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O AMBIENTE ESCOLAR NA CONSTRUÇÃO DA SOLIDARIEDADE

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Academic year: 2021

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O AMBIENTE ESCOLAR NA CONSTRUÇÃO DA SOLIDARIEDADE

Luciene Regina Paulino TOGNETTA1 Thayse Polidoro João PIZANO2

Resumo: Os objetivos principais desta pesquisa são analisar as soluções apresentadas

por sujeitos a dilemas que evidenciam a solidariedade; verificar se existe uma evolução nas categorias de respostas apresentadas e finalmente observar como ocorrem as relações interpessoais na sala de aula e com a autoridade bem como o ambiente influencia nos juízos de solidariedade.

A amostra foi constituída por 30 sujeitos com idades de 6 e 11 anos. Para obtenção dos dados foram feitas sessões de observação para examinar as relações interpessoais utilizando critérios elaborados por Tognetta (2003). Para isso, forma avaliadas as soluções apresentadas a 3 dilemas de solidariedade (Tognetta, 2003).

Os resultados indicam que apesar dos sujeitos terem uma diferença na média de idade (diferença de 5 anos) não encontramos entre os sujeitos de 11 anos uma possível evolução, nos juízos de solidariedade, prevista pelas características da idade. Esses sujeitos ficam ainda mais propensos a não exercê-la quando na presença da autoridade já que as relações estabelecidas são em sua grande maioria de medo e de obediência à regra. Ambos os ambientes encontrados se caracterizam por serem ambientes coercitivos que PIAGET (1998) se refere chamando “de ambiente de coação social” pois implicam uma “relação entre dois ou n indivíduos na qual intervém um elemento de autoridade”.

As conclusões obtidas a partir desta investigação indicam que ao compararmos as respostas dos sujeitos pertencentes a um ambiente coercitivo não há evolução no juízo de solidariedade, podendo um sujeito de 11 anos advindo de um ambiente coercitivo, dar respostas menos evoluídas que um sujeito de 6 anos advindo de um ambiente cooperativo, pois este último se apresenta mais disposto a essa virtude, como aponta uma pesquisa realizada por Tognetta (2003). Esses sujeitos participantes de nossa investigação não conseguem pensar com reciprocidade colocando-se na perspectiva do outro porque são barrados por sua grande obediência à ordem da autoridade que atua de forma coercitiva utilizando-se de castigos e punições. Dessa forma, os resultados também confirmam que o ambiente escolar influencia na forma como o sujeito resolve seus conflitos interpessoais, ainda que apreciados em forma de julgamento.

1lrpaulino@uol.com.br FAM – Faculdade de Americana, UNIFRAN, UNESP (GEPEM)

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A presente pesquisa

Como nossas escolas poderiam promover a construção de uma virtude tão imprescindível como a solidariedade? Para responder a tal pergunta, nossa pesquisa buscou analisar as soluções apresentadas por sujeitos a dilemas que evidenciam a solidariedade e observar como ocorrem as relações interpessoais na sala de aula. Para tanto, tal investigação foi realizada com a participação de 30 sujeitos de 6 e 11 anos, respondendo a três dilemas morais.

O problema central da pesquisa buscou comprovar se haveria diferenças no julgamento de dilemas que envolviam a solidariedade por sujeitos de idades diferentes, advindos de um mesmo ambiente escolar, para então comparar com resultados obtidos numa pesquisa anterior (Tognetta 2003) que apresentou dados de sujeitos com a idade de seis anos e advindos de um ambiente cooperativo, e, portanto, diferente da amostra desta investigação.

A caracterização do ambiente

A partir de uma ficha de observação3 por nós organizada, pudemos caracterizar o ambiente de nossa amostra. Segundo critérios deste instrumento, o ambiente da amostra desta pesquisa foi caracterizado como coercitivo haja vista a presença constante de situações de autoritarismo e relações de coerção em que prevalecem ações egocêntricas baseadas num tipo de respeito unilateral. Neste cenário, muitas vezes, os professores não respeitam as regras gritando e argumentando que somente a ele cabe gritar e inclusive, descumprir outras regras como chegar atrasado à aula. Por certo, para que haja a legitimação da regra é preciso que ela seja construída com as crianças e que seja associada a uma sensação de bem estar, de satisfação pessoal ao respeitá-la e também que seja refletido com as crianças as conseqüências naturais do não cumprimento dessas (La Taille,1998; Vinha, 2000). No entanto, tal exigência está longe de ser cumprida

3A ficha encontra-se publicada no livro “A construção da solidariedade e a educação do sentimento na escola” pela Editora Mercado de Letras, p. 192.

