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Processo

551/19.3T8GRD-B.C1.S1

Data do documento 22 de junho de 2021

Relator

Maria Olinda Garcia

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA | CÍVEL

Acórdão

SUMÁRIO

I- Nos termos dos artigos 48º, al. a) e 49º, nº 1, al. b) do CIRE, sendo a credora mãe do insolvente, ela cabe, inequivocamente, no conceito de “pessoa especialmente relacionada com o insolvente” para efeitos de hierarquização do seu crédito, o qual, nos termos do art.48º, é graduado depois dos restantes créditos.

II- O legislador pressupõe que aqueles que cabem no conceito de pessoas especialmente relacionadas com o insolvente conhecerão a sua situação patrimonial e, por isso, poderão evitar negócios que os possam prejudicar; ou que, por outro lado, tais pessoas poderão colaborar com o devedor na preventiva criação artificial de créditos, conduzindo à ocultação de património, em prejuízo futuro dos demais credores.

TEXTO INTEGRAL

Processo n. 551/19.3T8GRD-B.C1.S1

Recorrente: AA

I. RELATÓRIO:

1. No apenso de verificação e graduação de créditos, respeitante ao processo de insolvência de BB, o Administrador da Insolvência apresentou a relação de créditos reconhecidos, na qual foi incluído um crédito de AA (mãe do insolvente), no valor global de 821.094,78€, emergente de um contrato de mútuo com hipoteca, ao qual foi atribuída a natureza de crédito subordinado.

Aquela credora deduziu impugnação, sustentando que o seu crédito devia ser reconhecido e graduado como crédito comum e não como crédito subordinado.

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Argumentou que, apesar de ser mãe do Insolvente, o empréstimo subjacente ao crédito foi realizado em 2011, e não emerge de qualquer relação especial; tendo sido constituído em data em que não era imaginável que o devedor pudesse vir a ser declarado insolvente, oito anos depois; e que o art. 48º, alínea a), do CIRE deve ser objeto de interpretação restritiva, tendo em conta o elemento racional ou teleológico e a filosofia que lhe está subjacente, de modo a excluir a sua aplicação quando se mostre que a causa de ser da constituição do crédito é tolamente alheia a qualquer relação especial entre a credora e o devedor, não tendo sido realizada quando o devedor se encontrava em insolvência ou pré insolvência.

2. A credora “Jormancob, Ldª” respondeu, sustentando que o crédito foi devidamente classificado como subordinado, dada a circunstância de a Impugnante ser ascendente do devedor. Alegando dever ser afastada a interpretação defendida pela Impugnante, que ultrapassa a letra e o espírito da lei, acrescentou que a constituição da referida hipoteca não foi um ato inocente, sem qualquer relação com a insolvência do devedor, estando, pelo contrário, intimamente ligado a um plano concertado, elaborado pelo Insolvente, de ocultação, dissipação e oneração total dos bens, com o intuito claro de prejudicar os credores para que estes não fossem ressarcidos dos valores que têm direito a receber.

O Administrador da Insolvência respondeu afirmando manter o reconhecimento do crédito como subordinado.

3. Foi proferida sentença que, julgando improcedente a impugnação, manteve a qualificação do crédito como subordinado, e procedeu à respetiva graduação em conformidade com essa natureza, graduando-o para ser pago após os demais créditos não subordinados.

4. Inconformada com essa decisão, a credora AA interpôs recurso de apelação, vindo o TR….. a considerar o recurso improcedente, confirmando a sentença.

5. Ainda inconformada, a apelante interpôs recurso de revista excecional, invocando os artigos 672º do CPC e 14º do CIRE. Nas suas alegações formulou as seguintes conclusões:

«1. Não obstante o douto acórdão aqui recorrido ter indeferido a pretensão da recorrente, com fundamentação essencialmente semelhante àquela utilizada na sentença de primeira instância, a decisão é recorrível por as circunstâncias do caso cumprirem os quatro fundamentos legais a permitir a admissibilidade do recurso de revista especial, a saber, as alíneas a), b) e c) do n. 1 do artigo 672º do CPC e n. 1 do artigo 14º do CIRE, conforme melhor explicitado de A) à G) supra, que aqui se dão por integralmente reproduzidos e integrados;

2. O douto acórdão recorrido apesar de reconhecer o crédito da Recorrente, o qualifica como crédito subordinado (mantendo a douta sentença de primeira instância), e é com esta parte que a Recorrente não

