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Arbitragem societária: das incertezas brasileiras às soluções italianas

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Paulo Osternack Amaral

Advogado. Doutorando e Mestre em Direito Processual pela USP. Professor do Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual.

Arbitragem societária: das incertezas brasileiras às soluções italianas

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. A admissibilidade da arbitragem no Direito

Societário. 2.1. Considerações iniciais. 2.2 Abrangência objetiva da cláusula compromissória estatutária. 2.2.1. As matérias arbitráveis. 2.2.2. Sociedades limitadas: a permissão para a exclusão judicial de sócio. 2.3. Requisitos da cláusula compromissória estatutária. 2.4. A abrangência subjetiva da cláusula compromissória. 2.5. Os acionistas ausentes, os abstinentes e os contrários à cláusula compromissória. 2.6. A situação dos novos acionistas. 2.6.1. A improcedência da tese da “restrição a direito essencial”. 2.6.2. A natureza do estatuto e a inaplicabilidade da regra protetiva do aderente. 2.7. A situação dos terceiros em relação à arbitragem estatutária. 3. Os efeitos processuais da cláusula compromissória. 3.1. A regra geral. 3.2. A superveniência de controvérsias sobre direito indisponível. 3.3. A relevância da conduta processual das partes. 4. Conclusões. 5. Bibliografia.

1 – Introdução

O presente ensaio tem por objetivo examinar os contornos da arbitragem como mecanismo adequado de solução de controvérsias surgidas no âmbito das relações societárias.

Para tanto, serão destacadas as principais controvérsias existentes acerca da arbitragem societária no Brasil, de modo a solucioná-las não apenas à luz da Lei 9.307/96, do Código Civil e da Constituição, mas também considerando o regramento inerente ao direito societário, mais especificamente a disciplina das sociedades anônimas. As menções às sociedades limitadas serão feitas apenas pontualmente, na medida em que se mostrar necessário estabelecer algum contraponto ou esclarecer eventual peculiaridade em relação a tal tipo de sociedade.

O problema central que será enfrentado neste estudo consiste na tensão existente entre a autonomia da vontade das partes que permeia o processo arbitral e o princípio majoritário que é a base do direito societário brasileiro.

O estudo adotará a experiência italiana como paradigma para a solução dos problemas brasileiros, especialmente a adquirida por meio da reforma do processo societário implementada na Itália a partir de 2003. Esse contraponto será feito a partir do regramento

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contido nos arts. 34 a 36 do Decreto Legislativo nº 5, de 17/01/20031, que disciplina a chamada “arbitragem estatutária”, assim como pela consistente produção doutrinária que se formou após a entrada em vigor do regramento especial.

Acredita-se que tais regras especiais sejam capazes de projetar valiosas luzes sobre a arbitragem societária brasileira, na medida em que a Itália concebeu em sede legislativa respostas satisfatórias a situações muito similares às existentes hoje no Brasil.

2 – A admissibilidade da arbitragem no direito societário

2.1. Considerações iniciais

O art. 109, § 3º, da Lei 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas) dispõe que “o estatuto da sociedade pode estabelecer que as divergências entre os acionistas e a companhia, ou entre os acionistas controladores e os acionistas minoritários, poderão ser solucionadas mediante arbitragem, nos termos em que especificar”.

Essa é a regra que expressa o cabimento da arbitragem como método de solução de controvérsias no âmbito das sociedades por ações. Esclareça-se desde já que a estipulação de arbitragem para resolver disputas societárias consiste em mera faculdade colocada à disposição das partes pelo legislador. Todavia, caso se convencione a via arbitral, tal manifestação de vontade será vinculante aos envolvidos. A faculdade, portanto, diz respeito à escolha do método; depois de exercitada a faculdade, e escolhida a arbitragem, tal opção torna-se vinculante às partes.

Como se verá adiante, a regra do art. 109, § 3º, da Lei 6.404/76 seria até mesmo despicienda. Afinal, se o litígio se revestir de caráter patrimonial e for disponível, não há dúvida de que será passível de ser resolvido por arbitragem – independentemente da espécie de sociedade ou do mercado em que atue2.

De todo modo, cumpre deixar claro o cabimento de arbitragem também para resolver disputas no âmbito das sociedades limitadas. Aqui se aplica de forma subsidiária a disciplina inerente às sociedades anônimas às limitadas (art. 1.053 do Código Civil) – inclusive a autorização expressa quanto ao cabimento de arbitragem.

