. Quando essas mães são abandonadas pelos companheiros, elas recebem uma atenção especial de toda a família. Esta nova realidade gera um sentimento de responsabilidade de todos os “parentes” por aqueles que agora, precisam ainda mais de proteção e ajuda.

Além disso, a participação da “rede de parentesco” está atrelada a todas as decisões que envolvem as famílias. Ela se responsabiliza pelas crianças da família, mas também pode interferir em decisões importantes como estimular ou não um casamento ou mesmo uma separação.

Dessa forma, há muitas formas das “redes de parentesco” operacionalizarem sua solidariedade, mas o que merece destaque é a presença feminina como protagonista nestas redes. A mulher é quem faz toda esta ligação entre os envolvidos, seja como mãe, avó, tia, filha, enfim, ela é a figura principal nestes sistemas de trocas que mobilizam os laços de parentesco.

Destaco também as “redes de solidariedade” (FREITAS, 2002) que envolvem esta “união” em virtude de uma mesma causa, de uma “proteção” a um grupo do qual se faz parte. Estas redes de solidariedade são encontradas nos estudos de Rita Freitas, que traz para o debate o caso das “Mães de Acari”. Este episódio violento onde houve o desaparecimento de onze jovens em Magé, no Rio de Janeiro, trouxe um impacto transformador na vida das mães desses meninos. A partir dessa violência contra seus filhos, estas mães se uniram e foram para as ruas, conquistando voz nos espaços públicos, se tornando visíveis e mostrando sua dor ao mundo. Através da violência que as uniu, essas mulheres formaram uma rede, que passou a se comunicar e se proteger tendo em comum a perda do filho amado.

Mais uma vez, destaco o protagonismo feminino envolvido na constituição das redes de solidariedade e reciprocidade. Estas mulheres passaram a ocupar os espaços públicos, foram para a Praça reinvindicar os corpos dos seus filhos, provocando um sentimento de solidariedade além da exercida pelo grupo do qual se faz parte. Conseguiram, sobretudo, estabelecer uma rede de solidariedade que ultrapassa as barreiras do rádio ou da TV, uma reciprocidade que alia todas as mulheres que são mães, pois existe um ponto em comum, a simples possibilidade da perda do filho amado.

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Destaco nessas redes de solidariedade a importância das mulheres como cidadãs, imbuídas do sentimento de “luta” para buscarem por seus direitos. Nesse momento, essas mulheres rompem com os papéis impostos de submissão e passividade e passam a serem sujeitos de sua história. Neste caso específico das “Mães de Acari”, percebe-se a grandeza dessas redes, pois unem mulheres por uma mesma causa, uma “luta” que travam em busca dos seus filhos. Estas redes mostram a força da mulher, mas sobretudo a força de uma mãe, e a força com que podem se unir por esta nobre causa.

Podemos definir as “redes de solidariedade” como “estruturas solidárias e de

reciprocidades que levam a formação de uma agenda de valores comuns que determinam um padrão de sociabilidade e de costumes, na qual as idéias e referências acerca da solidariedade e dos direitos humanos fomentam esse tipo de relação” (FREITAS; 2002, p. 93)

Estas redes são marcadas pelo protagonismo feminino, assim como nas outras formas de redes citadas acima. No entanto, nessas redes de solidariedade o protagonismo feminino exalta a “luta”, a reivindicação pelo corpo do filho perdido. A dor une essas mulheres que partem justamente de “seu lugar” na família, aparentemente destituído de representação política e passam a fazer voz nos espaços públicos. Percebe-se que a maternidade para essas mulheres é sentida sob uma nova dimensão, podendo provocar transformações de gênero já que estas mulheres saem dos seus lugares tradicionalmente ocupados nas famílias e vão dar voz à sua dor.

Dessa forma, observamos que estas redes exercem uma proteção social de forma mais “próxima”, uma vez que são formas encontradas pelas famílias para resolverem informalmente suas vulnerabilidades. Estas redes são encontradas em todas as camadas sociais, no entanto, são mais estudadas nas famílias pobres já que estas famílias apresentam maiores dificuldades em contar com formas institucionalizadas de proteção social como creches e escolas em tempo integral.

