• Nenhum resultado encontrado

CAROLINE SOARES DE MELLO SEXUALIDADE E DEFICIÊNCIA INTELECTUAL: O QUE PODE UM CORPO SOCIALMENTE INCIVILIZADO

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "CAROLINE SOARES DE MELLO SEXUALIDADE E DEFICIÊNCIA INTELECTUAL: O QUE PODE UM CORPO SOCIALMENTE INCIVILIZADO"

Copied!
33
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUÍ – CAMPUS SANTA ROSA/RS

DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO – DHE CURSO DE PSICOLOGIA

CAROLINE SOARES DE MELLO

SEXUALIDADE E DEFICIÊNCIA INTELECTUAL: O QUE PODE UM CORPO SOCIALMENTE INCIVILIZADO

SANTA ROSA/RS 2019

(2)

CAROLINE SOARES DE MELLO

SEXUALIDADE E DEFICIÊNCIA INTELECTUAL: O QUE PODE UM CORPO SOCIALMENTE INCIVILIZADO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Psicologia da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, como requisito parcial à obtenção do título de psicóloga.

Orientadora: Ms. Betina Beltrame

SANTA ROSA/RS 2019

(3)

UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUÍ – CAMPUS SANTA ROSA/RS

DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO – DHE CURSO DE PSICOLOGIA

A Comissão Examinadora, abaixo assinada, aprova o Trabalho de Conclusão de Curso:

SEXUALIDADE E DEFICIÊNCIA INTELECTUAL: O QUE PODE UM CORPO SOCIALMENTE INCIVILIZADO

Elaborado por

CAROLINE SOARES DE MELLO

Como requisito parcial para a obtenção do título de psicóloga

Comissão Examinadora: Ms. Simoni Antunes Fernandes

_____________________________________________________

Orientadora: Ms. Betina Beltrame

_____________________________________________________

(4)

“O basilisco [monstro em forma de serpente] é capaz de fulminar o homem pelo olhar porque, ao vê-lo [...] põe em movimento pelo corpo um terrível veneno que, lançado pelos olhos, impregna a atmosfera com sua substância mortífera [...] Mas quando é o homem que vai ao encontro da fera guarnecido de espelhos [...] o resultado é diverso: o monstro, vendo-se refletido nos espelhos, lança seu veneno contra o seu próprio reflexo: o veneno é repelido, retorna sobre ele e o mata.” (Malleus Maleficarum: o martelo das feiticeiras – KRAMER; SPRENGER, 1991, p. 73).

(5)

RESUMO

Este trabalho de conclusão de curso apresenta reflexões acerca da sexualidade da pessoa com deficiência intelectual trabalhando com o estigma de que estes são eternos infantes assexuados e, por isto, destituídos de desejos ou até mesmo inválidos. Inicialmente, consideram-se os elementos que marcam as representações culturais da pessoa com deficiência e que possibilitam sua caracterização como um corpo monstruoso. Discorre-se sobre a concepção da deficiência intelectual como uma produção histórica e cultural e de como se cruzam as concepções de deficiência e de sexualidade, trazendo contribuições foucaultianas, as quais explicitam os aspectos da sexualidade que ajudaram a deficiência intelectual a ser inscrita em uma ideia de anormalidade através dos discursos de saber-poder. Para esclarecer esta questão, foi realizada uma análise sobre materiais publicados nos últimos cinco anos que abordem a questão da deficiência intelectual. A fonte de pesquisa foi o Banco de teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), utilizando os seguintes descritores: Deficiência Intelectual e Psicologia. Este estudo caracteriza-se como uma pesquisa bibliográfica, utilizando o método explicativo, pois visa à compreensão do fenômeno em toda a sua complexidade. Os resultados da análise de materiais indicaram que há certa discrepância em relação à terminologia correta ao falar sobre as pessoas com deficiência intelectual. Verificou-se, portanto, que a forma como o social denomina a deficiência intelectual sem a definição dessa nomenclatura, acaba por tornar-se estigmatizante. Compreendendo ainda a condição da deficiência intelectual construída e reconstruída de acordo com mudanças no cenário político, social e cultural, se a mudança de nomenclatura for apenas semântica e não vier acompanhada de uma mudança conceitual não trará avanços no sentido de olhar para as pessoas com deficiência intelectual enquanto sujeitos. O objetivo deste trabalho, portanto, é fornecer informações e proporcionar maior visibilidade sobre o debate dessa questão, esclarecendo as concepções de tabu sobre a sexualidade das pessoas com deficiência e estabelecendo as fronteiras de civilidade mediante a exclusão desses corpos vistos como incivilizados.

(6)

RESUMEN

Este trabajo de conclusión de grado presenta reflexiones sobre la sexualidad en personas con discapacidad intelectual, trabajando el estigma de que son eternos infantes asexuales y, por lo tanto, deseosos o incluso inválidos. Inicialmente, consideramos los elementos que marcan las representaciones culturales de la persona con discapacidad y permiten su caracterización como un cuerpo monstruoso. Discute la concepción de la discapacidad intelectual como una producción histórica, cultural y cómo se cruzan las concepciones de discapacidad y sexualidad, aportando contribuciones foucaultianas, que explican los aspectos de la sexualidad que ayudaron a que la discapacidad intelectual se inscribiera en una idea. de anormalidad a través de los discursos de saber y poder. Para aclarar este problema, se realizó un análisis de los materiales publicados en los últimos cinco años que abordan el tema de la discapacidad intelectual. Este estudio se caracteriza por ser una investigación bibliográfica, utilizando el método explicativo, porque tiene como objetivo comprender el fenómeno en toda su complejidad, con el objetivo de proporcionar información y proporcionar una mayor visibilidad sobre el debate de este tema, aclarando las concepciones de tabú sobre la sexualidad de las personas con discapacidad y establecer los límites de la civilidad al excluir aquellos cuerpos vistos como incivilizados. La fuente de investigación fue el Banco de Tesis de la Coordinación para la Mejora del Personal de Educación Superior (Capes), utilizando los siguientes descriptores: Discapacidad Intelectual y Psicología. Los resultados indicaron que existe cierta discrepancia con respecto a la terminología correcta cuando se habla de personas con discapacidad intelectual. Se verificó, por lo tanto, que la forma en que el social denomina discapacidad intelectual sin la definición de esta nomenclatura, resulta ser estigmatizante. Comprender también la condición de discapacidad intelectual construida y reconstruida de acuerdo con los cambios en el escenario político, social y cultural, si el cambio de nomenclatura es solo semántico y no va acompañado de un cambio conceptual, no traerá avances en la observación de personas con discapacidad. intelectual como sujeto.

(7)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 5

1 CORPOS INTERDITOS: UMA PRODUÇÃO HISTÓRICA ENTRE DISCURSOS DE SABER-PODER ... 7

2 SEXUALIDADE: PRESSUPOSTOS TEÓRICOS ... 14

3 SEXUALIDADE E DEFICIÊNCIA INTELECTUAL: OUTRO OLHAR ... 19

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 25

(8)

INTRODUÇÃO

Esta escrita trata-se de explorar a possibilidade de pensar o corpo e a sexualidade da pessoa com deficiência intelectual como uma questão cultural, instigando um olhar mais perspicaz sobre este tema. Levando em consideração os processos culturais, históricos e sociais, a deficiência tem sido narrada na contemporaneidade no campo da anormalidade, onde o sujeito é representado muito mais por sua deficiência do que por uma pessoa, reforçando, assim, a diferença como inferioridade. Partindo dessa constatação, este trabalho tem como objetivo esclarecer as questões acerca da sexualidade da pessoa com deficiência intelectual e o tabu que ela representa, proporcionando maiores debates sobre o assunto.

Um contato próximo com pessoas com deficiência intelectual aproximou o interesse maior pela investigação deste tema, e percebendo que a sexualidade desses sujeitos em específico é uma questão raramente debatida durante o percurso da formação acadêmica, pensa-se que é importante compreender sobre o assunto e as inquietações que perpassam nesse contexto. Um dos objetivos desta escrita, portanto, é responder o questionamento sobre qual a terminologia correta ao se referir as pessoas com deficiência intelectual e de que maneira tais representações corroboram o controle sobre os corpos desses sujeitos. Nesse intuito, pretende-se por meio do tensionamento dos discursos e das representações da pessoa com deficiência intelectual, contribuir para outro olhar sobre como são apresentados esses corpos nos dias atuais.

