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Informação e tecnologia: a simbiose indispensável no design curricular da formação superior em Ciências da Informação

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Academic year: 2021

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INFORMAÇÃO E TECNOLOGIA:

A SIMBIOSE INDISPENSÁVEL NO DESIGN CURRICULAR DA FORMAÇÃO SUPERIOR EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO

FERNANDA RIBEIRO1

1. DO DOCUMENTO À INFORMAÇÃO: TRAÇOS DE UM PERCURSO EVOLUTIVO

Podemos falar de “Informação" a partir do momento em que se identifica a existência de seres humanos capazes de pensar e de usar códigos para comunicar. Contudo, só temos evidência dessa informação desde que o Homem passou a registar em suportes externos à sua memória cerebral, através de grafismos ou de qualquer forma de escrita, os seus pensamentos, emoções, sentimentos ou ações, com a finalidade de criar registos passíveis de perdurar no tempo para além do seu próprio tempo de vida. É assim que surgem os testemunhos do passado, os traços da memória da atividade humana e os registos documentais que constituem aquilo a que hoje chamaríamos os mais remotos “sistemas de informação”2.

1 Professora Catedrática da Faculdade de Letras da Universidade do Porto; investigadora do

CETAC.MEDIA

2Vulgarmente vemos referências à existência de arquivos e bibliotecas na época das chamadas

civilizações pré-clássicas do Médio e Extremo Oriente – locais considerados como “berços da escrita”. Embora seja natural e compreensível o uso destas designações reportadas a períodos tão recuados,

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171 Nas sociedades organizadas e à medida que o grau de complexificação dos sistemas político-administrativos foi aumentando, a guarda dos registos documentais, para efeitos de prova ou simplesmente para memória futura, aconteceu de forma natural e efetivou-se por constituir uma necessidade. Por razões de vária ordem era preciso usar, de forma recorrente, a informação que ia sendo conservada em locais de acesso restrito e, normalmente, junto das instâncias do poder.

O aumento progressivo da quantidade de registos de informação e a necessidade de localizar elementos informativos no conjunto dos acervos documentais acumulados ao longo do tempo levaram, forçosamente, à adoção de critérios lógicos e racionais para organizar os suportes físicos3 e

tornaram imperiosa a criação de instrumentos de referência (hoje dizemos “instrumentos de pesquisa” ou “instrumentos de acesso”) que dispensassem um manuseamento constante dos documentos para neles localizar a informação pretendida. A prática de organização e representação da informação surge, assim, de modo espontâneo e natural, em resposta a uma necessidade e aliada a uma função de “serviço/uso”, que desde sempre foi inerente à própria informação.

estamos na verdade perante anacronismos, que resultam de uma projeção no passado de conceitos que só surgem mais tarde.

3Tabuinhas de argila, placas de pedra ou osso, papiro, pergaminho, papel, película …, constituem os

mais comuns suportes de informação até à era digital e foram sendo acondicionados em sacos, caixas, arcas e cofres ou instalados em gavetas, armários ou estantes, à medida que as formas e os formatos foram evoluindo com o tempo.

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172 Desta prática empírica, com origens milenares e associada a atividades profissionais no contexto dos arquivos e das bibliotecas, até à consciência disciplinar, que despontou em meados do século XIX com o surgimento da Arquivologia e da Biblioteconomia, longo foi o caminho percorrido, procurando-se um aperfeiçoamento progressivo dos procedimentos e das técnicas e a consagração de uma área profissional com identidade própria.

