• Nenhum resultado encontrado

Interdisciplinaridade, saúde e gerontologia: Articulando saberes

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Interdisciplinaridade, saúde e gerontologia: Articulando saberes"

Copied!
6
0
0

Texto

(1)

Interdisciplinaridade, saúde e

gerontologia: Articulando saberes

Interdisciplinarity, health and gerontology:

Articulating knowledge

Resumo

Esse artigo se constitui em uma reflexão sobre o tema “Interdisciplinaridade e gerontologia”, a partir da compreensão apresentada por estudiosos sobre o tema. Apresenta os conceitos de multi e interdisciplinaridade, contextualizando-os a partir de sua evolução histórica e sua concepção no campo da saúde. Aborda as diferenças que se dão entre a prática multidisciplinar e a prática interdisciplinar, a forma como se efetivam no contexto saúde/doença, sob as duas óticas e reforça a ideia de que a interdisciplinaridade é hoje uma emergência na atuação profissional, especialmente no campo da Gerontologia.

Palavras-chave: Assistência ao paciente. Saúde do idoso. Gerontologia.

Introdução

A reflexão sobre interdisciplinaridade e saúde, embora venha ocorrendo há algum tempo, se configura hoje em uma “exigência” para a prática profissional. Na busca de compreender melhor os conceitos hoje utilizados quando se fala de interdisciplinaridade entendemos ser fundamental nos voltarmos à história de sua construção, considerando a complexidade do tema.

Nos primórdios da humanidade, a atenção à saúde era vista como a luta contra a doença instalada. Priorizava a perspectiva curativa, considerando um único profissional responsável por todo o atendimento, “detentor de todo o saber”. Dessa forma, por vários séculos, as ciências pretenderam existir “por si sós”, constituindo-se em ilhas do saber, fechadas no seu próprio conhecimento, sem perspectiva de complementariedade. Somente a partir do século XX começaram a surgir propostas de cooperação entre as disciplinas, pois emergiam diversas questões causadas pelo desenvolvimento tecnológico, que necessitavam, para seu desvelamento e soluções, do diálogo entre as diversas áreas.

A evolução do conhecimento traz consigo novas alternativas de assistência à saúde, admitindo então a perspectiva preventiva no seu trato, agregando a multiplicidade de áreas profissionais.

Naira de Fátima Dutra Lemos1

Mônica Andrade Tobias2

Cristiane Luiz 3

Mariela Besse4

1 Assistente Social. Especialista em Gerontologia pela SBGG. Doutora em Ciências pela UNIFESP. Coordenadora da Especialização em Gerontologia da UNIFESP. Docente do Programa de Reabilitação do Equilíbrio Corporal e Inclusão Social da Universidade Bandeirante Anhanguera (UNIBAN).

2 Assistente social. Especialista

em Gerontologia pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) e pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Preceptora do Curso de Especialização em Gerontologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). 3 Terapeuta Ocupacional. Especialista em Gerontologia pela UNIFESP. Docente do Curso de Terapia Ocupacional do Centro Universitário São Camilo. Preceptora da Especialização em Gerontologia da UNIFESP. 4Terapeuta Ocupacional.

Especialista em Gerontologia pela SBGG e pela UNIFESP. Mestre em Ciências pela UNIFESP.

Preceptora da Especialização em Gerontologia da UNIFESP

Autor para correspondência: Naira de Fátima Dutra Lemos Rua Maria Cândida, 1813 São Paulo, CEP: 02.071-022 E-mail: nairadutra@uol.com.br

(2)

A divisão do conhecimento em áreas, numa fase posterior, maneira pela qual se organizava didaticamente a retransmissão do saber até o século XIX, teve sua formação como metodologia nessa época, quando foram geradas especialidades disciplinares ainda mais estanques, numa tentativa de manter “sua identidade e independência”¹.

Assim, surgiu a denominação multidisciplinaridade, e somente a partir da década de 1960, em algumas universidades, foram criados núcleos de pesquisa com o formato que buscava a integração ainda que incipiente, de algumas disciplinas.

“O multidisciplinar evoca basicamente um aspecto

quantitativo, numérico, sem que haja um nexo necessário entre as abordagens, assim como entre os diferentes profissionais”². A multidisciplinaridade é considerada a organização de conteúdos da forma mais tradicional, sendo entendida como um trabalho conjunto realizado por profissionais de determinada equipe (representando as diferentes disciplinas), onde cada uma trata de um tema comum (o paciente, no caso da atenção à saúde) por sua própria ótica.