O presente estudo caracteriza-se como uma pesquisa bibliográfica, tendo como fonte de pesquisa o Banco de teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e bibliografias que abordam esta temática. Dessa maneira, durante a busca de artigos, utilizaram-se os seguintes descritores: Psicologia, deficiência intelectual, sexualidade. O critério estabelecido é de que os trabalhos abordem a questão da sexualidade da pessoa com deficiência intelectual como eixo central. Sendo uma pesquisa bibliográfica, conforme Gil (2002), este trabalho desenvolve-se ao longo de uma série de etapas. O método utilizado é classificado como pesquisa explicativa, pois “esse é o tipo de pesquisa que mais aprofunda o conhecimento da realidade, porque explica a razão, o porquê das coisas” (GIL, 2002, p. 42), e têm como preocupação central identificar os fatores determinantes dos fenômenos sobre o preconceito a respeito da sexualidade das pessoas com deficiência intelectual.

(9)

As obras que foram tomadas como básicas, nas quais se busca respaldo e fundamentação para tecer as considerações e explicitando os pressupostos com os quais se pensa a questão da sexualidade das pessoas com deficiência intelectual, são os estudos de Michel Foucault e contribuições psicanalíticas de Sigmund Freud sobre a sexualidade humana. Sendo assim, esta pesquisa estrutura-se em três capítulos que foram elaborados procurando atender ao objetivo proposto.

No capítulo 1 – Corpos Interditos: uma produção histórica e discursos de saber-poder – apresenta a concepção de deficiência intelectual como uma produção histórica e cultural, trazendo as contribuições de Foucault sobre a História da Loucura e considerações sobre o que é deficiência intelectual, realizando uma análise de conteúdo dos trabalhos acadêmicos a respeito da forma como as concepções de deficiência aparecem nas pesquisas acadêmicas. O capítulo 2 – Sexualidade: pressupostos teóricos – trata dos elementos primordiais a partir dos quais a sexualidade é construída e do seu conceito a partir da noção de Foucault (1999) como um mecanismo ligado ao biopoder e da normalização como forma de controle sobre os corpos. No último capítulo – Sexualidade e Deficiência Intelectual: outro olhar – aborda alguns mitos e estigmas sobre a sexualidade da pessoa com deficiência explicitando aspectos relacionados como: orientação sexual, adolescência, gravidez, abuso sexual e gênero. Nas Considerações Finais, por fim apresenta-se uma reflexão procurando retomar as principais questões trazidas pelo trabalho. Com essas explicações introdutórias, inicia-se esta pesquisa trazendo a seguir as reflexões sobre o sujeito em questão e sua concepção histórica e cultural.

(10)

1 CORPOS INTERDITOS: UMA PRODUÇÃO HISTÓRICA ENTRE DISCURSOS DE SABER-PODER

Com efeito, a partir dessa premissa, neste primeiro capítulo encontra-se a definição do conceito Deficiência Intelectual com o intuito de aproximar-se das principais características e limitações próprias desse tipo de deficiência, tomando por base as representações históricas e culturais que afetam diretamente na concepção que se tem sobre o sujeito em questão, com a finalidade de elaborar estratégias de intervenção adequadas. Usa-se a terminologia “deficiência intelectual”, pois usar termos corretamente não é uma mera questão semântica. Por este trabalho ter a perspectiva inclusiva, a denominação correta se faz importante ao abordar assuntos tradicionalmente carregados de estigmas, preconceitos e estereótipos.

Esta pesquisa, portanto, aborda a sexualidade das pessoas com deficiência intelectual, não tratando a deficiência de uma forma geral, que abrange limitações físicas ou sensoriais, por se ter o entendimento de que, não delimitando o assunto haveria o risco de não conseguir discutir as especificidades de cada uma das deficiências em relação à sexualidade desses sujeitos. Amaral (1997) destaca que o termo “deficiência” pode ser compreendido por meio de três conceitos: social, pedagógico e psicológico:

[...] o conceito social de deficiência refere-se aos fenômenos-satélites à própria deficiência: atitudes, preconceitos, estereótipos e estigma [...]. O conceito pedagógico (sinteticamente) entende que a deficiência é aquela condição que, presente em dado aluno, exige técnicas, recursos, programas especiais [...]. O conceito psicológico de deficiência [...] tem como estrutura central a ênfase na pessoa e não na deficiência [...], voltando-se com intensidade para as vicissitudes no processo de desenvolvimento, para as reações afetivo-emocionais da pessoa, família e sociedade, as reverberações na esfera da personalidade, etc. (AMARAL, 1997, p. 140).

A partir desse pensamento, busca-se salientar a ênfase no sujeito, pois diante dos estigmas sociais, suas incapacidades se sobressaem e atribui-se à pessoa com deficiência intelectual uma anormalidade presente em todo o seu ser. Esse processo dificulta a visão de cada sujeito como um ser único com capacidades, limitações e características que lhe são próprias.

Considerando o sujeito como um indivíduo único, com suas atribuições e individualidades sabe-se que, este, está carregado de características que o tornam subjetivo perante a massa. Nesse sentido, diante das diferenças, necessárias para a formação de um

(11)

coletivo, o sujeito se vê imerso em uma variedade. Isso, em suas especificidades, traz as facilidades e dificuldades de cada sujeito como uma forma de variação. É importante ressaltar que, o ideal ilusório de uma sociedade onde todos possam ser atendidos em suas necessidades, suas facilidades e especificidades, não passa de um ideal utópico (AMARAL, 1997).

Para compreender esta questão, é necessário pontuar alguns marcos e elementos do processo de sua produção e da produção do seu significado na atualidade. Busca-se, portanto, em “História da Loucura na Idade Clássica” as ideias de Foucault (1978) sobre a estrutura da exclusão dos corpos e das tecnologias que os retiram da sociedade. Dessa forma, o autor relata o que é a loucura através dos discursos de saberes de determinados momentos históricos sobre esses corpos específicos que moldaram o conceito de doença mental.

Segundo seus escritos, os loucos, na Idade Média, pertenciam de certa forma ao social, pois havia um saber da loucura que, por dizer a verdade de forma extravagante, atribuía-se a eles o poder da revelação. Nesse sentido, a loucura tinha uma linguagem aceita socialmente, porém seu discurso cabia em um lugar específico, como as naus dos loucos, por exemplo. Este papel social específico da loucura foi se dissolvendo na Renascença, pois, nessa época o louco: “é internado com os doentes venéreos, os devassos, os libertinos, os homossexuais, e perdeu os índices de sua individualidade; ele se dissipa numa apreciação geral do desatino.” (FOUCAULT, 1978, p. 135).

Presente na vida quotidiana da Idade Média, e familiar a seu horizonte social, o louco, na Renascença, é reconhecido de outro modo; reagrupado, de certa forma, segundo uma nova unidade específica, delimitado por uma prática sem dúvida ambígua que o isola do mundo sem lhe atribuir um estatuto exatamente médico. (FOUCAULT, 1978, p. 135).

No século XIX, a loucura passa para o domínio da ciência no momento em que os psiquiatras “libertam” os loucos desse convívio de confinamento a fim de dar a eles tratamento médico. Por meio da Psicanálise e da Psiquiatria, no século XX, cria-se uma tentativa de possibilitar o entendimento da linguagem dos loucos, pois a loucura traz consigo, além da exclusão do corpo desse sujeito, a desqualificação do seu discurso. (FOUCAULT, 1978).

Freud retomava a loucura ao nível de sua linguagem, reconstituía um dos elementos essenciais de uma experiência reduzida ao silêncio pelo positivismo. Ele não acrescentava à lista dos tratamentos psicológicos da loucura uma adição maior; reconstituía, no pensamento médico, a possibilidade de um diálogo com o desatino. (FOUCAULT, 1978, p. 375).

(12)

A partir desta conjuntura histórica, percebe-se que as experiências de opressão e exclusão vivenciadas pelas pessoas com deficiência intelectual estão marcadas de uma forma estrutural. Tomando em consideração estes apontamentos de Foucault (1978) sobre a constituição histórica do louco, cabe também ressaltar que este, constitui o sujeito que não se encaixa nos padrões normativos da sociedade. Pensando em um espaço geográfico, cultural e histórico, todos os considerados loucos, são aqueles que não assumem uma postura socialmente aceita.

Partindo para as concepções semânticas, a loucura também se encaixa neste sentido. Segundo Foucault (1978), louco constitui o diferente, aquele que não pode permanecer e tem que partir na nau dos loucos. É perceptível, na atualidade, ainda a utilização desta nomenclatura. Segundo Jerusalinsky (2016, p. 12), a loucura é “[...] o outro lado”, onde também, com o passar dos anos, passa a pertencer a pessoa com deficiência.