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se conforma;

3. Isso porque, o douto acórdão recorrido entende que pelo facto da aqui recorrente ser mãe do Insolvente o seu crédito deverá ser qualificado como subordinado, por aplicação dos artigos 48º e 49º do CIRE, entendidos no sentido de que a mera constatação da relação de parentesco faz operar a qualificação do crédito como subordinado, o que não pode ser afastado em circunstância alguma;

4. Contudo, entende a Recorrente que a explanação transcrita em I) a J) das alegações, da motivação da sentença de primeira instância e acórdão recorridos não tem em conta a realidade e especificidade dos presentes autos, bem como faz uma interpretação errónea das normas aplicáveis, designadamente os artigos 48º e 49º do CIRE e que, portanto, as viola;

5. O crédito da Recorrente resulta de mútuo garantido por hipoteca de vários imóveis, celebrado no longínquo ano de 2011, sendo que a maioria dos imóveis já foi judicialmente vendido em execuções, restando apenas os melhor identificados em N) das alegações supra;

6. Acrescendo que a transação e a garantia real resultantes da escritura junta como documento 1 da reclamação de créditos encontram-se registadas (desde 28.12.2011 – vide cópias certificadas dos registos prediais juntos à reclamação de créditos);

7. Sendo certo que a credora reclamante é mãe do agora insolvente, não é menos certo que o crédito não emerge de qualquer relação especial, tendo sido constituído em data em que ninguém, na sua perfeita e total boa fé, imaginaria que o devedor pudesse vir a ser declarado insolvente, oito anos depois;

8. Sobre esse específico ponto o douto acórdão recorrido faz a seguinte consideração: “Uma última nota para dizer o seguinte:

Ainda que se admitisse – e não é o caso – a interpretação restritiva da norma em questão nos termos propostos pela Apelante, o seu crédito continuaria a dever ser classificado como subordinado, na medida em que, tendo em conta as circunstâncias e o momento em que ele foi constituído, nunca se poderia afirmar que ele não tinha qualquer relação com a insolvência que veio a ser declarada e que não tinha subjacente a efectiva superioridade informativa da Apelante relativamente à situação do Insolvente e à previsibilidade de, a curto ou médio prazo, vir a cair – se não estava já – em situação de insolvência, tendo em conta as elevadas responsabilidades que havia assumido.

Com efeito, não obstante o facto de o crédito ter sido constituído cerca de oito anos antes da declaração de insolvência, a verdade é que, à data, já era possível antever a situação de insolvência. Na verdade, uma parte significativa do passivo do Insolvente (cerca de 5.000.000,00€) reporta-se a garantias prestadas pelo Insolvente relativamente a obrigações/responsabilidades assumidas pela sociedade Inoxgeral, Ld.a e, tendo

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em conta que esta sociedade foi declarada insolvente em 6 de Março de 2012, é certo que tal passivo já havia sido contraído à data da constituição do crédito da Apelante ou, pelo menos, terá sido contraído nos dois meses seguintes. É o caso, por exemplo, dos créditos da Caixa Geral de Depósito (requerente da insolvência), no valor de 750.850,77€, que foram constituídos entre 2006 e 2011; é o caso do crédito do Banco Comercial Português, S.A., no valor de 130.419,47€, cuja constituição ocorreu em 2007 e é o caso do crédito do Novo Banco, S.A., no valor global de 1.774.367,88€, uma parte do qual foi constituído em Abril de 2011. Importa notar, além do mais, que, em 2012 (pouco tempo depois da constituição do crédito da Apelante), já havia execuções pendentes contra o Insolvente (instauradas pelas Jormancob e pela Silvafer) onde lhe estavam a ser exigidos créditos (já vencidos) de valor elevado. Ora, a Apelante, sendo mãe do Insolvente, era presumivelmente detentora de conhecimento sobre a situação de insolvência daquela sociedade (que veio a ser declarada pouco depois) e da presumível e expectável insolvência que daí resultaria para o próprio Insolvente (tendo em conta o elevado passivo que havia assumido), situação que, evidentemente, era agravada pela oneração (mediante constituição de hipotecas a favor da Apelante) de uma parte significativa do património do Insolvente.

