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DISCURSOS, PRÁTICAS E A MORAL DAS CAMADAS POPULARES SOB ANÁLISE DO APARELHO JURÍDICO: OS CRIMES-SEXUAIS DA PORTO ALEGRE DOS ANOS DOURADOS

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DISCURSOS, PRÁTICAS E A MORAL DAS CAMADAS POPULARES SOB ANÁLISE DO APARELHO JURÍDICO: OS CRIMES-SEXUAIS DA PORTO

ALEGRE DOS “ANOS DOURADOS”

Marluce Dias Fagundes Mestranda em História UFRGS, bolsista CNPq malufagundes@gmail.com

Resumo

A presente pesquisa tem como objetivo compreender os discursos e práticas do Aparelho Jurídico, assim como as narrativas de mulheres e homens envolvidos em crimes sexuais. Como fonte de pesquisa a ser contemplada, os processos crimes serão analisados a partir de uma perspectiva dos estudos de gênero. Tendo como recorte temporal os anos de 1945-1964, apelidado de “anos dourados” na história do Brasil, período no qual o país passava por grandes transformações urbanas. Portanto, estas histórias de crimes sexuais – tais como defloramento, sedução, estupro, atentado ao pudor e rapto – se passam na capital gaúcha, cidade que como outras capitais brasileiras passavam por um processo de remodelação de sua paisagem urbana. Surgiam em Porto Alegre novos espaços de convivências e sociabilidades, bem como novas formas de consumo característica de um período de acelerada modernização.

Palavras - Chave: Crimes-Sexuais; Estudos de Gênero; Anos Dourados.

Introdução

O debate à cerca de violação de direitos individuais insere-se de modo contemporâneo, e nessa linha abrange como parte deste a noção de violência sexual. A partir de uma perspectiva antropológica, a pesquisa de Miriam Vieira (2011) elucida o processo de construção de categorias jurídicas em torno da violência contra a mulher. E nesse sentido a transformação perante a história do estupro, a qual se deve a fatores complexos tais como: “violência, concepções de corpo, dor, moralidades, mudanças nas relações de gênero, assim como ao nascimento do sujeito contemporâneo” (VIEIRA, 2011, p.15).

No que permeia o campo historiográfico tal concepção de estupro pode ser construída e analisada a partir de crimes sexuais categorizados como defloramento, sedução, estupro, rapto e atentado ao pudor contido no Código Penal de 1940·. Tais crimes enquadravam-se no título “Dos crimes contra os costumes”, o que revela a

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pretensão do Estado em controlar os comportamentos de mulheres e homens de forma moralizadora. Como cita o historiador Cláudio Elmir:

(...) na conjuntura dos anos 50 e 60 com relação ao destino das moças passava necessariamente pelo resguardo de sua pureza, através da manutenção da virgindade até o casamento, o que não acontecendo significaria possivelmente o ostracismo social e a perda da perspectiva de

uma “vida normal” para a jovem1.

Segundo Martha Esteves (1984), era imprescindível a prova moral, sendo esta encontrada expressa nos artigos do Código Penal como concordância a conjunção carnal por meio de sedução, engano ou fraude. Em um primeiro momento podemos ingenuamente entender essa condição jurídica como proteções para com as mulheres vítimas envolvidas nesses crimes. Entretanto, conforme Esteves:

Para comprovar a sedução, engano ou fraude, definidores da culpabilidade do réu, a mulher que procurasse reparar uma ofensa teria, então, que articular um discurso convincente sobre sua honestidade, dentro dos parâmetros

esboçados pelo saber jurídico e também médico2.

E nesse contexto as provas deveriam ser fornecidas pela mulher e a mesma era submetida ao exame de corpo de delito para comprovação do desvirginamento recente, realizado normalmente por dois Médicos Legistas conforme requisição do Delegado de Polícia. Além disso, as testemunhas prestavam seus depoimentos com base na vida social da ofendida, se a mesma classificava-se como “moça de família”. Segundo Maria Aparecida P. Sanches:

Uma “moça de família” não saia sozinha à rua, não frequentava lugares suspeitos ou cinemas, bailes e praças sem um responsável por sua honra, - o pai, a mãe, um irmão ou um parente. A “família” a que se remete a expressão era a dos segmentos altos e médios uma vez que as moças pobres teriam sempre que provar nos processos serem portadoras de “bom comportamento”3.