O modelo social atual da deficiência promove certo avanço nesse sentido ao elevar as pessoas com deficiência ao status de sujeitos de direitos humanos e não os reduzindo a mero objeto de reabilitação ou de assistencialismo. Jerusalinsky (2016, p. 13) explica que: “os avanços produzidos, principalmente durante o século XX, nos campos da psicologia, da medicina e da pedagogia [...] abriram caminho para o resgate de uma vasta população de crianças e adolescentes que, até então, ficavam num limbo entre abandono, decepção e exclusão.”. A partir desta base, o autor complementa que os sujeitos deste grupo, denominados “deficientes” eram excluídos por não atingirem certo “padrão de eficiência” pertencente à normalidade.

Ana Bock (1999) destaca que o critério da normalidade intelectual é um pensamento comum sobre a noção de inteligência, a qual se baliza na capacidade do indivíduo ao se destacar em atividades intelectuais e na resolução de problemas básicos. Assim, a inteligência, na abordagem da Psicologia diferencial, seria um composto de habilidades medido por testes. Nesse sentido, nos primórdios do século XIX, Alfred Binet cria os primeiros testes de inteligência a fim de verificar os progressos de crianças deficientes do ponto de vista intelectual (BOCK, 1999). Paralelamente, a deficiência intelectual foi perspectivada como um déficit intelectual, na qual o Quociente Intelectual (QI) abaixo da média era inerente ao diagnóstico de deficiência intelectual.

A avaliação psicológica constitui uma importante atividade da Psicologia, e na área da saúde mental, um dos objetivos do seu uso refere-se ao diagnóstico correto para estabelecer tratamentos e abordagens adequadas. No campo instrumental, por exemplo, verifica-se o uso

(13)

das escalas Wechsler de inteligência – WISC (Escala Wechsler de Inteligência para Crianças) e WAIS (Escala Wechsler de Inteligência para Adultos) – na avaliação de deficiências intelectuais. Entretanto, é necessário mencionar que estabelecer um diagnóstico, conforme as palavras de Arzeno (1995, p. 06), “[...] não equivale a ‘colocar um rótulo’, mas a explicar o que ocorre além do que o paciente pode descrever conscientemente.”.

Nesse sentido, o uso do escore de QI como medida padronizada de inteligência limita as informações sobre habilidades específicas dos sujeitos, podendo não ser favorável ao diagnóstico, pois os testes WISC ou Wechsler, por exemplo, “[...] constam de subtestes na escala verbal nos quais o nível de conhecimentos culturais e escolares é tão alto que um não-alfabetizado acaba sendo diagnosticado como infradotado.” (ARZENO, 1995, p. 65). Cabe aqui destacar que o termo “infradotado” utilizado pela autora tem um sentido estigmatizante ao se referir as pessoas com deficiência intelectual. Por isso, surgem diversas novas expressões com o objetivo de identificar esse grupo, substituindo as designações que adquiriram significados negativos.

Considerando o exposto até então, pode-se considerar a deficiência intelectual como uma produção discursiva a partir das representações sociais que se tem sobre ela. Analisando a amplitude de tais discursos sobre a normalidade, destaca-se a forma como determinado discurso liga-se ao poder, regulando as condutas e construindo identidades e subjetividades.

A concepção de deficiência como uma variação do normal da espécie humana foi uma criação discursiva do século XVIII, e desde então ser deficiente é experimentar um corpo fora da norma. O corpo com deficiência somente se delineia quando contrastado com uma representação de o que seria o corpo sem deficiência. (DINIZ, 2007, p. 08).

Conforme já mencionado, a definição de deficiência intelectual, tal como a conhecemos atualmente, passa por variações culturais em seu significado e terminologia. Por este motivo, a pesquisa se volta agora a uma revisão dos discursos de relatórios acadêmicos, artigos e outros escritos sobre a pessoa com deficiência intelectual. Espera-se demonstrar a relação de poder que está presente na escolha de um termo. Isto é, mostrar que tais terminologias produzem os sujeitos que são identificados através delas.

A coleta de dados iniciou-se com a busca de artigos indexados nas bases de dados do Portal de Periódicos da CAPES e Google Acadêmico, utilizando os descritores Deficiência Intelectual e Psicologia entre os anos de 2014 a 2019. Estas colocações foram feitas porque no início deste trabalho surgiram dúvidas quanto ao termo apropriado devido aos textos de apoio

(14)

apresentarem divergências quanto às formas de denominar as pessoas com deficiência intelectual.

A forma como é nomeada e inventada a existência das pessoas com deficiência assume-se um poder e controle sobre estes corpos através de práticas discursivas. (THOMA, 2005). Quando é chamada a atenção para este fato, pautando-se no Censo Demográfico de 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), refere-se a 2.611.536 de pessoas com deficiência intelectual no Brasil. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), “compreender o número de pessoas com deficiências e suas circunstâncias pode melhorar os esforços para remover as barreiras incapacitantes e prover serviços para permitir que as pessoas com deficiência participem mais.” (OMS, 2011, p. 21) Antes de se falar em inclusão, os discursos que circulavam eram referentes à prática da integração que tinham como apoio o modelo médico da deficiência.

Nos séculos XVI e XVII, começam a se desenvolver instituições voltadas a correções, a normalização desses indivíduos, tais como os presídios e manicômios. Essas instituições serviram para isolar a sociedade dos indesejáveis e como modelo para diversas práticas posteriores. Técnicas de correção e de reparação foram utilizadas nas instituições específicas para anormais desenvolvidas no século XIX, entre as quais estão as instituições para os deficientes. Porém, mesmo diante dos grandes investimentos voltados a corrigir o incorrigível, os propósitos institucionais fracassaram. E isso porque o indivíduo a corrigir é definido, justamente, por ser incorrigível. (THOMA, 2005, p. 02).

Assim, através deste modelo, o intuito seria de modificar, reabilitar e educar a pessoa com deficiência para torná-la apta aos padrões sociais. A prática da inclusão trata-se de um movimento diferente deste, pois tem como premissa modificar a sociedade para acolher as pessoas com deficiência. Thoma (2005, p. 07) explica que os “asilos para deficientes” foram inicialmente criados com a intenção de excluir esses sujeitos do meio social, mas “foi justamente nesses espaços que algumas alteridades deficientes, por exemplo, desenvolveram um senso de igualdade pela diferença que veio a contribuir enormemente para o fortalecimento da organização de associações e lutas pela inclusão social.”. A partir desses movimentos, a sociedade brasileira se mobiliza no sentido de elaborar documentos legais, diretrizes, declarações, entre outros, que procuraram assegurar como as pessoas com deficiência devem ser tratadas.

Uma notável variedade de substantivos sucessivos que acabaram constituindo um verdadeiro museu histórico linguístico de insuficiências diagnósticas misturadas com preconceitos: idiotas, infradotados, com

(15)

retardo, mongólicos, deficientes mentais, débeis mentais, com transtornos mentais, incapazes, descapacitados, excepcionais, de condição diferenciada, etc. Substituições geralmente orientadas pela tentativa de evitar nomes que, no uso social, iam se tornando pejorativos ou discriminatórios e, às vezes,

resultantes de algum avanço na compreensão do problema.

(JERUSALINSKY, 2016, p. 15).

Deste modo, nesta pesquisa realizada constata-se, primeiramente, que o maior número de materiais encontrados sobre deficiência intelectual é da área da educação. A maioria dos resultados analisados aponta para dificuldades de inclusão da pessoa com deficiência intelectual na cultura brasileira. Nesse processo, nota-se que os termos em destaque na imagem a seguir são os mais utilizados ao se referir a pessoa com deficiência intelectual, dentre os quais se chama a atenção para o fato de que nos trabalhos acadêmicos mais recentes aparecem com maior frequência termos como: atraso mental, deficiência mental, deficiência intelectual e déficit cognitivo.

No artigo “O Atendimento à criança excepcional no Instituto Pestalozzi de Minas Gerais (1940-1949)” da Revista Psicologia e Saúde, apesar de se tratar de uma pesquisa recente (2017), as autoras utilizam o termo “excepcional” ao investigar como era realizado o atendimento à criança com deficiência intelectual na instituição referida. (LOURENÇO; TURCI; MIRANDA; MARTINS, 2017). O artigo explica em uma nota de rodapé o uso de tal terminologia nessas palavras: “Neste artigo, optou-se pelo uso do termo "excepcional", substituindo outros como "deficiente mental", "retardado", "anormal", "atrasado intelectual",

(16)

"atrasado mental" [...]”. As autoras afirmam ainda que o termo foi “[...] introduzido no Brasil por Helena Antipoff [...] na década de 1940 para se referir tanto às crianças com retardo mental, como àquelas com distúrbios psicomotores, de linguagem ou de caráter. Posteriormente, esse mesmo termo designaria também as crianças consideradas superdotadas.”.