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neste ambiente caracterizado pela coerção onde seus professores expõem os alunos a humilhações e constrangimentos. Para La Taille (2002) essa ação “compromete o contrato social e pode determinar uma atitude fechada sobre si, a timidez ou um pesado sentimento de inferioridade” enquanto “a solução é exatamente contrária: reforçar no aluno, o sentimento de sua dignidade como ser moral”. Para conseguir a obediência, o professor faz forte pressão. Nesse sentido, sabemos que a educação autoritária tende a gerar indivíduos submissos, conformistas, obedientes à autoridade (Piaget, 1932/19994; La Taille, 1998; Vinha, 2000).

O julgamento aos dilemas morais

Os dilemas apresentados aos sujeitos remetem-lhes a pensar a solidariedade em suas relações com os pares e com a autoridade. Em nossa investigação anterior, (Tognetta, 2003) as respostas levaram à criação de categorias que foram bases para discussão dos resultados. Por ocasião desta atual investigação, as respostas apresentadas pelos sujeitos foram inseridas em apenas uma das categorias que criamos anteriormente quando optamos pela aplicação do Método Clínico Piagetiano. Desta forma, distribuídas nas categorias já organizadas, as respostas também foram, respectivamente, distribuídas em níveis que nos permitem pensar uma certa evolução nos juízos de solidariedade.

Vejamos agora os resultados encontrados para cada dilema. 4 Vale ressaltar que apenas apresentaremos alguns dados significativos de nossas investigações e portanto, uma perspectiva parcial de nossa pesquisa.

Dilema 1, entre pares.

“João é um garoto de seis anos que gosta muito de pipas, ele confecciona-as muito bem e tem muita habilidade para soltá-las. Na escola de João, ia haver um concurso para escolher a pipa mais bonita e, quem ganhasse, ganharia um grande prêmio. João quis muito participar. No dia do concurso, lá está João fazendo sua pipa, quando se aproximou dele um garoto de sua idade, desesperado pois a pipa dele havia sido rasgada. Este menino também estava participando do concurso e, então, pede a João que lhe empreste um pedaço de papel. João olha bem para a pipa do menino e nota que ela é muito bonita e que ele pode ganhar o concurso. João queria muito ganhar o concurso”. O

que fica melhor João fazer? (Tognetta, 2003)

4Foram feitas modificações de nomes, idade e sexo dos personagens procurando estabelecer maior relação entre esses e as crianças entrevistadas.

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No dilema 1, 53% dos sujeitos com 6 anos apresentam suas respostas no nível I “o bem a si próprio está acima da solidariedade”, bem próximo dos 47% dos sujeitos com 11 anos que também o fazem. Os sujeitos não percebem a adoção da perspectiva do outro, a necessidade de satisfazer o seu interesse está acima do outro, tanto para as crianças de 6 quanto para as de 11 anos. As justificativas dadas pelos sujeitos se referem a negar o empréstimo do papel. Para esses sujeitos, exercer a solidariedade não é viável, pois não emprestar tem razões importantes. Note-se que praticamente se igualam as porcentagens, não havendo uma evolução do juízo nas crianças com 11 anos. Tal dado parece-nos confirmar a importância do tipo de interações e de papéis assumidos no ambiente em que o sujeito está inserido para que haja uma evolução moral, como apontou Kohlberg (1969) e Piaget (1932/1994). Em contrapartida, apenas 7% dos sujeitos de 6 anos e 13% dos de 11, apresentaram disposição para a solidariedade (nível IV). Passemos agora para a apresentação do dilema 2 – com presença da autoridade.

