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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

Renato de Toledo Piza Ferraz

O emprego dos usos e costumes na solução de conflitos por arbitragem em matéria comercial

(2)

RENATO DE TOLEDO PIZA FERRAZ

O EMPREGO DOS USOS E COSTUMES NA SOLUÇÃO DE CONFLITOS POR ARBITRAGEM EM MATÉRIA COMERCIAL

Dissertação apresentada à banca

examinadora da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito, área de concentração de Direito Comercial, sob orientação do professor doutor Manoel de Queiroz Pereira Calças.

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Banca Examinadora:

_____________________________________________

_____________________________________________

(4)

Dedico este trabalho a minha família e em especial a minha esposa, que, mesmo em meio à maternidade, generosamente compreendeu meus momentos de renúncia em prol do meu aperfeiçoamento acadêmico.

(5)

Agradeço ao meu orientador, o professor doutor com pê maiúsculo Manoel de Queiroz Pereira Calças, pela atenção e carinho demonstrados ao longo desta pesquisa. Registro aqui o meu sincero muito obrigado por haver despertado em mim a admiração pela ciência.

(6)

A admiração é filha da ignorância, porque ninguém se admira senão das coisas que ignora, principalmente se são grandes; e mãe da ciência, porque admirados os homens das coisas que ignoram, inquirem e investigam as causas delas até as alcançar, e isto é o que se chama ciência.

(7)

O presente trabalho tem por objeto o estudo dos usos e costumes à luz do direito comercial contemporâneo e como se dá o emprego dessa fonte de direito nas arbitragens comerciais, tanto domésticas quanto internacionais. A partir da análise, principalmente, da lex mercatoria, busca-se avaliar a evolução e a consolidação dos usos e costumes como fonte de direito adequada à solução de arbitragens, notadamente em um contexto em que os ordenamentos estatais raramente oferecem soluções satisfatórias para os atores envolvidos no dinâmico comércio internacional.

(8)

ABSTRACT

The purpose of the current study is to analyze the usages and practices under the contemporary commercial law and to evaluate its use on commercial arbitrations, both national and international. By the analysis of lex mercatoria, mostly, the purpose of the study is to assess the evolution and consolidation of usages and practices as suitable source of law in arbitration procedures, especially on a context where national legal systems rarely provide accordingly solutions for those involved in international trade.

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INTRODUÇÃO ... 12

1. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE ARBITRAGEM, SEUS LIMITES E A AUTONOMIA DOS CONTRATANTES ... 16

1.1 Amadurecimento e consolidação da arbitragem brasileira: uma realidade vitoriosa ... 16

1.2 Os limites da arbitrabilidade objetiva e subjetiva e a autonomia dos contratantes para escolha da lei aplicável ... 20

2. A QUESTÃO DA AUTONOMIA DOS CONTRATANTES ... 27

2.1 Um panorama ... 27

2.2 Autonomia como pressuposto da arbitragem ... 27

2.3 Autonomia ou ampla autonomia? ... 33

2.4 Das autonomias: da vontade, privada e negocial ... 34

2.4.1 Autonomia da vontade ... 36

2.4.2 Autonomia privada ... 38

2.4.3 Autonomia negocial ... 41

3. ARBITRAGEM DE DIREITO E ARBITRAGEM POR EQUIDADE .... 43

3.1 Arbitragem de direito ... 44

3.2 Arbitragem por equidade ... 46

4. A FACULDADE PELA ARBITRAGEM DE DIREITO OU POR EQUIDADE COMO MANIFESTAÇÃO DA AUTONOMIA PRIVADA ... 53

(10)

6.AS REGRAS SOBRE JURISDIÇÃO INTERNACIONAL NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E SEUS EFEITOS: INTERNACIONALIZAÇÃO DO JUDICIÁRIO E A POSSIBILIDADE DE ESCOLHA DE FORO ESTRANGEIRO

NOS CONTRATOS INTERNACIONAIS ... 65

7. OS LIMITES DOS BONS COSTUMES E DA ORDEM PÚBLICA PARA A ARBITRAGEM ... 71

7.1 Bons costumes ... 71

7.2 Ordem pública ... 73

7.3 A questão da ordem pública e a Convenção de Nova Iorque ... 79

8. O INSTITUTO JURÍDICO DOS USOS E COSTUMES COMO FONTE DO DIREITO COMERCIAL ... 85

8.1 A evolução do direito comercial: breve histórico ... 85

8.1.1 A evolução do direito comercial brasileiro ... 90

8.2 Usos e costumes como fonte de direito comercial no Brasil ... 91

8.2.1 Conceito ... 93

8.2.2 Distinção entre usos e costumes ... 96

8.2.3 Requisitos à sua formação ... 97

8.2.4 Classificação ... 100

9. OPERACIONALIZAÇÃO DOS USOS E COSTUMES NO VIGENTE CÓDIGO CIVIL E NA LEI DE ARBITRAGEM BRASILEIRA ... 102

9.1 Análise dos usos e costumes a partir de precedentes judiciais ... 111

9.2 Alguns precedentes em matéria arbitral ... 113

10. OS USOS E COSTUMES COMO REGRA DE JULGAMENTO NAS ARBITRAGENS COMERCIAIS ... 122

10.1 Uma breve distinção: arbitragem nacional e internacional; arbitragem de direito público e de direito privado ... 122

10.2 Usos e costumes como fonte de direito nas arbitragens do comércio internacional ... 129

(11)

arbitragens do comércio internacional ... 137

10.5 “Especializações” da lex mercatoria ... 146

10.5.1 Lex petrolea ... 147

10.5.2 GAFTA – Grain and Feed Trade Association ... 151

10.5.3 INCOTERMS – International Commercial Terms ... 152

10.5.4 Lex maritima ... 154

10.5.5 Princípios UNIDROIT – Instituto Internacional para Unificação do Direito Privado ... 156

10.6 Ativismo arbitral e lex mercatoria ... 159

10.7 Lex mercatoria é soft law? ... 164

11. COMO ESTÃO DISPOSTOS OS USOS E COSTUMES NO DIREITO COMPARADO ARBITRAL ... 170

11.1 França ... 173

11.2 Itália ... 174

11.3 Espanha ... 174

11.4 Portugal ... 175

11.5 Argentina ... 176

11.6 Inglaterra ... 178

11.7 Estados Unidos da América ... 180

CONCLUSÃO ... 182

BIBLIOGRAFIA ... 185

(12)

INTRODUÇÃO

Este estudo tem por objetivo lançar luzes sobre tema importante na seara da arbitragem comercial doméstica, que concerne à autorização dada pelas partes aos árbitros para que estes decidam a controvérsia com base nos usos e costumes, tal como na Lei 9.307/96 (Lei de Arbitragem Brasileira).

Domicio Ulpiano, jurisconsulto romano que viveu durante o século II, antecipara a força jurídica dos usos e costumes ao pontificar que mores sunt tacitus consensus populi, longa consuetudine inveteratus (os costumes são o sentimento tácito do povo, que se torna permanente por consequência de longa prática).

De fato, são os usos e os costumes o meio mais antigo de constituição do direito, modernamente referido associado às características de observância geral, constante e uniforme (continuidade) de uma norma, por parte dos membros de uma comunidade social, convencidos de uma necessidade jurídica (obrigatoriedade).

Os romanos também chamavam de consueto, mores e mores maiorum (costumes dos antepassados).

Não se ousa negar, pois, a importância dessa fonte de direito. Seja em tempos remotos, em que não se concebia de lei escrita, seja mais presentemente, em um contexto em que os diversos ordenamentos estatais por vezes não oferecem aos players do comércio internacional solução dinâmica e segurança adequada às suas expectativas. De outra mão, o instituto da arbitragem se consolidou entre nós como meio hábil e eficiente à solução de disputas comerciais.

