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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

Programa de Pós-Graduação Integração da

América Latina

LEANDRO DA SILVA SELARI

As migrações fronteiriças na América Latina, Integração e

Mundialização da Força de Trabalho: A questão da cidadania e do

desenvolvimento humano na região.

São Paulo 2018

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LEANDRO DA SILVA SELARI

As migrações fronteiriças na América Latina, Integração e

Mundialização da Força de Trabalho: A questão da cidadania e do

desenvolvimento humano na região.

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação Integração da América Latina da Universidade de São Paulo para obtenção do Título de Doutor em Ciências

Linha de Pesquisa: Raça/Etnia e Imigração no Brasil e na América Latina (USP)

Orientador: Prof. Dr. Sedi Hirano

São Paulo 2018

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Autorizo a reprodução e divulgação parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

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Nome: SELARI, Leandro da Silva

Título: As migrações fronteiriças na América Latina, Integração e Mundialização da Força de Trabalho: A questão da cidadania e do desenvolvimento humano na região.

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação Integração da América Latina da Universidade de São Paulo para obtenção do Título de Doutor em Ciências

Aprovado em: Banca Examinadora Prof. Dr (a). _________________________________________________ Instituição: __________________________________________________ Julgamento: _________________________________________________ Prof. Dr (a). _________________________________________________ Instituição: __________________________________________________ Julgamento: _________________________________________________ Prof. Dr (a). _________________________________________________ Instituição: __________________________________________________ Julgamento: _________________________________________________ Prof. Dr (a). _________________________________________________ Instituição: __________________________________________________ Julgamento: _________________________________________________ Prof. Dr (a). _________________________________________________ Instituição: __________________________________________________ Julgamento: _________________________________________________

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DEDICATÓRIA

Aos meus pais, que com amor me ensinaram os mais belos valores do mundo, dentre os quais, estão o apreço pelo conhecimento e a capacidade de se indignar/agir perante as injustiças.

A minha esposa, amor da minha vida, companheira pesquisadora, que escolheu trilhar a árdua caminhada acadêmica juntamente comigo, me incentivando a não desistir dos nossos sonhos.

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AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Sedi, pela atenção, apoio e orientação de grande relevância para o nosso trabalho. Desfrutar de sua convivência, para mim, foi um privilégio acadêmico.

Ao Programa de Pós-Graduação Integração da América Latina, sua coordenação e pessoal, pela oportunidade de realização do curso de Doutorado em uma temática tão relevante.

A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, pela concessão da bolsa de Doutorado e Doutorado-sanduíche, essenciais para o desenvolvimento desta pesquisa.

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RESUMO

SELARI, L. da S. As migrações fronteiriças na América Latina, Integração e Mundialização da Força de Trabalho: A questão da cidadania e do desenvolvimento humano na região. 2018. 292 f. Tese (Doutorado em Ciências) – Programa de Pós-Graduação Integração da América Latina, Universidade de São Paulo, São Paulo.

Nesta tese, estudamos o trânsito fronteiriço e regional da força de trabalho migrante no interior da América do Sul. Analisamos as configurações populacionais destes fluxos, bem como os sentidos que estes deslocamentos assumem. A partir de uma perspectiva multidisciplinar, discutimos os conceitos de identidade, cidadania sul-americana, trabalho, imigração e integração, bem como os efeitos das migrações fronteiriças e regionais nas relações entre os Estados da América do Sul. Tratamos essencialmente das garantias fundamentais do homem e do cidadão na região, pensando a força de trabalho migrante numa perspectiva humana e como tal, assumindo também uma condição cada vez mais autônoma e livre, no seu trânsito regional e fronteiriço. Constatamos a construção de uma cidadania sul-americana de base transnacional e inter-regional na América do Sul, principalmente a partir da interação entre as esferas nacionais e internacionais de direitos civis e comunitários. Nesse sentido, são observadas importantes convergências multi-institucionais.

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RESUMEN

SELARI, L. da S. Las migraciones fronterizas de la América Latina, Integración y Mundialización de la Fuerza de Trabajo: La cuestión de la ciudadanía y de el

desarrollo humano en la región. 2018. 292 p. Tesis (Doctorado en Ciencias)

Programa de Pós-Graduação Integração da América Latina, Universidade de São Paulo, São Paulo.

En esta tesis, estudiamos el tránsito fronterizo y regional de la fuerza de trabajo migrante en el interior de la América do Sur. Analizamos las configuraciones poblacionales de estos flujos, así como los sentidos que estos desplazamientos asumen. A partir de una perspectiva multidisciplinaria, discutimos los conceptos de identidad, ciudadanía suramericana, trabajo, inmigración e integración, así como los efectos de las migraciones fronterizas y regionales en las relaciones entre los Estados da América do Sur. Tratamos esencialmente de las garantías fundamentales del hombre y del ciudadano en la región, pensando la fuerza de trabajo migrante en una perspectiva humana y como tal, asumiendo también una condición cada vez más autónoma y libre, en su tránsito regional y fronterizo. Constatamos la construcción de una ciudadanía suramericana de bases transnacional e interregional en la América del Sur, principalmente a partir de la interacción entre las esferas nacionales e internacionales de derechos civiles y comunitarios. En ese sentido, son observadas importantes convergencias multinstitucionales.

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ABSTRACT

SELARI, L. da S. Border migration in Latin America, Integration and Globalization of the Workforce: The citizenship and human development. 2018. 292 p. Ph.D. thesis (Sciences) – Programa de Pós-Graduação Integração da América Latina, Universidade de São Paulo, São Paulo.

In this thesis we studied the frontier and regional transit of the migrant labor force within South America. We analyzed the configurations of population in these flows, as well as the meanings that these displacements assume. From a multidisciplinary perspective, we discussed the concepts of identity, South American citizenship, work, immigration and integration, as well as the effects of border and regional migrations on the relations between South American States. We dealt fundamentally with the fundamental guarantees of man and the citizen in the region, thinking about the migrant labor force from a human perspective and as such, also assuming an increasingly autonomous and free condition in its regional and frontier transit. We verified the construction of a South American citizenship with a transnational and interregional base in South America, mainly from the interaction between national and international spheres of civil and community rights. In this sense, important multi -institutional convergences were observed.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 3.1 – Os 10 principais países de origem dos imigrantes internacionais do Brasil 2010. ... 50 Figura 4.1 – Migrantes sul-americanos residentes na Argentina. ... 54 Figura 4.2 – Mapa das maiores populações de residentes sul-americanos na Argentina

2017. ... 57 Figura 4.3 – Taxa de crescimento populacional acumulado (TCPA%) dos migrantes

sul-americanos na Argentina. ... 59 Figura 4.4 – Migrantes sul-americanos residentes na Argentina em 2010 (Idade/Gênero). .. 62 Figura 4.5 – Migrantes sul-americanos residentes na Argentina em 2017

(Homens/Mulheres). ... 64 Figura 5.1 – Sul-americanos residentes na Bolívia. ... 81 Figura 5.2 – Mapa das maiores populações de residentes sul-americanos na Bolívia 2017. 83 Figura 5.3 – Crescimento populacional acumulado (TCPA%) dos migrantes sul-americanos

na Bolívia. ... 84 Figura 5.4 – Migrantes sul-americanos residentes na Bolívia em 2012 (Idade/Gênero)... 87 Figura 5.5 – Migrantes sul-americanos residentes na Bolívia em 2017 (Homens/Mulheres) 88 Figura 6.1 – Sul-americanos residentes no Brasil. ... 96 Figura 6.2 – Mapa das maiores populações de residentes sul-americanos no Brasil – 2017.