A historiadora Carla Bassanezi Pinsky, em recente releitura da obra Virando as

Páginas, revendo as mulheres de 1996, permeia as representações do masculino e

feminino nos anos dourados. Atualmente sob o título de Mulheres dos Anos Dourados a

1 ELMIR, Cláudio Pereira. A transgressão do limite: sedução, adultério, prostituição e estupro no Rio Grande do Sul de meados do século XX. Justiça & História, Porto Alegre, v. 3, n. 6, 2003. p. 199-240. p. 201.

2 ESTEVES, Martha de Abreu. Meninas Perdidas: os populares e o cotidiano do amor no Rio de Janeiro

da Belle Époque. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989, p.38.

3 SANCHES, Maria Aparecida Prazeres. O crime de defloramento e a conformação de famílias para o bem estar da nação. Anais da ANPUH – XXV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Fortaleza, 2009, p. 3.

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autora analisa as revistas femininas Cláudia, Querida, O Cruzeiro e Jornal das Moças como principais fontes para narrar “os anos dourados”. Período que abrange os anos de 1945 – 1964, e de suma importância para a história geral do Brasil, e que também assume especial significados para estudos das relações de gênero, e por isso, vem a ser o recorte temporal a ser analisado por essa pesquisa em andamento. Pinsky define a partir de aspectos econômicos, culturais, políticos, religiosos e outros, o que foi os anos dourados. Sendo que este se concentrava em sentimentos de otimismo do pós-guerra, de esperanças futuras e uma sensação do Brasil alcançar de vez a modernidade. E em relação a moral sexual da época esta se apresenta em duplicidade de sentido, pois ao mesmo tempo em que exige a pureza da mulher solteira também aceita e impulsiona experiências sexuais do homem com diferentes mulheres.

Charles Monteiro (2004) investiga a Porto Alegre da segunda metade do século XX, a qual esteve marcada pela busca da modernidade nos hábitos e formas de consumo – novos meios de transporte, automóvel e ônibus – e também por um crescimento acelerado resultante da crise de infraestrutura urbana. Como ressalta o autor:

A visão idílica dos anos 1950 como “anos dourados”, dos bailes da Reitoria, das lambretas da juventude transviada, do crescimento econômico e da estabilidade social, presente na leitura de alguns cronistas da cidade, não dá conta do aprofundamento das diferenças de fortuna entre as camadas sociais altas, médias e populares, bem como o processo de segregação social entre áreas ricas e pobres da cidade4.

A partir desses elementos sobre a cidade de Porto Alegre no período elucidado (1945-1964) e da premissa que conforme o Código Penal, os crimes de defloramento (sedução), estupro, atentado ao pudor e rapto previam “proteção” às mulheres vítimas, parto da seguinte problemática: O Estado, representado pelo Poder Judiciário se portava como elemento analítico nas relações de gênero em benefício do controle moral da sexualidade e dos corpos de mulheres e homens envolvidos nos crimes sexuais? Existia uma prática penal incoerente, a qual transformava a mulher vítima em ré entre a denúncia até a sentença? E qual a relação entre o Estado e o Poder Judiciário Criminal? Até que pontoo Judiciário Criminal representa o Estado, e como o representa?

Aspectos teórico-metodológicos

4 MONTEIRO, Charles. “Porto Alegre no século XX: crescimento urbano e mudanças sociais”. In:

DORNELLES, Beatriz (org.). Porto Alegre em destaque: História e Cultura. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004, p.61.

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A partir da década de 1970, a historiografia redescobriu seu olhar enfocando suas pesquisas para a micro história e história cultural. Dessa forma, nasceu uma nova visão e definição do sujeito moderno, com uma constituição individual, peculiar das representações culturais de seu tempo. Nessa base, a investigação histórica tomou outros caminhos ao realizar uma releitura das sociedades, trabalhando por vezes com grupos específicos e partindo com objetos de estudo de uma trajetória de vida importante ou hermética. Os novos temas criados pela História Cultural resultaram em novas questões da prática histórica em várias reflexões:

É apenas ao identificar as partilhas, as exclusões, às relações que constituem os objetos em estudo, que a história poderá pensá-los, não como figuras circunstanciais de uma categoria supostamente universal, mas, pelo contrário,

como ‘constelações’ individuais ou mesmo particulares5.