Surgidas no contexto da afirmação da Ciência Histórica positivista e com estatuto de disciplinas “auxiliares” desta, a Biblioteconomia e a Arquivologia4

evoluíram no sentido de uma certa autonomização, que foi conseguida graças à valorização da sua vertente tecnicista. A esta nova “roupagem”, que ganhou expressão a partir do terceiro quartel de oitocentos, não é alheia a discreta revolução tecnológica – iniciada com o telégrafo, o telefone, a máquina de escrever, a rádio, o cinema, a fotografia –, motivadora do aparecimento de novas formas de comunicação e de novos suportes de informação, distintos do tradicional papel. Aos livros, revistas, jornais e documentos manuscritos vêm agora juntar-se os documentos gráficos, sonoros, e audiovisuais, que dão azo a preocupações diversas das até então existentes, no que respeita à organização e tratamento da informação. Neste

4O termo “Arquivologia” foi perdendo a carga erudita que esteve na sua origem e acabou por decair em

detrimento da designação “Arquivística”. Porém, em certos países, designadamente na América Latina, ainda é o termo preponderante.

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173 contexto, sobressaem personalidades como os belgas Paul Otlet e Henri La Fontaine, que se tornam mundialmente conhecidos, sobretudo por serem os criadores da Classificação Decimal Universal (CDU), mas que tiveram (particularmente o primeiro) um papel decisivo na fundamentação teórica e na implementação de uma nova área de trabalho, que designaram por “Documentação”6.

A área da Documentação implantou-se, na prática, de uma forma natural, e rapidamente começaram a surgir serviços de informação ajustados às alterações emergentes nos produtos informacionais, o que motivou o aparecimento de profissionais com um perfil distinto do dos “velhos” bibliotecários e arquivistas. É, pois, a partir daqui que o paradigma documental, historicista e custodial (que surgiu após a Revolução Francesa e se foi consolidando ao longo dos séculos XIX e XX) vai evidenciar os primeiros sinais de crise, pois é no seu próprio seio que vão germinar os fatores que o irão pôr definitivamente em causa quando a força da tecnologia se impuser, na segunda metade do século XX.

A emergência da Documentação faz-se sentir, quer no novo mundo, quer no velho Continente. Nos Estados Unidos da América (EUA), entre 1900 e 1930, assistimos a um verdadeiro movimento organizado dos chamados

5Paul Otlet foi o criador de um centro mundial de referência bibliográfica, localizado em Bruxelas, a que foi dado o nome de Mundaneum. Sobre este centro e a sua atividade, ver Rieusset-Lemarié 1997.

6A “Documentação” foi objeto de muitos escritos de Paul Otlet, tendo culminado com a publicação, em 1934, da sua obra maior, intitulada Traité de Documentation. Sobre esta obra, ver, por exemplo, Day 1997.

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174 bibliotecários especializados (special librarians), que conduziu mesmo à criação de uma associação denominada Special Libraries Association7 e, em

1937, surge também o American Documentation Institute, associação agregadora dos chamados “documentalistas”, uma categoria distinta dos bibliotecários especializados, mas sem diferenças essenciais quanto à atividade que desenvolvia. Na verdade, a partir da década de trinta, aparecem na Europa e nos EUA, em número significativo, os chamados “centros de documentação”, serviços de informação especializados, com um forte cunho organizacional, que têm como missão essencial servir as necessidades de informação dos organismos em que se inserem e dos respetivos profissionais. Nas áreas científicas e técnicas, designadamente em organizações ligadas à indústria, o surgimento deste tipo de serviços ganha particular expressão.

A par da evolução das bibliotecas especializadas e dos serviços de documentação, também no campo dos arquivos se acentua a ênfase na vertente técnica. Para além dos arquivos históricos, de cariz mais patrimonialista, os arquivos das administrações ganham uma importância notória pelo facto de os novos suportes e tecnologias associados à produção documental terem contribuído para um aumento considerável da informação administrativa, impondo formas de organização e de tratamento diversas das até então existentes e a adoção de “políticas” de gestão documental. Esta nova problemática esteve na génese de uma obra que marcou

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175 indelevelmente o campo dos arquivos pelo facto de, com a afirmação da técnica, ter contribuído para a “libertação” da Arquivística da tutela da História. A obra, da autoria de três profissionais com atividade no contexto da administração dos Países Baixos, ficou conhecida como Manual dos Arquivistas Holandeses8 e foi objeto de tradução para diversas línguas,

tendo-se imposto como uma referência, quer na Europa, quer no mundo americano, e vindo a constituir a base para uma área de trabalho que passou a designar-se por records management9.