1 O Decreto Legislativo nº 5, de 17/01/2003, sofreu alterações introduzidas pelos Decretos Legislativos nº 37 (6/02/2004) e nº 310 (28/12/2004).

2 CAMINHA, Uinie. Arbitragem como instrumento de desenvolvimento do mercado de capitais. In: VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc (org.). Aspectos da arbitragem institucional: 12 anos da Lei 9.307/96. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 106-107.

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A Itália adotou posicionamento restritivo em relação ao cabimento da arbitragem estatutária. De acordo com o art. 34, I, do Decreto Legislativo nº 5/2003, “os atos constitutivos das sociedades”, exceto aquelas que atuam no mercado de capital de risco, poderão conter cláusula compromissória. A arbitragem societária italiana limita-se, portanto, às sociedades pequenas3, de pessoas ou de capital.4

O motivo para tal limitação é a presunção de desconhecimento, pelas pessoas que compram ações no mercado, em relação às regras da companhia emissora dos títulos.5 Trata-se normalmente de uma escolha de investimento, a qualquer momento revogável, até mesmo por meio eletrônico.6

Em sociedades menores, por outro lado, reputa-se que a vontade de se associar é acompanhada de uma diligência, uma investigação maior em relação às regras da sociedade em que se pretende ingressar.

2.2. Abrangência objetiva da cláusula compromissória estatutária

O exame do cabimento da arbitragem como meio de solução de controvérsias societárias exige uma investigação acerca dos requisitos necessários à escolha de tal método heterocompositivo. Isso será fundamental para se propor soluções às incertezas existentes nesse campo, especialmente em relação às matérias arbitráveis e ao conteúdo da cláusula compromissória.

2.2.1. As matérias arbitráveis

O art. 1º da Lei 9.307/96 exige o preenchimento de três requisitos para que um litígio seja submetido validamente à arbitragem: um de ordem subjetiva (capacidade contratual) e dois de ordem objetiva (direito patrimonial e disponível). Preenchidos tais requisitos, as partes terão liberdade para convencionar resolver a controvérsia por arbitragem.

O art. 109, § 3º, da Lei 6.404/76 define que apenas as relações societárias entre os sócios e a sociedade ou entre os controladores e os minoritários serão passíveis de ser

3 RICCI, Edoardo. Il nuovo arbitrato societario. Rivista trimestrale di diritto e procedura civile, Milão, n. 2, ano LVII, p. 521, janeiro, 2003.

4 Sergio La China entende que as sociedades constituídas no exterior não se submetem ao regramento especial inerente à arbitragem societária italiana (LA CHINA, Sergio. L’arbitrato: il sistema e l’esperienza. 3. ed., Milão: Giuffrè, 2007, p. 290).

5 NELA, Pier Luca. Dell’arbitrato. In: CHIARLONI, Sergio (coord.). Il nuovo processo societario. 2. ed., Torino: Zanichelli, 2012, tomo II, p. 1.192.

6 CHIARLONI, Sergio. Appunti sulle controversie deducibili in arbitrato societario e sulla natura del lodo. Rivista trimestrale di diritto e procedura civile, Milão, n. 1, ano LVIII, p. 126-127, março, 2004.

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solucionadas por arbitragem. Quaisquer outras disputas, alheias à companhia, estarão excluídas da referida cláusula estatutária – o que não impede que as partes pactuem, por meio de outra convenção, resolver esse litígio pessoal por arbitragem.

Isso é suficiente para se inferir que a arbitragem é plenamente cabível para pacificar quaisquer conflitos societários.7 Afinal, os conflitos atinentes às atividades societárias, especificamente às disputas entre sócios majoritários (grupo que detém o controle) e minoritários ou de qualquer sócio com a sociedade, são perfeitamente passíveis de serem aquilatados patrimonialmente8, além de não exigirem, necessariamente, a intervenção judicial (logo, disponíveis).

Não caberia o argumento de que determinadas regras que disciplinam as relações societárias possuem caráter imperativo – e que, portanto, seriam indisponíveis – o que conduziria ao afastamento automático da arbitragem para certos conflitos societários.9

Esse argumento confunde a indisponibilidade do direito e a imperatividade das leis materiais.