Notadamente no campo do comércio internacional, cujo dinamismo pressupõe troca de informações ágeis e mecanismos jurídicos que garantam flexibilidade e segurança aos envolvidos, o instituto jurídico da arbitragem encontrou campo fértil à sua proliferação.

Contribuíram para esse avanço razões como especialidade dos árbitros, celeridade do julgamento (se comparado aos diversos processos estatais) e maior flexibilidade das partes para ajustarem seu procedimento conforme melhor lhes convenham, seja escolhendo a forma como se desenvolverá o procedimento, seja indicando a lei de regência da arbitragem.

(13)

fonte desde seus primórdios e como ela se opera no contexto de arbitragens, especificamente.

Diferentemente do processo judicial estatal, em que as partes limitam-se a esperar que a ele se apliquem as normas processuais, ordinatoria litis, do foro e a lei de regência do contrato ou, ainda, regras de conflito de leis em direito internacional, na arbitragem poderão os contratantes optar pela lei substantiva ou de fundo a ser observada na sentença arbitral.

Portanto, essa importante característica da flexibilidade, presente nas arbitragens, permite que as partes contratantes escolham um ordenamento ou conjunto de regras próprio para ser seguido no julgamento de seus casos.

Ocorre que a flexibilidade para se escolher a regra de direito material aplicável ao litígio gera uma série de implicações que devem ser analisadas cuidadosamente pelos operadores do direito.

A escolha da lei substantiva da arbitragem pode gerar dificuldades, mormente em situações em que as partes ou o contrato por elas discutido tenham pontos de conexão com mais de um ordenamento jurídico.

Mas, além do natural afastamento dos ordenamentos jurídicos das partes em contratos internacionais, outro fator pode surgir em arbitragens comerciais internacionais: nem sempre as regras de direito disponíveis se mostram apropriadas para servir de ferramenta de julgamento em casos específicos.

Em muitos desses casos, requer-se mais do que regras postas advindas desse ou daquele ordenamento mas, mais do que isso, critérios que mais se aproximam do senso comum de justiça, sendo exatamente por isso que se fazem importantes critérios outros, como o julgamento por equidade ou mesmo segundo princípios gerais de direito, as regras internacionais do comércio ou a denominada lex mercatoria.

Esta última, com seu conceito fluido, notabiliza-se como resposta espontânea à ausência de um sistema jurídico internacional mais abrangente para regular negócios envolvendo mais de um ordenamento jurídico, sendo bom exemplo de como as partes têm se socorrido de outras fontes de direito que não os ordenamentos escritos.

(14)

julgamento, dos usos e costumes, notando que esta disposição é inédita no direito brasileiro, pois a lei revogada (art. 1.075, inciso IV, do Código de Processo Civil) permitia a flexibilização apenas para a solução por equidade.

Assim, o conjunto do art. 2° encerra um sistema flexivelmente avançado e prestigiador da autonomia privada na escolha das normas ou leis de regência, alçando tal prerrogativa a princípio basilar da arbitragem.

Como decorrência, as partes podem convencionar como base para sentença arbitral, se o caso, critérios já mencionados como os princípios gerais de direito, usos e costumes, regras internacionais do comércio e até mesmo julgamento por equidade. Podem, de igual modo, optar pelo conjunto difuso de elementos que integram a lex mercatoria, até uma base convencional qualquer, como a Convenção Internacional de Viena de 1980 sobre a compra e venda internacional de mercadorias ou mesmo os princípios da UNIDROIT – o Instituto Internacional para Unificação do Direito Privado, notando que esta passou a ser lei interna brasileira (Decreto de Promulgação nº 8.327, de 16 de outubro de 2014).

Tratando especificamente do critério que contém o elemento consuetudinário, pode ser producente que as partes elejam os usos e costumes presentes em dado mercado como regra de julgamento em procedimentos arbitrais, seja ao lado de leis escritas, seja isoladamente, fato que tende a se tornar cada vez mais frequente ante a impossibilidade dos ordenamentos estatais de conferirem o necessário dinamismo e segurança nas relações comerciais.

Nesse ponto, a referência às práticas comerciais tem grande valia, já que além de atenderem às lacunas presentes na legislação aplicável aos contratos, se desenvolvem mais rapidamente que a lei - já que o comércio internacional se adapta às inovações.

Mas, para se avançar no estudo desses mecanismos de julgamento em arbitragens, outros fatores devem ser analisados, como as balizas presentes na ordem pública e nos bons costumes; se a escolha dos usos e costumes representa parâmetro objetivo preestabelecido ou se, contrariamente, se confundem com julgamento por equidade; se são ou não regras de direito; em que situações tal regra encontra maior aceitação; seus pontos de coincidência com a lex mercatoria, dentre outros.

(15)

Nesta linha, analisa-se a característica dupla do instituto dos usos e costumes, isto é, como ele se manifesta, diferentemente, (i) como ferramenta de integração e interpretação do direito, preenchendo lacunas, e (ii) quando aplicado diretamente na qualidade de norma para solução da questão posta na arbitragem.

Verifica-se a evolução dos usos e costumes como fonte de direito comercial no Brasil, prestigiado em ampla medida no Código Comercial de 1850, passando por sua aplicação e operacionalização nos dias de hoje a partir da análise de precedentes, tanto judiciais quanto arbitrais.

A sua contextualização com a arbitragem começará pelo estudo de algumas balizas presentes nesse procedimento, como aqueles relativos às partes e ao seu objeto - limites subjetivo e objetivo da arbitragem – e aqueles consistentes nos bons costumes e na ordem pública, estes limites impostos às regras de direito possíveis de escolha pelas partes contratantes.

O ponto de referência deste estudo tem por base o princípio da autonomia privada, inerente ao procedimento arbitral, o qual será analisado fazendo-se um cotejo com as consequências decorrentes da escolha do critério de julgamento, se de direito ou por equidade.

Ainda, demonstrar-se-á a harmonização entre referido princípio e a regra prevista na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) sobre escolha da lei aplicável para qualificar e reger obrigações contraídas em solo nacional.

Passo seguinte será analisada a lex mercatoria como principal manifestação do julgamento que leva em consideração o elemento consuetudinário em arbitragens comerciais internacionais, fazendo menção a algumas de suas populares “especializações”.

Por fim, efetuar-se-á breve apontamento de como os usos e costumes aparecem e são aplicados em alguns dos principais ordenamentos arbitrais do direito comparado.

Na conclusão deste estudo, restará demonstrado que o emprego dos usos e costumes ou de outros elementos que sejam integrados, igualmente, pelo elemento costumeiro, encontram espaço particularmente propício para serem aplicados em arbitragens comerciais em ambiente doméstico.

(16)

1. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE ARBITRAGEM, SEUS LIMITES E A AUTONOMIA DOS CONTRATANTES

1.1 Amadurecimento e consolidação da arbitragem brasileira: uma realidade vitoriosa

Não é exagerado afirmar que a cultura brasileira de judicialização das contendas começa a dar sinais de fragilidade, abrindo caminho para a expansão das formas extrajudiciais de solução de conflitos.

O emprego da arbitragem, principalmente a partir de 1996, com a edição da lei n. 9.307, vem apresentando um impressionante crescimento. A presença de partes brasileiras cresceu em torno de 68% ao ano entre 1999 e 2003, em arbitragens administradas pela Corte de Arbitragem da CCI, e em 2014 o país se tornou o terceiro em número de arbitragens realizadas, com 112 disputas ou o equivalente a 5,04% das arbitragens administradas nesse órgão.1

Em âmbito nacional, o número de procedimentos realizados nas cinco principais câmaras de arbitragem do país aumentou quase dez vezes em apenas uma década, passando de 21 procedimentos no ano de 2005 para 202 novos casos só em 2014 e outros 110 apenas no primeiro semestre de 2015.2

Nesse contexto, a arbitragem se consolida como meio de solução de conflitos completamente enraizado, gozando de prestígio e credibilidade para solucionar impasses no contexto de contratos comerciais.