Esta visão “documentalista”, que se desenvolveu durante toda a primeira metade do século XX e ainda permanece como predominante em diversos países, teve não só impacto na missão e nas funções dos serviços que lidavam com a organização da informação, mas produziu efeitos também ao nível das competências dos profissionais que operavam nos vários contextos orgânicos, produtores/utilizadores de informação, suscitando uma formação adequada às exigências do mercado de trabalho. A formação profissional que, até então, era predominantemente ministrada pelas associações profissionais, começa, na década de quarenta do século XX, a implantar-se nas universidades e a contemplar, sobretudo nos EUA, a preparação necessária para os documentalistas exercerem a sua atividade com eficiência

8Apesar de ter ficado conhecida como “Manual dos Arquivistas Holandeses”, a obra deve ser referenciada pelo seu título original (ver Muller, Feith & Fruin). Da mesma obra foram feitas traduções em várias línguas, existindo uma tradução brasileira de Manoel Adolpho Wanderley, sob o título Manual de arranjo e descrição de arquivos (cf. Wanderley 1973).

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176 no contexto de organismos em que a informação científico-técnica tem um papel fundamental.

Com o incremento da tecnologia, que sobreveio no período seguinte, a passagem desta visão assente no “documento” para uma nova era em que a “informação” começa a ser o objeto de estudo e de trabalho torna-se um imperativo, não ainda motivado por um aprofundamento teórico da área, mas sobretudo pelas exigências da sociedade e do mercado de trabalho.

2. O IMPACTO DA REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA NO CAMPO DA INFORMAÇÃO

Após a Segunda Guerra Mundial, o incremento da produção documental foi enorme, fruto essencialmente do desenvolvimento tecnológico, científico e industrial. Os anos cinquenta do século XX ficaram mesmo conhecidos como a época da “explosão da informação”, fenómeno que desencadeou, naturalmente, mudanças profundas nos serviços, nos meios de difusão e nas técnicas de tratamento da informação.

Neste quadro, assume particular importância a informação científico-técnica, considerada como o objeto específico de uma área emergente nos EUA, em finais da década de cinquenta, a que foi dado o nome de Information Science (Ciência da Informação - CI). Na verdade, tratava-se da evolução do conceito de Documentação, tal como o concebeu e pôs em prática Paul Otlet, mas agora focalizado num tipo de informação específico – a informação

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177 científico-técnica – que constituía objeto de trabalho de um novo setor de profissionais, especialistas em analisar conteúdos e em difundir seletivamente e por perfis de utilizadores bem delineados a informação especializada e up-to-date, que era matéria-prima essencial para o trabalho de cientistas, investigadores, académicos e tecnólogos das mais variadas áreas do saber, mas com particular ênfase nas ciências ditas exatas.

O desenvolvimento da CI e o debate sobre a sua fundamentação teórica motivaram e conduziram, necessariamente, à implantação desta nova área nos meios académicos. Embora os cursos de Librarianship ou Library Science, mais voltados para a formação dos bibliotecários e documentalistas tradicionais, tenham continuado a existir, quer nas universidades, quer no âmbito de associações profissionais, a verdade é que a CI, a partir dos anos sessenta do século XX começa a obter um reconhecimento académico e a afirmar-se do ponto de vista científico. As transformações ocorridas na produção, armazenamento e recuperação da informação, por força da revolução tecnológica, foram de tal ordem que não foi mais possível dissociar estas duas componentes de uma mesma realidade. Informação e Tecnologia passam a estar intrinsecamente ligadas e a automatização dos serviços de informação, particularmente dos chamados serviços especializados, passa a ser uma inevitabilidade. Já não é viável conceber o tratamento e a recuperação da informação sem ser por meios automáticos e os serviços de informação, que se desenvolvem tendo em vista a satisfação das necessidades informacionais dos respetivos utilizadores, passam a

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178 investir cada vez mais em “produtos” que vão de encontro a essas necessidades. Predomina a lógica da difusão seletiva por perfis de utilizadores e desenvolvem-se user studies, fundamentais para definir políticas de informação ajustadas à realidade de cada serviço.