É certo, portanto, que, nessas circunstâncias, nunca se poderia concluir que a constituição do crédito e das hipotecas a favor da Apelante não tinha qualquer relação ou implicação com a situação de insolvência que veio a ser declarada e que esse acto não foi praticado com o efectivo conhecimento da situação do Insolvente e da previsibilidade de, a curto ou médio prazo, vir a cair – se não estava já – em situação de insolvência, tendo em conta as elevadas responsabilidades que havia assumido.” Vide páginas 25 e 26 do douto acórdão recorrido;

9. Contudo, mais uma vez, as doutas conclusões ora transcritas não se coadunam com a realidade existente;

10. Como bem aponta, os referidos créditos não foram contraídos pessoalmente pelo agora insolvente, resultam de garantias prestadas pelo mesmo (e outros) em dívidas assumidas pela sociedade Inoxgeral, Ldª. (em valores nada parecidos com os agora reclamados, que contém majoração de juros, cláusulas penais e incumprimentos contratuais), que tinham como fundamento a continuidade de laboração da mesma, e que, portanto, o agora Insolvente previsivelmente não viria a ser chamado a responder pelas mesmas - o que alias é muito normal na obtenção de financiamento das empresas quer a nível mundial, quer em Portugal;

11. Não faz sentido, nem se coaduna com as normas da experiência comum, que o Insolvente, que antes vivia uma vida confortável, acedesse a responsabilizar-se pessoalmente pelas dívidas da sociedade Inoxgeral, Ldª., se não estivesse convicto de que a mesma era viável e que continuaria a laborar por vários anos, fazendo face as referidas dívidas;

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Recorrente na mesma sociedade – Documento 1 que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido e integrado;

13. O normal, caso estivesse convicto da falta de viabilidade da Inoxgeral, Ldª seria evitar se responsabilizar pessoalmente pelas dívidas da referida sociedade e não aplicar mais dinheiro na mesma;

14. Conforme melhor consta de Doc. 2, que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido e integrado, a insolvência da Inoxgeral foi repercussão da Insolvência de várias empresas que tinham dívidas perante aquela sociedade, e, assim, de um momento para o outro a Inoxgeral se viu sem liquidez;

15. Mas esperavam os sócios que, passada a tempestade, pudesse recuperar e fazer face a todas as obrigações assumidas;

16. Tendo, inclusive, continuado a laborar após a decretação da insolvência, que alias, foi motivada pelo arresto efectivado por uma das credoras reclamantes, e tinha como objectivo a continuidade da laboração – vide doc. 3 que se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido e integrado;

17. Sendo, portanto, que, volvido mais de um ano sobre a data de constituição do mútuo que fundamenta o crédito da credora aqui recorrente, aquela Inoxgeral, apesar de insolvente, continuava a laborar, e era ideia maioritária os seus credores ali reclamantes que existia a real possibilidade de recuperar (caso contrário não teria aprovado o plano de recuperação);

18. A aqui recorrente, que na altura da efectivação do mútuo que deu origem ao crédito reclamado já tinha perto de 80 anos, não tinha qualquer informação privilegiada, nem qualquer noção da situação financeira das empresas geridas pelos filhos e por um terceiro, apenas acedeu ao empréstimo, por ter disponibilidade para o fazer, não tendo qualquer noção de que seria possível a insolvência do filho;

19. Até porque o próprio Insolvente não tinha razões na altura da constituição do crédito da aqui Recorrente para crer que a prestação de garantia pessoal aqueles créditos iria resultar, 8 anos depois, na sua insolvência – acreditando, assim como os demais credores, que a Inoxgeral, Ldª. estava no caminho da recuperação;

20. Por outras palavras: A causa de ser da constituição do crédito é tolamente alheia a qualquer relação especial entre a credora e o devedor, não tendo sido realizada quando o devedor se encontrava em uma situação de insolvência ou pré insolvência;

21. Entendemos que é difícil conceber, num mundo moderno, sempre em mudança e comandado por variáveis económicas imprevisíveis e incontroláveis que, cerca de oito anos de vista se possa representar relevantemente o que quer que seja, em termos de superioridade informativa sobre as condições do

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devedor, relativamente aos demais credores, e por isso tê-lo financiado mais criteriosamente. É completamente desproporcionado, e até abusivo, considerar que uma pessoa de oitenta anos, não empresária, nem banqueira, poderia ter superioridade informativa sobre empresários e bancos, que compõem o quadro de credores do aqui Insolvente e também compunham o quadro de credores daquela Inoxgeral, e mesmo assim aprovaram o plano de recuperação da mesma, mais de um ano após o mútuo em causa!