As determinações apresentadas pelo historiador francês Roger Chartier a respeito da história cultural, identifica o grau de regressão ao social, já que a mesma incita sobre estratégias as quais determinam posições e relações que conferem a cada classe, grupo ou meio, característico de sua identidade.

No fecho destas propostas, os historiadores(as) permitem-se empregar a documentos, tais como processos crimes, uma perspectiva historiográfica que abranja não só os aspectos culturais e políticos de diferentes grupos sociais, mas inserindo-os numa problemática que, para além do determinismo biológico, estude o corpo e a sexualidade de pessoas comuns. Michael Foucault determina os elementos culturais como base nas ações cotidianas que constituem a vida do sujeito, inclusive de seu sexo: O estudo da moral sexual deve determinar de que modo, e com que margem de variação ou de transgressão, os indivíduos ou grupos se conduzem em referência a um sistema prescritivo, que é explícita ou implicitamente dado

em sua cultura, e do qual eles têm consciência mais ou menos dela6.

Os estudos relacionados à história das mulheres vêm ganhando espaço nos últimos anos no Brasil. Pois, por muito tempo as mulheres não foram consideradas sujeitos da história e, assim, estiveram excluídas das narrativas dos historiadores(as). O panorama atual da historiografia brasileira parece ter mudado expressivamente, ratificando a presença desses novos sujeitos, debatendo as discussões teóricas e recomendando a introdução de novos conceitos assim como de novas abordagens.

5 CHARTIER, Roger. A história cultural: Entre práticas e representações. Trad. de Maria Manuela

Galhardo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990, p.78.

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Publicações sobre distintos períodos da história têm sido incorporadas pelo mercado editorial, tratando não somente de dar visibilidade às mulheres na história, como parecia ser o primeiro objetivo empreendido pelas historiadoras dos anos 1980 no Brasil, mas também problematizando as hierarquias de gênero, as relações de poder, as sexualidades, os corpos, a educação, os trabalhos de mulheres e homens, por uma perspectiva de gênero. E aos poucos, o gênero começa a aparecer em capítulos de livros voltados para uma história "geral", começa a ser evocado junto a outras categorias, tais como classe, geração, etnia, em trabalhos que não se pretendem somente como pesquisas de história das mulheres7.

Na década de 1980, quando nos Estados Unidos surgiam e multiplicavam-se os departamentos de Women's Studies, a historiadora social francesa Michelle Perrot alertava para os perigos de se fazer “um gueto da história das mulheres”. Paralelamente multiplicavam-se pesquisas que preconizavam o papel das mulheres na história, a história do cotidiano, as "culturas femininas", incorporando-se, ainda as relações de gênero como categorias de análise. A partir daquelas pesquisas que se ampliaram, das publicações e coleções voltadas à história das mulheres, bem como dos problemas que essa história considerada por muitos como secundária começou a colocar para a escrita da história. Assim é candente que os(as) historiadores(as), de modo geral, passem cada vez mais a se interrogar sobre a importância de se admitir o gênero como uma categoria de análise não somente útil, mas fundamental para a própria pesquisa histórica8.

Com esse panorama geral dos estudos de gênero e da historia das mulheres, pretende-se explorar, em termos de teoria, trabalhos de pesquisadoras(es) reconhecidas(os) nesse campo tais como a historiadora estadunidense Joan Scott, que parte da ideia que o gênero seria um primeiro modo de dar significado às relações de poder9. E no que tange as relações de poder, os estudos de Michel Foucault são fundamentais a partir de suas análises sobre o poder disciplinar e a biopolítica, na sociedade moderna. Mesmo Foucault, não tendo se dedicado integralmente ao estudo das mulheres ou das relações de gênero, em sua obra a figura da mulher emerge, em

7 PEDRO, Joana Maria; SOIHET, Rachel. A emergência da pesquisa da História das Mulheres e das

Relações de Gênero Revista Brasileira de História, vol. 27, nº 54, 2007.

8 SCOTT, Joan. História das Mulheres. In: BURKE, Peter (org.). A escrita da história: novas

perspectivas. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1992.

9 SCOTT, Joan.Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 16, n. 2, p. 5-22, jul./dez. 1990.

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trabalhos como a História da Loucura (1961) e História da Sexualidade I – A vontade

de saber (1982).