Esse acentuado êxito é percebido na comunidade jurídica brasileira com ânimos de satisfação, especialmente porque em pouco mais de dez anos se conquistou segurança invejável, ao passo que muitos países demandaram período bem mais extenso para tanto.

1 Nesse sentido, confira-se ICC International Court of Arbitration Bulletin, v. 11, n. 1, Spring, 2000; ICC

International Court of Arbitration Bulletin, v. 15, n. 1, Spring, 2004; e ICC Dispute Resolution Bulletin, 2015 – issue 1.

2 Cf. notícia “Disputas em arbitragem chegam a R$ 29 bilhões nos últimos dez anos”, veiculada no Valor

(17)

A arbitragem é hoje vista no Brasil como instituto célere, confiável e goza de ampla credibilidade. Foi uma experiência prática de sucesso.

Acredita-se que a ampliação de sua aplicabilidade encontra hoje grande oportunidade, seja pelo sobrecarregamento do Judiciário,3 seja pela forma com que a

vida moderna anseia por prontas respostas aos problemas do dia a dia.

Certas vantagens do instituto arbitral em comparação com a Justiça Estatal Jurisdicional como o sigilo, a especialidade, a celeridade e a autonomia das partes, sem dúvida estão servindo de incentivo para que, cada dia mais, sejam inseridas cláusulas arbitrais nos mais diferentes contratos comerciais ou mesmo nos estatutos sociais das companhias atentas às novas balizas de governança corporativa.

É de se reconhecer também que a ampla divulgação deste instituto jurídico pelas mais diversas câmaras (as instituições privadas especializadas em administrar procedimentos arbitrais), seja ministrando palestras, seja organizando congressos, faz crescer o senso comum de que a arbitragem é para todos.

O Poder Judiciário, a seu turno, protagoniza papel de extrema e louvável importância no processo de reconhecimento da arbitragem como método válido e independente, tendo contribuído sobremaneira para a legitimação e reafirmação deste instituto por meio de diversas decisões em que enfrentou, só para citar exemplos, temas que vão desde a própria constitucionalidade4 da Lei de Arbitragem (n. 9.307/96) até

outros mais pontuais, como a autonomia decisória dos árbitros (princípio kompetenz -

3 Cf. Francisco José Cahali, pesquisas recentes promovidas pelo Conselho Nacional de Justiça demonstram, por exemplo, uma “taxa de congestionamento” de 71%, com valor médio de cada processo na justiça comum de R$ 1.848,00 por processo julgado, mas podendo chegar a R$ 6.839,00 (CAHALI, Francisco José. 4ͣ ed. Curso de arbitragem. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2014, p. 25). O congestionamento do Judiciário é apontado por José Antonio Fichtner como fator de êxito da arbitragem brasileira. Segundo ele, enquanto na Justiça um processo leva cerca de dez anos para ser concluído, um procedimento na arbitragem demora, em média, 14 meses (notícia veiculada no Valor Econômico, caderno legislação e tributos em 25, 26 e 27 de julho de 2015).

4 Por sete votos a quatro, os então ministros do Supremo Tribunal Federal decidiram em julgamento realizado no ano de 2001, no âmbito do processo de homologação de sentença estrangeira SE 5.206, que os mecanismos da Lei da Arbitragem são constitucionais. A decisão representou o epílogo de uma discussão que mobilizou o STF por muitos anos.

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kompetenz), a independência da cláusula arbitral em relação ao contrato principal, a autonomia das partes e a imutabilidade da sentença arbitral. 5

Em razão desse panorama, a comunidade jurídica acompanha a evolução do instituto com entusiasmo e de forma colaborativa e participativa.

Particularmente a doutrina arbitral tem contribuído eficazmente para a promoção do debate técnico a respeito do tema, afastando dúvidas iniciais sobre garantias que essa modalidade de processo seria capaz de outorgar aos litigantes, e conferindo à disciplina desejável autonomia, já se podendo falar, hodiernamente, inclusive em sistema arbitral completamente independente.6

É em meio a esse caldo de cultura que a arbitragem tem se consolidado como uma verdadeira experiência vitoriosa.7

Já não era sem tempo!, poderiam esbravejar alguns. Afinal, a arbitragem é tão antiga quanto a própria humanidade,8 havendo registro histórico do seu emprego já na

5Por maioria de votos, os Ministros da 4ͣ Turma do STJ enfrentaram a questão da validade da cláusula compromissória no REsp 1.331.100/BA (rel. Maria Isabel Gallotti; j. 17.12.2015), envolvendo disputa entre Kieppe Participações e administração Ltda. e Graal Participações Ltda. Referido acórdão ainda pende de lavratura mas o resultado já foi proclamado.

Em outro exemplo, na SEC 854/EX (rel. Sidnei Beneti; j. 16.10.2013), o STJ enfrentou discussão sobre a validade da cláusula arbitral bem como reafirmou o princípio Konpetenz-Konpetenz em julgado cuja ementa restou assim redigida:

Homologação de Sentença Estrangeira - Cláusula arbitral constante de contrato celebrado no exterior, sob expressa regência da lei estrangeira - Pedido de arbitragem formulado no exterior - Ações de nulidade da cláusula arbitral, movidas pela requerida no exterior e no brasil - Precedente trânsito em julgado da sentença estrangeira homologada que afastou nulidade da cláusula arbitral, determinou a submissão à arbitragem e ordenou, sob sanção penal, a desistência do processo brasileiro - Posterior trânsito em julgado da sentença nacional, declarando a nulidade da cláusula arbitral – Jurisdições concorrentes - Prevalência da sentença que primeiro transitou em julgado, no caso a sentença estrangeira - Conclusão que preserva a cláusula arbitral, celebrada sob a expressa regência da legislação estrangeira - Preservação do princípio da "kompetenz kompetenz" - Deferimento, em parte, da homologação, excluída apenas a ordem de desistência do processo nacional e a sanção penal, ante a ofensa à ordem pública pela parte excluída.

6 Cf. Eduardo de Albuquerque Parente, o sistema arbitral é independente à luz da teoria dos sistemas de Luhmann (Ver PARENTE, Eduardo de Albuquerque. Processo arbitral e sistema. São Paulo: Atlas. 2012. p. 6-40).

Advogando o caráter jurisdicional do instituto, Carmona aduz que “para que possam recorrer a este meio de solução de controvérsias – que tem natureza jurisdicional..” (CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo. Um comentário à Lei 9.307/96. 3ͣ ed. São Paula: Atlas. 2009, p. 15). Vide também, do mesmo

autor, “Arbitragem e jurisdição”. In: Revista de Processo. V. 58. abr./jun. 1998, p. 33-40. Disponível em: <http://migre.me/smwvx>. Acesso em: 9 dez. 2015.

Em sentido contrário, não reconhecendo jurisdição à função dos árbitros, Alexandre Freitas Câmara aduz que “apesar de o árbitro exercer função pública, não exerce atividade jurisdicional, pois esta pertence ao Estado que tem seu monopólio. O árbitro é, por sua vez, um ente privado” (CÂMARA, Alexandre Freitas.

Arbitragem. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1997, p. 88).

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mitologia grega, quando Zeus nomeou um árbitro para decidir qual das Deusas mereceria o “pomo de ouro da mais bela”.

