CAPÍTULO 1
O QUE SIGNIFICA AAC?
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e repente, nos últimos anos, parece que o termo AAC surge sem-pre que alguém fala de crianças com perturbações do espectro do autismo (PEA). Ultimamente, com frequência, ficamos com a impressão, se somos pais, professores ou se assumimos um qualquer outro papel na escola, que a AAC é a única coisa que irá salvar estas crianças e é bom que a imple-mentemos já ou então estaremos metidos em grandes sarilhos. Parece muito intimidativo, não é?Pode estar agora a pensar: O que será a tal AAC? De onde é que apare-ceu? E como é que se espera que implemente a AAC quando nada sei acerca do assunto? Onde é que posso encontrar algumas respostas?
Bom, veio ao local certo, ou, pelo menos, este é um bom começo. Vamos percorrer o ABC da AAC, para que possa ter uma melhor ideia acerca do que os psicólogos do comportamento, os comportamentalistas, os profis-sionais da educação especial e os analistas do comportamento andam a fazer com os seus filhos e alunos. Assim, estará mais habilitado para prestar apoio a estas crianças, quando estão em casa ou quando estão integradas na sua sala de aula. Antes de mais, porém, uma breve introdução à AAC, por-que pode ter mais conhecimentos neste campo do por-que pensa ser o caso.
AAC, análise aplicada do comportamento
AAC é a sigla de análise aplicada do comportamento. Tal como referi na Introdução, a AAC é uma abordagem à modificação de comportamentos socialmente relevantes com base em princípios de aprendizagem cientifica-mente comprovados. À primeira vista, pode parecer que a AAC se resume
ao uso de incentivos para recompensar “bons” comportamentos, enquanto se ignoram comportamentos “maus”. Na verdade, há muito mais a conside-rar na AAC e vai aprender bastante mais acerca dela, à medida que for lendo este livro. Deve, no entanto, estar ciente, desde o início, de três carac-terísticas importantes da AAC que ajudarão a explicar exactamente o que “é”. Em primeiro lugar, os comportamentos que visamos modificar são aqueles que podem ter aplicação na vida real da pessoa com quem estamos a trabalhar. Essa é a vertente de aplicação. Em segundo lugar, trabalhamos com comportamentos reais, observáveis e mensuráveis e não com um qual-quer diagnóstico abstracto e, como em breve veremos, os procedimentos usados na AAC baseiam-se em princípios de aprendizagem cientificamente comprovados. É nesse ponto que entra a questão do comportamento. A ter-ceira característica crítica é que as decisões tomadas no âmbito da AAC são tomadas com base em dados objectivos que são recolhidos para ajudar a compreender qual o efeito, se existir algum, que as intervenções implemen-tadas estão realmente a ter sobre o comportamento. Em muitos aspectos, a AAC assemelha-se a uma experiência contínua, na medida em que mante-mos uma observação muito próxima do que está a acontecer como resul-tado das nossas intervenções e, à medida do necessário, rapidamente proce-demos a ajustes. Essa é a vertente respeitante à análise.
No recurso a abordagens comportamentais, obviamente, é muito importante que se preste estreita atenção aos comportamentos que se deseja alterar. Mas é também muito importante que se preste igualmente atenção a outros factores, especialmente os que imediatamente precedem os comportamentos em causa, por vezes designados por antecedentes, e os que se seguem aos comportamentos, por vezes chamados consequências. Estes três factores, e o modo como se relacionam com a AAC, são os prin-cipais tópicos desta parte inicial do livro.
Contingência do reforço
Os antecedentes, os comportamentos e as consequências estão tão intimamente relacionados que Skinner usou uma expressão especial quando se lhes referia, contingência do reforço, um conceito tripartido que envolve: “(1) a ocasião em que o comportamento ocorre, (2) o comporta-mento em si e (3) as consequências do comportacomporta-mento” (Skinner, 1968, p. 4).
Ao contrário do que geralmente se pensa, a AAC não é recente. A
Estados Unidos, sob a designação Midwest Association for Behavior
Ana-lysis, existindo desde 1974. O Journal of Applied Behavior Analysis13 foi
pela primeira vez publicado em 1968 e, como é evidente, a AAC já existia aquando desta publicação. Assiste-se, com frequência, a algum debate em torno da questão de saber quem foi o primeiro a usar este ou aquele termo. Embora exista grande polémica acerca de quem pri-meiro usou a designação terapia comportamental, não dei conta de exis-tir uma grande celeuma acerca de quem primeiro usou a expressão análise aplicada do comportamento. De qualquer forma, ninguém parece ter certezas nesse campo. Há quem pense terem sido Ullman e Krasner os primeiros a fazê-lo no seu livro, de 1965, Case Studies in
Behavior Modification.14 Outros dizem ser provável que a designação
AAC tenha sido primeiro usada por Montrose Wolf, um dos fundado-res e o primeiro editor do Journal of Applied Behavior Analysis (normal-mente designado apenas pela sigla JABA). Wolf talvez seja mais conhe-cido pelo seu uso dos princípios da AAC em programas educativos de remediação, concebidos para crianças integradas no Projecto Crianças do Juniper Gardens, implementado em Kansas City, no Kansas.