Assim, percebe-se o quanto a história das mulheres foi naturalizada na família, e no papel que esta desempenha no cuidado com o grupo familiar. Esta história, fruto de um cotidiano de gênero, apenas recentemente ganhou visibilidade e passou a ser discutida e estudada. Observa-se que esta responsabilidade feminina pela proteção das crianças, idosos, viúvas, desempregados, enfim, por todos que façam parte do grupo doméstico se perpetua entre nossa sociedade, principalmente nas camadas populares. Concluindo esse item, enfatizo mais uma vez que a maioria desses estudos toma a cidade como espaço para sua análise. Analisar essas questões no mundo rural será uma das contribuições desse trabalho.

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1.2PROTEÇÃO SOCIAL E FAMÍLIAS – REFLETINDO ESTA RELAÇÃO

Neste momento, ainda que de forma introdutória, buscarei a definição de proteção social, analisando as formas protetivas que foram desenvolvidas em nossa sociedade. Terei como foco a família, enquanto promotora desta proteção social informal, uma vez que a família ocupa um lugar de destaque como responsável, por uma ação protetiva desde os povos primitivos, até quando o Estado passa a oferecer políticas que atendam as demandas sociais. Em função dessa importante posição ocupada pela família enquanto grupo social, entendo que a história da proteção social está ligada à história da família, sendo esta moldada e definida em função da figura da mulher.

Ao buscar o conceito de proteção social, nos reportamos àquele definido por Castel (1998), que caracteriza tal sistema segundo duas dimensões: uma baseada numa “sociabilidade primária” e outro numa “sociabilidade secundária”. A sociabilidade primária seria regida pelos vínculos estabelecidos na relação de proximidade, pertencimento, interdependência, representada por

sistemas de regras que ligam diretamente os membros de um grupo a partir de seu pertencimento familiar, da vizinhança, do trabalho e que tecem redes de interdependência sem a mediação de instituições específicas. Trata-se, em primeiro lugar, das sociedades de permanência em cujo seio o indivíduo, encaixado desde seu nascimento numa rede de obrigações, reproduz, quanto ao essencial, as injunções da tradição e do costume. (CASTEL,1998, p. 48)

No entanto, conforme as sociedades vão se tornando mais complexas, o atendimento aos mais carentes torna-se mais especializado, surgindo o que o autor identifica como “sociabilidade secundária” que se basearia em

sistemas relacionais deslocados em relação aos grupos de pertencimento familiar, de vizinhança, de trabalho. A partir desse atrelamento, vão se desenvolver montagens cada vez mais complexas que dão origem a estruturas de atendimento assistencial cada vez mais sofisticadas. (CASTEL; 1998, p.57).

É importante enfatizar meu entendimento de que essas duas dimensões são profundamente articuladas, uma não invalida ou impossibilita a outra – e estas devem ser analisadas a partir da construção histórica de cada sociedade.

Com a transição da Idade Média para a Idade Moderna, marcada pelo final do século XIV tem-se uma ruptura das relações de troca, o início do trabalho assalariado, o fim do sistema feudal e o início de um sistema econômico capitalista, trazendo grandes transformações para a vida

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econômica, religiosa e social de toda a sociedade. A família passa a assumir um valor sentimental até então não vivenciado.

A partir do século XVIII grandes mudanças alteram os sistemas de proteção social, trazendo a necessidade de ações protetivas do Estado em função das vulnerabilidades sociais se intensificarem como consequência da expansão do comércio e da produção capitalista, além da mudança do trabalhador feudal que agora passa a ser um trabalhador livre e remunerado.

A Revolução Industrial substitui o antigo senhor feudal pelo empresário do capitalismo industrial. O mercado exige mão-de-obra qualificada, fazendo com que tais relações sejam cerceadas pelas ideias liberais, onde cada indivíduo precisa buscar sua sobrevivência através do seu trabalho, e não mais por uma relação de troca como antes.

Segundo Àries, no início do século XVIII, com o surgimento da escola, surge a preocupação com a privacidade e a igualdade entre os filhos. O sentimento de família passa a ser valorizado pelas instituições sociais, principalmente pela Igreja, moldando o perfil da família que hoje conhecemos. Como salientado por Rita Freitas, este perfil de família que hoje conhecemos e aprendemos a pensar como universal, respondia a um dado momento histórico (2000).