22. O douto acórdão recorrido (assim como a sentença de primeira instância) entende que da forma como os artigos 47º e 48º do CIRE estão redigidos (elemento literal da interpretação) é de concluir que a hipótese da alínea a) do art. 48º não admite discussão fatual que possa levar a outra qualificação do crédito, aqui em causa, que não seja como subordinado, por estarmos a lidar com uma presunção inilidível;

23. Como bem ensinam Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado – 3ª edição – página 298, mencionado no douto acórdão de que abaixo se falará: “o que está aqui em causa é, precisamente, a presunção de os atos praticados pelo insolvente, para mais num período vizinho da abertura do processo de insolvência, com pessoas que, por uma razão ou outra, lhe são próximas tenderem a beneficiá-las. Daí que, se de tais atos resultam créditos, estes, em caso de consumação da insolvência, devem ficar sujeitos a um tratamento menos favorável que a generalidade dos demais (…). Sublinhe-se, no entanto, que a presunção referida é inilidível (…);

24. Contudo, em nosso modesto entendimento, de forma não contraditória ao que se tem dito, é a questão do art. 9º, nº 1 do Código Civil impor uma interpretação restritiva das normas do CIRE, supra mencionadas;

25. Na verdade, há que se ter em conta a razão de ser, ou seja, o elemento racional ou teleológico da interpretação das normas supra citadas – a filosofia subjacente à classificação como subordinados dos créditos detidos por pessoas especialmente relacionadas com o devedor;

26. Consta do preâmbulo do Decreto-Lei nº 53/2004, diploma que aprovou o CIRE, ponto 25, que justifica a figura do crédito subordinado “…não se afigura desproporcionada, situando-nos na perspetiva de tais pessoas, a sujeição de seus créditos ao regime de subordinação, face à situação de superioridade informativa sobre a situação do devedor, relativamente aos demais credores.”

27. Como ensina o douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo nº 1223/13.8TBPFRC.P1.S1 “Sendo esta a razão de ser inerente à estatuição legal, logo se imporá interpretar os citados normativos de modo a abranger na sua previsão apenas (interpretação restritiva) os casos em que se possa estabelecer lógica e razoavelmente um nexo temporal que, de alguma forma, coenvolva ou comprometa a suposta superioridade informativa (ou o aproveitamento feito pelo devedor) com uma futura condição insolvencial. O que é dizer, noutra formulação, só fará sentido considerar para o efeito o “período vizinho da abertura do processo de insolvência” (na expressão dos supra citados autores) e não já um qualquer período sem limite

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algum. A lei procura subalternizar os créditos daqueles de quem admite que possam ter agido de má fé ou com ligeireza (estariam em condições de conhecer a situação em que se encontrava o devedor, logo é justo que vejam seus créditos receberem um tratamento menos favorável) com reporte a uma atual ou futura situação económica deficitária do devedor, e isto só se concebe com o mínimo de razoabilidade, quando, precisamente, existe alguma proximidade entre uma coisa e a outra. A própria lei, no caso previsto na última parte da alínea a) do art. 48º, mostra-se sensível à necessidade de haver limites temporais (dois anos anteriores ao início do processo de insolvência), opção esta que, mutatis-mutandis, bem pode aqui ser usada para reforçar a bondade da ideia de que também em caso como o vertente haverá que atender algum tipo de limite temporal (o mesmo se poderia dizer a partir das hipóteses da alínea a), segunda parte, e d) do art. 49º.”;

28. Continua, o referido acórdão: “Podemos assim concluir que não tem aplicação a alínea a) do art. 48º e a alínea b) do art. 49º quando se mostra que a constituição do crédito está de tal forma afastada no tempo do início do processo de insolvência que, dentro da normalidade das coisas, se trata de dois acontecimentos totalmente independentes, isto é, sem qualquer correlação, afinidade ou implicação entre si. Em um tal caso, a especial relação entre o credor e o devedor apresenta-se, para os fins ora em discussão, como indiferente ou irrelevante no que tange à constituição do crédito que virá depois a ser reclamado na insolvência.”;