Em virtude da análise desses materiais, pensa-se que é necessário fixar um termo que compreenda os significados mais adequados para falar desses sujeitos, uma vez que as representações acerca do “anormal” acabam por refletir na concepção de anormalidade em relação à sexualidade da pessoa com deficiência intelectual. O mesmo acontece ao instituírem-se certas terminologias como “portadores de necessidades especiais” ou “portadores de deficiência mental”, pois acabam criando determinadas posições para as pessoas com deficiência intelectual não enfatizando, em primeiro lugar, o sujeito e, em segundo, a sua deficiência. (CAMPOS, 2013).

No texto “A Ordem do Discurso”, Foucault (1996), atribui importância aos discursos como veiculadores das verdades e aponta como o verdadeiro e o falso são definidos por sua condição de interioridade ou de exterioridade em relação ao que está instituído como verdadeiro em um dado momento histórico. Isso faz com que os discursos possam ser entendidos como práticas constituidoras de significados que se sustentam em circunstâncias históricas para instituir o que pode ser dito, em determinado campo discursivo e num determinado momento histórico.

Essa prática discursiva aceitável resulta de uma disputa de poder travada com outras práticas discursivas e sociais. O discurso, entretanto, relaciona-se, ao mesmo tempo, por meio de seus códigos de formação, com outros discursos e com as instâncias sociais e o poder que elas representam. O poder, segundo o autor, não é aquele que somente interdita, proíbe. Isso porque, para ele, o poder produz corpos, institui comportamentos, constitui e regula condutas.

Efetivamente, esta pesquisa trouxe considerações sobre a História da Loucura para, por fim, falar da deficiência intelectual, pois se entende que, com esses pressupostos e a partir de um olhar sobre o saber-poder, sobre a verdade veiculada aos discursos, a história e os sujeitos, podemos adentrar no aparecimento do dispositivo de sexualidade, da disciplinarização dos corpos e da normalização dos sujeitos, evocados a partir de Foucault, que se explicita no próximo capítulo.

(17)

2 SEXUALIDADE: PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

Para que haja uma compreensão acerca da construção da sexualidade individual da pessoa com deficiência, deve-se primeiramente levar em consideração a maneira como a sexualidade em uma forma ampla foi construída através da cultura, do julgamento, e do controle sobre o os corpos e sobre as práticas sexuais das pessoas (FOUCAULT, 1988). Nesse intento, este capítulo trata de uma aproximação da noção de sexualidade investigando as condições de seu aparecimento enquanto discurso de uma sociedade de controle e normalização dos sujeitos.

Assim, o tema “sexualidade” trata-se de um conceito consolidado e comumente discutido no âmbito da Psicologia. “Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade”, um dos principais textos de Freud, concerne a sua primeira formulação sistemática sobre o tema. Com Freud, se tem o entendimento de que a sexualidade constitui o núcleo mais profundo do sujeito. De acordo com a sua teoria, a sexualidade é dificilmente compatível com as exigências da civilização, constituindo-se mais como fonte de mal-estar do que de felicidade (FREUD, 1974).

O termo “sexualidade” foi usado no século XIX para se referir a comportamentos correspondentes ao instinto sexual e à sua satisfação, estando ligados ou não à genitalidade. (CHAUI, 1985). Sendo um conceito amplo, a sexualidade envolve a manifestação do desejo e sua representação no estabelecimento de relações entre as pessoas. Porém, algumas manifestações de desejo consideradas inapropriadas são atacadas através da ordem, tratando-se, de acordo com Bauman (1998), de um interesse pela “pureza” e uma obsessão na luta contra a “sujeira”.

[...] entre as numerosas corporificações da “sujeira” capaz de minar padrões, um caso – sociologicamente falando – é de importância muito especial e, na verdade, única: a saber, aquele em que são outros seres humanos que são concebidos como um obstáculo para a apropriada “organização do ambiente”; em que, em outras palavras, é uma outra pessoa ou, mais especificamente, uma certa categoria de outra pessoa, que se torna “sujeira” e é tratada como tal. (BAUMAN, 1998, p. 17).

Culturalmente, o prazer carnal sempre se tratou de um problema teológico, pois o sexo, inicialmente só se justificava para a reprodução, caso contrário traria o estigma negativo do prazer. Desta maneira, o desejo carnal é resultado da natureza humana corrompida e as

(18)

paixões humanas ou desejos incontroláveis são categorias da punição divina, de tal forma, que ser capaz de evitar ou controlar os desejos sexuais é uma prova dada ao homem para que ele desenvolva a obediência a Deus. No entanto, Ceccarelli (1999) explica que:

Embora as bases dos valores ético-morais de nossa cultura encontre suas raízes na tradição judaico-cristã, seria injusto atribuir ao Cristianismo o ascetismo em relação aos prazeres: o Cristianismo apenas preservou um legado que hostilizava o prazer e o corpo. Tal legado pessimista, que devia-se sobretudo a considerações médicas, tem suas origens na Antiguidade. Pitágoras recomendava que as relações sexuais ocorressem de preferência no inverno, embora o fazer sexo fosse prejudicial em todas as estações do ano. Hipócrates considerava que reter o sêmen proporcionava ao corpo a máxima energia; a sua perda, a morte. Segundo Sarano de Éfaso, médico pessoal do Imperador Adriano, o ato sexual só se justificava para a procriação. (CECCARELLI, 1999, p. 21).

Nesse sentido, falar da sexualidade sempre envolveu a quebra de certos tabus, pois a expressão da sexualidade depende de influências culturais, questões religiosas e políticas. A partir dos estudos de Freud (1856-1939), por tabu entende-se que ele é algo proibido, mas não necessariamente por lei e sim por uma questão cultural. O tabu representa o que não se deve nem pensar a respeito devido ao seu caráter impuro, cuja proibição é transmitida de geração em geração.

As restrições do tabu são algo diverso das proibições religiosas ou morais. Não procedem do mandamento de um deus, valem por si mesmas; distingue-as das proibições morais o fato de não se incluírem num sistema que dá por necessárias as privações, de forma geral, e fundamenta esta necessidade. As proibições do tabu prescindem de qualquer fundamentação; têm origem desconhecida; para nós obscuras, parecem evidentes para aqueles sob seu domínio. (FREUD, 2016, p. 12-13).

Dessa forma, com Freud (1856-1939) compreende-se que todo tabu carrega consigo um desejo, pois a atitude ambivalente do indivíduo frente à ação sobre um objeto revela a repressão desse desejo procurando por objetos ou ações substitutas ao impulso proibido. Sendo assim, “é contra esse desejo inconsciente que reage a recriminação” (FREUD, 2016, p. 58). Neste mesmo escrito, Freud tem o entendimento de que se faz necessária a exclusão de certas atitudes que levariam à ausência de sociedade. O social aplica normas preventivas sobre sua própria sexualidade, não podendo, dessa forma, existir em estado selvagem, pois sem essas limitações sexuais impostas não existiria civilização. Portanto, a justiça social reprime os sujeitos, moldando-os em um padrão que não represente risco para a organização

(19)

da sociedade. Desse modo, há a satisfação das necessidades, mas de uma forma socialmente aceita e fora do sinal da aparição do desejo.

A partir do momento em que o homem é visto como um ser natural, a sexualidade deixa de ser antagônica à espiritualidade, como era o caso na visão religiosa, a qual, através do discurso pecaminoso sobre os prazeres da carne, poderia controlar e intervir na sexualidade dos sujeitos. O instinto sexual, quando visto como algo primordial do sujeito, passa a tornar-se algo que é próprio do homem e cuja satisfação, dentro da normalidade socialmente imposta, é sadia, independentemente da reprodução. (CHAUÍ, 1985).

Através da psicanálise de Freud, a concepção de "pulsão natural versus pulsão perversa" é abandonada, e o debate centra-se na diferença entre o objeto desejado e a sua finalidade. Toda forma de atividade sexual resulta de um percurso pulsional e a sexualidade em cada sujeito, devido à sua singularidade, terá um destino particular. A civilização comete uma grande injustiça ao "exigir de todos uma idêntica conduta sexual" (FREUD, 1976, p.197). Efetivamente, através da mudança de paradigma trazida por Freud, a sexualidade, inclusive a perversa, torna-se humana, constituindo o núcleo mais profundo do sujeito.