A Revolução Francesa marca tal período que se estende até o século XIX, a então noção de família sofre alterações. Passa-se de uma sociedade holística para uma sociedade individualista, marcada por grandes mudanças nas relações familiares como assegura François Singly:

A passagem da sociedade “holística” – ou seja, na qual os indivíduos são fundamentalmente membros e são definidos por seus laços – para uma sociedade “individualista” – isto é, no seio da qual os indivíduos são, antes de tudo, indivíduos – foi inscrita em certos atos e algumas leis da Revolução Francesa. Esta desestabilizou os pais, interditando-os de escolher seu herdeiro e impondo a igualdade entre todos os filhos. Ela também instaurou o divórcio, e o divórcio por consentimento mútuo (SINGLY, 2007, p. 171)

Dessa forma, tem-se uma nova constituição familiar, marcada pela importância dada à criança e pela constituição de um novo papel para a mulher, gerando a construção de novos sujeitos nas relações familiares.

A partir daí percebe-se o valor da família enquanto instituição promotora da proteção social em nosso país e, também, em países desenvolvidos. Este trabalho não pago, naturalizado como um trabalho da esfera privada ligado à figura feminina em função de um cotidiano de gênero, já buscava seu valor no começo do século XX. A feminista Kathe Schumacker atacava a economia por não reconhecer tal trabalho como um “trabalho produtivo” ou um “trabalho que cria valor”. Sendo

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assim não existe “trabalho mais produtivo que o da mãe que, sozinha, cria o valor dos valores, que

se chama um ser humano”. (Schirmacher apud Bock, 2001, p.440). Esta ideia de que a mulher é

conceitualmente ligada à casa e ao cuidado com os filhos se faz presente no conceito de que “a

família doméstica é assunto de mulher”, estendendo esta ligação feminina á extensa rede de

parentesco, exemplificada nas relações familiares horizontais presentes, principalmente, nas camadas populares onde “estar com a mãe ou com os irmãos é o mesmo que estar em casa”. (WOORTMANN; 1987, p. 180).

Em função dessa discussão percebe-se a clareza do conceito de proteção social nas definições de Castel, pois é possível observar a evolução das ações protetivas do Estado conforme as sociedades vão se tornando mais complexas. Assim como a família constitui numa importante fonte de proteção social informal. Dessa forma, constato que na proteção social definida pelo autor citado, há uma importante relação entre aquela oferecida pelo Estado, ou seja, a proteção secundária e a proteção garantida pela família, definida como uma proteção primária.

Para dar continuidade aos nossos estudos, nos tópicos seguintes apresento – sem pretensão de fazer um estudo exaustivo – a discussão acerca das políticas de proteção social em nossa sociedade.

1.3 PROTEÇÃO SOCIAL E FAMÍLIAS – A REALIDADE BRASILEIRA

Estudar a família, ou o conceito de família é difícil, pois trata-se de um assunto com o qual temos grande intimidade pois “temos um modelo relacional (familiar) internalizado” ( VITALE, 2002, p. 46). Ou, como afirma Sarti:

Quando se lida com famílias, portanto, depara-se com uma primeira dificuldade, a de estranhar-se em relação a si mesmo. Como reação defensiva, há uma tendência a projetar a família com a qual nos identificamos – como idealização ou como realidade vivida – no que é ou deve ser a família, o que impede de olhar e ver o que se passa a partir de outros pontos de vista (SARTI, 1999, apud VITALE,2002, p.46)

Sendo assim, para abordar a temática da família brasileira, especialmente a família contemporânea, é preciso entender que estamos estudando sobre uma realidade em transformação. A realidade brasileira nos apresenta uma pluralidade de famílias, uma multiplicidade de tipos

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familiares. Percebe-se que a família contemporânea engloba relações que ultrapassam os vínculos consanguíneos, relações baseadas no afeto e na afinidade marcam as famílias brasileiras.

Essas famílias em transição são construídas na diversidade de arranjos, podem ser nucleares, constituídas segundo o modelo triangular formado pelo pai, mãe e filhos. Mas também podem ser construídas por avós e netos, tios e sobrinhos, mães e filhas, sem a presença de uma figura masculina, da mesma forma que podem ser formadas pelo pai e seus filhos; ou mesmo por casais sem filhos. Os modelos são múltiplos e representam a diversidade conquistada com a Modernidade. Pode-se dizer que a família moderna passa ser entendida como um grupo social cujos movimentos de “organização-desorganização-reorganização mantêm estreita relação com o

contexto sócio-cultural” (AFONSO E FIGUEIRAS, 1995: 06). As famílias podem ser pequenas

como aquelas representadas pelo casal sem filhos, mas também podem ser extensas como as formadas a partir de segundas uniões, unindo irmãos de pais diferentes e trazendo uma duplicidade de avós.