29. Daí que, entende a Credora, aqui Recorrente, que seu crédito deverá ser reconhecido como garantido, uma vez que foi constituído há cerca de oito anos antes do presente processo de insolvência, não havendo entre um e outro qualquer correlação, conotação, afinidade ou implicação recíproca pois, na senda do ensinamento do acórdão supra mencionado, entendemos que a presunção prevista na alínea a) do art. 48º do CIRE deverá ser interpretada restritivamente, nos termos melhor expostos, supra;

30. Pelo que, em esse Venerando Tribunal, interpretando os artigos 48º e 49º do CIRE no sentido supra exposto e, em consequência, determinando a substituição da decisão recorrida por outra em que o crédito da Recorrente seja, além de reconhecido, qualificado como GARANTIDO, estipulando a sua prioridade em relação ao produto da venda dos imóveis melhor descritos supra, estará a fazer a costumeira justiça.»

6. Dado que o regime específico previsto no art. 14º do CIRE não é aplicável ao presente caso, por estar em causa decisão proferida no apenso de verificação e graduação de créditos, foram os autos enviados à Formação a que alude o art. 762º, nº 3 do CPC, a qual veio a admitir a revista como excecional, para que se clarifique se as disposições da alínea a) do art. 48º e da alínea b) do art. 49º do CIRE são suscetíveis de interpretação restritiva.

Cabe apreciar.

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1. Admissibilidade e objeto do recurso:

Como supra referido, face à existência de dupla conforme, o recurso foi admitido como revista excecional, com base no art. 672º, nº 1, alínea a) do CPC, a fim de se esclarecer se a alínea a) do art. 48º e da alínea b) do art. 49º do CIRE são suscetíveis de interpretação restritiva.

Com base nas conclusões das alegações da recorrente e com o traçado decorrente da admissibilidade da revista excecional, o objeto do presente recurso é o de saber se o crédito da recorrente (mãe do insolvente) deve ser considerado como “crédito subordinado”, como entenderam as instâncias, ou se, por força de uma interpretação restritiva da alínea a) do art. 48º e da alínea b) do art. 49º do CIRE, o crédito reclamado pela recorrente não deverá ter essa natureza, por ter sido constituído cerca de 8 anos antes da declaração da insolvência.

2. Factualidade relevante:

Para além do que resulta do relatório supra, encontra-se assente a seguinte factualidade:

1. A Caixa Geral de Depósitos, SA intentou, em 02.04.2019, o presente processo de insolvência, requerendo a declaração de insolvência do devedor BB e invocando a existência de créditos, no valor global de 750.850,77€, emergente de avais prestados em livranças subscritas pela sociedade Inoxgeral – Ld.ª, entre 2006 e 2011.

2. Tal insolvência veio a ser declarada por sentença proferida em 10.05.2019.

3. A Apelante AA é mãe do Insolvente, tendo reclamado nos autos um crédito no montante global de €821.094.78, emergente de contrato de mútuo para garantia do qual o Insolvente, com o consentimento do respectivo cônjuge e por escritura celebrada em 28.12.2011, constituiu hipoteca sobre seis imóveis;

4. Nos presentes autos foram reconhecidos e verificados créditos no valor global de 10.314.987,73€, aí se incluindo o crédito da Apelante.

5. Esse passivo inclui créditos no valor global de, pelo menos, 4.776.583,91€ que se reportam a garantias prestadas pelo Insolvente relativamente a obrigações ou responsabilidades assumidas pela sociedade Inoxgeral, Ld.ª, que veio a ser declarada insolvente por sentença proferida em 6 de Março de 2012, correndo o respetivo processo de insolvência no Juízo Local Cível …. – Juiz ….. – sob o n.º 249/12……..

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- Um crédito do Banco Comercial Português, S.A., no valor de 130.419,47€, emergente de aval prestado em livrança no âmbito de contrato celebrado em 22/02/2007:

- Um crédito de Jormancob – Componentes em Chapa para Estrutura Metálica, Ld.ª, no valor de 312.440,07€ para cobrança do qual estavam pendentes, à data da declaração de insolvência, os processos executivos n.ºs 527/12…… e 676/15……, ascendendo a 257.816,00€ a quantia exequenda no processo 527/12 (conforme resulta das certidões juntas aos autos – designadamente pela credora AA – das quais resultam as penhoras efectuadas no âmbito dessa execução e o valor por elas garantido);

- Um crédito do Novo Banco, S.A., no valor global de 1.774.367,88€ emergente de aval prestado em livrança no âmbito de contratos celebrados em 04/2011 e 08/2014;

- Um crédito de Silvafer – Comércio e Transformação de Ferro, S.A., no valor de 575.335,91€, para cobrança do qual se encontrava pendente – à data da declaração de insolvência – o processo executivo n.º 503/12……..