A indisponibilidade de que trata o art. 1º da Lei 9.307/96 diz respeito à forma de solução do litígio. Vale dizer, será cabível a arbitragem desde que a controvérsia não se enquadre nas restritas hipóteses de intervenção judicial necessária. Portanto, se tal disputa puder ser resolvida diretamente pelas partes, extrajudicialmente, sem a intervenção necessária de um juiz, nada impede que as partes a submetam a árbitros privados.10

7 Entende-se que já era cabível arbitragem no âmbito societário, antes e independentemente do atual art. 109, § 3º, da Lei 6.404/76. Tal regra teve apenas o efeito de explicitar algo que já era possível. Nesse sentido: WALD, Arnoldo. O direito societário e a arbitragem. In: FERRAZ, RAFAELLA; MUNIZ, Joaquim de Paiva (coords.). Arbitragem doméstica e internacional: estudos em homenagem ao Prof. Theóphilo de Azeredo Santos. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 45; WALD, Arnoldo. A crise e a arbitragem no direito societário e bancário. Revista de arbitragem e mediação, n. 20, São Paulo, Revista dos Tribunais, p. 16, jan./mar. 2009; MARTINS, Pedro A. Batista. A arbitrabilidade subjetiva e a imperatividade dos direitos societários como pretenso fator impeditivo para a adoção da arbitragem nas sociedades anônimas. In: YARSHELL, Flávio Luiz; PEREIRA, Guilherme Setoguti J.. Processo societário. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 619; SOBRINHO, Carlos Augusto F. Alves; TOKARS, Fábio; OLIVEIRA, Fernando A. Albino de; BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Márcia Carla Pereira. Reforma da lei das sociedades anônimas: comentários à Lei 10.303, de 31.10.2001. 2. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 80.

8 Vislumbrando caráter patrimonial até mesmo nas controvérsias relacionadas ao direito de voto dos acionistas, confiram-se: MORAES, Luiza Rangel de. Contrato social. Cláusula compromissória. Validade e eficácia. Impossibilidade de arquivamento de alteração contratual assinada unicamente pelos sócios majoritários antes da resolução da controvérsia entre os sócios por arbitragem. Revista de arbitragem e mediação, n. 1, São Paulo, Revista dos Tribunais, p. 225, jan./abr. 2004; FLAKS, A arbitragem..., p. 120; WARDE JR., Walfrido Jorge; CUNHA, Fernando Antonio Maia da. Arbitragem e os limites à atuação do Judiciário nos litígios societários. In: YARSHELL, Flávio Luiz; PEREIRA, Guilherme Setoguti J.. Processo societário. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 754.

9 CARVALHOSA, Comentários..., p. 321; CARVALHOSA, Modesto; EIZIRIK, Nelson. A nova lei das S/A. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 202.

10 AMARAL, Paulo Osternack. Arbitragem e Administração Pública: aspectos processuais, medidas de urgência e instrumentos de controle. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 57, 69 e 82.

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A imperatividade das leis materiais societárias, por sua vez, guarda relação com a inafastabilidade da sua aplicação. Isso significa que se o conteúdo de uma lei material for de interesse que diga respeito a toda sociedade, ser-lhe-á reconhecido um alto grau de imperatividade, que permitirá incluí-la na categoria das normas cogentes. Nesse caso, não haverá margem para a incidência da autonomia da vontade das partes quanto à escolha da lei aplicável (ou da equidade) para solucionar o litígio: os árbitros deverão necessariamente aplicar a lei material imperativa.

Desse modo, reputa-se que a arbitragem no campo societário é plenamente cabível, mas os árbitros não poderão deixar de aplicar as normas imperativas que disciplinam os litígios societários.11

Na Itália concebeu-se solução equivalente à ora proposta. Da mesma forma que no Brasil, poderão ser submetidas aos árbitros algumas ou todas as controvérsias surgidas entre os sócios ou entre os sócios e a sociedade, desde que envolvam direitos disponíveis, pertinentes à relação societária (art. 34, inc. I, do Decreto Legislativo nº 5/2003). Isso exclui da “arbitragem estatutária” os litígios entre sócios (ou com terceiros) que não se relacionem com a vida da sociedade, o que não impede que os envolvidos convencionem resolver tais controvérsias por uma “arbitragem de direito comum”.