“Ana é uma garota de seis anos. A casa em que ela mora fica em uma rua com muitas árvores altas e frondosas, em que ela adora subir, principalmente na mais alta delas. Ela sobe nela como ninguém! Um dia, ao descer de uma árvore muito alta, Ana escorrega e cai, porém não se machuca, mas seu pai, que a havia visto cair, fica muito preocupado com ela e pede-lhe que prometa nunca mais subir em árvores. Ana então, promete-lhe. Nesse mesmo dia, um pouco mais tarde, Ana e seus amigos encontram Patrícia que está muito aflita, pois seu gatinho subiu numa das árvores mais altas da rua e não consegue descer. Ana é a única da turma que sabe subir naquela árvore e pode resgatar o gatinho de Patrícia. Mas, ela se lembra da promessa que fez a seu pai”. O que fica melhor Ana fazer? (Tognetta, 2003)

Observamos um valor expressivo de respostas no nível II “esconde a ação da autoridade” enquanto uma espécie de cálculo de risco, principalmente das crianças com 6 anos: 61%, e das de 11 anos 33%. Essas crianças só encontram uma maneira de agir, que é mentindo ou escondendo da autoridade, e, portanto, o contrato não é quebrado.

Vejamos agora algumas discussões realizadas para o dilema 3.

“Júlio é um garotinho de 6 anos de idade. Na escola em que ele estuda há uma brinquedoteca com poucos brinquedos e, como há várias classes na escola, cada classe tem direito a brincar na brinquedoteca uma vez por semana. Aquele era o dia da classe de Júlio brincar na brinquedoteca. Ele estava muito feliz por isso. Se Julio perdesse o dia de brincar na brinquedoteca, só na próxima semana poderia brincar. Na hora do intervalo,

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depois que Júlio tomou o lanche, chegou o momento tão esperado. Quando Júlio caminhava para a brinquedoteca, um garotinho da sua idade o chamou. Ele parecia muito triste, pois estava sozinho e não tinha com quem brincar, estava com a perna engessada e não podia sair do lugar. O garotinho, então, pede a Júlio que fique brincando com ele naquele dia. Quando Júlio estava indo para a brinquedoteca, parou para ouvir sua professora que lembrou: “Júlio, hoje é dia da brinquedoteca da nossa classe. Você precisa permanecer lá com os amigos da classe”. E agora, o que fica

melhor Júlio fazer?” (Tognetta, 2003)

Encontramos novamente porcentagens de respostas bem parecidas entre os sujeitos de 6 e 11. No nível I em que “a ação solidária não acontece porque fere interesses próprios e a decisão é tomada tendo em vista a determinação do adulto”, 67% dos sujeitos de 6 anos e 70% dos sujeitos de 11 anos se mostram sem disposição para a ação solidária enquanto apenas 7% parece estarem dispostos a exerce-la. Tais dados nos permitem pensar o quanto às relações coercitivas impedem crianças e adolescentes de evoluírem em seus juízos.

No entanto, há uma constatação um pouco mais grave: fizemos uma comparação entre as respostas dadas por nossos sujeitos de 11 anos advindos de um ambiente coercitivo e aquelas encontradas em nossa pesquisa anterior com crianças de 6 anos advindas de um ambiente cooperativo. As conclusões obtidas a partir desta investigação, indicam que, ao compararmos os resultados dos sujeitos pertencentes a um ambiente coercitivo, não há evolução no juízo de solidariedade, podendo um sujeito de 11 anos advindo de um ambiente coercitivo, dar respostas menos evoluídas do que um sujeito de 6 anos, advindo de um ambiente cooperativo, que se apresenta mais disposto a essa virtude.

Os sujeitos participantes de nossa investigação não conseguem pensar com reciprocidade colocando-se na perspectiva do outro e nem se mostram dispostos à ação virtuosa, porque são barrados por sua obediência à ordem da autoridade, que atua de forma coercitiva, utilizando-se de castigos e punições. Desse modo, os resultados também parecem apontar que o ambiente escolar influencia na forma como o sujeito resolve seus conflitos interpessoais, ainda que apreciados em forma de julgamento.

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Podemos pensar no quanto esses meninos e meninas adolescentes ainda sofrem a influência de um ambiente autoritário, que não lhes favorece a disposição para uma ação solidária. Como vimos, mesmo superando, teoricamente, as perspectivas de um pensamento pré-lógico característico dos 6 anos, esses pré-adolescentes continuam não conseguindo se colocar na perspectiva do outro e continuam a subjulgar-se ao peso da autoridade.