... 99 Figura 6.3 – Crescimento populacional acumulado (TCPA%) dos migrantes sul-americanos

no Brasil. ...100 Figura 6.4 – Migrantes sul-americanos residentes no Brasil 2010 (Idade/Gênero) . ...103 Figura 6.5 – Imigrantes sul-americanos residentes no Brasil em 2017 (Homens/Mulheres).

...105 Figura 7.1 – Sul-americanos residentes no Chile ...114 Figura 7.2 – Mapa das maiores populações de residentes sul-americanos no Chile – 2017.

...116 Figura 7.3 – Taxa de crescimento populacional acumulado (TCPA%) dos migrantes

sul-americanos no Chile ...117 Figura 7.4 – Migrantes sul-americanos residentes no Chile 2002 (Idade/Gênero). ...118

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Figura 7.5 Imigrantes sul-americanos residentes no Chile em 2017 (Homens/Mulheres). ...121 Figura 8.1 Sul-americanos residentes na Colômbia. ...128 Figura 8.2 Mapa das maiores populações de residentes sul-americanos na Colômbia em

2017. ...129 Figura 8.3 Crescimento populacional acumulado (TCPA%) dos migrantes sul-americanos na

Colômbia ...131 Figura 8.4 Imigrantes sul-americanos residentes na Colômbia em 2017 (Homens/Mulheres).

...133 Figura 9.1 Sul-americanos residentes no Equador ...136 Figura 9.2 Mapa das maiores populações de residentes sul-americanos no Equador em

2017. ...138 Figura 9.3 Taxa de crescimento populacional acumulado (TCPA%) dos migrantes

sul-americanos no Equador...139 Figura 9.4 Migrantes sul-americanos residentes no Equador em 2010 (Idade/Gênero)...141 Figura 9.5 Imigrantes sul-americanos residentes no Equador em 2017 (Homens/Mulheres).

...143 Figura 10.1 Sul-americanos residentes no Paraguai...151 Figura 10.2 Mapa das maiores populações de residentes sul-americanos no Paraguai em

2017. ...153 Figura 10.3 Taxa de crescimento populacional acumulado (TCPA%) dos migrantes

sul-americanos no Paraguai. ...154 Figura 10.4 Migrantes sul-americanos residentes no Paraguai 2002 (Idade/Gênero). ...155 Figura 10.5 Imigrantes sul-americanos residentes no Paraguai em 2017 (Homens/Mulheres).

...157 Figura 11.1 Sul-americanos residentes no Peru. ...164 Figura 11.2 Mapa das maiores populações de residentes sul-americanos no Peru em 2017.

...167 Figura 11.3 Taxa de crescimento populacional acumulado (TCPA%) dos migrantes

sul-americanos no Peru. ...168 Figura 11.4 Migrantes sul-americanos residentes no Peru 2007 (Idade/Gênero). ...170 Figura 11.5 Imigrantes sul-americanos residentes no Peru em 2017 (Homens/Mulheres). .172 Figura 12.1 Sul-americanos residentes no Uruguai. ...178

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Figura 12.2 Mapa das maiores populações de residentes sul-americanos no Uruguai em 2017. ...180 Figura 12.3 Taxa de crescimento populacional acumulado (TCPA%) dos migrantes

sul-americanos no Uruguai...181 Figura 12.4 Migrantes sul-americanos residentes no Uruguai 2011 (Idade/Gênero). ...182 Figura 12.5 Imigrantes sul-americanos residentes no Uruguai em 2017 (Homens/Mulheres)

...184 Figura 13.1 Sul-americanos residentes na Venezuela. ...193 Figura 13.2 Mapa das maiores populações de residentes sul-americanos na Venezuela em

2017. ...194 Figura 13.3 Taxa de crescimento populacional acumulado (TCPA%) dos migrantes

sul-americanos na Venezuela. ...196 Figura 13.4 Migrantes sul-americanos residentes na Venezuela 2011 (Idade/Gênero). ...197 Figura 13.5 Imigrantes sul-americanos residentes na Venezuela em 2011

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LISTA DE TABELAS

1Tabela 4.1 – Sul-americanos na Argentina, segundo anos de estudos aprovados – 2011. 65

2Tabela 4.2 – Sul-americanos segundo atividade econômica na Argentina – 2010 ... 68

3Tabela 4.3 – Sul-americanos segundo Categoria Ocupacional na Argentina – 2010. ... 73

4Tabela 4.4 – Remessas de migrantes sul-americanos (2017 a abril de 2018)... 76

5Tabela 5.1 – Sul-americanos na Bolívia, segundo anos de estudos aprovados – 2012 ... 88

6Tabela 5.2 – Sul-americanos segundo atividade econômica na Bolívia – 2012. ... 89

7Tabela 5.3 – Sul-americanos segundo Categoria Ocupacional na Bolívia – 2012... 91

8Tabela 5.4 – Remessas de migrantes sul-americanos (2017 abril de 2018)... 92

9Tabela 6.1 – Sul-americanos no Brasil, segundo anos de estudos aprovados – 2010... 104

10Tabela 6.2 – Sul-americanos segundo atividade econômica no Brasil – 2010. ... 105

11Tabela 6.3 – Sul-americanos segundo Categoria Ocupacional no Brasil – 2010. ... 107

12Tabela 6.4 – Remessas de migrantes sul-americanos (2017 abril de 2018)... 108

13Tabela 7.1 Sul-americanos no Chile, segundo anos de estudos aprovados – 2002... 120

14Tabela 7.2 Sul-americanos segundo atividade econômica no Chile – 2002 ... 121

15Tabela 7.3 Sul-americanos segundo Categoria Ocupacional no Chile – 2002 ... 122

16Tabela 7.4 Remessas de migrantes sul-americanos (2017 abril de 2018)... 123

17Tabela 8.1 Remessas de migrantes sul-americanos (2017 - abril de 2018). ... 132

18Tabela 9.1 Sul-americanos no Equador, segundo anos de estudos aprovados – 2010. . 142

19Tabela 9.2 Sul-americanos segundo atividade econômica no Equador – 2010... 143

20Tabela 9.3 Sul-americanos segundo Categoria Ocupacional no Equador – 2010. ... 145