Ilustrativa é a passagem em que isso é retratado:

...e deixou à mesa um pomo de ouro com a inscrição “a mais bela”. As deusas Hera, Atena e Afrodite disputaram o pomo e o título de mais bela. Para não arranjar confusão entre os deuses, Zeus então ordenou que o príncipe troiano Páris, na época sendo criado como um pastor ali perto, resolvesse a disputa. Para ganhar o título de “mais bela”, Atena ofereceu a Páris poder na batalha e sabedoria, Hera riqueza e poder e Afrodite o amor da mulher mais bela do mundo. Páris deu o pomo a Afrodite, ganhando assim sua proteção, porem atraindo

ódio das outras duas deusas contra si e contra Troia.9

Muito dessa experiência vitoriosa percebida até aqui se deve ao fato de que está a se respeitar os limites do processo arbitral, rigorosamente, conferindo-lhe a tão desejada credibilidade.10

Segundo magistério de Nanni,

o respeito à vontade das partes quando elegem essa forma de resolução de controvérsias, a garantia de que as regras procedimentais – da Lei de Arbitragem e de determinado centro de arbitragem, por exemplo – são observadas, além da obediência aos princípios da igualdade das partes, do contraditório, da imparcialidade do árbitro, enfim, do devido processo legal, conferem uma zona de

conforto para difusão da arbitragem.11

Essa postura de respeito e apego às regras procedimentais na arbitragem inegavelmente colabora para que o instituto siga amadurecendo com o predicado da credibilidade, indispensável à sua consolidação e ampliação.

8 HOMERO. Ilíada. Clássicos Jackson, vol. XXI. Trad. Odorico Mendes. Prefácio de Augusto Magne. Rio de Janeiro/São Paulo/Porto Alegre: W. M. Jackson, 1950.

9 Cf. CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem, 2014, op. cit., p. 28

10 Segundo reportagem veiculada no Valor Econômico, “Disputas em arbitragem chegam a R$ 29 bilhões nos últimos dez anos”, o índice de satisfação das partes com a arbitragem nacional é de 92%, administrando conflitos que somam 29 bilhões de reais nos últimos dez anos (In: Valor Econômico, caderno Legislação e Tributos de 25, 26 e 27 de julho de 2015).

(20)

Dizendo de uma maneira bastante simples, a existência de tais regras procedimentais da arbitragem ao mesmo tempo em que confere amplos direitos aos contratantes, servindo de forte atrativo à escolha dessa opção de solução de litígio (como exemplo, a autonomia privada das partes, resultando que os contratantes têm plena autonomia para indicarem árbitros, lei aplicável ao procedimento, regular prazos aplicados ao procedimento etc.), na mesma toada regula o procedimento, impondo-lhe alguns limites.

Referidos “limites” dão o norte a todo e qualquer procedimento arbitral, regulando relevantíssimas questões como o que e quem poderá se submeter ao procedimento arbitral e, mais à frente, tratando das regras de direito a ele aplicáveis, até onde vai essa liberdade.

Não se pretende aprofundar em cada um desses critérios balizadores, o que evidentemente deslocaria a rota que se tem clara para seguir na pesquisa proposta, mas apenas recordar que há limites que necessariamente deverão ser observados nos procedimentos arbitrais na medida em que, mais à frente, serão relacionados ao tema central objeto deste trabalho.

1.2 Os limites da arbitrabilidade objetiva e subjetiva e a autonomia dos contratantes para escolha da lei aplicável

Foi dito que alguns dos freios presentes na sistemática arbitral delimitam o que e quem poderá se submeter ao procedimento arbitral. De fato, a primeira regra do instituto nas arbitragens nacionais consta em aferir se aquilo que se pretende arbitrar, isto é, o objeto do litígio propriamente, reúne condições para ser resolvido por meio dessa via. De igual modo, se os contratantes ou as partes dispõem da necessária legitimidade para se valerem desse método de solução adjudicada.

A esses limites a doutrina convencionou tratar de arbitrabilidade objetiva e subjetiva.12

(21)

De fato, a lei atualmente vigente prescreve, logo em seu artigo inicial, que “as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”.

Observa-se então que o limite da arbitrabilidade – que responderá se dada questão poderá ou não ser submetida ao procedimento arbitral – passa por esses dois critérios balizadores: o objetivo e o subjetivo. Oprimeiro diz com o objeto da matéria a ser submetida ao procedimento arbitral, e que deverá se referir, necessariamente, a direitos patrimoniais disponíveis;13 já o segundo refere-se à capacidade,14 do ponto de

vista pessoal, para poder se submeter à arbitragem (sujeitos).

Como consequência do “filtro” da arbitrabilidade objetiva, deverão ficar de fora da arbitragem questões envolvendo direitos indisponíveis ou fora do comércio, para se utilizar expressão bastante empregada na doutrina, tais como direitos de personalidade (direito à vida, imagem, honra, ao nome etc.) e relativos ao estado da pessoa (capacidade civil, dissolução de casamento, adoção de menor etc.).

Similarmente, devem ser excluídas da arbitragem como consequência do segundo “filtro”, da arbitrabilidade subjetiva, aqueles que por qualquer razão não possam exercer15 livremente seus direitos, como menores incapazes e deficientes

mentais.

13 Cf. dispunha o antigo Código de Processo Civil ao tratar da arbitragem, em seu art. 1.072, são direitos sobre os quais não se pode transacionar.

14 Capacidade como aptidão da pessoa para ser titular de um direito. Vem genericamente estabelecida pelo art. 1º do CC/2002: “Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”.

15 A propósito do tema, Cahali tece distinção ente a capacidade de ser titular de direitos e de exercê-los. Segundo o autor, “para o exercício dos direitos, a lei estabelece restrições, em razão da idade, da falta de discernimento por problemas mentais ou vícios, e ainda da prodigalidade, conforme previsão nos arts. 3º e 4º do CC/2002. Nestas hipóteses de incapacidade relativa ou absoluta, o exercício do direito estará condicionado à assistência ou representação, conforme o caso, dos pais, tutores e curadores.

Sob outra ótica, mesmo sendo entes despersonalizados, massa falida, espólio e condomínio (de edifícios), podem ser partes em procedimentos arbitrais, pois têm capacidade de contratar, e assim, de ser parte e de estar em juízo.

(22)

Em um primeiro momento, estas referências bastam para demonstrar que nem todos os litígios podem ser levados à arbitragem.

Superados esses primeiros requisitos, que responderão se a arbitragem pode se processar para aquelas pessoas e com aquele objeto, passa-se a outro, que geralmente se faz presente em um momento mais avançado do procedimento: a escolha das regras de direito aplicáveis à demanda e eventualmente outras fontes do direito que possam lhe complementar.16

Conforme se sabe, é essencial à arbitragem que as partes que queiram dela se utilizar tenham autonomia para dela dispor. Esse tema, especificamente, será tratado com mais vagar em ponto posterior.

Mas cabe já nesse momento adiantar a ideia de que isso é assim porque o próprio procedimento arbitral foi concebido para ser flexível, maleável, podendo em razão disso se ajustar às diferentes situações e melhor entender o bem da vida nele discutido.

Como decorrência da autonomia privada, é perfeitamente possível que os contratantes elejam em sua convenção de arbitragem as regras de direito próprias que haverão de ser observadas para solução da controvérsia. Dizendo de outra forma, nada impede que os litigantes livremente escolham as regras, inclusive de direito (art. 2º, §1º, L.Arb.) que serão aplicadas na arbitragem, ou seja, impactar na lei material aplicável17

no bojo daquele procedimento em específico segundo conveniência das partes. Está-se a referir à lei de fundo aplicável à solução do conflito.

Vale lembrar que essa liberdade é prerrogativa tanto nas arbitragens de direito como naquelas decididas por equidade.

16 Sendo possível a solução via arbitragem, é certo que muitos outros limites haverão de ser respeitados, alguns considerados verdadeiros princípios, tais como igualdade de tratamento das partes, bilateralidade e contraditório, ampla defesa, imparcialidade e independência dos árbitros, dentre outros.

(23)

E nesse ponto exsurgem outros “limites”, já que as partes poderão, sim, escolher as regras de direito conforme sua conveniência, mas sempre atentando aos balizadores dos bons costumes e da ordem pública (art. 2º, §1º, L.Arb.).18

Não obstante se tratem de termos bastante genéricos, o que atrai discussões infindáveis sobre o seu alcance, o fato é que a lei limita as regras de direito aplicáveis na arbitragem entre aquelas consentâneas dos bons costumes e da ordem pública, querendo dizer com isso que faculta às partes que façam opção por este ou aquele regramento que melhor revestem sua contenda, de modo a conferir-lhes a necessária flexibilidade, mas sem abrir mão de “supervisionar” matérias consideradas de estado e estratégicas à manutenção do estado democrático de direito.

