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O MOMENTO HEGELIANO DA ESTÉTICA: A AUTO-SUPERAÇÃO DA ARTE

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Academic year: 2021

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O MOMENTO HEGELIANO DA ESTÉTICA: A AUTO-SUPERAÇÃO DA ARTE

CLAUDINEI CÁSSIO DE REZENDE*

RESUMO: Cada momento da filosofia da arte rumo à estética – dos antigos aos contemporâneos – é o evidenciar da invenção do gosto como critério do belo. Luc Ferry nota em sua tese que a estética hegeliana, ainda mais que a de Kant, soube levar em conta a história concreta da arte: a interpretação de Sófocles e a elucidação da poesia romântica alemã continuam sendo modelos para uma crítica da história da arte. Em Hegel, a reflexão, enquanto essência da subjetividade finita, deve ser supra-sumida pelo o que o filósofo chamou de “proposição especulativa”. No momento hegeliano da estética, a sensibilidade perde a autonomia que tinha adquirido em Kant, de modo que a estética volta a ser a expressão (Darstellung) de uma idéia no campo da sensibilidade. Assim, esta alienação (Entäusserung) da idéia numa matéria sensível exterior assume no filósofo – diferentemente do que ocorria no classicismo setecentista – a forma de uma história da arte. De tal sorte que a arte continua sendo para Hegel uma manifestação da verdade que, embora atraente, não deixa de ser por definição inferior àquela que ocorre no interior da filosofia, na medida em que a idéia se processa adequadamente na filosofia, a fim de se atingir a coisa mesma (Sache selbst), e na arte é dependente da exteriorização dos sentidos na subjetividade, tendo, ipso facto, que passar pelo processo de auto-dissolução quando atinge seu ápice, supra-sumindo-se na forma da filosofia.

PALAVRAS-CHAVE: Hegel, estética, auto-dissolução da arte

ABSTRAKT: Jedes Mal, wenn die Philosophie der Kunst gegenüber der Ästhetik - von der alten bis zur zeitgenössischen - ist der Höhepunkt der Erfindung der Geschmack als Kriterium der Schönheit. Luc Ferry Fußnote in seiner These, dass das mit Hegels Ästhetik, vor allem, dass die von Kant, habe ich gelernt, unter Berücksichtigung der spezifischen Geschichte der Kunst: die Auslegung von Sophokles und der Aufklärung der deutschen romantischen Poesie bleiben für eine Kritik der Kunstgeschichte. In Hegel, das Denken, während die endlichen Wesen der Subjektivität, muss über-gegangen, was der Philosoph als "Speculative Proposition". Zum Zeitpunkt der Hegels Ästhetik, Sinnlichkeit verloren sie die Autonomie erworben hatte bei Kant, so ist erneut der Ästhetik der Darstellung von einer Idee auf dem Gebiet der Empfindlichkeit. Auf diese Weise Entäusserung Idee einer sensiblen Materie ist außerhalb der Philosoph - im Gegensatz zu, was im achtzehnten Klassizismus - die Form einer Geschichte der Kunst. In dem Maße, dass die Kunst nach wie vor für Hegel eine Manifestation der Wahrheit, dass, während die attraktive Optik, sondern ist per definitionem weniger als das, was innerhalb der Philosophie, dass die Idee ist, die ordnungsgemäß in der Philosophie, um erreichen die gleiche Sache selbst, und die Kunst ist abhängig von der Externalisierung der Sinne und der Subjektivität, ipso facto, dass Sie durch den Prozess der Selbst-Auflösung erreicht ihren Höhepunkt, wenn über-sumindo in Form der Philosophie.

* Bacharel e licenciado em Ciências Sociais pela Fundação Santo André. Licenciado em História.