21Tabela 9.4 Remessas de migrantes sul-americanos (2017 - abril de 2018). ... 146

22Tabela 10.1 Sul-americanos no Paraguai, segundo anos de estudos aprovados – 2002. ... 156

23Tabela 10.2 – Sul-americanos segundo atividade econômica no Paraguai – 2002... 157

24Tabela 10.3 – Sul-americanos segundo Categoria Ocupacional no Paraguai – 2002. .... 159

25Tabela 10.4 Remessas de migrantes sul-americanos (2017 - abril de 2018). ... 160

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27Tabela 11.2 Sul-americanos segundo atividade econômica no Peru – 2007... 171 28Tabela 11.3 Sul-americanos segundo Categoria Ocupacional no Peru – 2007 ... 172 29Tabela 11.4 Remessas de migrantes sul-americanos (2017 - abril de 2018). ... 173 30Tabela 12.1 Sul-americanos no Uruguai, segundo anos de estudos aprovados – 2011. 182 31Tabela 12.2 Sul-americanos segundo atividade econômica no Uruguai – 2011... 183 32Tabela 12.3 Sul-americanos segundo Categoria Ocupacional no Uruguai – 2011. ... 185 33Tabela 12.4 Remessas de migrantes sul-americanos (2017 - abril de 2018). ... 186 34Tabela 13.1 Sul-americanos na Venezuela, segundo anos de estudos aprovados – 2011. ... 197 35Tabela 13.2 Sul-americanos segundo atividade econômica na Venezuela – 2011. ... 198 36Tabela 13.3 Sul-americanos segundo Categoria Ocupacional na Venezuela – 2011. .... 200 37Tabela 13.4 Remessas de migrantes sul-americanos (2017 - abril de 2018). ... 201

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LISTA DE SIGLAS

ALAC Associação Latinoamericana de Livre Comércio ALADI Associação Latino-americana de Integração ALCA Área de Livre Comercio das Américas

ACNUR Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados BREXIT Britain Exit

CAN Comunidad Andina de Naciones

CCM Comissão de Comércio do MERCOSUL

CCMAS Comissão de Coordenação de Ministros de Assuntos Sociais CELADE Centro Latino-americano e Caribenho de Demografia

CEPAL Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe CJEG Consejo de Jefas y Jefes de Estado y de Gobierno CMC Conselho do Mercado Comum

CNPV Censo Nacional de Población y Vivienda FEM Foro Especializado Migratório

FCCP Fórum de Consulta e Concertação Política

GTCS Grupo de Trabalho sobre Cidadania Sul-americana

GMC Grupo Mercado Comum

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IMILA Investigación de la Migración Internacional en Latinoamérica IPPDHH Instituto de Políticas Públicas e de Direitos Humanos

MERCOSUL Mercado Comum do Sul

OC Opinião Consultiva

OIM Organização Internacional para as Migrações ONU Organização das Nações Unidas

PACSUR Plataforma de Asistencia al Ciudadano Suramericano PARLASUL Parlamento do MERCOSUL

PEAS Plano Estratégico de Ação Social PEP Permissão Especial de Permanência PIB Produto Interno Bruto

PPA Plano Plurianual

RAMV Registro Administrativo de Migrantes Venezuelanos RME Reunião de Ministros da Educação

RMI Reunião dos Ministros do Interior RMJ Reunião dos Ministros da Justiça RMT Reunião dos Ministros do Trabalho

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UM United Nations

UNASUL União de Nações Sul-Americanas SGT Subgrupo de Trabalho

SIS Soma dos Imigrantes Sul-americanos SEM Setor Educacional do MERCOSUL

TCPA Taxa de Crescimento Populacional Acumulado TMF Tarjeta de Movilidad Fronteriza

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 18

1.1 VALORES E DIREITOS UNIVERSAIS ... 19

1.2 UMA PERSPECTIVA HUMANA DE INTEGRAÇÃO ... 21

1.2.1 O modelo europeu ... 23

1.2.2 A Convenção Americana de Direitos Humanos ... 25

1.2.2.1 Fundamentos humanitários da cidadania transnacional sul-americana ... 25

1.2.2.2 A especificidade da análise voltada a migração internacional ... 26

1.2.2.3 América Latina, a unidade da diversidade... 27

2 NACIONALIDADES E REGIONALIDADES, CAMINHOS PARA A CONTRUÇÃO DE UMA CIDADANIA SUL-AMERICANA. ... 30

2.1 UM LIMBO SOCIAL, POLÍTICO E PSICOLÓGICO ... 32

2.1.1 “Push factors” e “Pull factors”... 35

2.1.2 Integração e a globalização em crise... 36

2.1.2.1 Globalização e “rebote” migracional ... 37

2.1.2.2 Mundialização, regionalismo e integração... 39

2.1.2.3 A integração humana e popular ... 41

2.1.2.4 Possibilidades e espaços de debates ... 42

3 AS MIGRAÇÔES INTRARREGIONAIS SUL-AMERICANAS... 46

3.1 O TRÂNSITO DE SUL-AMERICANOS NA AMÉR ICA DO SUL ... 47

4 ARGENTINA... 53 5 BOLÍVIA ... 79 6 BRASIL... 94 7 CHILE ... 111 8 COLÔMBIA ... 125 9 EQUADOR... 134 10 PARAGUAI... 148 11 PERU ... 162

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12 URUGUAI ... 174

13 VENEZUELA ... 188

14 TRANSNACIONALIDADE, SUPRANACIONALIDADE E CIDADANIA ... 203

14.1 A CIDADANIA “EXPANDIDA” ... 205

14.2 SOLIDARIEDADE E COOPERAÇÃO... 208

14.3 A AMÉRICA DO SUL ENTRE MODELOS DE INTEGRAÇÃO ... 209

15. UNASUL E MERCOSUL: FLUXOS E REFLUXOS DE UMA CIDADANIA POSSÍVEL 215 15.1 A UNASUL ... 215

15.2 O MERCOSUL... 225

16. CONCLUSÃO... 236

BIBLIOGRAFIA ... 239

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1 INTRODUÇÃO

Consideramos que o trânsito migrante no interior da América Latina é

essencialmente, um trânsito de força de trabalho1, o qual vem ocorrendo em volume

elevado durante as últimas quatro décadas2. Referimo-nos principalmente, a aquela

força de trabalho migrante, que transita entre os países fronteiriços da América do

Sul na condição de “mercadoria”3, isto é, a exclusiva condição humana, a de força

de trabalho, como produtora de valor, em busca de subsistência e reprodução da vida.

Pensar a condição humana a partir dessa perspectiva é reconhecer aquilo que lhe é inato, único, particular, biológico e social, é reconhecer a capacidade criativa, inventiva e geradora do processo civilizatório. O migrante nada mais é do que o que há de mais humano no homem, a expressão de sua essência, da natureza humana em trânsito, em busca de sobrevivência material, cultural, política, produtora de valor, aquela que transforma o mundo em seu favor e produz a própria sociedade.