Em reforço aos limites gerais, o art. 34, inc. V, do Decreto Legislativo nº 5/2003 explicita que não serão solucionáveis por arbitragem as controvérsias para as quais a lei preveja a intervenção obrigatória do Ministério Público, pois normalmente dizem respeito a questões indisponíveis.12

Para contornar discussões acerca da incidência necessária de regras imperativas na arbitragem estatutária13, o art. 36 do Decreto determina que os árbitros deverão decidir segundo o direito, ainda que a cláusula compromissória eventualmente autorize arbitragem de equidade.

Com isso, evidencia-se mais uma vez que as soluções concebidas para a arbitragem estatutária italiana devem servir como referência, se não para inspirar uma reforma

11 WALD, Arnoldo. A arbitrabilidade dos conflitos societários: considerações preliminares (I). Revista de arbitragem e mediação, n. 12, São Paulo, Revista dos Tribunais, p. 25, jan./mar. 2007; MARTINS, A arbitrabilidade..., p. 632; WARDE JR. e CUNHA, Arbitragem..., p. 755.

12 CHIARLONI, Appunti..., p. 128; NELA, Dell’arbitrato, p. 1.190.

13 A doutrina italiana reconhece com precisão a distinção entre direitos indisponíveis e as regras imperativas inderrogáveis, reputando que a indisponibilidade é critério de arbitrabilidade, enquanto a existência de regras imperativas apenas conduzem à aplicação necessária de tal disciplina pelo árbitro (CHIARLONI, Appunti..., p. 132-133; NELA, Dell’arbitrato, p. 1.184-1.185; SALVANESCHI, Laura. Arbitrato e deliberazione assembleari. Sull’arbitrato: studi offerti a Giovanni Verde. Napoli: Jovene, 2010, p. 748).

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legislativa pontual, ao menos para emprestar ao intérprete brasileiro bases seguras para solucionar as incertezas ainda existentes nesse campo.

2.2.2. Sociedades limitadas: a permissão para a exclusão judicial de sócio

Alguma dúvida poderia ser suscitada acerca do cabimento de arbitragem para solucionar disputa acerca da exclusão de sócio no âmbito de sociedade limitada. Isso porque o art. 1.030 do Código Civil determina que “pode o sócio ser excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios, por falta grave no cumprimento de suas obrigações, ou, ainda, por incapacidade superveniente”.

Amparando-se nessa regra, poderia surgir dúvida se ela equivaleria à inarbitrabilidade da matéria alusiva à exclusão do sócio de sociedade limitada. Afinal, de acordo com a expressa dicção legal, a exclusão somente poderia ser realizada “judicialmente” – o que excluiria a via arbitral.

Contudo, não parece que tal interpretação esteja em consonância com o Código Civil ou com a Lei de Arbitragem. Há contundentes motivos que permitem concluir pela arbitrabilidade de litígios envolvendo a exclusão de sócio de uma sociedade limitada.

Primeiro, porque a expressão “judicialmente” pretende indicar que a hipótese de exclusão de sócio fundada em falta grave não poderá ser realizada por mera alteração contratual deliberada pela maioria dos sócios. Vale dizer, o art. 1.030 do Código Civil deve ser interpretado à luz das hipóteses de exclusão extrajudicial de sócio admitidas pelo mesmo Código Civil (art. 1.085, caput e parágrafo único; art. 1.030, parágrafo único).

Portanto, o art. 1.030 do Código não exclui a via arbitral14; apenas contempla hipótese em que a exclusão do sócio por falta grave dependerá de decisão jurisdicional (judicial ou arbitral).

E ainda que assim não fosse, a conclusão pela inarbitrabilidade da exclusão de sócio em sociedade limitada estaria em dissonância com os requisitos legais contidos no art. 1º da Lei 9.307/96, pois é evidente que tal tema preenche as exigências de patrimonialidade e disponibilidade necessárias à submissão de uma controvérsia ao juízo arbitral.15

Ainda, vale mencionar que tramita perante a Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 3.871/2008, que pretende incluir no art. 1.030 do Código Civil referência expressa acerca

14 BARROS, Octávio Fragata Martins de. Os litígios sociais e a arbitragem. In: PINTO, Ana Luiza Baccarat da Motta; SKITNEVSKY, Karin Hlavnicka (coords.). Arbitragem nacional e internacional. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012, p. 251.

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do cabimento de arbitragem para resolver litígios relacionados à exclusão de sócio em sociedade limitada.16 Com isso, pretende-se esclarecer, em sede legislativa, a arbitrabilidade de tais controvérsias, sob o fundamento de que são compatíveis com os requisitos previstos na Lei de Arbitragem.