No entanto, a revolução técnico-científica marcada pela intensa produção de novos saberes e aparatos tecnológicos, desencadeou um processo que podemos considerar um retrocesso, a medida em que propiciou a desarticulação do saber modificando a forma de gestão do trabalho em saúde, exigindo cada vez mais a formação de profissionais em diversas especialidades, transformando o cuidado à saúde numa estrutura fragmentada e distanciada da visão holística do ser humano.

Ayres³ aponta alguns aspectos negativos, em relação à prática multidisciplinar, quando diz “de um modo geral, as experiências têm demonstrado que, na maior parte das vezes, o trabalho multidisciplinar serve mais para legitimar a permanência de rígidos domínios territoriais das ciências estabelecidas sobre os objetos complexos, com pequenas concessões cedidas em troca de um controle sobre os mesmos padrões de objetividade”.

É fundamental esclarecer a maneira como se dão as diferenças entre multi e interdisciplinaridade. Ambos são conceitos que se aplicam à educação, à pesquisa e, à prática profissional, porém compreendemos que, independentemente da forma como se constituem as equipes, a atenção à saúde pressupõe de maneira definitiva o avanço da prática multidisciplinar para a prática interdisciplinar4.

Na área da saúde, muito embora em alguns casos a ação terapêutica possa se efetivar através de um único tipo de intervenção (em nível biológico, psicológico ou social), o trabalho em equipe contribui para a consolidação do tratamento como um todo, através da obtenção de olhares e atuação sobre diferentes fatores que interferem no processo saúde-doença, possibilitando a troca de conhecimento e agilidade no atendimento às demandas. A ausência dessa perspectiva pode converter qualquer ação terapêutica numa prática fragmentada e, portanto, limitada.

Entretanto, faz-se necessário apontar que a efetivação do trabalho em equipe com visão multidisciplinar não é algo fácil, simples e natural. Deparamo-nos com fatores extrínsecos e intrínsecos que podem vir a se apresentar como facilitadores ou barreiras na sua execução. Como exemplo de fatores

Le m o s e t a l, 2 0 1 2

(3)

extrínsecos, podemos visualizar a equipe alocada entre a instituição em que trabalha (ante as autoridades administrativas e normas institucionais) e os próprios pacientes/clientes, seus familiares e cuidadores. Já em relação aos fatores intrínsecos, observamos a existência das características peculiares de seus membros, seus traços de personalidade, suas diversas formações profissionais e a concepção de valores pessoais, visões de mundo e experiências anteriores de seus indivíduos. Esses aspectos certamente corroboram para a eficiência ou insucesso do trabalho.

Portanto, é imprescindível que o trabalho em equipe seja norteado por um projeto assistencial comum, fazendo-se indispensável o desenvolvimento de uma pratica comunicativa orientada para o entendimento mútuo: membros da equipe propriamente dita, instituição, pacientes/clientes, seus familiares e cuidadores.

O caminho da multidisciplinaridade para a

interdisciplinaridade

No avanço do conhecimento, evoluímos da multidisciplinaridade para o que conhecemos como interdisciplinaridade. O movimento da interdisciplinaridade surge inicialmente na Europa, numa tentativa de classificação temática das propostas educacionais, promovida por professores de algumas universidades.

Buscando além de compreender as especificidades do saber e promover a interação entre as disciplinas, a interdisciplinaridade transformou-se numa “exigência” para a prática profissional em vários campos. O termo interdisciplinaridade vem sendo utilizado como sinônimo de colaboração entre as diversas áreas do conhecimento.

“A interdisciplinaridade é a interação de duas ou mais disciplinas. Essas interações podem implicar transferência de leis de uma disciplina à outra, originando, em alguns casos,

um novo corpo disciplinar...”5.

A autora Ivani Fazenda6, uma das grandes pesquisadoras sobre o assunto, coloca que, após três décadas de estudos sobre interdisciplinaridade, foi possível concluir que “é impossível a construção de uma única teoria, absoluta e geral, acerca da interdisciplinaridade, mas é necessária a busca ou o desvelamento do percurso teórico pessoal de cada pesquisador que se aventurou a tratar as questões desse tema.”

As diferenças entre a prática multidisciplinar e a prática interdisciplinar se fazem, portanto, não só pela forma de atuação, mas também pelas atitudes entre os membros da equipe, pela maneira como se estabelece o processo de comunicação e pela troca efetiva de conhecimento, independentemente do campo do conhecimento de cada profissional.

A interdisciplinaridade deve ser, portanto, um projeto de equipe, pressupondo-se reciprocidade, superação do individualismo e uma inter-relação efetiva.

A complexidade da interdisciplinaridade reside principalmente na forma como pretendemos que seja construída no nosso cotidiano, como

(4)

profissionais da saúde. O processo saúde/doença traz um imenso desafio no sentido de estabelecer da maneira mais adequada o ”caminho” para a atuação profissional, já que é fundamental consideramos todos os determinantes desse processo.