Os Estados e as nacionalidades são produto desse processo civilizatório4,

produto da aglutinação humana, da vida em sociedade, daquilo que fundamenta e define os povos, da identidade comum, da diferenciação e da assimilação étnica, da construção da cultura e da história em comum, do pertencimento ao território e delimitação fronteiriça, dos significados, símbolos e signos, materiais e imateriais decodificados pelo coletivo humano.

A instituição dos limites espaciais e fronteiriços de um povo é anterior a constituição do Estado-nação, mas é a partir deste que ela assume quase que exclusivamente a definição do status jurídico do homem como cidadão nacional.

1 “Qual será então esta definição? Afinal, o que é um imigrante? Um imigrante é essencialmente uma força de trabalho, e uma

força de trabalho provisória, temporária e em trânsito.” (SAYAD, 1998 p.54 )

2 “Os deslocamentos populacionais entre os países da região são históricos e bastante complexos, envolvendo desde fluxos

intercontinentais até aqueles em espaços binacionais e trinacionais. Essas migrações compreendem diversas formas de mobilidade da população no território latino-americano e caribenho e derivam tanto de fatores econômicos quanto políticos. Esse padrão migratório intrarregional vem se tornando mais nítido a partir dos anos 1970. De fato, de um estoque acumulado de 1.218.990 latino-americanos e caribenhos residindo, em 1970, em países da região diferentes do de nascimento, passou-se a 1.995.149, em 1980, alcançando 2.242.268 migrantes intrarregionais, em 1990 (Villa e Martínez, 2000).” (BAENINGER, 2012 p. 10).

3 “Institucionalizar a cidadania significa, dentro do processo de desenvolvimento do c apitalismo moderno na América Latina e

Caribe, criar instrumentos e mecanismos formais e reais que transforma o trabalhador produtor de valor de uso em produtor de valor de troca, conferindo à força de trabalho a sua condição de mercadoria. (HIRANO, 1996, p. 216)

4 “O que tem a organização da sociedade sob a forma de "Estados", o que tem a monopolização e a centralização de impostos

e da força física num vasto território, a ver com a "civilização"? [...]. Ao se formar um monopólio de força, criam-se, espaços sociais pacificados, que normalmente estão livres de atos de violência. As pressões que atuam sobre as pessoas nesses espaços são diferentes das que existiam antes. [...]. Na realidade, contudo, há um conjunto inteiro de meios cuja monopolização permite ao homem, como grupo ou individuo, impor sua vontade aos demais. A monopolização dos meios de produção, dos meios "econômicos", é uma das poucas que se destacam quando os meios de violência física se tomam monopolizados, quando, em outras palavras, na s ociedade mais pacificada do Estado, o livre uso da força física por aqueles que são fisicamente mais fortes deixa de ser permitido. (ELIAS, 1994, p. p. 193, 198)

(21)

Compreender a gênese da relação entre o indivíduo e o Estado é essencial para que se possa situar, histórica e conceitualmente, o surgimento do cidadão

como sujeito de direito sob a tutela jurídica de um Estado soberano5 específico.

As garantias fundamentais, direitos e deveres que dizem respeito a este indivíduo, se estabelecem a partir de códigos que a sociedade estabeleceu entre si em determinado espaço geográfico, político, econômico e cultural na conformação

de um estado civil6.

Como cidadão, o imigrante internacional é sujeito de um direito alheio, pertencente a tutela de um outro Estado. Como tal, ele está sujeito a vistos e permissões temporárias, condicionais, finitas, seu reconhecimento é passageiro, temporário, com prazo determinado e, tem condições de reconhecimento excepcional. Salvo quando ocorre a naturalização e o reconhecimento da tutela constitucional por um novo Estado como cidadão, o migrante é um sujeito incompleto.

Para compreender a lógica vivenciada pelo indivíduo que migra, se faz necessário entender os limites que este Estado impõe à cidadania, pois se o território de direito é limitado espacialmente pelo Estado, ao transpor suas fronteiras, o imigrante entra em uma arena incerta, deixando sua cidadania integral para trás, passando ao âmbito das relações internacionais, onde a garantia de seus direitos fundamentais depende da relação interestados, dos seus acordos, tratados firmados em âmbito internacional.

1.1 VALORES E DIREITOS UNIVERSAIS

Os valores e direitos universais7 resguardados mediante tratados e

convenções internacionais, como aqueles contidos na carta da Organização das

5 “Se, pois, retirarmos do pacto social o que não é de sua essência, veremos que ele se reduz aos seguintes termos: c ada um

de nós põe em comum sua pessoa e todo o seu poder sob a suprema direção da vontade geral; e recebemos, coletivamente, cada membro como parte indivisível do todo.

Imediatamente, em vez da pessoa particular de cada contratante, este ato de associação produz um corpo moral coletivo composto de tantos membros quantos são os votos da assembleia, o qual recebe, por esse mesmo ato, sua unidade, seu comum, sua vida e sua vontade. Essa pessoa pública, assim formada pela união de todas as demais, tomava outrora o nome de Cidade*, e hoje o de República ou de corpo político, o qual é chamado por seus membros de Estado quando passivo, soberano quando ativo e Potência quando comparado aos seus semelhantes. Quanto aos associados, eles recebem o nome de povo e se chamam, em particular, cidadãos, enquanto participantes da autoridade soberana, e súditos, enquanto submetidos às leis do Estado. ” (ROUSSEAU, 1999, p. 21-23)

6 “A passagem do estado de natureza ao estado civil produz no homem uma mudança considerável, substituindo em sua

conduta o instinto pela justiça e conferindo às suas ações a moralidade que antes lhe faltava. Só então, assumindo a voz do dever o lugar do impulso físico, e o direito do apetite, o homem, que até então não levara em conta senão a si mesmo, se viu obrigado a agir com base em outros princípios e a consultar sua razão antes de ouvir seus pendores. ” (ROUSSEAU, 1999, p. 25-26)

7 “A existência de um direito que vincule os diversos povos e assegure a unidade de uma sociedade mundial foi defendida

pelos teóricos clássicos do direito internacional, nos séculos XVI e XVII. Esse direito era associado, com freqüência, ao jus gentium do direito romano. Em Roma, o jus gentium, ainda indissociado do direito natural porquanto não emanava da vontade legislativa, regia as relações entre estrangeiros dentro do Império. Era um direito intra gentes, mas não inter gentes. A Ida de

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Nações Unidas (ONU) de 1945 e resoluções de instituições como a Corte Interamericana de Direitos Humanos, evocam muito mais a qualidade humana e universal do indivíduo do que a condição objetiva e constitucional de cidadão. Isso fica evidenciado, por exemplo, no Parecer Consultivo OC-21/14 de 19 de agosto de