Todavia, tais limites serão melhor tratados em momento oportuno deste trabalho. Nessas pinceladas preambulares demonstra-se que foi intenção do legislador conferir grande autonomia às partes contratantes para optarem por um sem número de questões relacionadas à arbitragem e, simultaneamente, manter o controle sobre outras que garantam a aplicação dos princípios jurídicos do devido processo constitucional.

Contudo, mais do que os limites intrínsecos e extrínsecos da arbitragem, importa para este estudo a liberdade das partes. É a partir dela que diversas escolhas poderão ser feitas, dentre as quais as regras a serem empregadas para solução do litígio.

Ainda a propósito do amplo espectro de liberdade conferido às partes na arbitragem, independentemente da forma escolhida (se de direito ou por equidade, cf. o caput do art. 2º, L.Arb.), consoante autorização das partes ou por via indireta (previsão em regulamento de arbitragem diante da ausência de estipulação pelas partes) a regra de fundo poderá ser um ou alguns dentre estes: princípios gerais do direito, os usos e costumes ou as regras internacionais de comércio (art. 2º, §2º, L.Arb.).

E é nesse ponto que exsurge a quaestio magna deste estudo: a importância dos usos e costumes como fonte de direito na solução de arbitragens comerciais.

Como salientado, a arbitragem se consolidou como método eficaz e adequado à solução de controvérsias. Mas, na medida em que a grande maioria das arbitragens em curso se desenvolve na modalidade de direito, com apontamento claro acerca da lei

(24)

material aplicada ao caso, há muitos estudos sobre o tema e, como salientado, é a forma usual de se resolver a controvérsia, ou seja, com base nas regras de direito estrito.

O mesmo não se pode dizer sobre as arbitragens por equidade (sem adstrição às normas de direito positivo), de pouca incidência nas arbitragens domésticas.

Em que pese o largo potencial para crescimento do emprego de arbitragens por equidade para certas situações, é fato que ela ainda é pouco utilizada pelos optantes da solução arbitral.19

A corroborar tal afirmação, pesquisa empírica feita por Martim Della Valle20

apontou um percentual baixo tanto na redação de convenções por equidade (menos de 10% dos entrevistados) tendo tal pesquisa indicado, ainda, a recomendação primordial dos optantes da arbitragem por equidade em contratos de longo prazo e, em segundo lugar, na hipótese de as partes não concordarem com a lei material aplicável ao caso. Por fim, a maioria das respostas se direcionou à possibilidade de o árbitro se afastar de disposições do contrato que a ele pareçam injustas e não recomendou o uso da arbitragem por equidade.

Considera-se, contudo, que o sistema arbitral em si reúne condições particularmente propícias para que haja o julgamento por equidade. É o caso, por exemplo, em que a utilização de normas escritas e cogentes como fundamentos de decidir não se mostram suficientes para se alcançar a justiça do caso concreto.

Assim como no caso do julgamento por equidade, pode ser que ao árbitro pareça mais justo e razoável decidir um litígio tendo como medida outros padrões – agora mais determinados que a equidade –, como as regras de comércio consolidadas nas melhores práticas de determinada atividade, a exemplo da lex mercatoria expressa na L.Arb. (art. 2, §2º). Caso autorizado a tanto pelas partes, poderá o árbitro utilizar-se de tais regras de

19 Importante ressaltar que recente alteração legislativa promovida pela Lei 13.129/2015 consolidou o entendimento de que a administração pública poderá valer-se da arbitragem mas, mais à frente, referido diploma restringiu tal opção de julgamento à modalidade de direito. Realmente, cf. art. 2°, §3°, a arbitragem que envolva a administração pública será sempre de direito e respeitará o princípio da publicidade.

(25)

julgamento, ainda que isso importe em afastamento total ou parcial do critério exclusivamente de direito.21

Da mesma forma, o emprego dos usos e costumes como regra de julgamento nas arbitragens comerciais pode se tornar mais presente, mas são raros os estudos doutrinários a respeito.

Apenas para se pontuar, a resolução de alguns conflitos comerciais internacionais simplesmente não seria possível senão por meio do emprego da lex mercatoria, regra que tem sua raiz igualmente nos costumes, mas do comércio internacional.2223

Ora, são justamente nessas situações, em que outras fontes do direito (arbitral) concorrem ou mesmo substituem a lei material como elemento de julgamento do caso concreto, é que ganha relevância uma melhor análise de tal ferramental.

A título de exemplo, o emprego dos usos e costumes como fonte de integração e interpretação hermenêutica consubstancia-se verdadeira fonte de direito utilizada nas soluções arbitrais, exercendo papel por demais importante no deslinde dos mais diversos casos, merecendo da comunidade jurídica, em especial daquela que se dedica ao tema da arbitragem, mais atenção e estudos direcionados.

21 Cf. LEMES, Selma Ferreira. “A arbitragem e a decisão por equidade no direito brasileiro e comparado”. In: _____; CARMONA, Carlos Alberto; MARTINS, Pedro Batista (Coords.). Arbitragem:

estudos em homenagem ao prof. Guido Fernando Silva Soares. São Paulo: Atlas, 2007, p. 190.

22 Cf. Manriruzzaman, “There is a controversy amongst the proponents of the lex mercatoria concerning the sources from which it is drawn and the relative importance of the sources they deem admissible. Professor Lando has listed several "elements" rather than "sources" of the lex mercatoria as follows: (a) public international law, (b) uniform laws, (c) the general principles of law, (d) the rules of international organizations, (e) customs and usages, (f) standard form contracts, (g) reporting of arbitral awards”. (MANRIRUZZAMAN, Abul F. M. "The lex mercatoria and international contracts: a challenge for international commercial arbitration?" American University International Law Review, 14, n. 3, 1999, p. 672).

A respeito dos requisitos presentes nos costumes, para que integrem a lex mercatoria como uma de suas fontes, explica-nos Raj Bahla: “Custom must (a) reflect trade habits and market usages; (b) persist over a substantial period of time (i.e., being constant and established); (c) be universal; (d) be extrinsic to the legal system; and (e) be of utilitarian benefit on the merchant community, i.e., it must promote the maximum benefit (or greatest goal for the greatest number) of merchants” (BHALA, Raj. Applying equilibrium theory and the FICAS model: a case study of capital adequacy and currency trading, 41. ST. Louis U. L.J. 125, 1996, p. 205-206).

23 Para Cristiano Rennó Sommer, “(...) a Lex Mercatoria nasceu a partir dos usos e dos costumes comerciais da Idade Média europeia, principalmente do comércio desenvolvido no mar mediterrâneo em que os próprios comerciantes que estabeleciam princípios e regras nas suas transações, buscando assim, uma maior garantia jurídica na efetividade das mesmas (SOMMER, Cristiano Rennó. “Lex mercatoria

(26)

E foi justamente a constatação de que muito pouco se produziu internamente, em termos de trabalho científico, a propósito do emprego dos usos e costumes como fonte de direito, tal como estudado e aplicado - principalmente nas arbitragens comerciais internacionais -,24 que motivou a presente pesquisa.

Diante do exposto, este estudo tem o objetivo de desenvolver e demonstrar como se dá o emprego dos usos e costumes na solução de controvérsias por arbitragem, analisando os prováveis efeitos dessa escolha por parte dos contratantes e apontando as principais vantagens do seu emprego em certas e determinadas situações decorrentes de contratos comerciais.

(27)

2. A QUESTÃO DA AUTONOMIA DOS CONTRATANTES

2.1 Um panorama

Antecipou-se a ideia de que aos contratantes da arbitragem é dada liberdade para convencionarem a propósito da lei material que pretendam seja observada pelo árbitro ou painel arbitral para solução do caso concreto.