A Organização Pan-Americana de Saúde recomenda que, quaisquer que sejam as atividades de promoção planejada de saúde, deverão incluir atuações no campo biológico, psicossocial, político e legal7. No entanto, a efetivação de uma implantação de uma prática interdisciplinar requer a conscientização em relação às dificuldades e potencialidades, para que possa haver abertura em direção a um fazer coletivo8. Na perspectiva de um trabalho interdisciplinar, deve haver tolerância para a superposição dos limites entre os papéis; é preciso ter flexibilidade suficiente para compor com os diversos especialistas e, ao mesmo tempo, ser suficientemente seguro para permitir o envolvimento na sua atuação.

Via de regra, na equipe interdisciplinar, as relações entre as diversas funções são resultado de negociações e de acordos9.

Umas das questões que permeia este universo é o fato do termo interdisciplinaridade não possuir um caráter epistemológico definido e acabado, pois se presta a múltiplas interpretações, conferindo aos profissionais dificuldades não só de compreendê-lo como também de concretizá-lo na prestação dos cuidados aos seus pacientes. Nesta ótica a questão que se apresenta aqui é se todo trabalho em equipe multiprofissional tem caráter disciplinar ou não.

A importância do trabalho com a abordagem interdisciplinar na saúde é ressaltada pelo princípio da integralidade, como preconiza o Sistema Único de Saúde (SUS), que favorece a ampliação e o desenvolvimento da dimensão cuidadora, o atendimento contextualizado dentro da realidade de cada usuário ou comunidade e um maior comprometimento dos profissionais com o seu trabalho. Favorece ainda a quebra das relações de poder entre os profissionais da saúde e a disseminação do trabalho em equipe10.

No entanto, a realidade dos serviços de saúde no Brasil, não tem contribuído substancialmente com um repertório que venha auxiliar o fortalecimento e a construção definitiva desse modelo de atuação. O que se pretende hoje na atenção à saúde não pode restringir-se a competência de um único profissional, mas sim a complementariedade entre as diversas competências profissionais. Não podemos simplesmente reduzi-la a troca de informações, mas a realização de uma ação de colaboração e diálogo efetivo entre os profissionais.

Reafirmamos que essa não é uma prática fácil, uma vez que a formação dos profissionais nessa área tem sido, ao longo dos anos, pautada no modelo fragmentado. Podemos dizer que ainda estamos caminhando para a superação desse modelo.

Um projeto interdisciplinar pressupõe que seja possível o questionamento permanente sobre a necessidade de colaboração e integração entre as diversas áreas. “A interdisciplinaridade é fundamentalmente um processo e uma filosofia de trabalho que entra em ação na hora de enfrentar os problemas e questões que preocupam a sociedade”11.

(5)

É imprescindível que os profissionais de saúde continuem buscando o caminho da prática interdisciplinar, na qual o ser humano possa ser compreendido em sua totalidade; aonde todos os aspectos que compõem a vida posam ser considerados e mais do que isso, possam ser articulados de maneira a constituírem um todo, que embora apresente contornos de homogeneidade possa ser flexível e permeável aos novos conhecimentos que estão por vir.

Ainda que por vezes estejamos expostos a difíceis e complexos processos de trabalho, o projeto de atenção à saúde deve estar voltado à perspectiva da integralidade da atenção, na busca de resultados positivos, possíveis na medida em que se aplique a abordagem interdisciplinar.

Interdisciplinaridade e gerontologia

No que diz respeito à Gerontologia, a prática interdisciplinar se tornou fundamental, constituindo-se num modelo de atuação mais eficaz. A Organização Pan-Americana de Saúde declarou: “A promoção de saúde dos idosos deve estar a cargo de uma equipe interdisciplinar”7.

Considerando as características do processo de envelhecimento e as suas múltiplas faces, podemos afirmar que a atuação de uma equipe pautada na interdisciplinaridade no campo da gerontologia, pressupõe um trabalho coordenado e com objetivo comum, partilhado por vários núcleos de saber. Isto se deve ao fato da Gerontologia surgir da intersecção das diversas disciplinas que, de alguma forma, contribuem para o estudo do processo de envelhecimento.

Definitivamente compreendemos que, em Gerontologia, nenhuma área, por mais desenvolvida que seja, é capaz de, isoladamente, estudar, compreender e explicar a totalidade do seu objeto de estudo: o IDOSO.

“A organização cientifica da Gerontologia se dá por intermédio do modelo de “auto-organização”, com equilíbrio

dinâmico entre tendências auto-afirmativas e integrativas”12.