2.3. Requisitos da cláusula compromissória estatutária

A arbitragem para solucionar disputas societárias pode ser convencionada por meio de convenção de arbitragem, por qualquer de suas espécies: cláusula compromissória ou compromisso arbitral (art. 3º, da Lei 9.307/96). Trata-se de duas formas para se instaurar validamente uma arbitragem, sendo desnecessária posterior manifestação de vontade das partes. Contudo, considera-se que a forma mais segura de se implementar uma arbitragem societária será por meio de uma cláusula compromissória inserida no estatuto social,17 em que já conste a indicação de um órgão arbitral.18 Isso evitará discussões futuras acerca da abrangência subjetiva da cláusula compromissória ou das matérias que estão afetas aos árbitros.

Com relação ao procedimento, a convenção arbitral poderá definir que o litígio societário submeta-se a uma arbitragem institucional, em que o procedimento é administrado por um órgão arbitral ou entidade especializada, ou por uma arbitragem ad hoc (avulsa), em que não haverá a figura da instituição arbitral e o procedimento será gerenciado (inclusive em relação a providências administrativas) diretamente pelos árbitros.

A convenção de arbitragem poderá prever que apenas determinados conflitos derivados daquela relação societária serão resolvidos por arbitragem, devendo as demais disputas ser submetidas ao Poder Judiciário. Também não haveria vedação a que o estatuto indicasse expressamente os temas que não poderão, em nenhuma hipótese, submeter-se à arbitragem. Todavia, a experiência comum demonstra que essa prévia definição de matérias na convenção de arbitragem pode gerar problemas interpretativos no momento em que surgir o litígio. No caso da arbitragem societária, a forma mais simples de se evitar tais inconvenientes será definir que todos os conflitos existentes entre sócios e sociedade, ou entre majoritários e

16 Na parte que interessa, o art. 1.030 do Código Civil passaria a conter a seguinte redação: “pode o sócio ser excluído judicialmente ou por sentença arbitral emanada de contratos com previsão de cláusula compromissória arbitral”. Muito embora a proposição tenha recebido parecer favorável à sua aprovação pela Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio em 2009, fato é que ela atualmente se encontra arquivada. 17 WALD, A arbitrabilidade..., p. 26.

18 CARVALHOSA, Modesto. Cláusula compromissória estatutária e juízo arbitral (§ 3º do art. 109). In: LOBO, Jorge (coord.). Reforma da lei das sociedades anônimas. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 327; CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei das sociedades anônimas. 3. ed., São Paulo: Saraiva, 2003, v. 2, p. 321; CARVALHOSA e EIZIRIK, A nova..., p. 205.

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minoritários, serão resolvidos por arbitragem. Com isso, não haverá margem para se interpretar qual litígio está abrangido pela cláusula e qual não está. A vontade das partes estará bem clara no sentido de submeter aos árbitros todas as disputas relacionadas à vida social.

Na arbitragem estatutária italiana, criou-se um sistema que permite somente a estipulação de arbitragem por meio de cláusula compromissória19.

Tal conclusão deriva da seguinte interpretação.

Primeiro, porque o Decreto Legislativo nº 5/2003, na parte que disciplina a arbitragem estatutária, utiliza apenas a expressão “cláusula compromissória” ou apenas “cláusula”, nunca mencionando a figura do compromisso. Esse é o argumento mais fraco. Afinal, o Código de Processo Civil italiano – aplicável analogicamente à arbitragem estatutária – também encampa a noção de convenção de arbitragem como gênero, de que são espécies a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.

Contudo, isso já é suficiente para chama a atenção do intérprete.

Depois – e esse é o argumento relevante –, porque o art. 34, II, do Decreto determina que a cláusula compromissória deve conter o número e a forma de nomeação dos árbitros, conferindo a pessoa estranha à sociedade, em todos os casos, sob pena de nulidade20, o poder de indicar todos os árbitros.21 Ademais, se o sujeito designado não promover a indicação do painel arbitral, o encargo recairá sobre o Presidente do Tribunal do local em que a sociedade esteja sediada. Portanto, todos os temas já estarão definidos na cláusula compromissória previamente ao surgimento do litígio.