Acreditamos que, como os juízos podem ser construídos através de experiências que favoreçam a cooperação, a manifestação dos sentimentos e o pensar sobre os conflitos que possam gerar tomadas de consciência, conseqüentemente, a escola é um bom local para a construção das virtudes morais, porque pode favorecer a troca, a interação das crianças entre si e com adultos e esses valores vão construindo parte da sua moralidade. Somente um ambiente em que as crianças sejam respeitadas e participem ativamente dos processos de tomada de decisões pode favorecer uma maior evolução em seus julgamentos morais. As virtudes que tanto desejamos dependem de uma legitimação do próprio sujeito, numa construção progressiva, sempre em interação com o ambiente de sua convivência. Conseqüentemente, temos a importância da escola nessa formação. Piaget (1998a) nos aponta que o que nos leva à solidariedade não é um respeito a uma regra exterior, mas sim, “a colaboração na constituição da regra comum, tampouco é o respeito coletivo pela palavra adulta que cria a compreensão, mas a discussão e o controle mútuo”.

A moral, a ética e a cidadania, como todo conhecimento, precisam ser construídos pelo sujeito por meio da ação. Este mesmo sujeito precisa de uma oportunidade de experimentar situações de justiça, igualdade, democracia, respeito mútuo e solidariedade, já que “se uma virtude pode ser construída é mais pelo exemplo do que pelos livros” (Comte-Sponville, 1999) E completaríamos: pelo exemplo e pela experiência.

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Referências Bibliográficas

ARAÚJO, Ulisses F. “O ambiente escolar e o desenvolvimento do juízo moral infantil”. In MACEDO, Lino de (org.) Cinco estudos de educação moral. São Paulo, Casa do Psicólogo, 1996.

COMTE-SPONVILLE, André. Pequeno tratado das grandes virtudes. São Paulo, Martins Fontes, 1995.

COMTE-SPONVILLE, A.; FERRY, L. Sabedoria dos modernos. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

LA TAILLE, Yves J. J. M. R. “A educação moral: Kant e Piaget”. In MACEDO, Lino de (org.) Cinco estudos de educação moral. São Paulo, Casa do Psicólogo, 1996.

__________. Limites: três dimensões educacionais. São Paulo, Ática, 1998. __________. Vergonha, a ferida moral. Petrópolis, RJ, Vozes, 2002.

MENIN, M. Suzana de Stéfano. “Desenvolvimento moral: refletindo com pais e professores”. In MACEDO, Lino de (org.) Cinco estudos de educação moral. São Paulo, Casa do Psicólogo, 1996.

RICOEUR, P.(1993). Le “soi” digne d’estime et de respect. AUDARD, C. Le respect.

De l’estime à la déférence : une question de limite. Éditions Autrement, série Morales,

no. 10, p. 88 – 99.

PIAGET, Jean. O juízo moral na criança. São Paulo, Summus, 1932/1994.

__________. Seis estudos de psicologia. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1998a. ______. (1998b) O espírito de solidariedade e a colaboração internacional. In: PARRAT-DAYAN, S. TRYPON, A . Sobre a pedagogia – textos inéditos. São Paulo: Casa do Psicólogo.

TOGNETTA, Luciene Regina Paulino. A construção da solidariedade e a educação do

sentimento na escola: uma proposta de trabalho com as virtudes numa visão

construtivista. Campinas, SP, Mercado de Letras/FAPESP, 2003.

TOGNETTA, L.R. P. O mapa do problema escolar : quando a cidadania parece não ser possível. In : MANTOVANI DE ASSIS, O. ; CAMARGO DE ASSIS, M. (org). Anais

do XXII Encontro Nacional de Professores do Proepre. Águas de Lindóia :

LPG/FE/Unicamp, 2005.

VINHA, Telma P. O educador e a moralidade infantil – uma visão construtivista. Campinas, SP, Mercado de Letras/FAPESP, 2000.

__________. Os conflitos interpessoais na relação educativa. Tese de doutorado. Campinas, SP, Faculdade de Educação, UNICAMP, 2003.

Referências

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