Neste contexto, retomamos o conceito das redes pois existe uma coletivização no cuidado com as crianças. A família brasileira é marcada por essas redes, definida por um padrão de incorporação de agregados, lembrada por Gilberto Freyre em Casa Grande e Senzala. A figura da avó brasileira também é muito presente neste cuidado, tanto nas famílias da classe média, pois as mães estão inseridas no mercado de trabalho e contam com este cuidado das avós já que segundo Sarti (2003, p.81), cuidar dos próprios netos, fortalece os vínculos de sangue juntos aos de criação. Enquanto isso, nas famílias pobres, além desses vínculos de sangue, existe outro importante componente nesta extensão do cuidado com os filhos, que são as dificuldades econômicas. Como estudado por Claudia Fonseca, deixar os filhos serem criados por outras pessoas é um opção muito comum entre as famílias pobres brasileiras, não sendo motivo de abandono como muitas vezes é entendido pela sociedade, trata-se apenas de um caminho seguro para criação dos filhos, que pode ser provisório ou não.

Um novo arranjo familiar que merece destaque são as famílias monoparentais. Essa denominação é dada às famílias chefiadas por uma única pessoa que vive sem cônjuge, com um ou vários filhos com menos de 25 anos de idade e solteiros (VITALE, 2002, p. 47). No entanto, existe certa confusão quando abordamos as famílias chefiadas por mulheres, uma vez que, essas famílias não são necessariamente monoparentais. Existem famílias em que há a presença do cônjuge e são chefiadas por mulheres.

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Segundo Vitale, as famílias monoparentais chefiadas por mulheres tendem a conviver com o estigma de que são famílias vulneráveis ou de risco do que como potencialmente autônomas. No entanto, tem-se que levar em consideração que a vulnerabilidade dessas famílias mantêm estreita dependência com o grau de instrução e independência financeira da mulher chefe de família, além do tipo de relação que se estabelece com o cônjuge ausente.

Outro aspecto que se torna relevante nessa discussão sobre monoparentalidade é a durabilidade e a sequência da monoparentalidade, ou seja, o tempo em que a família permanece chefiada por um único cônjuge. Essa durabilidade pode ser provisória, já que uma nova união pode ser realizada pela chefe da família, ou mesmo, pode acontecer a circulação das crianças através do processo das redes como já discutido anteriormente.

Essa momentaneidade das famílias monoparentais traz novamente para o debate a questão do estado de “organização-desorganização-reorganização” das famílias contemporâneas; já que estamos falando de relações interpessoais, com vivências, separações, uniões e sentimentos. Essa durabilidade dessas famílias também depende da idade das mulheres que vivem em monoparentalidade, bem como da idade dos filhos pois demandam necessidades diferentes em cada fase da vida, seja como crianças, adolescentes ou jovens adultos. Um importante ponto que merece ser destacado é que as famílias monoparentais reproduzem mais uma possibilidade de arranjo familiar, opondo-se ao estigma de família desestruturada.

Dessa forma, a família brasileira se multiplicou em tipos, não existe mais um padrão de família. Não há a família estruturada e a família desestruturada. Existem famílias, tão diversas quanto nosso país, diversas segundo a classe, etnia, idade e gênero. Diante de tantas transformações, há algo que não se altera – ou que se alterou muito pouco: a mulher continua sendo a figura central nas relações familiares. Pode-se dizer que a história da família está intimamente ligada à história das mulheres. A família que aprendemos a conhecer colocou a mulher como promotora da proteção social oferecida por este grupo social.

Mesmo com todas as conquistas asseguradas com o movimento feminista e as lutas diárias das mulheres por melhores condições de trabalho, pela igualdade salarial ou tantas outras bandeiras, ainda sentimos o peso das obrigações domésticas e a responsabilidade pela criação dos filhos. Na prática, ganhamos independência financeira, melhores postos de trabalho, melhores salários, aumentamos nossa escolaridade, mas e o trabalho doméstico? A divisão das tarefas domésticas ainda não é uma realidade nas famílias brasileiras. A mulher ainda é vista como a grande responsável pela administração da casa e pelo cuidado com os filhos.

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