Não apenas isso, podem os contratantes convencionar a respeito de várias questões referentes ao procedimento, tais como limitação da prova, preclusão, regras para realização de audiências, arbitragem institucional ou ad hoc, local onde se desenvolverá a arbitragem, seu idioma, prazos, forma de escolha dos árbitros, sua remuneração, limitação de recursos, etc.

Fica bastante evidente já nesse ponto que o elemento da liberdade contratual, consubstanciado na autonomia, está fortemente presente nas arbitragens, revelando-se uma de suas características mais marcantes.

Em razão dessa posição de destaque no sistema arbitral, entende-se por válido conceituar o que se tem por autonomia como princípio informador da teoria geral dos contratos, relacionando a sua origem remota com o seu primado ideológico básico do pacta sunt servanda, extraído do direito civil para, em seguida, contextualizar tal conceito no âmbito arbitral.

2.2 Autonomia como pressuposto da arbitragem

A diretriz contida no princípio descortinado é ampla, atribuindo liberdade para se decidir por contratar ou não, definir os sujeitos dessa relação negocial, ajustar os termos e condições do pacto, enfim, tudo que possa regular a verdadeira intenção das partes.

(28)

Mas é preciso lembrar que tal liberdade não é absoluta: sofre restrições segundo a ordem pública e os bons costumes, matéria a ser abordada em momento posterior.

Além disso, pode acontecer de o Estado promover intervenção na economia do negócio jurídico contratual, se presente certas circunstancias autorizadoras. A isto chama-se dirigismo contratual. Explica-se.

O Estado interfere nas ações contratuais privadas por meio da adoção de revisão judicial dos contratos. Sim, a depender do resultado de eventual questionamento sobre a legalidade de algum aspecto do contrato, no âmbito do Judiciário, é possível que este seja alterado ou revisto, sendo-lhe impostas novas condições. Um exemplo disso é a teoria da imprevisão25, no caso de os fatos, antes não previstos, haverem se alterado de

tal forma a tornar o contrato de execução continuada excessivamente oneroso para uma das partes.

A noção do exacerbado liberalismo nos contratos, com a crença de que tudo neles se pode, então, encontra limites. Aliás, a própria ideia de autonomia da vontade vai buscar seu significado na obrigação do seu fiel cumprimento. De fato, caminha ao lado dessa ampla liberdade conferida às partes o dever de que cumpram o quanto acordado, sem o que nada valeria. A velha expressão evidenciada no brocado latim do pacta sunt servanda já retrata isso: os pactos devem ser cumpridos.

Nos dizeres de Eduardo de Albuquerque Parente,26

25 No Código Civil Brasileiro:

Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.

(...)

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato.

Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.

No Código de Defesa do Consumidor Brasileiro: Art. 6°. São direitos básicos do consumidor: (...)

V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas

(29)

...a origem da ideia de autonomia da vontade sempre esteve relacionada com a de pacta sunt servanda, da criação de obrigações, por vontade própria, pelo titular de direitos. A concepção sabidamente remonta ao século XIX, sob influência da doutrina econômica do liberalismo então vigente, cujas principais características eram a liberdade de contratar e com quem quisesse, de se autorregular, com a determinação livre de cláusulas de um contrato, como a forma do ato e, por fim, o efeito relativo a partes e herdeiros. A autonomia da vontade adveio de uma maior abertura cognitiva entre sistemas do direito e da economia, tal qual mencionado no Capítulo 1 do livro.

Nessa medida, sendo corolário do princípio do pacta sunt servanda, a autonomia da vontade exsurge como princípio informador, tanto no processo de jurisdição estatal como no arbitral.

A diferença é que, neste último, a liberdade a que se refere é consubstanciada como verdadeiro pressuposto de todo e qualquer procedimento arbitral, instrumentalizada pela convenção de arbitragem.2728

Há, contudo, um enfoque bastante distinto na aplicação de tal princípio numa e noutra situação. Ainda segundo Parente,

...não podemos dizer que esse pressuposto do processo arbitral (a autonomia da vontade) se comporte de forma igual ou tampouco semelhante ao do processo estatal. Muito ao contrário. Deixa-se clara também, por esse lado, a tipicidade do processo arbitral em relação ao estatal, a autonomia da vontade, ao mesmo tempo em que é um

pressuposto do processo arbitral, baliza seu

procedimento. Logo, tal pressuposto, embora se identifique com pressuposto processual subjetivo da competência do processo estatal, não se limita ou restringe a uma posição prefacial no processo arbitral, ou

27 Cf. LA CHINA, Sergio. L’arbitrato. Il sistema e l’esperienza. 2 ed. Milano: Giuffré, 2004, p. 55 e MORENO, Faustino Cordón. El arbitraje de derecho privado. Navarra: Editorial Aranzadi, 2005, p. 53 apud PARENTE, Eduardo de Albuquerque. Processo arbitral e sistema, 2012, op. cit., p. 94.

(30)

no sentido de apenas impedir um julgamento de mérito, como lá ocorre. Estende-se para o procedimento,

influindo diretamente no seu curso e destino.29

Dizendo de outra forma, não há dúvidas de que referido princípio está presente em ambos os processos, estatal e arbitral, mas é neste último que ele se revela em seu sentido mais amplo, não apenas levando a este ou àquele efeito em particular, mas delimitando todo o procedimento, daí porque se fala em verdadeiro pressuposto do processo arbitral.

E isso é assim porque a utilização da arbitragem tem caráter voluntário; é verdadeira expressão da liberdade de escolha das partes. É fundamental, para tanto, que a elas seja assegurada maior autonomia da vontade (para alguns, ampla autonomia da vontade).

Vê-se com isso que é característica própria e marcante do procedimento arbitral a autonomia das partes, podendo ser considerado princípio informativo do processo arbitral em termos procedimentais.

Mais do que mera característica, referida regra consolidou-se como princípio-base de todo e qualquer procedimento arbitral, dela partindo todos os outros.30

Talvez por esse motivo Selma Ferreira Lemes tenha defendido, em estudo sobre o tema, que

o princípio da autonomia da vontade é a mola propulsora da arbitragem em todos os seus quadrantes, desde a faculdade de as partes em um único negócio envolvendo direitos patrimoniais disponíveis disporem quanto a esta via opcional de solução de conflitos (art. 1º), até como

será desenvolvido o procedimento arbitral.31

De fato, a arbitragem é, por definição, um procedimento voluntário para solução de conflitos, decorrendo daí uma necessária conjugação de vontades das partes

29PARENTE, Eduardo de Albuquerque. Processo arbitral e sistema, 2012, op. cit., p. 95-96.

30 Cf. CAHALI: “É prestigiada a autonomia da vontade na arbitragem em seu grau máximo: começa com a liberdade das partes para a indicação da arbitragem como forma de solução do litígio; e, prossegue, com a faculdade de indicarem todas as questões que gravitam em torno desta opção. (...) Assim, a autonomia aqui confirma o poder das partes de modelar, em conjunto, toda a arbitragem, desde sua eleição e seu início, até a sua conclusão, passando pelo seu conteúdo. E assim, este princípio é da essência deste instituto” (CAHALI, Francisco José. Curso de arbitragem, 2014, op. cit., p. 115-116).

(31)

contratantes que ao final terão decisão adjudicada e, segundo Carmona, “destinada a assumir eficácia de sentença judicial”.32

Esta autonomia, instrumentalizada pela convenção de arbitragem, é portanto pressuposto do procedimento arbitral, nela residindo a alma do procedimento, tornando-o flexível e adaptável à vtornando-ontade dtornando-os ctornando-ontratantes.33

Atento a isso, afirma Carmona que no diploma nacional “prestigiou-se em grau máximo e de modo expresso o princípio da autonomia da vontade, de forma a evitar dúvidas na aplicação da Lei”.34

É pressuposto, na medida em que sem referido princípio, o próprio processo arbitral simplesmente não existiria, além de ser princípio informativo do processo arbitral, ao regular seu procedimento, ao incidir na forma com que regras ou mesmo outros princípios são aplicados.