Especialista (lato sensu) em História pela PUC-SP. Mestrando em Ciências Sociais pela Unesp - Marília. Orientador: Antonio Carlos Mazzeo e Marcos Del Roio. Bolsista FAPESP. Pesquisa: A Esquerda e a Miséria Brasileira. Email: claudinei_cassio@yahoo.com.br

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O GOSTO: O BELO E A SUBJETIVIDADE DA ARTE

O movimento da estética teve na modernidade o seu acme em Hegel, que demarca um ponto fundamental na análise da arte antiga. Junto a Kant, com a antinomia do gosto, e chegando a Nietzsche, na invenção do gosto como belo, Hegel, que compõe a saída filosófica de sua juventude na harmonia da estética de Schelling, integra o conjunto das determinações da nova disciplina: a estética. A partir disso, a pergunta é inevitável: O gosto é uma invenção moderna? Luc Ferry, com um tom de quem possui a resposta, analisa a discussão do surgimento do gosto na estesia, como retraimento do mundo, creditado nos seguintes termos:

A tese que por enquanto formularei a título de simples esboço é a seguinte: ao passo que, para os Antigos, a obra é entendida como um microcosmo – o que permite pensar que exista fora dela, no macrocosmo, um critério objetivo, ou melhor, substancial do Belo –, para os Modernos, a obra só ganha sentido em referência a subjetividade, vindo a se tornar, para os Contemporâneos, expressão pura e simples da individualidade: estilo absolutamente singular que não quer ser mais em nada um espelho do mundo, mas sim criação de um mundo, o mundo no interior do qual se move o artista e no qual temos, sem dúvida, permissão para ingressar, mas que de modo algum se impõe a nós como um universo a priori comum. (Ferry, 1994, p. 23)

Para os antigos, o belo nunca se define puro e simplesmente pelo prazer subjetivo que proporciona. A categoria do belo não era determinada como algo que proporcionava prazer subjetivo – independente da imanência do objeto –, mas algo que existia fora do indivíduo, como categoria universal. O que ocorre na estética moderna que demarca a ruptura com o antigo, é a tentativa de conciliação entre a subjetivação do belo com a exigência de critérios, portanto de uma relação com a objetividade ou, se preferir, com o mundo. Por isso a estética moderna supõe um subjetivismo ao fundamentar o belo nas faculdades humanas (na razão, no sentimento e na ação), porém ainda permanece a idéia de que a obra de arte é inseparável da objetividade, isto é, do mundo. Essa objetividade se explicita no classicismo, no qual provocar a mímesis da natureza sugere que a universalidade do belo se atinge na relação do mundo objetivo com a razão.

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No pensamento contemporâneo, ao se pensar com Nietzsche a inexistência de um mundo evidente para dar lugar a um mundo “plural” de múltiplas particularidades a cada indivíduo, a cada artista, não existe mais uma arte, e sim uma diversidade tão grande quanto o número de artistas existente. O belo se torna apenas uma questão de gosto individual, ou mais precisamente: enquanto havia uma diferença entre o artista e o não-artista, aliás, na pena de Kant, “entre o artista e o troca-tintas”, hoje essa questão pende pesadamente apenas nas diferenças individuais. Ela nada tem mais a ver com a capacidade de criar uma representação mimética da essência do mundo, tampouco em ver – como em Kant – o dom inato de um artista. Na contra-corrente disso tudo, ela hoje reside no culto de idiossincrasias, independente do que o artista possa produzir ou possa elaborar, posto que todos podem fazer arte; sua hermenêutica é infinita. Portanto não há uma Weltanschauung específica do momento histórico atual, como pôde ter ocorrido entre os antigos em sua elaboração da arte. Do mesmo modo não há um movimento claramente demarcado, verbi gratia, o renascimento ou o barroco. Há, isso sim, uma diversidade, na qual muitas vezes a obscuridade de uma obra possa parecer como belo porque possui a possibilidade de infinitas interpretações.

Não obstante, de modo algum podemos caracterizar o momento atual da arte como inferior em qualidade a de outros momentos. Ocorre que a pretensão da arte mudou. Para muitos artistas, hoje não se trata mais de descobrir o mundo ou de se utilizar a arte como um instrumento para o conhecimento de uma realidade estranha a eles mesmos. Ao contrário, parece que em muitos casos a obra seja definida pelos próprios artistas como um prolongamento de si mesmo, um expor de sua subjetividade – que descarta totalmente qualquer objetividade. Nessa esteira, Nietzsche dedicou sua estética na afirmação de que o artista deve se afastar do mundo e exprimir sua vida interior. Esse retraimento do mundo se torna, assim, manifesto no homem contemporâneo, como reflexo da sociabilidade atual. Nietzsche marca a irracionalidade do belo, e anuncia a obsolecência do mundo (Weltlosigkeit). Em A Vontade de Potência podemos ler:

[...] não existem estados de fato em si, mas apenas interpretações, não um

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indivíduo vivente: a questão „o que é‟ é uma maneira de pôr sentido [...]. No fundo, trata-se sempre da questão „o que é para mim‟”. (Nietszsche

apud Ferry, 1994, p. 27)

FILOSOFIA E ESTÉTICA

Se existe uma diversidade enorme de sistemas filosóficos contraditórios entre si, buscando uma mesma e única verdade, como exige a razão humana, que estatuto atribuir a essa deplorável pluralidade?