Foucault no primeiro volume da trilogia de História da Sexualidade conceitua o que ele chama de “dispositivo de sexualidade”, o que vem a ser um conjunto de discursos, práticas, técnicas e organização de espaços, que visam a classificar e codificar as práticas sexuais. E com a vasta contribuição de Foucault, hoje nos permitimos compreender os modos de sujeição instaurados na Modernidade, com a definição e imposição de uma suposta identidade essencial da Mulher pelo discurso científico masculino, juntamente com a heterossexualidade compulsória.

O campo metodológico adotado parte do princípio que em busca da “verdade” ou algumas respostas do passado e do presente, a história considera um amplo teor documental, e os registros criminais são uma boa escolha para desvelar o contexto da sociedade e as implicações dos sujeitos históricos. Nesse sentido as vítimas e os réus dos crimes de sedução, buscam na justiça algo “perdido” de sua intimidade, mas ao mesmo tempo exigido pela sociedade de seu período.

O uso de processos judiciais como documento histórico, em especial os processos crime, visa ressaltar as questões das representações sociais e de poder. O universo rico em informações presente nos processos judiciais é fundamental como fonte de pesquisa em História, no caso da ação criminal permite-se adentrar no cotidiano e nas práticas dos indivíduos envolvidos nos autos. Segundo Edméia A. Ribeiro

Os relatos em forma de depoimentos, os encaminhamentos dados pelos agentes do jurídico, a participação de um júri representando a sociedade, são elementos significativos para o estudo de temas diversos, seja no campo dos

movimentos sociais seja naquele das mentalidades10.

No entanto, alguns cuidados no campo metodológico devem ser tomados pelo historiador(a) que escolhe os processos judiciais como fonte de sua pesquisa. Um fato concebido é a manipulação do discurso por meio dos responsáveis pela confecção dos autos, ou seja, os membros do Poder Judiciário. No que tange o processo criminal, por parte do pesquisador(a) este não deve encarar o discurso contido de maneira concreta,

10 RIBEIRO, Edméia. “Fonte Judicial na pesquisa histórica: crime de sedução”. Hist. Ensino, Londrina,

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inabalável. Pois, o que está escancarado no documento é uma tentativa inacabada da “verdade”. Em síntese as palavras de Rosemberg e Souza são cruciais:

O historiador, ao se debruçar sobre os processos judiciais, precisa estar preparado para manejar duas instâncias que se imbricam: a) as tensões e as lutas que se estabelecem no bojo das articulações intrínsecas às lógicas processual, institucional e do Direito; b) os complexos processos sociais que se “materializam” nos autos e estão à mercê da interpretação por parte do historiador11.

A problemática no uso dos processos judiciais está incumbida na tomada da versão contida na documentação como “verdade jurídica”. Para não cair nessa armadilha, à atenção e a prudência devem ser redobradas. Porém, a legitimação do potencial dos processos jurídicos no campo historiográfico é ainda maior. Pois, com o tratamento adequado para com as fontes, ou melhor, realizar as perguntas certas para elas buscando encontrar a relativa “verdade” entrelaçada nas memórias. Como destaca a historiadora Nádia Maria Weber, em uma pesquisa sua sobre processos judiciais, a criação de uma narrativa sobre outra narrativa, onde o historiador possa programar ficções controladas para a verdade12. Como já afirmou também Keila Grinberg:

Para ler processos criminais, portanto, é preciso saber trabalhar com as versões, perceber a forma como elas são construídas. Analisar como os diversos agentes sociais apresentam diferentes versões para cada caso e ficar atento, principalmente, às narrativas que se repetem, às histórias nas quais as pessoas acreditam e àquelas nas quais não se acredita. É necessário trabalhar com a verossimilhança. Saber o que é e o que não é plausível em uma determinada sociedade nos leva a compreendê-la melhor. E, nesse caso, até a mentira mais deslavada vira categoria de análise13.

Analisar processos criminais como fonte histórica requer pequenos cuidados, ou melhor, estar atento ao que está por trás das entrelinhas. Porém, o método em conjunto com a revisão historiográfica adequada ao objeto ou período da pesquisa permite ao historiador(a) uma amplitude contextual.

Os Crimes-Sexuais

11 ROSEMBERG, André; SOUZA, Luíz Antônio Francisco. “Notas sobre o uso de documentos judiciais

e policiais como fonte de pesquisa histórica”. UNESP – FCLAs – CEDAP, v. 5, n.2, p. 159-173 - dez. 2009, p. 169.

12 SANTOS, Nádia Maria Weber. “Ficción en los archivos? en Dossier Ficción, archivo y narrativas judiciales”. Revista Historia y Justicia N°1, Santiago de Chile, 2013.