Esta revolução tecnológica que se estende aos serviços de informação é particularmente “acarinhada” pelos organismos internacionais, com responsabilidades ao nível das políticas de informação, como é o caso da UNESCO. O patrocínio de manuais com princípios orientadores para a implementação de serviços de informação, quer na Europa, quer destinados aos países em desenvolvimento, foi uma aposta clara da UNESCO a partir dos anos setenta do século XX.

Mas o maior impacto da revolução tecnológica faz-se sentir na segunda metade da década de noventa, marcada, essencialmente, pelos novos desafios e potencialidades trazidos pela Internet. De par com os serviços institucionalizados e os sistemas de informação que enfatizam a componente “serviço” como um vetor essencial da relação com os utilizadores, vão começar a surgir as realidades virtuais, as redes eletrónicas de informação baseadas na Web e os serviços “desmaterializados”, em que a relação com o utilizador ganha contornos muito diferentes e especificidades muito próprias.

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179 Na verdade, com a Internet, a dinâmica dos serviços de informação alterou-se radicalmente e a mudança do “físico” para o “virtual” introduziu novas perspetivas, novos desafios e, também, novos problemas.

O desenvolvimento das redes de telecomunicações e da telemática nos anos oitenta e noventa foi assumido, em alguns países, como um desiderato fundamental e tornou-se numa das principais preocupações dos políticos. Em 1993, nos EUA, o projeto “Infraestrutura Nacional de Informação”, apresentado pelo Presidente Bill Clinton e pelo vice-presidente Al Gore, defendia a necessidade de construir as infraestruturas da sociedade da informação de forma que todas as empresas, escolas, bibliotecas, casas, etc. estivessem ligadas pelas novas redes de comunicação e dispusessem de um sistema que pudesse fornecer informação a todos os cidadãos, onde quer que estivessem.

Este tipo de preocupações atingiu também a União Europeia, tendo o plano norte-americano sido “transposto” em 1994 para a Europa, pela mão de Jacques Delors. O conhecido “Relatório Delors” 10 falava claramente na

necessidade de criar as “autoestradas da informação” e de desenvolver serviços e produtos informacionais. Nesta linha surgiu, no mesmo ano, o documento Bangemann, intitulado “A Europa e a sociedade global da informação: recomendações ao Conselho Europeu”, que igualmente incidia na importância das redes de comunicação e no desenvolvimento de serviços

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180 de informação, aspetos considerados essenciais para a construção de uma sociedade da informação.

A vulgarização das redes de comunicações acarretou, efetivamente, um problema novo, que foi o da criação e gestão dos conteúdos que passaram a circular nas “avenidas” informacionais, pois a informação digital constitui um dos pilares essenciais da nova sociedade – a Sociedade em Rede, na formulação de Manuel Castells (Castells, 2002).

A Era da Informação ou Era Digital e a Sociedade em Rede requerem, como é óbvio, uma nova literacia informacional e impuseram, forçosamente, alterações profundas no design curricular dos cursos de Ciência de Informação, tendo em vista a aquisição das competências necessárias a um desempenho adequado à sociedade atual por parte dos profissionais desta área.