A sexualidade não é apenas um elemento natural que participa e integra a constituição do nosso ser, mas é um elemento perpassado constantemente pelas relações de saber e poder, de forma que é necessário pensá-la inserida em uma rede de mecanismos e estratégias segundo a organização social. Assim, considerando os efeitos repressivos que culturalmente determinaram as práticas sexuais e o modo como se constitui as concepções do que é masculino feminino, enamoramento e o desejo (MAIA; RIBEIRO 2010), encontra-se o poder disciplinar que age regulando os sujeitos, por técnicas que passam pela organização minuciosa da disposição das coisas no espaço e no tempo, pela vigilância contínua dos sujeitos atrelada a uma produção de saberes. (FOUCAULT, 1999). Essa forma de poder, de acordo com o entendimento de Foucault (1999), impõe uma sujeição dos corpos, regula seu desejo e os conduz a uma normalização das suas formas de expressão.

[...] Dizer que o sexo não é reprimido, ou melhor, dizer que entre o sexo e o poder a relação não é de repressão, corre o risco de ser apenas um paradoxo estéril. Não seria somente contrariar uma tese bem aceita. Seria ir de encontro a toda economia, a todos os “interesses” discursivos que a sustentam. (FOUCAULT, 1999, p. 13-14).

A partir de normas estabelecidas pelo próprio social, a forma como o sujeito deve se comportar socialmente é colocado no campo do desejável ou não desejável pelo outro. Em

(20)

relação à sexualidade, certas atitudes, sentimentos e ações são postas no campo da normalidade em contraste com outros comportamentos considerados anormais, pois “reforçamos determinados padrões considerados desejáveis, reprimindo, com punições físicas e psicológicas, os padrões indesejáveis ou diferentes.”. (MAIA, 2009, p. 268).

A cultura, através do seu sistema de valores, criou o discurso sobre sexualidade em momentos sócio históricos específicos a fim de tentar normatizar as práticas sexuais de acordo com os padrões da época. Foucault (1999, p. 28) esclarece que “os governos percebem que não têm que lidar simplesmente com sujeitos, nem com um ‘povo’, porém com uma ‘população’, com seus fenômenos específicos e suas variáveis próprias: natalidade, esperança de vida, fecundidade, estado de saúde [...]”. Segundo o autor, o corpo biológico começa, então, a fazer parte dos registros da política, pois o controle da vida social e política só poderiam ser alcançados pelo controle do corpo e da sexualidade.

Em “História da Sexualidade III: o cuidado de si”, Foucault (2005) busca a compreensão sobre a forma pela qual o homem se constitui em um sujeito moral e desejante, mas que precisa dominar seu desejo. Toda sociedade tem o poder de controlar e selecionar o que deve ou não ser dito em determinada época, de maneira a separar os possíveis conflitos que daí possam acontecer. O conceito de poder, segundo o autor, não é aquele que somente interdita, pois para ele, o poder produz corpos e regula condutas.

Como menciona Silva (2001), esse processo de exposição e definição do outro que é regulado por aqueles que possuem essa atribuição, são as representações que nos idealizam e nos padronizam como sujeitos “normais” ou “anormais”, pois “quem fala pelo outro controla as formas de falar do outro” (SILVA, 2001, p. 34). Costa (2000, p. 77-78) salienta que “essa disputa por narrar o outro, tomando a si próprio como referência, como padrão de correção e normalidade é a forma ou o regime em que são constituídos os saberes que fomos ensinados a acolher como ‘verdadeiros’, como ‘universais.”.

Thoma (2005 p. 02) expressa seu conceito sobre normalidade nesses termos: “a normalidade é uma invenção que tem como propósito delimitar os limites da existência, a partir dos quais se estabelece quem são os normais, os corpos danificados e deficientes para os quais as práticas de normalização devem se voltar.” Na mesma linha de pensamento, Ferre (2001) conceitua a “diferença”:

[...] [ela] altera a serenidade ou a tranquilidade dos demais, nada há de tão perturbador como aquilo que a cada um lembra seus próprios defeitos, suas próprias limitações, suas próprias mortes; é por isso que as crianças e os jovens perturbam os adultos; as mulheres, os homens; os fracos, os fortes;

(21)

os pobres, os ricos; os deficientes, os eficientes; os loucos, os cordatos; os estranhos, os nativos [...] e, talvez, vice-versa. (FERRE, 2001, p. 198).

É importante considerar que o discurso civilizador precisa excluir enquanto inclui o outro sob o estigma da exclusão. Nessa mesma orientação, Bauman (1998, p. 29) destaca que: “Na sociedade moderna, e sob a égide do estado moderno, a aniquilação cultural e física dos estranhos e do diferente foi uma destruição criativa, demolindo, mas construindo ao mesmo tempo; mutilando, mas corrigindo...”.

Ao olhar para as descontinuidades da história da sexualidade e para os mecanismos correspondentes de saber e de poder, percebe-se que estes se amarram a acontecimentos, os quais, historicamente, produzem uma verdade sobre a sexualidade e, ao mesmo tempo, criam um determinado sujeito dentro de uma determinada sexualidade. Deste modo, no próximo capítulo discutem-se questões relacionadas a algumas representações sobre a sexualidade das pessoas com deficiência intelectual tratando das duas faces deste tabu: pela sexualidade dentro de uma normativa e por outro lado, a deficiência intelectual, que implica o estigma da “diferença” e da “anormalidade”.

(22)

3 SEXUALIDADE E DEFICIÊNCIA INTELECTUAL: OUTRO OLHAR

Tratando-se da pessoa com deficiência, percebe-se que há um sufocamento do desejo do outro, ainda que de forma inconsciente. Dessa maneira, busca-se através desse capítulo apresentar como as pessoas com deficiência intelectual vêm sendo inventadas na contemporaneidade, através de uma multiplicidade de identidades, discursos e representações que são construídas a partir dos padrões de normalidade vigentes, passando a construí-los como sujeitos, muitas vezes invisíveis e assujeitados a estes padrões. Efetivamente, Maia e Ribeiro conceituam os mitos sobre a sexualidade das pessoas com deficiência como sendo “ideias, discursos, crenças, inverdades, que são ideológicas e que existem para manter e reproduzir as relações de dominação de uns sobre os outros”. (MAIA; RIBEIRO, 2010, p. 162).

Nesse sentido, a pessoa com deficiência está inserida dentro de uma relação de poder que, muitas vezes, as destaca como hiperssexuadas, tendo uma sexualidade aguçada e sendo vista como possuidora de uma sexualidade exacerbada e fora do controle, pela ideia de que elas também incitariam o social a terem maus pensamentos. No entanto, Maia e Ribeiro (2010, p.165-166) nos explicam que: “o interesse por sexo é variável entre pessoas com deficiências e entre não deficientes”. Os autores ainda complementam afirmando que em relação às pessoas com deficiência, principalmente intelectual “[...] o fato das pessoas acreditarem que sua sexualidade é exagerada tem mais a ver com a expressão pública de comportamentos sexuais do que com a frequência com que eles ocorrem [...]”.

O pecado original possui duas faces: é o deixar-se seduzir (tentação) pela promessa de bens maiores do que os possuídos (como se houvesse alguém mais potente do que Deus para distribuí-los) e é transgressão de um interdito concernente ao conhecimento do bem e do mal. Seu primeiro efeito: a descoberta da nudez e o sentimento da vergonha, de um lado, e o medo do castigo, de outro. Seu segundo efeito: a perda do Paraíso. (CHAUÍ, 1985, p. 86).

As representações criadas e repetidas em relação às pessoas com deficiência intelectual insistem em delimitar as questões sindrômicas, a deficiência ou a falta desconsiderando, assim, o sujeito. Em razão disso, frequentemente esses sujeitos são vistos também como pessoas que precisam de proteção ou de paternalismo da sociedade na qual estão inseridas. Em decorrência desse pensamento, atribuem-se a pessoas com deficiência, representações que passam a posicioná-las como pessoas assexuadas, como uma eterna

(23)

criança, independente da sua idade, sendo representadas como despossuídas de beleza física e como incapazes de ter/exercer uma sexualidade (MAIA; RIBEIRO, 2010). Neste ponto, entra-se em conveniência com outro mito, de que crianças são asentra-sexuadas e inocentes. “Faz parte da opinião popular sobre a pulsão sexual que ela está ausente na infância e só desperta no período da vida designado da puberdade.” (FREUD, 1980, p.105). A partir dessa base, Freud (1980) explica que:

A atividade sexual apoia-se primeiramente numa das funções que servem à preservação da vida, e só depois torna-se independente delas. [...] No chuchar ou sugar com deleite já podemos observar as três características essenciais de uma manifestação sexual infantil. Esta nasce apoiando-se numa das funções somáticas vitais, ainda não conhece nenhum objeto sexual, sendo auto-erótica, e seu alvo sexual acha-se sob o domínio de uma zona erógena. (FREUD, 1980, p. 111-112).