Diante disso, muito embora não existam no Brasil exigências equivalentes às do sistema italiano, não há dúvida de que o empréstimo de tal experiência estrangeira seria valioso para se evitar problemas concretos derivados do emprego do regramento geral às arbitragens societárias brasileiras. Em especial, imagina-se que a cláusula compromissória inserida no estatuto social, contendo a prévia definição sobre os árbitros (ou a designação de um terceiro

19 RICCI, Il nuovo..., p. 524; CHIARLONI, Appunti..., p. 124; NELA, Dell’arbitrato, p. 1.170-1.171; MANDRIOLI, Crisanto. Corso di diritto processuale civile. 9. ed., Torino: G. Giappichelli, 2011, v. III, p. 396. Em sentido contrário: FONSECA, Elena Zucconi Galli. La convenzione arbitrale nelle società dopo la reforma. Rivista trimestrale di diritto e procedura civile, Milão, n. 3, ano LVII, p. 960, setembro, 2003. Sergio La China, por sua vez, reputa haver apenas uma preferência pela cláusula compromissória, também vislumbrando o cabimento de uma arbitragem estatutária com base em compromisso arbitral (LA CHINA, L’arbitrato..., p. 291).

20 Pier Luca Nela considera que a nulidade a que se refere o art. 34, II, do Decreto Legislativo nº 5/2003 não pode ser parcial; atingirá a cláusula compromissória como um todo (NELA, Dell’arbitrato, p. 1.204). Ao examinar o regramento da arbitragem estatutária italiana, Barbara Makant e Samantha Longo Queiroz consideram um retrocesso a regra contida no referido art. 34, II, do Decreto (MAKANT e QUEIROZ, Comentários..., p. 300). 21 Sergio La China enaltece destaca a relevância dessa regra, na medida em que se destina a garantir a imparcialidade de independência dos árbitros, impedindo manobras por parte dos detentores do controle da sociedade (LA CHINA, L’arbitrato..., p. 292).

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para a indicação do painel arbitral) e a indicação de uma câmara arbitral evitariam tormentosos impasses no momento de se instaurar a arbitragem.

2.4. A abrangência subjetiva da cláusula compromissória

O § 3º do art. 109 da Lei 6.404/76 contempla duas hipóteses em que será possível que o estatuto preveja a solução por arbitragem: “divergências entre os acionistas e a companhia” ou “entre os acionistas controladores e os acionistas minoritários”.

Disso decorrem algumas conclusões.

A cláusula compromissória inserida no estatuto desde a criação da sociedade abrange todos os sócios. Assim, se o estatuto contiver previsão de arbitragem desde a sua fundação, não há dúvida de que todos os sócios fundadores estarão vinculados à cláusula – ainda mais porque o estatuto de criação da companhia pressupõe consenso quanto a todas as suas estipulações. 22

Além disso, não estarão automaticamente abrangidos pela cláusula compromissória eventuais litígios, por exemplo, entre acionistas minoritários e entre administrador e sociedade, na medida em que alheios à previsão legal.

Contudo, nada impede que tais sujeitos firmem uma cláusula compromissória prevendo que controvérsias envolvendo apenas acionistas minoritários, litígios envolvendo o administrador (que eventualmente não seja sócio) ou disputas entre sócios e terceiros, serão resolvidos por arbitragem.23 A autonomia da vontade das partes permite uma solução nesses termos – inclusive, por analogia, a todas as espécies societárias –, mas dependerá de previsão expressa na cláusula compromissória.

22 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei das sociedades anônimas. 3. ed., São Paulo: Saraiva, 2003, v. 2, p. 311; CARVALHOSA, Modesto. Cláusula compromissória estatutária e juízo arbitral (§ 3º do art. 109). In: LOBO, Jorge (coord.). Reforma da lei das sociedades anônimas. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 325; CARVALHOSA e EIZIRIK, A nova..., p. 194; FLAKS, Luís Loria. A arbitragem na reforma da Lei das S/A. Revista de direito mercantil, n. 131, São Paulo, Malheiros, p. 101, jul./set. 2003; ROSSI, Livia. Arbitragem na lei das sociedades anônimas. Revista de direito mercantil, n. 129, São Paulo, Malheiros, p. 197, jan./mar. 2003; PELA, Juliana Krueger. Notas sobre a eficácia da cláusula compromissória estatutária. Revista de direito mercantil, n. 126, São Paulo, Malheiros, p. 130, abr./jun. 2002; CAHALI, Francisco José. Curso de arbitragem. São Paulo: RT, 2011, p. 341.