3. A COMPONENTE TECNOLÓGICA NOS MODELOS FORMATIVOS EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO: UMA INEVITABILIDADE

A formação dos profissionais da informação tardou, como referimos antes, a implantar-se na esfera académica, pelo facto de a CI e as disciplinas que a antecederam integrarem uma área que começou por ser essencialmente uma prática. Esta circunstância, ainda hoje, traz alguns problemas à sua afirmação científica. Um estudo realizado por Emílio Delgado López-Cózar sobre a investigação em Biblioteconomia e Documentação, embora procure

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181 fazer uma análise exaustiva da investigação produzida para demonstrar o caráter científico destas disciplinas11, vem, precisamente, equacionar o

problema da afirmação da área, do ponto de vista da sua cientificidade. Como afirma o autor,

El orígen y evolución de las disciplinas de base profesional, como la nuestra, no pueden ser explicados con las mismas coordenadas y presupuestos conceptuales empleados para las ciencias per se. Estas últimas hunden sus raíces en el deseo, innato en el hombre, de conocer por sí y para sí, esto es, para entender el mundo y para dominarlo en beneficio de la especie humana. Nacen y se desarrollan en función de una doble necessidad humana: la cognoscitiva (conocer y explicar el porqué y el cómo de nuestra realidad natural, social o humana) y la utilitaria (aplicar el conocimiento a la mejora de nuestras condiciones de vida). Este esquema conceptual es válido para trazar la historia de todas las ciencias, pero especialmente para aquellas que se justifican solo como medio de satisfacción de esta doble necessidade. Son ciencias per se: las ciencias humanas y sociales (filosofía, teología, historia, sociología…) y las ciencias físico-naturales (física, química, biología…). Pero no lo es tanto para explicar la historia de las ciencias que han

11Em Espanha, o termo “Ciência da Informação” não é ainda predominante, permanecendo designações mais tradicionais como Biblioteconomia e Documentação. Contudo, tais termos são empregues para designar um mesmo domínio disciplinar.

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182 surgido del ejercicio y al amparo de una profesión: desde la medicina o enfermería hasta la educación, pasando por uma pléyade de profesiones que han brotado al hilo del desarrollo económico, social y cultural de la humanidad, como el trabajo social o la ByD, que es la que aquí nos ocupa. En caso de estas últimas, incluso, todavía se discute su propio caráter de profesión científica (Delgado, 2002: 23).

Concordamos em absoluto com López-Cózar quando afirma que “no desenvolvimento da Biblioteconomia e da Documentação [e acrescentaríamos, da Arquivística] a teoria seguiu a prática, não a dirigiu nem a guiou” (ibid, 24). Foi, por isso, o exercício profissional, entendido como o desempenho de uma função, que estimulou a reflexão sobre a praxis e fez surgir a necessidade de uma formação adequada ao desempenho desse mesmo exercício profissional. Pensar a prática conduziu, portanto, à afirmação disciplinar, a exercícios de teorização e a trabalhos de investigação que, por sua vez, foram essenciais para a construção do conhecimento científico em torno de um objeto de estudo (a informação) e, naturalmente, para a emergência da ciência.

Apesar da inserção tardia da CI no contexto académico, a verdade é que os planos curriculares da formação superior nesta área sofreram uma forte influência das mudanças sociais e foram sendo permeáveis à pressão das necessidades do mercado de trabalho. Talvez por ser um campo que esteve

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183 sempre muito condicionado pelos lobbies profissionais e corporativos, a CI ficou bastante mais dependente de orientações vindas da prática do que de uma fundamentação teórica e científica a montante12. Contudo, na última

década e, sobretudo na Europa, desde que o Processo de Bolonha começou a tomar forma, a conceção dos cursos de CI tem sido mais pautada por orientações académicas. É o caso da Universidade do Porto (UP), onde o design curricular da Licenciatura em Ciência da Informação, ministrada conjuntamente, desde 2001, pela Faculdade de Letras e pela Faculdade de Engenharia, foi precedido por uma ampla reflexão epistemológica e teórica que procurou clarificar os limites do campo científico e as suas relações inter e transdisciplinares com outras áreas13.