2014 da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que trata dos “Direitos e

Garantias de Crianças no Contexto da Migração e/ou em Necessidade de Proteção Internacional”, ao falar sobre as “Obrigações Gerais e Princípios Reitores” dos Estados, no Capítulo IV:

62. A segunda consideração a respeito da disposição convencional indicada é que esta competência territorial do Estado se encontra limitada pelo compromisso que este soberanamente contraiu (Cf. Artigo 33 da Convenção Americana.), de respeitar e fazer respeitar os direitos humanos das pessoas que estejam sujeitas à sua jurisdição. Isso implica, então, que o motivo, causa ou razão pela qual a pessoa se encontre no território do Estado não possui nenhuma relevância para efeitos da sua obrigação de respeitar e fazer com que sejam respeitados seus direitos humanos. Em particular, não possui nenhuma importância, a este respeito, se o ingresso da pessoa no território estatal foi conforme ou não o disposto na legislação estatal. O respectivo Estado deve, em toda circunstância, respeitar tais direitos posto que eles têm seu fundamento precisamente nos atributos da pessoa humana (Cf. Segundo parágrafo do Preâmbulo da Convenção Americana que expressa: “Reconhecendo que os direitos essenciais do homem não derivam do fato de ser ele nacional de determinado Estado, mas sim do fato de ter como fundamento os atributos da pessoa humana, razão por que justificam uma proteção internacional, de natureza convencional, coadjuvante ou complementar da que oferece o direito interno dos Estados americanos”), isto é, além da circunstância de que seja ou não seu nacional ou residente em seu território ou se encontre transitoriamente ou de passagem por ele ou esteja ali legalmente ou em situação migratória irregular. (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2014, p. 22)

Assim, em nosso trabalho entendemos que, a cidadania pertence ao âmbito

dos Estados8, enquanto que a esfera moral universal9 e garantias fundamentais do

Média herdou a classificação tripartite direito natural, civil e das gentes. Para Francisco de Vitória, o jus gentium aplicava-se aos mais distintos povos de todo o mundo (Cf. MACEDO, 2007, p. 67-69). Seria um direito cuja validade decorria da recta ratio inerente à humanidade, e não da vontade de seus sujeitos (Cf. MOSLER, 1974, p. 137). A vontade dos Estados es taria, pois, limitada por esse direito. Era um direito objetivo, apreendido pela razão humana. A transformação do jus gentium em direito internacional teve como estopim a Reforma Protestante e o desmembramento da unidade cristã europeia, com a consequente erosão de uma moral universal. ” (TRINDADE, 2008, p. 275-276)

8 “A criação de uma sociedade de Estados soberanos pela Paz de Westphalia levou à necessidade de se determinarem as

normas aplicáveis aos Estados. Ocorreu um processo de personificação do Estado, que passou a ostentar atributos s imilar es aos dos indivíduos. O jus gentium daria lugar ao jus inter gentes, um direito com objeto mais limitado, que visava tão soment e assegurar a coexistência e a coordenação de seus sujeitos. A reação contra-revolucionária do século XIX – cuja teoria da soberania do Estado é um claro desdobramento levou à fragmentação do jus gentium e à exclusão de indivíduos e povos da seara do direito internacional, que assumiu mera dimensão interestatal (Cf. TRINDADE, 2006, p. 43-44). O fundamento do direito internacional seria a vontade de seus únicos sujeitos: os Estados. ” (TRINDADE, 2008, p. 276)

(23)

ser humano pertencem ao direito internacional público. Esta diferenciação é importante, pois ao propormos um avanço no sentido da construção de uma cidadania transnacional sul-americana, nosso objetivo é identificar e apontar caminhos institucionais para ela, isto é, debater em que âmbitos ela pode e está sendo construída.

Pensar a cidadania sul-americana a partir da ideia de integração dos Estados fronteiriços não é limita-la, nem deixar de considerar a multiplicidade e a especificidade dos atores regionais e comunitários. Trata-se de considerar as experiências históricas que envolvem este fenômeno no mundo moderno, para

então contribuir com a construção de um “modelo” próprio sul-americano.

1.2 UMA PERSPECTIVA HUMANA DE INTEGRAÇÃO

Não nos atemos ao já privilegiado campo argumentativo das vantagens econômicas da integração, ainda que consideremos neste estudo, as principais teorias sobre o desenvolvimento latino-americano, bem como as contribuições sobre os ganhos estratégicos na conformação de blocos econômicos regionais, principalmente as que advêm de estudos desenvolvidos na segunda metade do século XX na CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), por

autores como Celso Furtado10.

9 “Apesar de a doutrina internacionalista pós-Reforma Protestante se enveredar nesse caminho, Francisco Suárez e Hugo

Grotius formularam a existência de um jus gentium positivo e não-voluntarista. Para o filósofo espanhol, a manifestação do jus gentium se dava por meio do costume (sua fonte formal). Sua fonte material seria, contudo, os laços de caridade que unem os diversos povos. Representaria, dessa forma, um mínimo ético entre os povos. O jus gentium, emanado da própria humanidade, e não da vontade dos Estados, expressa uma ordem jurídica de valores objetivos (Cf. MACEDO, 2007, p. 272-274). Apesar de ser direito positivo (pois emana do costume), não está entregue ao arbítrio dos Estados. O jus gentium de Grotius, conquanto despia-se de conteúdo ético e emanava do consenso entre as nações (manifestado pelo costume), está imerso numa sociedade mundial (composta por Estados, povos e indivíduos) criada pelo direito natural. Isso assegura a moralidade no direito internacional (Cf. MACEDO, 2007, p. 341-342). ” (TRINDADE, 2008, p. 276)

10

“A ideia de criar um mercado comum latino-americano estava presente nos estudos da CEPAL desde 1949. Os países da região – mesmos os maiores – precisavam de um mercado de alcance regional para o desenvolvimento de sua indústria. Em 1951 os países da América Central pediram formalmente à CEPAL apoio técnico para seu processo de integração, origem do atual Mercado Comum Centro-Americano.

Segundo Furtado, “Um dos principais fatores responsáveis pela baixa eficácia dos investimentos em grande número de país es subdesenvolvidos é, reconhecidamente, a insuficiência das dimensões dos mercados locais. À medida que os inve stimentos industriais se diversificam, o problema se agrava. Por outro lado, o avanço da tecnologia assume em geral a forma de aumento das dimensões mínimas econômicas das unidades de produção. Portanto, é natural que se tenha pensado em contornar es s e obstáculo mediante formas diversas de integração de economias nacionais”. (Furtado (2000), pg. 327).