13 GRINBERG, Keila. “A História nos porões dos arquivos judiciários”. In: PINSKY, Carla Bassanezi; DE LUCA, Tania Regina (Org.). O historiador e suas fontes. São Paulo: Contexto, 2009, p. 128.

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Desde o final da década dos anos de 1980 até o fim da próxima década este momento é caracterizado pelo crescente interesse de historiadores(as) por temas relacionados à honra, a sexualidade e a violência, principalmente tendo como objetos de análises inquéritos e processos criminais. As pesquisas da antropóloga Mariza Correa (1983)14 e das historiadoras Martha de Abreu Esteves (1989)15, Rachel Soihet (1989)16, Sueann Caulfield (2000)17 e do historiador Boris Fausto (1984)18 são fontes de inspiração e leituras essenciais para a presente pesquisa em andamento. Os trabalhos citados analisam espacialmente cidades do sudeste brasileiro como as capitais de São Paulo e Rio de Janeiro, e a cidade de Campinas (SP). No que tange a temporalidade, a maioria detém-se aos anos finais do século XIX até a primeira metade do XX, com a exceção do trabalho de Mariza Corrêa que abarca os anos de 1952 e 1972.

No entanto, pesquisas a partir de uma perspectiva histórica do tema as quais tomam como recorte espacial cidades do Rio Grande do Sul, em específico Porto Alegre ainda são escassas. Com exceções de obras, que colaboram de forma secundária o mesmo, tais como os livros das historiadoras gaúchas Sandra Jatahy Pesavento – Uma

Outra cidade: o mundo dos excluídos no final do século XIX19, e Cláudia Mauch -

Ordem Pública e Moralidade: imprensa e policiamento urbano em Porto Alegre na década de 189020.

Sendo assim, a presente pesquisa que está sendo desenvolvida pretende contemplar a temática dos crimes sexuais de um período pouquíssimo explorado pela historiografia. Até esse momento a linha escolhida para análise dos discursos e das práticas contidas nos inquéritos e processos judiciais coletados está centrada nas representações que delegados, juízes, médicos, advogados, dentre outros, levantaram a

14 CORRÊA, Marisa. Morte em família: representações jurídicas de papéis sexuais. Rio de Janeiro:

Edições Graal, 1983.

15 ESTEVES, Martha de Abreu. Meninas Perdidas: os populares e o cotidiano do amor no Rio de Janeiro

da Belle Époque. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.

16 SOIHET, Rachel. Condição Feminina e formas de violência: mulheres pobres e ordem urbana,

1890-1920. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989.

17 CAUFIELD, Sueann. Em defesa da honra: moralidade, modernidade e nação no Rio de Janeiro

(1918-1940). Campinas, SP: Editora da Unicamp∕Centro de Pesquisa em História Social da Cultura, 2000.

18FAUSTO, Boris. Crime e Cotidiano: A criminalidade em São Paulo (1880-1924). 2 ed. 1. Reimp. – São

Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2014.

19 PESAVENTO, Sandra Jatahy. Uma outra cidade: o mundo dos excluídos no final do século XIX. São

Paulo: Companhia Editora Nacional, 2001.

20 MAUCH, Cláudia. Ordem Pública e Moralidade: imprensa e policiamento urbano em Porto Alegre na

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cerca das vítimas, réus e testemunhas. Outro aspecto importante a ser ressaltado é o tempo de duração de cada auto processual, desde o momento da denúncia realizado na delegacia até o arquivamento do mesmo.

Considerações Parciais

O trabalho a partir de uma perspectiva dos estudos de gênero, a qual permeia questões de conduta sexual moralizante, noção de honra e virgindade a qual parte de discursos jurídicos como forma de controle social perante as classes populares, em especial as meninas envolvidas nos autos processuais presume-se como contribuição pertinente a historiografia do período a ser analisado. E com isso, espero oferecer subsídios a futuras pesquisas que compreendam a noção de violência sexual, moralidades e transformações nas relações de gênero.

A pesquisa encontra-se numa fase inicial, sendo que até o momento foram analisados 68 processos (alguns somente inquéritos policiais), desses 8 referem-se a casos de Estupro. Os autos são do fundo do Tribunal do Júri e da 2ª Vara Criminal da Comarca de Porto Alegre, salvaguardados no Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul (APERS).

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