Esse argumento já preocupava o jovem Hegel antes mesmo dele engendrar seu definitivo sistema filosófico – o único que, ao seu ver, responde satisfatoriamente a esse argumento:

Nisso se apóia o argumento tão rasteiro que pretende, com ares de especialista, que a história da filosofia seja estéril, uma filosofia em contradição com a outra, e que essa diversidade prove a inânia do empreendimento filosófico. (Hegel apud Ferry, 1994, p. 163) No Jornal Crítico de Filosofia, publicado em Tübingen em 1802, Hegel dedicou a introdução de seu primeiro número a essa questão2. Ele debateu sobre o que merece ou

não o título de filosofia, e caminhou para a elaboração de seu estatuto filosófico da totalidade: consistiu em descrever a história da filosofia por analogia com estética, como a apresentação em diversas formas de uma única e mesma idéia. Com isso, a crítica da arte também se torna o modelo da crítica filosófica: do mesmo modo que a obra de arte é representação/expressão (Darstellung) de uma verdade ideal numa forma sensível, assim também a tarefa da crítica consiste em desvendar a idéia, o significado sob o significante manifesto, que se distinguirá em cada sistema filosófico o seu núcleo racional – que deve ser o mesmo em todo aquele que mereça o título de filosofia. Portanto, somente a forma é variável, pois é determinada historicamente e dependente da cultura (Bildung) de cada época.

A resposta hegeliana aponta para uma tese de que não existe uma verdadeira contradição entre os diversos sistemas filosóficos, já que eles expressam, em última

2 Pubicado com Schelling, intitulado Da essência da crítica filosófica em geral e em particular de sua relação com a situação atual da filosofia.

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instância, a mesma idéia – sua aparente diversidade contraditória tem seu sustentáculo no fato de que de acordo com a Bildung os filósofos são levados a expressar suas idéias de forma relativa.

Ferry critica essa saída de Hegel:

[...] o argumento cético só é refutado com base numa visão da história da filosofia que simplesmente tem por inconveniente negar a historicidade como tal: se refletirmos bem, veremos que é histórico em cada sistema filosófico justamente o que, nele, é inessencial (o que está ligado à Bildung).

Se todos os sistemas exprimem no fundo a mesma idéia, quase não se vê o

interesse que proporciona o desenvolvimento de sua diversidade no tempo, e a crítica, que neles separa o que pertence à ordem do conteúdo e o que é simples forma contingente, quase só tem por finalidade uma autojustificação. (Ferry, 2004, p. 165)

Essa tese do jovem Hegel sofre uma aguda e decisiva ruptura no itinerário da construção de sua filosofia. Na Fenomenologia do Espírito, a idéia do belo – que é e continuará sendo para Hegel a idéia de verdade – também será historicizada, permeada por uma evolução interna. A diferença fundamental entre a estética e a filosofia será o fato de que, de uma forma ou de outra, a estética continuará sendo pensada como Entäusserung da idéia do verdadeiro numa forma exterior a ele, ao passo que a filosofia se tornará a expressão da idéia no pensamento, ou seja, numa forma mais pura. Disso conclui, portanto, que a manifestação do Geist deveria ser realizada através da filosofia em detrimento da arte.

A decretação da morte da arte em Hegel compõe o pensamento da história da filosofia não mais pensada como um desenvolvimento da idéia em seu outro, mas pensada como um autodesenvolvimento. Pode ser demarcada, em linhas gerais, no processo entre o em-si e o para-si, determinado pelo devir.

A idéia do belo no sistema filosófico hegeliano será, assim, historicizada, e a arte conservará o estatuto de apresentação de seus diferentes momentos numa forma sensível, e como tal, de magnitude inferior que a filosofia.