3. O direito aplicável:

A única questão em apreço é a de saber se o crédito reclamado pela agora recorrente deve ter a natureza de crédito subordinado, nos termos do art.48º, al. a) e 49º, n.1, al. b) do CIRE, dado o facto de a credora ser mãe do insolvente; ou se essas disposições devem ser alvo de uma interpretação restritiva, como sustenta a recorrente, sendo a respetiva aplicação afastada com base no facto de o crédito ter sido constituído cerca de 8 anos antes da declaração da insolvência.

3.1. Vejamos o teor das normas em questão.

Dispõe o art.48º do CIRE (com a epígrafe “créditos subordinados”):

«Consideram-se subordinados, sendo graduados depois dos restantes créditos sobre a insolvência:

a) Os créditos detidos por pessoas especialmente relacionadas com o devedor, desde que a relação especial existisse já aquando da respectiva aquisição, e por aqueles a quem eles tenham sido transmitidos nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência; (…)»

E dispõe o art.49º (com a epígrafe “pessoas especialmente relacionadas com o devedor”):

«1 - São havidos como especialmente relacionados com o devedor pessoa singular:

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de insolvência;

b) Os ascendentes, descendentes ou irmãos do devedor ou de qualquer das pessoas referidas na alínea anterior;

c) Os cônjuges dos ascendentes, descendentes ou irmãos do devedor;

d) As pessoas que tenham vivido habitualmente com o devedor em economia comum em período situado dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência.»

O efeito prático da qualificação de um crédito como “subordinado” encontra-se previsto no próprio art. 48º, ao estabelecer que esses créditos são graduados depois dos restantes créditos sobre a insolvência, complementado com o disposto no art. 177º do CIRE (com a epígrafe “pagamento aos credores subordinados”):

«1 - O pagamento dos créditos subordinados só tem lugar depois de integralmente pagos os créditos comuns, e é efectuado pela ordem segundo a qual esses créditos são indicados no artigo 48.º, na proporção dos respectivos montantes, quanto aos que constem da mesma alínea, se a massa for insuficiente para o seu pagamento integral.»

Deste modo, na hipótese (frequente) de insuficiência da massa para pagar todos os créditos reclamados, os titulares de créditos subordinados correm, naturalmente, um maior risco de não verem esses créditos pagos.

3.2. É o afastamento deste quadro legal que a recorrente pretende alcançar ao defender a interpretação restritiva daqueles preceitos. Afirma que, apesar de ser mãe do insolvente, o seu crédito foi constituído numa altura em que não era previsível que a insolvência pudesse vir a ocorrer e que, além disso, não existiria qualquer relação entre a constituição desse crédito e o processo de insolvência. Apoia-se (tal como já havia feito no recurso de apelação) no acórdão do STJ, de 06.12.2016 (relator José Rainho)[1], proferido no proc. nº 1223/13.8TBPFR-C.P1.S1, no qual se procedeu, efetivamente, a uma interpretação restritiva das normas que definem o conceito de crédito subordinado. Sustentou-se essa decisão, não apenas no facto de o crédito reclamado (pelos pais do insolvente) ter sido constituído cerca de 12 anos antes de ser declarada a insolvência, mas também na circunstância de, à data da constituição do crédito, o conceito de “crédito subordinado” ainda não ter consagração legal[2].

Esta última circunstância, ou seja, o facto de, à data da constituição do crédito, a lei não prever ainda que os créditos de determinados familiares (ou equiparados) do insolvente merecessem menor proteção do que os créditos de outros credores e, consequentemente, de estas pessoas não terem tido a possibilidade de ponderar essa potencial desvantagem, é um fator que confere especificidade argumentativa àquele

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referido acórdão do STJ, de 02.12.2016, mas que não pode ser convocado para a decisão do caso concreto, porque quando o crédito da recorrente foi constituído o CIRE já estava em vigor.