Nesta definição de fronteiras, a relação entre Informação e Tecnologia constituiu, naturalmente, um ponto fundamental. O especialista em informação demarca-se, como é óbvio, do informático, mas deve possuir, cada vez mais, competências formativas que são conferidas a este último, ao mesmo tempo que continua obrigado a coligir, a organizar e, sobretudo, a avaliar/selecionar para acesso volumes consideráveis de informação. Daí que, a estrutura curricular de um curso superior (licenciatura ou mestrado) em CI não possa deixar de incluir uma componente tecnológica substancial. Nos nossos dias, a informação já é, na maior parte dos casos, nado-digital e

12É de referir que, em diversos países, nomeadamente os EUA e o Reino Unido, as associações profissionais produzem guidelines com orientações que as universidades devem seguir para a definição da estrutura curricular dos cursos. 13Sobre este assunto, ver Silva & Ribeiro 2002.

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184 armazena-se, usa-se, difunde-se e pesquisa-se em ambientes que têm toda uma envolvência e suporte tecnológicos que são indissociáveis da própria informação. Perceber esta simbiose é indispensável para conhecer e estudar a Informação nos seus contextos de produção e uso, bem como para analisar os comportamentos informacionais e responder adequadamente às necessidades dos utilizadores/clientes dos diversos sistemas de informação.

A perspetiva unitária que está subjacente aos cursos de CI na UP não só procura integrar, como componentes aplicadas da CI, as tradicionais disciplinas de Biblioteconomia, Arquivística e Documentação, como também procura fazer a síntese com a área dos chamados Sistemas (Tecnológicos) de Informação (SI), que vem ensaiando uma progressiva autonomização face à Informática e Computação tradicionais, tendo como campo de trabalho e profissionalização as Organizações em geral14. Debruçando-se

sobre o mesmo objeto de estudo – a Informação – que os arquivistas, os bibliotecários e os documentalistas, os peritos em SI adquiriam (adquirem ainda) a sua formação em escolas de engenharia ou de gestão, num divórcio total face aos seus “irmãos” ditos da Documentação e geralmente treinados em cursos de pendor humanístico. O afastamento decorrente do percurso

14A parceria entre a Faculdade de Letras e a Faculdade de Engenharia na lecionação dos Cursos de CI

aconteceu de uma forma quase natural. Na primeira existia, desde 1985, um Curso de Especialização em Ciências Documentais, de nível pós-graduado (ver Ribeiro, Leite & Cerveira 2003), e na segunda,

funcionava, desde 1997, um Mestrado em Gestão da Informação, com a colaboração da Universidade de Sheffield (ver David, Azevedo & Ribeiro 2008). A consciência desta relação estreita entre Informação e Tecnologia conduziu fácil e naturalmente à conceção de cursos de CI ministrados conjuntamente pelas duas faculdades.

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185 trilhado por uns e outros no passado traduz-se hoje num défice de formação de cada uma das partes: os especialistas em SI, com preocupações essencialmente pragmáticas e imbuídos de um certo empirismo, centram-se quase exclusivamente nos fluxos da informação e no design de bases de dados, e de outros sistemas de armazenamento e recuperação da informação, adequados à realidade das Organizações, aspetos que apenas contemplam uma parcela do fenómeno/processo informacional; os especialistas em Informação (sejam eles arquivistas, bibliotecários ou gestores de documentação/informação) debruçam-se sobre os aspetos técnicos da organização e representação da informação (vulgo Tratamento Documental) e os consequentes procedimentos propiciadores da difusão e do acesso à mesma, mas sentem uma grave lacuna na sua formação, no que respeita ao conhecimento, uso e domínio das tecnologias, que são cada vez mais indissociáveis da própria Informação.

Assim se compreende que o modelo formativo perfilhado pela UP congregue, no seio da área científica nuclear – a da Ciência da Informação –, um conjunto de unidades curriculares que, por um lado, asseguram uma componente teórica e metodológica una e, por outro, contemplam as vertentes aplicadas desta área do saber, com as suas especificidades particulares.