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A DEFINIÇÃO DO BELO ARTÍSTICO E DO NATURAL: BREVE REFLEXÃO SOBRE AS DIFERENÇAS ESTÉTICAS ENTRE KANT E HEGEL

Hegel parte do pressuposto kantiano do belo natural para elaborar sua crítica. Para Hegel, se a beleza criada pela arte fosse inferior à beleza da natureza, ficaria excluída da estética uma grande parte do domínio da arte. Com tal proposição, para o filósofo, entende-se que o belo artístico é superior ao natural na medida em que o artístico é manifestação do Geist que, “superior à natureza, comunica essa superioridade aos seus produtos e, por conseguinte, à arte”.(HEGEL, 1999, p. 27). A pior das idéias humanas ainda assim, é, para Hegel, mais elevada que qualquer grandiosidade da natureza, justamente porque essa idéia participa do espírito.

A tese kantiana é invertida com Hegel, que salienta que o objetivo da estética não é o domínio do belo em geral, mas sim unicamente o domínio da beleza artística. Desse modo, não é certo em Hegel que o qualitativo “belo” seja aplicado à forma da natureza. Essa inversão do kantismo em Hegel é justificada da seguinte forma: a beleza artística é a única, pois deriva do Geist e quanto mais o espírito e suas produções se situam acima da natureza e de seus fenômenos, mais a beleza artística se eleva acima da beleza natural.

A caracterização da beleza como a manifestação da verdade racional, plenamente controlada por um sujeito (o artista), é para Hegel superior à natureza, pois é mais própria ao fim de se alcançar o belo criado, manifesto pelo espírito (que, como já supracitado, é inferior à filosofia). Luc Ferry, (1994, p. 175) na defesa de Kant, indica um paradoxo:

Assim, porém, também vemos mal como ela poderia não ocupar um lugar inferior ao da ciência ou da filosofia, que supostamente nos franqueiam um acesso mais direto à coisa mesma. Nessa primazia concedida à natureza, sobre o artifício, é verdade que uma parte da beleza é subtraída ao poder do espírito, mas também é com isso que a estética pode esperar não ser reduzida a uma “teoria do conhecimento inferior”, ou até uma simples receita que indica os meios capazes de comunicar ao entendimento comum verdades abstratas demais para serem compreendidas por ele no único plano que, no entanto, conviria: o da verdadeira especulação.

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Para evidenciar a compreensão do paradoxo, Ferry busca em Kant o sentido de que a beleza deve antes de qualquer coisa comportar um elemento natural, independente do espírito humano. Para Ferry, o objeto do belo é o que suscita nos homens um acordo intelectual das faculdades (embora puramente sensível), igual ao que deveria ocorrer com as idéias. Desse modo, não fica cindida a valoração da filosofia como superior a manifestação da arte em Kant, como está em Hegel.

Embora pareça um detalhe trivial, o que está em jogo nessa tese é a diferença entre reflexão e determinação. O juízo reflexionante sempre supõe que o acordo entre a natureza e o espírito seja em seu princípio contigente, portanto natural. Assim, se o belo não diz respeito ao juízo determinante, não pode existir uma ciência do belo que determine tanto as regras gerais da produção da beleza como seus critérios de aplicação. Em Kant o belo é o natural, porque é surpresa, ou seja, não depende de intenção, pois o pensamento de que a natureza foi quem produziu a beleza é o único suscetível imediato pela existência mesma da coisa bela. O desejo em Kant de se atingir o belo deve ser rigidamente pensado na beleza da natureza – e não da pura imitação dela. O exemplo do rouxinol (talvez o mais famoso, pela própria crítica de Hegel) elucida brevemente a questão:

[...] nada é mais delicioso, para os poetas, do que o belo e encantador canto do rouxinol numa solitária vegetação por uma calma noite de verão sob a doce luz da lua... Porém, se nos disserem que um jovem traquinas que sabe imitar perfeitamente o rouxinol nos enganou, o que nos parecia belo alguns instantes antes se tornará insuportável. (Kant apud Ferry, 1994, p. 177)