A ideia do mercado comum fazia parte, portanto, de um processo de reestruturação das economias, de primário-exportador as a abastecedoras do mercado interno. A substituição de importações buscava complementar o comércio com o resto do mundo. “Como a integração deverá permitir o começo da industrialização, isto é, a instalação de indústrias de reduzidas economias de escala – têxtil, alimentos, etc. – é possível que as principais vantagens por ela proporcionadas estejam do lado da aglomeração”. (Furtado (2000), pg. 329).

Os ganhos com a integração regional seriam maximizados, portanto, se o processo pudesse ser acompanhado de um planejamento, que repartisse entre os países participantes as unidades produtivas, segundo algum critério (não especificado) , de modo que elas pudessem passar a produzir nos diversos países participantes em volumes ampliados, graças à escala do mercado conjunto.

Segundo as recomendações da CEPAL, os países deveriam proceder a uma integração limitada, centrada na localização ótima de algumas atividades econômicas importantes, sobretudo de caráter industrial e de transformação de produtos agropecuários e minerais, o que estava estritamente conforme com as ideias de Furtado a respeito: ” (BAUMANN, 2005, p. 1-2)

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Buscamos dar importância ao debate sobre a perspectiva humana de integração, a partir de valores universais e de garantias fundamentais dadas ao homem e ao cidadão. Essas duas figuras são essenciais para o nosso debate.

Contudo, se faz necessário distinguir aquilo que faz parte das garantias mais gerais, internacionais do indivíduo enquanto humano, da sua efetiva existência como cidadão pertencente a um povo em determinado espaço geográfico, político, social, econômico e cultural. Isto é, devemos considerar que existem duas esferas nas quais o indivíduo migrante transita, a das garantias fundamentais sob o ordenamento dos tratados e convenções internacionais e a das garantias cidadãs, sob o ordenamento constitucional de cada Estado.

O que se propõe nesta tese multidisciplinar, não é privilegiar, nem um nem outro âmbito, mas evidenciar a possibilidade da conjunção e fortalecimento dos mesmos na América do Sul, principalmente no que se refere aos avanços institucionais e comunitários que ocorreram ou podem ocorrer em favor da construção de uma integração que leve em conta o indivíduo que migra, tanto pela lógica dos direitos inerentes como ser humano, quanto como cidadão pertencente a um Estado Nacional, sobretudo nos âmbitos da UNASUL (União de Nações Sul-Americanas) e do MERCOSUL (Mercado Comum do Sul).

Assim como o entendimento da Corte Interamericana de direitos Humanos, expresso no trecho do Parecer Consultivo OC-21/14 citado anteriormente, partimos do princípio de que o reconhecimento dos direitos fundamentais do indivíduo (migrante ou não) lhe são atributos, a priori, como pessoa humana.

Organismos internacionais como a Corte Interamericana de direitos Humanos, cumprem papel “convencional”, “coadjuvante” e/ou “complementar” com relação aos Estados nacionais, isto é, com competência para zelar pela aplicação das convenções relacionadas a sua própria jurisdição como instância consultiva e harmonizadora. Por sua vez, cabe aos Estados reconhecer a condição humana do indivíduo e torna-lo um sujeito de direito, seja este nativo ou estrangeiro.

Na atual conjuntura interamericana, o caráter consultivo de instituições internacionais e de integração, não permite que seus pareceres vinculem ou

orientem de maneira mais objetiva11 o ordenamento interno dos Estados, isto é, no

11“A ideia de um direito internacional objetivo está fortemente associada ao que se denominou jus gentium, isto é, um direito

que vincule Estados, povos e indivíduos. Em obra doutrinária coletiva de 1925, defendeu-se que esse direito internacional objetivo – com aplicação dos princípios básicos comuns a todos os povos – preexiste à vontade dos Estados. (Cf. TRINDA DE, 2006, p. 56-57). A oposição voluntarismo (consensualismo) x objetivismo (não consensualismo) é irreconciliável. A dific uldade

(25)

que se refere às garantias fundamentais da pessoa humana e a cidadania, a prevalência legal e executiva é dos Estados. Assim, cabe zelar pelo cumprimento desses valores em âmbito nacional por meio das garantias constitucionais.

O principal avanço no sentido da cidadania sul-americana, bem como o principal objetivo deste trabalho é contribuir com a reflexão a respeito do fortalecimento e aproximação dessas instâncias, a internacional e a nacional, em favor da integração humana entre os povos sul-americanos e da construção da noção de uma cidadania comum.

Cremos que podemos identificar e apontar caminhos, demonstrar avanços e possibilidades para tal, analisando e destacando principalmente alguns elementos presentes nas instituições que de alguma forma podem ou estão contribuindo para tal.

1.2.1 O modelo europeu

Buscamos também traçar alguns paralelos com o modelo europeu, não como exemplo a ser aplicado tal qual, mas como um dos processos de integração que mais avançou no sentido da cidadania comum.

Mesmo que em um contexto alheio às diversidades sul-americanas, a perspectiva da integração humana e da cidadania comum, se evidencia já no “Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa, assinado em Roma, a 29 de outubro de 2004", principalmente no seu Artigo I-10º que trata dos preceitos comuns que regem a Cidadania da União:

1. Possui a cidadania da União qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado-Membro.

A cidadania da União acresce à cidadania nacional, não a substituindo.

2. Os cidadãos da União gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres previstos na Constituição.

Assistem-lhes:

a) O direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados-Membros;

b) O direito de eleger e ser eleitos nas eleições para o Parlamento Europeu, bem como nas eleições municipais do Estado-Membro de residência, nas mesmas condições que os nacionais desse Estado; c) O direito de, no território de países terceiros em que o Estado-Membro de que são nacionais não se encontre representado, beneficiar da protecção das autoridades diplomáticas e consulares

está em optar-se pelo argumento descendente (naturalista, não-consensual) ou ascendente (consensualista). O primeiro enfrentaria dificuldades em demonstrar o conteúdo de suas normas. O segundo legitimaria a vontade de cada Estado a cada momento. A opção, em abstrato, por um dos argumentos tende a aprisionar o intérprete na apologia (dependência da v ontade do Estado) ou na utopia (dependência de uma moralidade natural). ” (TRINDADE, 2008, p. 277)

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de qualquer Estado-Membro, nas mesmas condições que os nacionais desse Estado;

d) O direito de dirigir petições ao Parlamento Europeu, o direito de recorrer ao Provedor de Justiça

Europeu e o direito de se dirigir às instituições e aos órgãos consultivos da União numa das línguas da Constituição e de obter uma resposta na mesma língua.

Estes direitos são exercidos nas condições e nos limites definidos pela Constituição e pelas medidas adoptadas para a sua aplicação. (UNIÃO EUROPEIA, 2005, p. 19-20)

Como podemos observar, o primeiro critério para a cidadania europeia é a nacionalidade, isto é, o que se reconhece a priori é a condição de cidadão nacional de um Estado-Membro, só a partir deste conjunto particular que se reconhece pertencimento ao universo comum. Neste caso, a ideia de cidadania comum, não é

um conceito supranacional, mas sim intergovernamental12, isto é, ela acrescenta

direitos e deveres constitucionais comunitários à cidadania nacional.