3.3. Da aplicação conjugada do art. 48º, al. a) e 49º, nº 1, al. b) do CIRE ao caso concreto, concluiu-se que, sendo a credora ascendente do insolvente, ela cabe, inequivocamente, no conceito de “pessoa especialmente relacionada com o insolvente” para efeitos de hierarquização do seu crédito, o qual, nos termos do art. 48º, é graduado depois dos restantes créditos. Tais estatuições não apresentam exceções, nem comportam conceitos indeterminados que conferissem ao interprete o poder de ajustar essas soluções às particularidades temporais do caso concreto.

O legislador revela, deste modo, que a hipótese típica de os familiares (ou equiparados) que cabem no conceito de pessoas especialmente relacionadas com o insolvente conhecerem a sua situação patrimonial (e, por isso, poderem evitar negócios que os venham a prejudicar)[3] ou de poderem colaborar com ele na preventiva criação artificial de créditos, conduzindo à ocultação de património (em prejuízo futuro dos credores) atingirá um nível de probabilidade que não merece a consagração de exceções.

Não sendo nunca de excluir que, em casos extremos, a interpretação de qualquer norma possa convocar as “válvulas de segurança” do sistema (como seja a interpretação restritiva), para evitar situações de intolerável injustiça, o que é certo é que o caso em análise, atenta a factualidade provada, nunca permitiria o afastamento da aplicação do disposto no art. 48º, a) e 49º, nº 1, al. b) do CIRE.

Como se afirma no acórdão recorrido:

«Ainda que se admitisse – e não é o caso – a interpretação restritiva da norma em questão nos termos propostos pela Apelante, o seu crédito continuaria a dever ser classificado como subordinado, na medida em que, tendo em conta as circunstâncias e o momento em que ele foi constituído, nunca se poderia afirmar que ele não tinha qualquer relação com a insolvência que veio a ser declarada e que não tinha subjacente a efectiva superioridade informativa da Apelante relativamente à situação do Insolvente e à previsibilidade de, a curto ou médio prazo, vir a cair – se não estava já – em situação de insolvência, tendo em conta as elevadas responsabilidades que havia assumido.

Com efeito, não obstante o facto de o crédito ter sido constituído cerca de oito anos antes da declaração de insolvência, a verdade é que, à data, já era possível antever a situação de insolvência. Na verdade, uma parte significativa do passivo do Insolvente (cerca de 5.000.000,00€) reporta-se a garantias prestadas pelo Insolvente relativamente a obrigações/responsabilidades assumidas pela sociedade Inoxgeral, Ld.ª e, tendo em conta que esta sociedade foi declarada insolvente em 6 de Março de 2012, é certo que tal passivo já havia sido contraído à data da constituição do crédito da Apelante ou, pelo menos, terá sido contraído nos dois meses seguintes. É o caso, por exemplo, dos créditos da Caixa Geral de Depósito (requerente da insolvência), no valor de 750.850,77€, que foram constituídos entre 2006 e 2011; é o caso

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do crédito do Banco Comercial Português, S.A., no valor de 130.419,47€, cuja constituição ocorreu em 2007 e é o caso do crédito do Novo Banco, S.A., no valor global de 1.774.367,88€, uma parte do qual foi constituído em Abril de 2011. Importa notar, além do mais, que, em 2012 (pouco tempo depois da constituição do crédito da Apelante), já havia execuções pendentes contra o Insolvente (instauradas pelas Jormancob e pela Silvafer) onde lhe estavam a ser exigidos créditos (já vencidos) de valor elevado. Ora, a Apelante, sendo mãe do Insolvente, era presumivelmente detentora de conhecimento sobre a situação de insolvência daquela sociedade (que veio a ser declarada pouco depois) e da presumível e expectável insolvência que daí resultaria para o próprio Insolvente (tendo em conta o elevado passivo que havia assumido), situação que, evidentemente, era agravada pela oneração (mediante constituição de hipotecas a favor da Apelante) de uma parte significativa do património do Insolvente.

É certo, portanto, que, nessas circunstâncias, nunca se poderia concluir que a constituição do crédito e das hipotecas a favor da Apelante não tinha qualquer relação ou implicação com a situação de insolvência que veio a ser declarada e que esse acto não foi praticado com o efectivo conhecimento da situação do Insolvente e da previsibilidade de, a curto ou médio prazo, vir a cair – se não estava já – em situação de insolvência, tendo em conta as elevadas responsabilidades que havia assumido.»