O que Kant se propõe a tratar é que só o que é puramente exterior à subjetividade pode merecer o estatuto de belo. De modo que a arte não deva ser mimesis da natureza, mas deva incorporar uma parte de naturalidade, que escape ao controle da subjetividade. Aqui temos o essencial da tese kantiana sobre a arte: a arte só pode ser chamada de bela se estivermos conscientes de que se trate de arte e, no entanto, essa arte nos apareça como natureza. Para tanto, a arte se faz bela a partir da genialidade do artista – tese do gênio, que será a saída para a explicação kantiana da criação da obra de arte, que deve ser uma criação inconsciente e não formada nos sentidos e enquadramentos de um método artístico. Assim também o gênio artista carrega em si não uma técnica oriunda de

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sua vida cotidiana e da experiência, mas carrega certa carga de naturalidade. É como se um artista genial tivesse um insight e, repentinamente, criasse uma obra de arte que fosse tão surpresa para quem irá apreciá-la, quanto para o próprio artista. Portanto, essa tese rompe com o classicismo3 que enquadrava uma determinada regra para a análise e a

criação da arte.

Para Hegel, contrariando a estética kantiana, o momento central da estética do belo é a idéia, cabendo ao elemento sensível ser apenas um meio (aliás, inadequado) no qual a verdade se torna perceptível.

A IDÉIA E O IDEAL: A HISTORICIDADE E A SUPRA-SUNÇÃO DA ARTE

Para Hegel, a arte tem por objetivo a apresentação da verdade, embora a apresentação da verdade, enquanto manifestação do espírito não atinja sua forma plena na arte. A verdade, por sua vez, para o filósofo alemão, é sempre histórica – como vemos na Fenomenologia (Hegel, 2007). Por isso, a arte deve ser apresentação sensível dessa verdade, ingressada na esfera da historicidade. Doravante, a arte possui uma mesma e idêntica meta que a religião e a filosofia. Mesmo se a verdade é apresentada sob a forma de fenômenos das manifestações sensíveis, que são as obras, convém atribuir a esses fenômenos uma realidade (Realität) bem mais elevada e um devir bem mais verdadeiro do que a realidade cotidiana (Wirklichkeit).

A superioridade de uma forma de arte será medida inicialmente pela capacidade que esta possui de exprimir adequadamente – embora de maneira sensível – a verdade da idéia. Assim a arte busca, segundo Hegel (1999), o ideal: a individualidade entendida como a síntese entre o universal contido na idéia e o particular inerente à forma sensível que reveste.

Quando uma arte atinge sua forma ideal, atinge, pois, sua auto-dissolução, na medida em que no decorrer desse processo a arte deve inevitavelmente dar-se conta – no

3 Por classicismo, na delucidação de Luc Ferry, não se pretende designar a arte grega (como faz Hegel) nem

o século XVII francês (como faz Foucault), mas sim a doutrina da estética, de origem cartesiana, segundo a qual a arte teria por principal função representar as verdades da razão no elemento exterior a elas, mas acessível ao entendimento comum, à sensibilidade.

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mesmo momento em que atinge a perfeição, aliás, a forma máxima de representação de seu gênero – de que não é o meio de expressão mais adequado da idéia, de que é inferior à representação do divino pela religião e da idéia pela filosofia. A partir dessa premissa hegeliana, temos a historicidade e a hierarquia através da qual a arte deva ser supra-sumida – ou auto-superada (aufheben).

Hegel fixa os três momentos de sua auto-superação: simbolismo, classicismo e romantismo. Bem como, demonstra os meios mais adequados de sua expressão e superação: arquitetura, escultura, pintura, música e poesia.

A arte começa sendo simbólica: a forma simbólica é imperfeita, pois, por um lado nela

a idéia somente acede à consciência de maneira indeterminada, com uma determinidade abstrata e, por outro lado, por isso mesmo, a adequação entre significação e a forma só pode permanecer também abstrata e defeituosa. (Hegel apud Ferry, 1994, p.190)

A arte simbólica, por não representar a idéia mesma, conforme foi creditada acima por Hegel, mas representar a verdade de maneira inferior, isto é, simbólica, é por isso mesmo a forma mais abstrata e a menos elevada. O simbolismo, por exemplo, se se permite uma simplificação, tende a representar a força, a virilidade, nas figuras de um leão e um cavalo, e não em si-mesmas, e assim age como se o objeto natural detivesse a idéia. E, para Hegel, a idéia não pode satisfazer-se com tal relação exteriorizada.