O sujeito de direito é dotado de sentido e pertencimento complementar, não hierárquico ou vertical. Assim, a condição de cidadão comunitário não lhe atribui superioridade com relação aos nacionais em determinado Estado-Membro, apenas amplia o território de sua existência plena como sujeito de direito. A cidadania comunitária coloca este sujeito em igualdade de condições com relação aos

nacionais de qualquer Estado-Membro, garantindo-lhes inclusive proteção

diplomática comunitária.

Por fim, o “status” jurídico do cidadão passa a ter também uma natureza complementar comunitária, não só pelo fato de poder dirigir petições individuais ao Parlamento e ao tribunal de Justiça Europeu, mas principalmente por poder obter resoluções e sentenças de caráter vinculante, isto é, válidas em todas as instâncias em que haja jurisdição e que a competência comunitária seja reconhecida.

Contudo, ainda que possamos citar na introdução e no decorrer deste trabalho, algumas características importantes e positivas a serem consideradas como exemplo em um modelo exógeno, como é o europeu, sabemos que pensar o caso sul-americano exige um esforço próprio e original, buscando identificar as

12 “Ao longo de todo processo de integração europeia, temos verificado que os Estados são os membros exclusivos da União e,

através do Conselho Europeu, eles continuam a estimular o processo de integração de acordo com seus interesses. Apesar dos avanços evidentes no sentido de um modelo mais supranacional, os Estados conservam a sua soberania decidindo de que forma a Europa deverá ser construída assim como determinam quais são as questões vitais para a intervenção da União Europeia no âmbito das relações internacionais, [...].

[...], estas são marcas evidentes do recuo do modelo supranacional, construído gradualmente, para um modelo de cariz intergovernamental em que todo o processo volta a depender, essencialmente, da vontade estatal, sendo esta a condutora dos avanços federalizantes no futuro. ” (LEITE, 2008, p. 9)

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bases existentes ou passíveis de serem fortalecidas no sentido de alicerçar a construção da cidadania sul-americana. Isto por meio de princípios e valores construídos a partir da noção de direitos individuais e comunitários, presentes nas modernas declarações, tratados e convenções de cunho social e humanitário, vigentes no contexto sul-americano.

1.2.2 A Convenção Americana de Direitos Humanos

A Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 é o que consideramos uma das principais bases neste contexto, ainda que não alcance a dimensão de uma constituição cidadã comum, ratifica valores e princípios de solidariedade elementares para nossa reflexão, os quais são parâmetros comuns de cooperação entre os Estados americanos, no sentido das garantias fundamentais à pessoa humana.

O preâmbulo desta convenção, citado no Parecer Consultivo OC-21/14 de 19 de agosto de 2014 pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, baliza o nosso entendimento sobre a natureza da cidadania comum sul-americana ao expressar

que, o reconhecimento dos “direitos essenciais do homem” extrapola o âmbito

nacional e carecem de proteção “convencional, coadjuvante ou complementar” em

âmbito internacional. Isto tanto no que se refere a garantia dos “direitos econômicos, sociais e culturais”, quanto aos “direitos civis e políticos”.

A Convenção Americana de Direitos Humanos fundamenta a tese internacionalista da integração e da necessidade de se avançar no sentido de se fortalecer esferas internacionais que atuem para além do “direito interno dos Estados americanos” no exercício e defesa dessas garantias, de maneira integrada e regional.

1.2.2.1 Fundamentos humanitários da cidadania transnacional sul-americana

Mesmo considerando o argumento econômico, político e estratégico, partimos dos fundamentos humanitários, para propor uma cidadania transnacional sul-americana, evocando acima de tudo, princípios de solidariedade, cooperação, respeito à vida, existência plena e integrada dos povos sul-americanos.

Quando nos referimos a fatores econômicos, nosso objetivo principal é refletir a respeito das condições a que está sujeita a força de trabalho migrante, isto é, se

pudermos apontar “vantagens” da integração sul-americana, elas estarão sempre

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no exercício de sua atividade produtiva, mas também como cidadão completo da sociedade em que vivem. Isto significa que, o principal problema posto por este trabalho com relação à realidade fronteiriça sul-americana é o da integração humana, isso devido a demanda que o trânsito fronteiriço tem imposto às realidades regionais e às grandes cidades desta parte do continente americano nos últimos anos.

As migrações internacionais fronteiriças que ocorrem, principalmente no interior da América do Sul, demandam de uma integração que extrapole o âmbito dos interesses econômicos e caminhe no sentido humano.

Não se rata de um exercício altruísta ou de caridade por parte dos governos e povos. Quando evocamos princípios de solidariedade não nos referimos ao conceito advindo da caridade cristã, mas essencialmente para um problema social posto, que demanda soluções conjuntas, seja no âmbito jurídico, político ou econômico internacional, pensadas de maneira estratégica, para o enfrentamento das perversidades que decorrem da realidade precária que esse fenômeno produz no mundo do trabalho a que o imigrante está sujeito.

1.2.2.2 A especificidade da análise voltada a migração internacional

Por isso partimos do entendimento de Aristide Zolberg (1994), na defesa da especificidade da análise voltada a migração internacional, pelo caráter da constituição do estado moderno e soberano, diferenciando-a dos movimentos

populacionais que circulam internamente e em outras esferas13.

Também defendemos a especificidade na análise dos fenômenos

latino-americanos, em nosso caso, contribuir com a construção de um “modelo” próprio

para a integração fronteiriça na América do Sul, especialmente por reconhecer as múltiplas dinâmicas existentes nas migrações que ocorrem neste contexto e não se repetem em outros. Pensar a integração na América Latina pressupõem a compressão da complexidade de suas dinâmicas, da especificidade de seus fenômenos e fluxos, da interação ancestral entre seus povos, da interconexão territorial, cultural, política e econômica.

A importância da integração fronteiriça da América do Sul, não está apenas no campo das vantagens e ganhos econômicos do livre mercado, união monetária

13

A partir do mundo moderno, momento em que a organização territorial se dá por meio de soberanias como forma dominante de organização política, a migração internacional constitui-se como um fenômeno a ser compreendido de uma maneira que difere dos outros deslocamentos populacionais

(29)

ou livre circulação, mas é uma resposta à necessidade posta pelos povos que nela vivem, transitam e trabalham como imigrantes.

Por isso, nossa pesquisa sobre a integração dos países fronteiriços da América do Sul, advém da observação empírica dessas necessidades, tanto em nossas pesquisas anteriores sobre as dinâmicas vividas pelos imigrantes bolivianos na cidade de São Paulo, quanto pelo vasto material, estudos e dados produzidos por instituições e autores contemporâneos que citaremos no decorrer deste trabalho.