23 WALD, O direito societário..., p. 47; WALD, A crise..., p. 18; ACERBI, A extensão..., p. 224. Todavia, caso a cláusula compromissória tenha sido redigida de modo vago e impreciso, convém conferir interpretação restritiva à convenção, de modo a não estender aos árbitros uma competência eventualmente não desejada pelas partes (CARMONA, Carlos Alberto. Contrato de constituição de sociedade comercial. Responsabilidade de administrador. Obrigatoriedade da arbitragem. Efeito negativo da cláusula compromissória. Revista de arbitragem e mediação, n. 2, São Paulo, Revista dos Tribunais, p. 292-293, mai./ago. 2004). Há quem entenda, no entanto, que mesmo sem a cláusula compromissória ou a lei expressamente abrangerem o administrador, seria possível extrair da sua permanência voluntária no cargo uma aceitação em participar de futura arbitragem (ENEI, A arbitragem..., p. 167; VALÉRIO, Arbitragem..., p. 174), com o que não se concorda, pois o desempenho da tarefa para a qual foi contratado não equivale à concordância com regras estatutárias que normalmente não lhe dizem respeito.

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O art. 34, inc. III, do Decreto Legislativo nº 5/2003, determina que na arbitragem estatutária italiana a cláusula compromissória prevista no estatuto da sociedade é vinculante para a companhia e todos os sócios, inclusive aqueles cuja qualidade de sócio seja objeto de controvérsia.24 O Decreto foi além, para admitir que “os atos constitutivos podem prever” que a cláusula compromissória abrangerá as controvérsias promovidas pelos administradores, liquidantes e síndicos ou no confronto entre eles. Para se contornar o problema relacionado à livre manifestação da autonomia da vontade, positivou-se que a aceitação do encargo pelos administradores, liquidantes e síndicos os vincula à cláusula arbitral (art. 34, IV, do Decreto).

Essa solução legislativa italiana seria extremamente interessante para o sistema brasileiro, de lege ferenda. Ou seja, em princípio, a cláusula arbitral somente abrangeria a sociedade e os sócios que a integram. Contudo, vislumbra-se como adequado a existência de regra expressa que permitisse a inserção no estatuto de uma disposição vinculando também os administradores, liquidantes e síndicos à cláusula arbitral, sendo, para tanto, suficiente que aceitassem expressamente o encargo.

Contudo, vislumbra-se duas situações que mereceriam ser contempladas expressamente em eventual alteração legislativa, de modo a evitar problemas no momento de se instaurar a arbitragem.

Primeiro, imagine-se que o estatuto social já contemple a solução arbitral para os litígios relacionados aos acionistas, à sociedade e ao administrador. Nesse caso, ficará a cargo do administrador optar por aceitar ou não o encargo. Mas o seu aceite, por expressa disposição legal, o vincularia automaticamente à cláusula arbitral, esclarecendo-se não ser necessária nenhuma manifestação de vontade específica em relação a tal previsão estatutária.

Situação mais delicada diria respeito à estipulação de cláusula compromissória abrangendo o administrador que já está desempenhando o seu encargo. Tal estipulação estatutária superveniente incidiria diretamente sobre a esfera jurídica do administrador. Afinal, quando aceitou o encargo, não existia nenhuma regra que impusesse que eventuais disputas o envolvendo seriam resolvidas por arbitragem. Isso se torna ainda mais problemático considerando que o administrador normalmente não integra formalmente a sociedade (na condição de sócio), mas apenas presta serviços à sociedade, de modo que não estaria abrangido

24 A vinculação pela arbitragem inclusive daqueles sujeitos cuja qualidade de sócio seja objeto de controvérsia é interpretada restritivamente pela doutrina italiana. Tal abrangência subjetiva da cláusula compromissória apenas é aplicável a casos em que se discuta, por exemplo, a validade de uma aquisição de participação societária (NELA, Dell’arbitrato, p. 1.199-1.200). Chiarloni, sob outra perspectiva, também interpreta restritivamente o art. 34, III, do Decreto, concluindo que apenas a sociedade e os sócios estão abrangidos pela cláusula compromissória estatutária. Contudo, entende não existir óbice a que as partes convencionem submeter a uma “arbitragem de direito comum” (disciplinada pelo CPC italiano) eventuais disputas alheias às passíveis de serem resolvidas por uma “arbitragem estatutária” (disciplinada pelo Decreto Legislativo nº 5/2003).

Referências

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