São por esses motivos que se atribui à autonomia das partes o predicado de verdadeiro princípio condutor, norteador, de como se desenvolverá o procedimento a ser respeitado na arbitragem. Mais do que isso, nas palavras de Parente,

o princípio descortinado integraliza o próprio conceito de devido processo arbitral, este princípio constitucional e

condição sine qua non de todo e qualquer processo que

resultará em uma decisão adjudicada e definitiva às partes.35

Oportuna e procedente a citação. Sendo a arbitragem uma escolha contratual, é bastante coerente que possam as partes contratantes livremente estipular as regras que melhor lhe convenham (esse é, sem dúvida, o maior atrativo a incentivar a aderência dos

32 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo. Um comentário à Lei 9.307/96, 2009, op. cit., p.15.

33 São tantas as maneiras com que a convenção pode disciplinar o procedimento que a doutrina estrangeira, especialmente nos países de common law, traz verdadeiros manuais para tratar, na convenção, situações de acordo com o direito material (FRIEDLAND, Arbitration clauses for international contracts.

New York: JurisNet, 2007, p. 59 ss).

34 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo. Um comentário à Lei 9.307/96, 2009, op. cit., p.15.

(32)

contratantes a esse método de solução de controvérsias), diminuindo prazos, limitando recursos a serem empregados no procedimento, aumentando sua eficiência e de modo geral ganhando em confiança todos os envolvidos.

De tudo quanto se disse até aqui, parece seguro afirmar que o maior atrativo gerado a partir do princípio em foco é a flexibilidade do procedimento.

Para Francisco José Cahali, uma das características – e por certo atrativo – da arbitragem é exatamente a flexibilidade do procedimento: “Há liberdade das partes em estabelecer as regras de desenvolvimento da arbitragem ou adotar aquelas estabelecidas por uma instituição arbitral, através de sua eleição para administrar o conflito”.36

Realmente, a autonomia é assegurada aos contratantes para que, em última análise, possam adequar ou moldar o procedimento ou a sua condução segundo suas necessidades específicas, às vezes pontuais.

Na maioria dos casos levados à arbitragem, procura-se uma flexibilidade de procedimento que permita às partes regularem questões que ao final representarão uma maior celeridade e eficiência durante o iter procedimental, e mesmo após final decisão, maior aceitação e acato aos seus termos.37

Prova disso é que em 2006, a Queen Mary University of London e a PriceWaterhouseCoopers realizaram pesquisa com usuários da arbitragem internacional – advogados de empresas ao redor do mundo – para captar suas práticas e visões a respeito do instituto. Quando perguntados sobre as principais razões para a adoção da

36 CAHALI, Francisco José. Curso de arbitragem, 2014, op. cit., p. 203.

(33)

arbitragem internacional, a flexibilidade do procedimento foi a resposta mais apontada pelos entrevistados.38

Por esses motivos, a flexibilidade procedimental é vista como uma das qualidades centrais da arbitragem e uma das principais razões de seu sucesso. A ideia de que um único procedimento-padrão deve ser aplicado a todos os casos (“one size fits all”) é rejeitada pelos atores da arbitragem como inadequada e ineficiente.39

É de se advertir, contudo, e temendo dizer o óbvio, que a autonomia da vontade é das partes, e não de uma delas. Disso decorre que qualquer mudança por elas pretendida na condução da arbitragem, ou mesmo nos termos do contrato principal, do qual resultou o procedimento de heterocomposição, deve ser consensual, não podendo prevalecer a vontade de uma delas em detrimento da outra.

2.3 Autonomia ou ampla autonomia?

Resta claro que a autonomia é princípio informador do processo arbitral, figurando como seu verdadeiro pressuposto.

Ocorre que em meio ao grande leque de possibilidades oferecido aos contratantes, em decorrência do sobredito princípio, há também limites, como se poderia imaginar.

São, em sua essência, matérias para as quais o Estado não abriu mão de seu monopólio, tidas como de observância obrigatória também no processo arbitral.

A simples existência desses limites implica que a autonomia de que gozam as partes não pode ser denominada ampla, expressão comumente encontrada na doutrina.

Realmente, referido princípio encontra limitações a começar pelos preceitos de ordem pública e dos bons costumes, de que faz menção a própria L.Arb. em seu art. 2º, §1º.

38 Cf. 2006 International Arbitration: Corporate Atitudes And Practices. Queen Mary University of London: PriceWaterhouseCoopers apud ABBUD, André de Albuquerque Cavalcanti. Soft law e produção de provas na arbitragem internacional. São Paulo: Atlas, 2014, p. 42.

39 Cf. ABBUD, André de Albuquerque Cavalcanti. Soft Law e produção de provas na arbitragem

(34)

Ao lado disso, também os princípios fundamentais do processo civil estatal (judicial) deverão ser observados sempre, tais como o do acesso à tutela jurisdicional e o do devido processo legal, de certo encontrando guarida no procedimento arbitral com fundamento na chamada teoria garantista de Antonio M. Lorca Navarrete,40 baseada no

postulado de que as garantias processuais possuem projeção constitucional (teoria baseada no art. 24 da Constituição espanhola, análogo ao art. 5º, XXXV, LIV e LV, da Carta Política Brasileira, e arts. 21, § 2º, e 32, inciso VIII, da L.Arb.). Consagra-se, dessa maneira, os princípios do contraditório e da ampla defesa, representando a igualdade no tratamento das partes, auditor et altera pars.

Procura-se demonstrar com isso que tais princípios são inderrogáveis, sobrepondo-se à autonomia das partes (o que significa dizer que caso inobservados, muito provavelmente isso redundará em causa de nulidade da sentença arbitral, conforme art. 32, da L.Arb.).

2.4 Das autonomias: da vontade, privada e negocial

Ainda discorrendo sobre a precisão de algumas citações, surge a questão de se investigar sobre o acerto ou não da expressão autonomia da vontade, comumente encontrada na literatura especializada em matéria de arbitragem.

Ora, de que autonomia está se falando quando se descreve o leque de liberdades conferidas às partes envolvidas em uma arbitragem? Ou mesmo quando se cita o princípio da autonomia, consagrado no art. 2°, da L.Arb.?

Para responder a essa indagação, parece convir a diferenciação entre autonomia da vontade, autonomia privada e autonomia negocial, expressões que muito embora carreguem conteúdo distinto, são muitas vezes empregadas como se sinônimos fossem.

Antes de se proceder à análise da cláusula compromissória no âmbito da teoria dos negócios jurídicos e explorar sua natureza e características, é pertinente ponderar certos aspectos, uma vez que a doutrina especializada, salvo algumas exceções, vêm

(35)

qualificando-a, inapropriadamente, como expressão do princípio da autonomia da vontade.

A disseminação inapropriada desta expressão nos meios jurídicos é aspecto crítico e deve ser esclarecida a serviço do direito. Trata-se de imprecisão conceitual, vez que o elemento vontade não mais integra a concepção de negócio jurídico, de acordo com a doutrina civil

contemporânea.41

De fato, uma pesquisa da literatura42 que se dedica ao estudo da arbitragem, em

especial, demonstra que não raro a expressão autonomia da vontade é utilizada em situações em que, na verdade, de autonomia privada se trata.