Nesta perspetiva, as matérias relativas à teoria e metodologias de investigação, à análise de sistemas, aos aspetos (técnicos) mais diversos de

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186 organização e representação da informação, ao armazenamento e recuperação, ao comportamento informacional, à própria sociedade da informação surgem, naturalmente, concentradas em unidades curriculares nucleares e indispensáveis em qualquer plano de estudos. A par delas, mas ainda dentro da mesma área científica, não podem deixar de existir unidades curriculares que atentam nas especificidades dos diversos tipos de sistemas de informação (arquivos, bibliotecas ou sistemas tecnológicos de recuperação da informação), direcionadas, por isso, para as componentes aplicadas da própria CI.

Este “núcleo duro” do curriculum tem de estar, necessariamente, aberto à interdisciplinaridade, tendo a CI relações mais ou menos próximas com outras áreas do saber, relações essas que se exprimem num plano de estudos através da presença de unidades curriculares variadas, com caráter de obrigatoriedade umas, de opção outras, mas sempre complementando as matérias da área científica nuclear.

À guisa de remate, assinalemos os pontos que consideramos essenciais nesta perspetiva integrada da CI, em que Informação e Tecnologia surgem de mãos dadas ou mesmo indissociáveis em ambientes digitais ou virtuais, no contexto de organizações formais ou informalmente no seio da WEB:

1 – O reconhecimento da CI como área científica unitária, com objeto próprio, método apropriado e teorias fundamentadoras permite plasmar todo um paradigma epistemológico nos modelos formativos que subjazem à

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187 profissão. O core essencial da CI conjuga-se com contributos pluri e interdisciplinares indispensáveis ao perfil do profissional da informação para o século XXI e dessa conjugação devem resultar planos curriculares coerentes, com os conteúdos básicos fundamentais para formar o profissional generalista que será competente para exercer atividade em qualquer contexto orgânico produtor/acumulador de informação. Trata-se de um profissional que reúne em si componentes de diversas disciplinas aplicadas da CI (a Arquivística, a Biblioteconomia, os Sistemas Tecnológicos de Informação) numa fecunda unidade/integração e não como somatório de partes distintas. A nosso ver, esta formação de base deve ser ministrada num primeiro ciclo de estudos de nível superior, a que se dá, em geral, o nome de licenciatura.

2 – A formação unitária de base tem de ser enriquecida com verdadeiras especializações, no sentido de um aprofundamento do saber, mas também de um estreitar de temas e problemas em torno de variáveis concretas e de especificidades próprias de contextos particulares. Estas especializações, que implicam um segundo ciclo de estudos, ao nível do mestrado, não anulam a formação de base, nem conferem uma distinção identitária ao profissional da informação; pelo contrário, reforçam a identidade profissional e contribuem para o seu reconhecimento social. As especializações, de âmbito mais patrimonialista ou de caráter mais tecnológico são, obviamente, vertentes de uma mesma área científica.

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188 3 – As necessidades do mercado de trabalho e as especificidades dos contextos profissionais vão continuar a exigir soluções diversas consoante os casos. Mas essa diferença estará coberta pela formação especializada ou pela formação ao longo da vida (formação contínua, de atualização) que é imprescindível em qualquer domínio do saber. Não é por acaso que as universidades estão a ser solicitadas para desenvolver uma vertente até agora pouco considerada e tomar esse repto como essencial.

Nesta linha de pensamento, a diversidade dos profissionais da Informação será apenas uma questão de especificidade, que se traduzirá na existência de um profissional multifacetado, mas com uma formação de base reportada a um saber unitário e com identidade, do ponto de vista científico. Nesta formação, a simbiose Informação / Tecnologia é um requisito incontornável, seja qual for o nível de ensino ou o modelo formativo que se pretenda implementar.

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Referências

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