É importante destacar também que existe o mito de que a sexualidade da pessoa com deficiência é problemática e patológica e isto se dá devido às representações inadequadas ou preconceituosas que as relações sociais atribuem a pessoa com deficiência. Silva (2006) chama a atenção para o fato de que ao classificar a pessoa com deficiência intelectual através da sua falta, estigmatiza-se sua sexualidade relacionada à classificação de “deficiente” e não ao sujeito.

Nessa mesma visão, Maia e Ribeiro (2010, p. 164) complementam que: “esses mitos descrevem ideias que são tomadas como gerais a todo deficiente, por exemplo, tornar uma limitação específica em totalidade, isto é, compreender toda a pessoa como deficiente e não apenas algo específico ou relacionado a ela.”. Dessa forma, a própria pessoa com deficiência intelectual, não possuindo uma identidade pessoal, se vê através dessas representações. Sartre (2007), em sua filosofia existencialista, afirma que a relação com o outro é sempre conflituosa e ressalta a importância do olhar do outro na constituição do eu.

Trata-se, portanto, da negação do social e sua relação de poder sobre o desejo do outro. A pessoa com deficiência é anulada como pessoa a partir do olhar do outro. Privada de seu próprio desejo, sua identidade pessoal é inteiramente subsumida à sua identidade social de “deficiente”, fazendo dela uma espécie de significante vazio. Nesta mesma perspectiva, Thoma (2005, p. 06) salienta que “a norma nega, suprime as identidades incômodas, as identidades deficientes, incompletas, patológicas e negativas, em que corpos deficientes se encontram.”.

(24)

Essa necessidade de classificação sobre normalidade ou anormalidade parece feita com o propósito de manter uma almejada ordem social que, nas palavras de Bauman (1998, p. 15), “significa um meio regular e estável para os nossos atos; um mundo em que as probabilidades dos acontecimentos não estejam distribuídas ao acaso, mas arrumadas numa hierarquia estrita.”. Neste mesmo escrito, Bauman (1998, p. 185) coloca que “O sexo está sendo completamente purificado de todas as “poluições” e “corpos estranhos” [...]”.

Verifica-se, portanto, que, o social concebe as manifestações de sexualidade dos sujeitos com deficiência intelectual como “problemáticas”. Em outro direcionamento, Maia e Ribeiro (2010, p. 169) esclarecem que “[...] uma história repressiva e moralista em relação à sexualidade, à afetividade e à vida sexual que dificultam o aprendizado de sensações satisfatórias em relação ao corpo, independentemente de se tratar ou não de uma pessoa com deficiência”. Além disso, os argumentos relacionados à orientação sexual, tema sobre o qual se trata a seguir, como uma solução a tal “problema” da não adequação de suas formas de sexualidade às regras sociais produz o discurso de que a sexualidade da pessoa com deficiência intelectual é “anormal”.

Hoje, compreende-se que o corpo tanto é representado quanto representa uma cultura: “o corpo carrega uma história, tanto social quanto individual; marcas sociais tornam-se marcas subjetivas – aquilo que o ‘ruído’ da exterioridade, enquanto dobra em nós, faz corpo” (SANTOS, 1997, p. 86). Tentar compreender os discursos que circulam como representação dos corpos e das sexualidades das pessoas com deficiência intelectual é a base para compreender-se o porquê de essa ação discursiva instituir, através de suas relações de poder, a nomeação dos corpos que terão direito de viver a sexualidade. Isto é, os corpos que poderão ser desejados e que poderão ter uma melhor qualidade de vida, pois, em virtude disso, caberia, às pessoas com deficiência, assumirem a responsabilidade pelo cuidado de seus corpos.

Em outros momentos históricos, as pessoas com deficiência eram isoladas nos hospitais psiquiátricos, nos asilos, nos manicômios, sendo-lhes negada a possibilidade de exibirem seus corpos e expressarem sua sexualidade, levando ao pensamento culturalmente determinado de que seriam despossuídas da mesma. Ao considerar a pessoa com deficiência como alguém não dotado de sexualidade, negligenciam-se os cuidados contra situações de abuso, doenças sexualmente transmissíveis e gravidez indesejada (MAIA; RIBEIRO, 2010).

A violência sexual é crime e sua punição é prevista no Código Penal Brasileiro, contudo, a maioria dos casos ocorre em ambientes familiares deixando de serem percebidos ou, quando o são, muitas vezes deixam de ser denunciados. A vulnerabilidade das pessoas com deficiência à violência sexual é enorme devido a sua invisibilidade no social. Além disso,

(25)

o fator “deficiência intelectual” traz consigo certo descrédito sobre a verdade desses sujeitos, caso a vítima compartilhe a experiência, a fim de obter ajuda e proteção, dificultando a denúncia nos casos de abuso.

De acordo com a OMS (2011, p. 61), “a prevalência de abuso sexual contra pessoas com deficiências mostrou ser maior, especialmente contra homens e mulheres internados com deficiência intelectual, parceiros íntimos e adolescentes.”. A orientação sexual de pessoas com deficiência contribui no desenvolvimento da compreensão e a conscientização sobre os riscos de se tornarem vítimas de abuso. No preâmbulo da “Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiências” do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF, 2006), destaca-se os seguintes fragmentos sobre mulheres com deficiência e prevenção contra a exploração, a violência e o abuso:

Reconhecendo que mulheres e meninas com deficiência estão frequentemente expostas a maiores riscos, tanto no lar como fora dele, de sofrer violência, lesões ou abuso, descaso ou tratamento negligente, maus-tratos ou exploração [...] Os Estados Partes tomarão todas as medidas apropriadas de natureza legislativa, administrativa, social, educacional e outras para proteger as pessoas com deficiência, tanto dentro como fora do lar, contra todas as formas de exploração, violência e abuso, incluindo aspectos relacionados a gênero. (UNICEF, 2006).

A partir disso, é necessário salientar que as mulheres com deficiência intelectual estão em dupla desvantagem por sofrerem discriminações baseadas tanto pelo gênero quanto pela deficiência, estando, consequentemente, em dupla vulnerabilidade. Por este motivo, essa população é mais vulnerável também em relação às doenças sexualmente transmissíveis. (PAULA et al, 2010). As pessoas com deficiência intelectual, assim como todos os seres humanos, têm desejos e vivem sua sexualidade, no entanto, tendem a agir de modo menos seguro à saúde física e emocional porque, segundo Vieira e Coelho (2014, p. 210), devido a “pouca ou inexistente educação sexual e apoio, decorrente de tabus diversos e negação da sua sexualidade por parte de familiares e educadores, eles expõe-se a riscos diversos”.

Littig, Cardia, Reis e Ferrão (2012) observam que as mães de jovens com deficiência intelectual têm uma ideia de assexualidade sobre eles, lidando com os filhos de modo infantilizado e, devido à crença de que não haveria compreensão por parte das pessoas com deficiência intelectual de um diálogo sobre sexualidade, muitas vezes se exclui a possibilidade da educação sexual. O social também desenvolve a crença de que falar sobre sexualidade poderia estimular a prática sexual exacerbada, omitindo dessa forma a essas pessoas o direito de acesso à orientação sexual.

(26)

A vinculação do sexo com a morte e, consequentemente, do sexo com a procriação, faz com que na religião cristã a sexualidade se restrinja à função reprodutora. Embora o sexo esteja essencialmente atado ao pecado, todas as atividades sexuais que não tenham finalidade procriadora são consideradas ainda mais pecaminosas, colocadas sob a categoria da concupiscência e da luxúria e como pecados mortais. (CHAUÍ, 1985, p. 87).