A análise aplicada do comportamento baseia-se no trabalho do impor-tante psicólogo americano B. F. Skinner. Muitos dos contributos científi-cos de Skinner decorreram do estudo do comportamento e do processo de aprendizagem em contexto de laboratórios de psicologia. Skinner e os seus alunos estudaram frequentemente o comportamento de animais, como os ratos e os pombos, analisando-o sob estreita monitorização. O trabalho de Skinner, por vezes referido como análise do comportamento ou como análise experimental do comportamento, foi também aplicado com sucesso e de variadas formas junto de humanos. A AAC parte das desco-bertas de Skinner e dos seus seguidores e aplica-as aos seres humanos num conjunto diversificado de contextos, como escolas, hospitais, locais de tra-balho, casinos, recintos desportivos e lares. Actualmente, a Association for
Behavior Analysis International oferece mais de 20 grupos de interesse
espe-cial, concebidos para os seus membros, representando áreas de interesse e de aplicação dos princípios da AAC tão variadas como o autismo, a geron-tologia comportamental, os comportamentalistas para a acção social, a gestão oraganizacional do comportamento e a análise clínica do compor-tamento. Apesar de, posteriormente, irmos entrar em mais detalhes, a abordagem da AAC combina intervenções normalmente baseadas num
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Traduzível por “Revista da Análise Aplicada do Comportamento”. (NT)
tipo particular de aprendizagem, usualmente associada a Skinner (i.e., o condicionamento operante), com métodos de monitorização objectiva contínua, para determinar se uma dada intervenção (ou tratamento) está, ou não, a funcionar.
Que informação nos transmite um nome?
As pessoas que trabalham no campo da AAC usam várias designações diferentes para se referirem a si mesmas. Eis algumas das mais comuns, caso se interrogue sobre quem são tais pessoas.
Analista do comportamento
Trata-se de alguém que se dedica à análise aplicada do comporta-mento e que, espera-se, está devidamente formado para o fazer bem. Ape-sar de, nos inícios do século XX, estes profissionais serem essencialmente psicólogos ou educadores que detinham formação especializada e expe-riência no campo da AAC, nos últimos anos há um crescente número de programas, de pós-graduação ou não, especificamente dedicados à AAC. Assim, actualmente, alguém que recebe esta designação pode ter também, ou não, formação significativa noutras áreas da psicologia ou noutros campos afins.
Analista do comportamento com certificação
Este é um analista do comportamento que cumpre um número consi-derável de requisitos educacionais e que obteve aprovação num teste que denota o seu conhecimento da AAC. Mais uma vez, enquanto a sua for-mação pode limitar-se à AAC, eles podem também ter forfor-mação em psico-logia, em educação especial, ou podem ser profissionais de outras áreas do saber.
Terapia comportamental, terapeuta comportamental
Um terapeuta comportamental é alguém que implementa a terapia com-portamental e, tal como um analista do comportamento, deve receber forma-ção para o fazer bem. A terapia comportamental é, em geral, vista como uma abordagem à psicoterapia que se apoia em técnicas terapêuticas baseadas em
princípios da aprendizagem, essencialmente o condicionamento instrumen-tal e o clássico. A terapia comportameninstrumen-tal envolve, tipicamente, sessões de terapia com um terapeuta comportamental, muitas vezes um psicólogo com formação especial, podendo, por vezes, o terapeuta ser também psiquiatra, técnico de acção social, enfermeiro, conselheiro ou outro profissional. A maior parte do tratamento realizado no âmbito da terapia comportamental envolve diálogos orientados com clientes cooperantes, os quais podem ser crianças ou adultos, acerca dos respectivos problemas, assim como o uso diri-gido de técnicas da terapia comportamental, muitas das quais se baseiam na AAC.
Talvez a técnica mais conhecida seja a dessensibilização sistemática, originalmente desenvolvida por Joseph Wolpe (1958), que se comprovou ser particularmente eficaz no tratamento de fobias.
Terapia cognitiva do comportamento, terapeuta cognitivo do
comportamento
A terapia cognitiva do comportamento refere-se a qualquer tipo de psico-terapia que enfatiza a tentativa de ajudar o cliente a lidar melhor com os seus problemas, ajudando-o a mudar a maneira como pensa ou fala acerca das coisas. Há muitas abordagens diferentes a esta terapia, variando em função de até que ponto se baseiam em princípios da aprendizagem. Uma área problemática em que esta terapia parece ser particularmente útil é a do tratamento da depressão. Apesar de esta terapia não ser, em geral, con-siderada como integrando a AAC, muitos terapeutas usam os princípios da AAC no seu trabalho.
Abordagem comportamental, comportamentalista
Apesar de existirem algumas definições de abordagem comportamen-tal bastante longas e complicadas, uma descrição simplificada pode ser algo do género: “a ciência das relações contingentes entre comporta-mento e outros eventos”. O termo abordagem comportamental é mais recente do que a AAC. Apareceu pela primeira vez nos anos 80 do século passado, para descrever a abordagem científica emergente ao estudo do comportamento que continua a evoluir da psicologia e de outras discipli-nas. É mais abrangente do que em geral pensamos ser o domínio da AAC, está a assumir-se como um campo autónomo e tem grande probabilidade de se tornar mais conhecida, à medida que o tempo passa. Apesar de a
maior parte dos comportamentalistas pertencerem à Association for
Beha-vior Analysis International, há outra organização profissional chamada The International Society for Behaviorology.
Agora que tem uma ideia geral do que é a AAC, é chegada a altura de desenvolver um conhecimento ainda melhor da AAC. Gostaria de come-çar com um capítulo dedicado aos antecedentes, por questões de prece-dência alfabética.15 No entanto, teremos uma melhor compreensão dos
antecedentes, se começarmos por abordar primeiro o comportamento. Por isso, cá vamos…
15Não esquecer que, anteriormente, o autor indicou ir analisar o ABC da ABA (Applied Behavior Analysis), ou
AAC (Análise Aplicada do Comportamento), para nós. Como o jogo com ABC não funciona em português, não foi possível mantê-lo. Explica, porém, os considerandos aqui tecidos pelo autor. (NT)