Enfim, longe de configurar uma impropriedade comprometedora, pretende-se apenas considerar que a arbitragem é, por excelência, interdisciplinar, e assim sendo,

41 LA LAINA, Roberto Gonçalves. A cláusula compromissória na dogmática civil contemporânea. Dissertação de Mestrado – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2014, p. 48-49. 42 A título de exemplo, Jacob Dolinger produziu artigo intitulado “A autonomia da vontade para escolha da lei aplicável no direito internacional privado brasileiro”, em contextualização que nos permite concluir que na verdade tratou de autonomia privada (DOLINGER, Jacob. “A autonomia da vontade para escolha da lei aplicável no direito internacional privado brasileiro”. In: LEMES, Selma Ferreira; CARMONA, Carlos Alberto; MARTINS, Pedro Batista (Coord.). Arbitragem: estudos em homenagem ao prof. Guido Fernando Silva Soares Arbitragem, 2007, op. cit.). De maneira semelhante, Carlos Alberto Carmona dedica item específico ao princípio que denominou “Autonomia da Vontade das Partes”, enfatizando que “prestigiou-se em grau máximo e de modo expresso o princípio da autonomia da vontade, de forma a evitar dúvidas na aplicação da Lei (...)” (CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo. Um comentário à Lei 9.307/96, 2009, op. cit., p. 15). Mais à frente, a comentar sobre a lei aplicável para verificação da capacidade das partes, menciona que aos árbitros caberá uma entre duas hipóteses: “a) o árbitro reportar-se-á aos critérios da lei escolhida pelas partes; ou b) o árbitro deverá qualificar as partes segundo as regras de conflito do lugar em que o laudo deverá ser proferido, ignorando a escolha das partes nesta questão”. E continua: “quer me parecer que o primeiro critério – que prestigia a autonomia da vontade – dever prevalecer, por favorecer a segurança das partes...”(Ibid., p. 466). Portanto, também nesse autor, identificam-se passagens em que autonomia da vontade é citada no lugar de autonomia privada.

Em outro exemplo do emprego de uma expressão pela outra, ao explicar a possibilidade de renúncia ao direito positivo estatal nas arbitragens internacionais, Martim Della Valle discorre que “A ampla autonomia da vontade das partes para a escolha do direito aplicável é um princípio consagrado na arbitragem internacional. Em caso de ausência de escolha, normalmente cabe ao tribunal arbitral determinar o direito aplicável”. (VALLE, Martim Della. Arbitragem e equidade. Uma abordagem internacional. São Paulo: Atlas, 2012, p. 67).

Em Processo arbitral e sistema, Eduardo de Albuquerque Parente aduz tornar-se “muito evidente o papel que a autonomia da vontade exerce no processo, e não só no procedimento (...) característica absolutamente própria do processo arbitral, integrando seu fechamento operacional de constituição do fenômeno processual arbitral”(PARENTE, Eduardo de Albuquerque. Processo arbitral e sistema, 2012, op. cit., p. 155).

Como exceção, apropriadamente empregando o termo autonomia privada: MARTINS, Pedro A. Batista.

Arbitragem no direito societário. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 34 e 35; NANNI, Giovanni Ettore.

(36)

deve observar a moderna doutrina de direito civil, que passou a diferenciar as espécies de autonomias e enquadrar aquela mencionada no contexto da arbitragem como privada, e não da vontade.

É fato que doutrinadores têm diferenciado, conceitualmente, autonomia da vontade e autonomia privada (e até autonomia negocial), afirmando que a autonomia da vontade insere-se em um plano mais psicológico e íntimo dos sujeitos, ao passo que a autonomia privada, esta sim, refere-se a princípio de direito privado, mais voltado portanto à seara dos negócios jurídicos.

Veja-se.

2.4.1 Autonomia da vontade

Autonomia da vontade, para Maria Helena Diniz, é o princípio

no qual se funda a liberdade contratual dos contratantes, consistindo no poder de estipular livremente, como melhor lhes convier, mediante acordo de vontades, a disciplina de seus interesses, suscitando efeitos tutelados

pela ordem jurídica...43

Segundo Fábio Ulhoa Coelho, trata-se de conceito de origem filosófica, mais precisamente kantiana. Pode ser definida como “referência ao reconhecimento, pela ordem positiva, da validade e eficácia dos acordos realizados pelos próprios sujeitos de direito”,44 em resumo significando que o sujeito de direito contrata se quiser, com quem

quiser e na forma que quiser.

Alguns doutrinadores45 extraem deste conceito nuclear alguns postulados, quais

sejam, o de que todos são livres para contratar ou não, significando que ninguém é obrigado a contratar contra sua intenção; o de que todos são livres para escolher com quem contratar, no sentido de se permitir a escolha dos sujeitos vinculados do contrato,

43 DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 63. 44 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. Vol. 3. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 24. 45 Empregando expressões às vezes diferentes, mas significando o mesmo, veja-se DINIZ, Maria Helena.

(37)

isto é, com quem se irá relacionar contratualmente; e o de que os contratantes têm ampla liberdade para estipular, de comum acordo, as cláusulas do contrato, resultando que poderão as partes escolher os termos e condições do pacto.

É, portanto, faculdade para optar, liberdade para estipular. Nas palavras de Roberto Gonçalves La Lania,

trata-se de liberdade conferida naturalmente às pessoas para atuarem de acordo com seus anseios; a liberdade que as pessoas possuem para agir ou se manifestar a respeito

de determinada situação, de acordo com suas vontades.46

Mas não apenas isso. Essencialmente, a autonomia da vontade está ligada ao íntimo dos contratantes, vale dizer, diz com elemento psicológico, de conotação subjetiva dos contratantes e isso, justamente, é que será o seu diferenciador das demais autonomias.

Para Francisco Amaral, a “expressão ‘autonomia da vontade’ tem uma conotação subjetiva, psicológica, enquanto a autonomia privada marca o poder da vontade no direito de um modo objetivo, concreto e real”.47 Todavia, este poder não é

originário. Emana do ordenamento jurídico estatal, que o reconhece e opera nos limites que esse estabelece, demarcações que vêm crescendo em virtude do aumento das funções sociais do Estado.

Constata-se que a autonomia da vontade possui uma acepção intangível ou psicológica, na medida em que se foca na demonstração da disposição interna do sujeito de direitos, ou seja, sua genuína aspiração.

46 LA LAINA, Roberto Gonçalves. A cláusula compromissória na dogmática civil contemporânea, 2014, op. cit., p. 54.

(38)

2.4.2 Autonomia privada

Ao contrário da autonomia da vontade que se relaciona à pretensão ou desejo íntimos dos sujeitos (conteúdo voluntarista e psicológico),48 ou seja, está inserida no campo

estritamente subjetivo da liberdade de agir dos seres humanos como consequência do princípio da dignidade da pessoa humana, a autonomia privada exsurge como princípio específico de direito privado, afeto nesse passo aos contratos em geral.

Diferenciando os institutos, Judith Martins Costa afira que:

A expressão “autonomia da vontade” não deve ser confundida com o conceito de ‘autonomia privada’ nem com a sua expressão no campo dos negócios jurídicos, qual seja, a “autonomia negocial”. “Autonomia da vontade” designa uma construção ideológica, datada dos finais do século passado por alguns juristas para opor-se

aos excessos do liberalismo econômico [...].

Modernamente [...] designasse, como “autonomia privada”, seja um fato objetivo, vale dizer, o poder, reconhecido pelo ordenamento jurídico aos particulares, e nos limites traçados pela ordem jurídica, de autorregular os seus interesses, estabelecendo certos efeitos aos negócios que pactuam, seja a fonte de onde derivam certas obrigações, sejam as normas criadas pela autonomia privada, as quais têm um conteúdo próprio, determinado pelas normas estatais que as limitam, subtraindo ao poder privado autônomo certas matérias, certos grupos de relações, reservadas à regulação pelo Estado.49

De sua parte, Rosa Maria de Andrade Nery aduz que:

Pode-se afirmar que a ideia da autonomia da vontade liga-se à vontade real ou psicológica dos sujeitos no exercício pleno da liberdade própria de sua dignidade humana, que é a liberdade de agir, ou seja, a raiz ou a causa de efeitos jurídicos. Respeita, portanto, a relação entre vontade e declaração e é um desdobramento do princípio da dignidade da pessoa humana, porque destaca

48 FERRI, Luigi. La autonomia privada. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1969.

Referências

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