Para uma parcela bem significativa dos pais falar sobre a sexualidade com seus filhos torna-se um tabu, independente se o filho é uma pessoa com deficiência intelectual. Além disso, o corpo do adolescente muda muito depressa e a condição emocional também. O corpo físico começa a despertar para a vida adulta e o adolescente, vivendo esse momento, tenta colocar-se de forma normalizada nessa nova etapa da vida, sendo esse, um momento de descobertas desse novo corpo sexual que começa a se constituir. “[...] não se trata nem só do olhar do adolescente sobre esse “novo” corpo, nem só do olhar do Outro, mas do cruzamento desses dois campos. Ou seja, o traço do olhar e da voz do Outro que o adolescente recolhe e que se articula com o seu próprio olhar. É uma via de mão dupla.”. (BACKES, 2002, p.38).

Papalia e Feldman (2013) compreendem a adolescência como um construto social. Essa noção é construída socialmente, sendo considerado um período de transição no desenvolvimento em que ocorrem diversas mudanças. Mediante a estas mudanças, o adolescente necessita estar preparado para vivenciar todas as demandas impostas no contexto que o permeia.

A palavra "adolescência" tem duas possíveis origens etimológicas que lhe atribuem sentidos bastante significativos: do latim ad (a, para) e olescer (crescer), que quer dizer" processo de crescimento", e também adolescere, que significa "adoecer", "enfermar", ou " a dor de crescer". Estabelecer limites fixos para afirmar em que momento começa e termina a adolescência, em termos cronológicos, é uma simplificação de ordem didática, pois esses limites oscilam de acordo com questões sócio-económico-geográfico-cultural nas quais o adolescente está inserido. (GASPAR; LATERZA, 2012, p. 67).

Como, de um modo geral, o indivíduo com deficiência intelectual apresenta mais dificuldade em adquirir habilidades e competências que propiciem uma maior autonomia, cabe indagar se a adolescência teria o mesmo significado para eles. Isso se dá devido à repressão imposta a este sujeito, pois muito frequentemente, aspectos relacionados ao desabrochar da sexualidade dos adolescentes com deficiência intelectual trazem preocupações

(27)

aos pais e à sociedade, desencadeando atitudes repressoras e discriminatórias impedindo, assim, um desenvolvimento mais pleno do indivíduo.

Nesse sentido, levando em consideração que a deficiência intelectual engloba limitações relevantes no campo do funcionamento intelectual e no campo adaptativo, observa-se a necessidade que estes sujeitos têm de aperfeiçoar observa-seu deobserva-sempenho social, para observa-seu desenvolvimento de forma satisfatória, exercendo sua autonomia e, consequentemente, melhorando sua qualidade de vida (CARDOZO e SOARES, 2011).

Tem-se o entendimento, no entanto, de que a dependência do outro é parte da condição humana e, no caso de muitas pessoas com deficiência intelectual, a garantia do cuidado é um direito fundamental para a manutenção da vida e a conquista da dignidade humana. Dessa forma, as reflexões aqui desenvolvidas evidenciam o quanto os estudos sobre a sexualidade das pessoas com deficiência devem avançar no sentido de implicar uma mudança política fundamental em torno de fronteiras sociais e ideológicas para que sejam compatíveis com a noção de justiça e de direitos humanos.

(28)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa se propôs, como objetivo geral, apresentar reflexões acerca da sexualidade das pessoas com deficiência intelectual quebrando o paradigma de que estes sujeitos seriam eternos infantes assexuados e, por isto, destituídos de desejos ou até mesmo inválidos. Observou-se, portanto, através das representações históricas explicadas pelos estudos de Foucault com respeito à loucura, que este corpo visto como o outro monstruoso deixa de ser concebido, primordialmente, como objeto de julgamento moral e passa a ser explicado pela biologia. Acredita-se, no entanto, que em relação às pessoas com deficiência intelectual, o elemento moralizante permanece subjacente à explicação científica.

Através do questionamento a respeito de qual a terminologia correta ao se referir as pessoas com deficiência intelectual, surgiu a questão sobre de que maneira tais representações discursivas corroboram o controle sobre os corpos desses sujeitos. Através da pesquisa de materiais e das contribuições das ideias de Foucault sobre saber-poder e dos discursos de verdade, atingiu-se o objetivo de esclarecer esta interrogação. Portanto, com os pressupostos utilizados na analise dos materiais que tratavam sobre a pessoa com deficiência intelectual, pode-se dizer que os discursos a respeito deste grupo, nos trabalhos acadêmicos analisados, se mostraram presos aos estigmas culturais disseminados na sociedade, constituindo um discurso de verdade que, de forma autorizada, acabam por colaborar na regularização das condutas desses sujeitos legitimando a normalização da sexualidade dos mesmos.

Percebe-se também que a mudança de nomenclatura para “pessoas com deficiência intelectual” é concebida de forma positiva por não estigmatizar o sujeito e não trata-lo de forma pejorativa, de maneira que não destaca sua deficiência, mas sim a pessoa em questão. Porém, alterar uma terminologia apenas pela semântica, sem vir acompanhada de mudanças estruturais e políticas, o olhar do social diante da sexualidade dos sujeitos com deficiência intelectual permanecerá repleto de estigmas com uma negatividade intrínseca.

Em um contexto geral, o que chamou a atenção foi o fato de que, de todos os aspectos observados e das informações obtidas a partir das análises, o tema da sexualidade das pessoas com deficiência intelectual, devido a tal complexidade, deve ser discutida na comunidade científica, mas principalmente na área da Psicologia, devido ao grande número de publicações encontradas nas disciplinas voltadas para a área da educação, Pedagogia e Serviço Social.

(29)

As questões relacionadas à sexualidade, em sua forma ampla, tratadas nesta pesquisa, não são pertinentes apenas ao grupo das pessoas com deficiência intelectual, as quais este trabalho referiu-se. Ao discutirem-se aspectos relacionados à sexualidade humana, as regras, as crenças, os preconceitos, as interdições e os estereótipos permeiam as relações sociais em cada espaço individual ou coletivo. Por ser um aspecto natural e integrante da constituição dos sujeitos, pensa-se que a sexualidade é uma questão que merece maiores reflexões, sendo este um dos fatores esperado com esta pesquisa.

Pode-se chegar, assim, a conclusão de que a biopolítica que vigora em nossa sociedade é disciplinar e normalizadora e seus efeitos permeiam os diversos espaços e constituem os diferentes sujeitos. Percebe-se que, ao falar de pessoas com deficiência e a sua sexualidade, os discursos aparecem carregados de preconceitos e estigmas, o que se configura como um mecanismo de negação social, uma vez que suas diferenças são ressaltadas como uma falta que constitui a ameaça de que toda a civilidade pereça. A epígrafe sobre Malleus Maleficarum, que abre este trabalho, é aqui apresentada no sentido dessa relação entre ver e ser visto, entre controlar e ser controlado pelo olhar do outro e da relação de tornar alguém objeto ou tornar-se objeto deste alguém.

Nesse sentido, nota-se que os mitos e conceitos inadequados em relação à sexualidade desses sujeitos refletem a ideia da sexualidade restrita à esfera biológica, principalmente quando vista de uma forma patológica. Tais proibições e preconceitos tendem a afetar também a saúde física e psíquica destes sujeitos, bem como sua autopercepção e seus comportamentos nas relações afetivas e sociais. Assim, compreender a deficiência intelectual como um fenômeno socialmente construído e abordar a sexualidade como algo natural de todas as pessoas, é o primeiro passo na direção de um movimento positivo em relação ao auxílio às pessoas com deficiência intelectual a encontrarem formas saudáveis de satisfazer seus impulsos, além de diminuir riscos de abuso sexual, doenças sexualmente transmissíveis e gravidez indesejada.

Tendo visto o que foi exposto, destaca-se que é impossível esgotar aqui todas as possibilidades analíticas sobre a sexualidade das pessoas com deficiência. Demanda-se, portanto, maiores investigações sobre a interseção gênero e deficiência, pois se tem o entendimento de que questões relacionadas, por exemplo, à homossexualidade da pessoa com deficiência também aparecem nesse contexto. Apesar deste trabalho não abordar tal questão, aponta-se a relevância desse diálogo para o redimensionamento das políticas públicas. Por fim, conclui-se que há a necessidade de se investir em propostas educativas tanto para os familiares, e profissionais envolvidos, quanto para a população com deficiência intelectual,

(30)

pois todos têm direito à expressão do seu desejo e a garantia de condições à saúde sexual em uma sociedade inclusiva.

(31)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMARAL, Lígia Assumpção. Intervenção "extras-muros": resgatar e prevenir. In: BECKER, Elisabeth. et al. Deficiência: alternativas de intervenções. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997.