Esse simbolismo terá sua auto-superação (Aufhebung) na arte clássica: se o ideal se define como adequação perfeita entre forma e conteúdo, entre apresentação sensível e idéia, é apenas com a arte clássica que se atinge a beleza perfeita. Isso ocorre pois, nesse seu supra-sumir a idéia através da história se transformou e se tornou mais concreta e mais rica. Assim Hegel estabelece uma interligação direta entre a historicidade e a estética. Na arte clássica não se toma figuras emprestadas como no simbolismo para representar uma ação ou dada categoria, mas, ao contrário, se tenta representá-lo do modo mais concreto e verossímil. A arte grega, por exemplo, apresenta a unidade mais visível entre os deuses e os homens em suas esculturas. Ao contrário do que ocorre no

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simbolismo, os gregos demonstram seus deuses e os homens de maneira direta, pois para eles é mais nítida a manifestação da idéia, isto é, a auto-consciência em sua theogonía, oriunda de sua historicidade.

A arte clássica atinge o ideal já que, por um lado, a idéia se desenvolveu suficientemente para perceber-se a si mesma como subjetividade e, por outro lado, essa subjetividade encontra no homem uma expressão não arbitrária. E é aqui que o paradoxo desse momento se torna evidente: pois a subjetividade que se exprime na mais perfeita arte é ainda apenas uma subjetividade finita, humana, revestida de um corpo natural. Mas como poderia se libertar disso, se em sua essência ela deve ser sempre Darstellung em forma sensível? A idéia verdadeira é efetivamente essa unidade do humano e do divino que a estátua grega congrega. Porém, ao mesmo tempo, o fato de que essa representação permaneça na ordem da estética, da sensibilidade é o seu limite imanente.

Finalmente, a forma romântica é a auto-superação do clássico, e por isso a arte da saída de arte, ou sua forma última, pois não supõe mais a divisão entre o finito e o infinito no mundo exterior, isto é, o em-si passa a ser o para-si, noutras palavras a arte interiorizada. Bom exemplo, à época de Hegel, é Beethoven, Goethe e Schiller. Paradoxalmente, ainda, por ser arte continua ligada a uma manifestação exterior, por isso, ainda uma inadequada manifestação da idéia.

Na divisão das três historicidades da arte em Hegel (simbolismo, classicismo e romantismo) se revela o sistema filosófico da totalidade, isto é, os três tempos do processo do vir-a-ser: procurar, atingir e supra-sumir a idéia como verdadeira idéia do belo.

Nessa hierarquização da arte fica fácil perceber porque Hegel vê a arquitetura como a arte menos elevada, pois quanto mais uma arte depende da matéria corpórea para se representar, menos manifesta adequadamente a idéia. Além disso, a arquitetura mais do que qualquer outra arte toma emprestado modelos da natureza inorgânica (e aqui a superação da estética kantiana). Por isso, situada acima da arquitetura, a escultura deixa de ser somente mecânica para dar forma a individualidade.

De tal sorte que a escultura dá lugar às três artes da saída da arte, a fim de acabar com a espacialidade: a pintura, que pode apresentar formas para além da espacialidade física; a música, que é o primeiro gênero artístico estético que consegue se desvinciliar

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totalmente da espacialidade. Embora ainda sensível seu material atinge um grau mais profundo de subjetividade, pois o som supera a coexistência indiferente própria do espaço. Esse movimento de interiorização (própria das artes românticas) desemboca na poesia. O som na música, ainda está diretamente ligado a sensibilidade, isto é, puramente sentimental. O som na poesia, ao contrário, atinge o sentimental, mas não só isso, também é dotado de significado, representando mais autenticamente a idéia.

A poesia é, por fim, a arte da saída da arte, a que aspira desde seu início a história da estética, segundo Hegel, onde desaparece a pura sensibilidade para dar lugar a espiritualidade.

BIBLIOGRAFIA

FERRY, Luc. Homo Aestheticus: a invenção do gosto na era democrática. São Paulo: Ensaio, 1994.

HEGEL, G.W.F. Estética. In Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1999. _______. Prefácio: Fenomenologia do Espírito. 4.ed. Petrópolis: Vozes, 2007.

Referências

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