Assim, apesar de terem decorrido cerca de 8 anos entre o momento da constituição do crédito da recorrente e a declaração de insolvência do seu filho, concluiu-se, sem dificuldade, que uma futura insolvência não seria completamente imprevisível para a credora, dado o acumular de responsabilidades financeiras que ele já apresentava à data da constituição desse crédito.

3.4. Deve, assim, concluir-se que o acórdão recorrido fez a correta aplicação do direito ao caso concreto, seguindo a mais recente jurisprudência do STJ.

Veja-se, neste sentido, o que se sumariou no acórdão do STJ, de 23.05.2019 (relatora Graça Amaral)[4], no processo n. 1517/14.5T8STS-B.P1.S1, que também se convoca para fundamentar a decisão do caso concreto:

«- A delimitação do conceito de crédito subordinado referente a pessoas singulares especialmente relacionadas com o devedor, que o legislador fixou taxativamente no n.º 1 do artigo 49.º do CIRE, tem subjacente a necessidade de prevenir que determinadas situações de créditos sobre o devedor insolvente sejam utilizadas por forma a prejudicar o ressarcimento dos direitos de crédito dos demais credores.

- A constatação do vínculo ou situação pessoal constitui presunção iuris et de iure de uma relação especial com o devedor. Consequentemente, existência de qualquer uma das situações aludidas nas alíneas do n.º 1 do artigo 49.º, do CIRE, integra necessariamente a existência de uma especial relação com o devedor, que não pode ser afastada com a alegação e prova de que esse vínculo ou situação em nada determinou ou condicionou o relacionamento com o devedor, ou mesmo com a demonstração de que desse

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relacionamento resultaram benefícios para o devedor.

- A conceptualização da categoria dos créditos subordinados prevista nos artigos 48.º, alínea a), 1ª parte e 49.º, n.º 1, alíneas a) a c), ambos do CIRE, basta-se na relação especial definida pelo legislador, não se encontrando sujeita a qualquer período temporal limitativo.

- Uma interpretação restritiva, de pendor teleológico confinando a finalidade do comando legal à perspectiva da data da constituição do crédito, mostra-se para além do que é possível ser encontrado (objectivamente) no pensamento legislativo expresso no seu texto.»

Em resumo, o acórdão recorrido nenhuma censura merece quanto ao modo como aplicou os artigos 48º, al. a) e 49º, nº 1, al. b) do CIRE, apresentando uma fundamentação exaustiva e tecnicamente rigorosa.

*

DECISÃO: Pelo exposto, considera-se o recurso improcedente, mantendo-se o acórdão recorrido.

Custas na revista: pela recorrente.

Lisboa, 22.06.2021

Maria Olinda Garcia (Relatora)

Ricardo Costa

António Barateiro Martins

*A relatora declara que, nos termos do art. 15.º-A do DL n. 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo DL n. 20/2020, de 1 de maio, o presente acórdão tem voto de conformidade dos Conselheiros adjuntos.

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).

_______________________________________________________

[1]

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/f704d20d6e76f6c98025808100501a90? OpenDocument

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constituição do crédito está tão afastada no tempo do início do processo de insolvência que, dentro da normalidade das coisas, se trata de dois acontecimentos totalmente independentes, isto é, sem qualquer correlação, afinidade ou implicação entre si. É o que se passa quando o crédito foi constituído cerca de 12 anos antes do início do processo de insolvência, inclusivamente em momento em que a figura dos créditos subordinados ainda não existia legalmente.»

[2] Como se afirma no ponto 25 do preâmbulo do DL n. 53/2004: “É inteiramente nova entre nós a figura dos créditos subordinados. Ela existe em outros ordenamentos jurídicos, nomeadamente no alemão, no espanhol e no norte-americano, ainda que se registem significativas diferenças relativamente à forma como aparece neles configurada.”

[3] Afirma-se no ponto 25 do preâmbulo do DL n. 53/2004: «(…) A categoria dos créditos subordinados abrange (…) aqueles cujos titulares sejam “pessoas especialmente relacionadas com o devedor” (seja ele pessoa singular ou colectiva, ou património autónomo), as quais são criteriosamente indicadas no artigo 49.º do diploma. Não se afigura desproporcionada, situando-nos na perspectiva de tais pessoas, a sujeição dos seus créditos ao regime de subordinação, face à situação de superioridade informativa sobre a situação do devedor, relativamente aos demais credores.»

[4]

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8215685a10b5661b802584070050d511? OpenDocument

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