Compreender, portanto, os mais diversos aspectos relacionados ao ser humano e o seu processo de envelhecimento pressupõe ampliar a base conceitual de nossa formação profissional, levando em conta a complexidade que o tema envolve. É ter clareza de que, para atuar nesse campo sendo um facilitador da prática interdisciplinar, por vezes perderemos privilégios, precisaremos constantemente rever nossos conceitos e renovar nossas atitudes.

Somente assim poderemos caminhar para uma perspectiva de integralidade, levando em conta que o idoso é um ser singular que necessita e merece um conjunto de ações que possam ir além da reabilitação ou cura, mas se constituindo assim em uma atenção integral em qualquer fase do seu tratamento.

Abstract

This article is a reflection on "Interdisciplinarity and Gerontology", from the understanding presented by studious on the issue. It introduces the concepts

(6)

of multi and interdisciplinarity, contextualizing them from their historical evolution and its design in the field of health. Discusses the differences between multidisciplinary and interdisciplinary practices, how they make health/illness care effective, under both perspectives. It reinforces the idea that interdisciplinarity approach is urgent in professional performance, especially in the field of Gerontology.

Key-Words: Patient Care, Health of the Elderly, Gerontology.

Referências

[1] Sommermman A. Interdisciplinaridade? Da fragmentação disciplinar ao novo diálogo entre os saberes. São Paulo: Paulus; 2006.

[2] Coimbra JAA. Considerações sobre a interdisciplinaridade. In: Phillip Jr A. Interdisciplinaridade em Ciências Ambientais. São Paulo: Signus; 2000. [3] Ayres JRCM. Deve-se definir transdisciplinaridade? Cienc Saúde Coletiva. 1997; 2(2):36-38.

[4] Weber DC, Fleming KC, Evans JM. Rehabilitation of geriatric patients. Mayo Clin Proc. 1995; 70:1198-1204.

[5] Zabala A. Enfoque globalizado e pensamento complexo. Porto Alegre: Artmed; 2002.

[6] Fazenda ICA. Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa. Campinas: Papirus; 1994.

[7] Organización Panamericana de la salud. La salud de los ancianos: uma preocupación de todos. Santa Fé de Bogotá: 1992.

[8] Jacob-Filho W, Sitta MC. Interprofissionalidade. In: Papaléo Netto. (Org.). Gerontologia. São Paulo: Atheneu; 1996. p 440-450.

[9] Cott CA. Trabalho em equipe. In: Pickles B. et al. Fisioterapia na Terceira Idade. São Paulo: Livraria Santos; 1998. p 413-22.

[10] Mattos RA. Integralidade e a formulação de políticas específicas de saúde. In: Pinheiro R, Mattos RA (orgs). Construção da integralidade: cotidiano, saberes e práticas de saúde. Rio de Janeiro:

IMS-UERJ/ABRASCO; 2003.

[11] Santomé JT. Globalização e interdisciplinaridade. Porto Alegre: Artmed, 1998.

[12] Sá JLM. Gerontologia e interdisciplinaridade: fundamentos

epistemológicos. In: Néri AL, Debert GG. Velhice e sociedade. Campinas: Papirus; 1999.

Referências

Documentos relacionados

► Dentre as sete empresas analisadas, apenas duas optaram por reconhecer suas propriedades para investimentos pelo valor justo. ► Das cinco empresas que optaram pelo valor de

Nos termos da legislação em vigor, para que a mensagem de correio eletrônico tenha valor documental, isto é, para que possa ser aceito como documento original, é necessário existir

Após a aprovação do salário mínimo pelo Congresso Nacional, a oposição informou que pretende ingressar com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para contestar o uso

Tipo: Bens materiais pertencentes à UFRGS e colocados à disposição da Fundação de Apoio para o desenvolvimento dos projetos (móveis/equipamentos);.. Valor: Valor atual

23 interdisciplinaridade implica em romper os limites das disciplinas e oferecer espaço para que o aluno possa redescobrir saberes. A adoção da prática interdisciplinar visa

Nesse sentido, o livro de Mary Del Priori Sobreviventes e guerreiras: Uma breve história da mulher no Brasil de 1500 a 2000 convida seus leitores a refletir sobre a história

No estudo de Baratto e Megiolaro (2012), ao comparar a extração do DNA pelo método SDS de bactérias Gram positivas e Gram negativas, foram obtidos diferentes

CLÁUSULA TRIGÉSIMA QUARTA - CONTRIBUIÇÃO ASSOCIATIVA As empresas se obrigam a descontar em folha de pagamento dos empregados sindicalizados, desde que por eles devidamente