BOCK, Ana Mercês Bahia. Inteligência, Memória e Percepção. In: BOCK, Ana Mercês Bahia. FURTADO, Odair. TEIXEIRA, Maria de Lourdes Trassi. Psicologias: uma introdução ao estudo da psicologia. São Paulo: Editora Saraiva, 1999.

BAUMAN, Zygmunt. O mal estar da Pós-modernidade. Trad. De Mauro Gama e Cláudia Martinelli Gama. Rio de Janeiro: Editora. Jorge Zahar, 1998.

CAMPOS, Miriam Piber. Corpo e Sexualidade das Pessoas com Deficiência na Internet. Porto Alegre: Editora INDEPIn, 2013.

CARDOZO, Alcides; SOARES, Adriana Benevides. Habilidades sociais e o envolvimento entre pais e filhos com deficiência intelectual. Revista Psicologia: Ciência e Profissão, v. 31, n. 1, p. 110-119, 2011.

CECCARELLI, Paulo Roberto. Sexualidade e Preconceito. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, São Paulo, v. 3, n. 3, p. 18-37, out. 1999. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rlpf/v3n3/1415-4714-rlpf-3-3-0018.pdf Acesso em: 06/11/19.

CHAUÍ, Marilena. Repressão sexual: Essa nossa (des)conhecida. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985.

BACKES, Carmen. “Patricinha” ou “largada”: as identificações na adolescência. In: COSTA, Ana et al. Clínica da Adolescência. Revista da Associação Psicanalítica de Porto Alegre, n° 23, Dez, 2002. Disponível em:

file:///C:/Users/Public/Documents/Guid/Downloads/revista%20APPOA.pdf Acesso em: 21/09/19.

COSTA, Marisa Vorraber. Mídia, magistério e política cultural. In: COSTA, Marisa Vorraber (org.): Estudos culturais em educação. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2000. p.73-91.

DINIZ, Debora. O que é deficiência. São Paulo: Editora Brasiliense, 2007.

FERRE, Nuria Pérez de Lara. Identidade, diferença e diversidade: manter viva a pergunta. In: LARROSA, Jorge; SKLIAR, Carlos (org.). Habitantes de Babel: políticas e poéticas da diferença. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. p.195-214.

FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso. São Paulo: Editora Loyola, 1996.

(32)

FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade I: A Vontade do Saber. Rio de Janeiro: Editora Graal, 1999.

FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade II: O Uso dos Prazeres. Rio de Janeiro: Editora Graal, 1998.

FREUD, Sigmund (1856-1939). Totem e Tabu. São Paulo: Editora Schwarcz, 2016.

FREUD, Sigmund (1905). Três ensaios sobre sexualidade. Rio de Janeiro: Editora Imago, 1980.

GASPAR, Karla Cristina; LATERZA, Isabella Drummond Oliveira. Adolescência. In: ANGERAMI, Valdemar Augusto (org.) et al. Psicossomática e a Psicologia da Dor. São Paulo: Editora Pioneira Thomson Learning, 2012. p. 67-70.

GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2002.

IBGE. Censo Demográfico 2010: Características Gerais da População, Religião e Pessoas com Deficiência. Rio de Janeiro: 2010. Disponível em:

https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9662-censo-demografico-2010.html?edicao=9749&t=destaques. Acesso em: 23/08/19.

JERUSALINSKY, Alfredo. O nascimento da inclusão. In: Escritos da Criança. nº 7, v. 1, p. 13-19. Porto Alegre: Centro Lydia Coriat, 2016.

LITTIG, Patrícia Mattos Caldeira Brant; CARDIA, Daphne Rajab; REIS, Luciana Bicalho; FERRÃO, Erika da Silva. Sexualidade na Deficiência Intelectual: uma análise das

percepções de mães de adolescentes especiais. Revista Brasileira de Educação Especial, v.18, n.3, p. 469-486, 2012. Disponível em:

http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-65382012000300008&script=sci_abstract&tlng=pt Acesso em: 01/10/19.

PAPALIA, Diane; FELDMAN, Ruth Duskin. Desenvolvimento humano. Porto Alegre: Editora Artmed, 2013.

MAIA, Ana Cláudia Bortolozzi; RIBEIRO, Paulo Rennes Marçal. Desfazendo mitos para minimizar o preconceito sobre a sexualidade de pessoas com deficiências. Revista Brasileira de Educação Especial, Marília, v.16, n.2, p.159-176, Mai.-Ago. 2010.

MAIA, Ana Cláudia Bortolozzi. Sexualidade, deficiência e gênero: reflexões sobre padrões definidores de normalidade. In: JUNQUEIRA, Rogério. (Org.). Diversidade sexual na educação: problematizações sobre homofobia nas escolas. Brasília: Ministério da Educação, SECAD, UNESCO, 2009, p. 265-292. (Coleção Educação para todos).

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). Relatório Mundial sobre a Deficiência. São Paulo: Tradução: Lexicus Serviços Linguísticos, 2011. Disponível em:

http://www.pessoacomdeficiencia.sp.gov.br/usr/share/documents/RELATORIO_MUNDIAL_ COMPLETO.pdf Acesso em: 19/10/2019.

(33)

PAULA, Ana Rita; SODELLI; Fernanda Guilardi, FARIA; Glaucia; GIL, Marta; REGEN, Mina; MERESMAN, Sérgio. Pessoas com deficiência: pesquisa sobre sexualidade e

vulnerabilidade. São Paulo: Revista Temas sobre Desenvolvimento, v.17 n.98, p. 51-65, Abr. 2010. Disponível em:

http://acervo.plannetaeducacao.com.br/portal/imagens/artigos/diario/artigo%20publicado%20 memnon.pdf Acesso em: 01/10/19.

SANTOS, Luís Henrique Sacchi. “Um preto mais clarinho...” ou dos discursos que se dobram nos corpos produzindo o que somos. Revista Educação e Realidade. Cultura, Mídia e Educação. v.22, n.2. Porto Alegre: FACED/UFRGS, jul.-dez. 1997.

SARTRE, Jean-Paul. Entre quatro paredes. São Paulo: Editora Civilização Brasileira, 2007.

SILVA, Luciene. O estranhamento causado pela deficiência: preconceito e experiência. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v.11, n.33, p. 424-561, 2006.

SILVA, Tomaz Tadeu da. O Currículo como fetiche: a poética e a política do texto curricular. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2001.

THOMA, Adriana da Silva. Entre normais e anormais: invenções que tecem inclusões e exclusões das alteridades deficientes. In: PELLANDA, N. M. C; SCHLUNZEN, E; SCHLUNZEN, K. (Orgs.). Inclusão digital: tecendo redes afetivas/cognitivas. Rio de Janeiro: Editora DP&A, 2005.

UNICEF. Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência. [S/l], 2006. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/convencao-sobre-os-direitos-das-pessoas-com-deficiencia Acesso em: 08/09/2019.

VIEIRA, Camila Mugnai; COELHO, Marili André. Sexualidade e deficiência intelectual: concepções, vivências e o papel da educação. Revista Tempos e Espaços em Educação, v.7, n.13, p.201-211, 2014. Disponível em: https://seer.ufs.br/index.php/revtee/article/view/3268 Acesso em: 01/10/19.

Referências

Documentos relacionados

O enfermeiro, como integrante da equipe multidisciplinar em saúde, possui respaldo ético legal e técnico cientifico para atuar junto ao paciente portador de feridas, da avaliação

*-XXXX-(sobrenome) *-XXXX-MARTINEZ Sobrenome feito por qualquer sucursal a que se tenha acesso.. Uma reserva cancelada ainda possuirá os dados do cliente, porém, não terá

O Museu Digital dos Ex-votos, projeto acadêmico que objetiva apresentar os ex- votos do Brasil, não terá, evidentemente, a mesma dinâmica da sala de milagres, mas em

nhece a pretensão de Aristóteles de que haja uma ligação direta entre o dictum de omni et nullo e a validade dos silogismos perfeitos, mas a julga improcedente. Um dos

Equipamentos de emergência imediatamente acessíveis, com instruções de utilização. Assegurar-se que os lava- olhos e os chuveiros de segurança estejam próximos ao local de

Tal será possível através do fornecimento de evidências de que a relação entre educação inclusiva e inclusão social é pertinente para a qualidade dos recursos de

Tratando-se de uma revisão de literatura, o presente trabalho utilizou-se das principais publicações sobre as modificações de parâmetros técnicos observados em corredores,

De acordo com estes resultados, e dada a reduzida explicitação, e exploração, das relações que se estabelecem entre a ciência, a tecnologia, a sociedade e o ambiente, conclui-se