Nesse contexto, entendemos que as relações bilaterais e multilaterais entre esses países necessitam ser rediscutidas, como resposta à demanda social criada pelo trânsito fronteiriço de migrantes que reivindicam para si, a participação na

herança social14 dos direitos civis, políticos e econômicos, na sua admissão como

membros da sociedade na qual residem e trabalham. 1.2.2.3 América Latina, a unidade da diversidade.

Tomamos a perspectiva conceitual de “unidade da diversidade” desses estados nacionais apresentada por Wagner Menezes (2007) ao analisar a América Latina, para refletir a respeito de novos padrões nas relações multilaterais regionais, baseados nas garantias de direitos internacionais e mecanismos sociais, políticos, econômicos e jurídicos de promoção do desenvolvimento humano, de caráter combinado, múltiplo e interdependente.

Assim como para este autor, entendemos que se faz necessário discutir a América Latina pela América Latina, a partir da reflexão própria, considerando os diversos prismas políticos e culturais existentes. Compreender a América Latina sob a perspectiva da “unidade da diversidade” é combinar elementos sociais, políticos, econômicos, culturais e jurídicos.

Não se trata da unidade a priori, tampouco de uma característica inata, biológica, nem mesmo pelo princípio explicativo da miscigenação harmônica ou reconciliadora, mas toma-se a multiformidade cultural e identitária como princípio explicativo, para compreender e contribuir na construção da ideia social, política e, por fim, jurídica, “de unidade da diversidade” latino-americanas.

Nosso universo de investigação é teórico, ele aponta tanto debate sobre os tratados/acordos bilaterais, multilaterais e internacionais produzidos por instituições

14 “[...] a reivindicação de todos para gozar dessas condições é uma exigência para ser admitido numa participação na heranç a

social, o que, por sua vez, significa uma reivindicação para serem admitidos como membros completos da sociedade, isto é, como cidadãos. (MARSHALL, 1967, p. 62 grifo nosso).

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formais, sobre a regulamentação do trabalho e residência imigrante, quanto os debates possíveis produzidos nos espaços de construção de “hegemonias alternativas” (IANNI, 1999), especialmente os espaços que são ou podem ser ocupados pelo debate sobre a cidadania transnacional sul-americana.

Pensamos que, as migrações intrarregionais e fronteiriças na América Latina, também são resultantes da configuração econômica, política e social estabelecida a partir de um modelo de desenvolvimento “capitalista dependente” (FERNANDES, 1972) que diz respeito não só às relações desiguais estabelecidas entre os países da América Latina com as economias hegemônicas da Europa e com os Estados Unidos (FERNANDES, 1973), mas também diz respeito às relações de dependência estabelecidas entre os países latino-americanos, ou seja, formas econômicas “arcaicas” e “modernas”, que no interior da América Latina coexistem e se alimentam mutuamente.

Nesta relação, a força de trabalho migrante menos qualificada é inserida de maneira precária em partes específicas da produção social, empregada por meio da oferta intra-regional de força de trabalho e da demanda intra-regional dos mercados de trabalho, conforme as necessidades da produção capitalista nos países latino-americanos, que disputam entre si posições hegemônicas em determinados setores da economia regional.

Tomamos como objeto a força de trabalho imigrante e seu trânsito no interior da América Latina, especialmente as que partem de países de economias mais frágeis ou dependentes (CARDOSO; FALETTO, 1970), como Paraguai e Bolívia, para países com economias sub-hegemônicas na região como o Brasil e Argentina.

Nesta fase de investigação doutoral, nossa pesquisa parte de dados (revisados) e constatações desenvolvidas nos estudos monográficos, na especialização “Bolivianos na cidade de São Paulo: Caminhos de uma investigação Psicopolítica” (2001) e no mestrado “Bolivianos em São Paulo: Dinâmicas da Imigração, Reflexões e Práticas da Mudança Social” (2013).

Promovemos uma discussão teórica a respeito da necessidade de se criar e fortalecer tratados de cunho social, popular, político e cultural, que visem o desenvolvimento humano e integrado na América Latina, percebendo a força de trabalho imigrante como termômetro e produto da relação desigual e da disparidade entre os países latino-americanos.

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Essa hipótese parte dos resultados e apontamentos da observação empírica apresentada nos trabalhos de especialização e mestrado sobre a imigração boliviana em São Paulo, citados anteriormente. Além disso, entendemos que o migrante fronteiriço na América latina põe em evidência a Mundialização do Capital de Chesnais (1996) e Mészáros (2009) ao tratar da mundialização da força de trabalho a partir da perspectiva humana e da integração regional.

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2 NACIONALIDADES E REGIONALIDADES, CAMINHOS PARA A CONTRUÇÃO DE UMA CIDADANIA SUL-AMERICANA.

Os movimentos populacionais, sejam eles historicamente motivados por “invasão”, “conquista”, “colonização” ou “migração”, são fenômenos sociais inerentes ao próprio desenvolvimento da humanidade, eles fazem parte da constituição do ser social e da formação dos próprios Estados nacionais como os conhecemos hoje, desde a constituição das Cidades-estados na Grécia antiga e da formação do Estado Romano, até a eclosão das revoluções burguesas ocorridas na virada do século XVIII para o século XIX, onde grandes movimentos populacionais foram parte essencial no desenvolvimento e na conformação geográfica, econômica e política ocidental (JULIUS, 1947).

Assim como para Sayad (1998), pensamos que a formação dos modernos estados nacionais, na concepção política, territorial e jurídica do termo, é o ponto de partida do nosso entendimento conceitual de migração, não por atribuir a esta, a gênese de tal fenômeno social, no que diz respeito aos movimentos populacionais, mas por entender que, só a partir da formação dos “modernos estados nacionais” (JULIUS, 1947), é possível entender o migrante como presença jurídica e politicamente reconhecida, essencialmente na qualidade de membro de um estado reconhecido.

Por isso, ao tratar de migração, consideramos que este conceito está

umbilicalmente ligado à noção de nacionalidade e cidadania15. Isto é, o conceito

moderno de cidadania é aquele que se baseia política, territorial e juridicamente na constituição soberana dos modernos Estados nacionais (BOBBIO, 1994).

Arendt (1989) identifica a gênese dessa relação moderna entre Soberania e Cidadania, ou entre Estado, Nação e Direitos do Homem, ocorre no momento em que a Revolução Francesa exige o pressuposto da soberania nacional para declarar

15 No que se refere às raízes históricas, há uma certa coincidência, um certo consenso, quanto ao fato de que o c onc eito tem

suas raízes mais remotas nas antigas religiões, na civilização grega, no Império Romano. Etimologicamente, a palavra cidadania vem do latim civitas, mas as ideias que levam à noção de cidadania surgem muito antes disso. Com os gregos, já são incorporados os ideais que remetem à noção de liberdade, de valores republicanos, constituindo o germe do conceito de cidadania. E mesmo antes dos gregos as referências abstratas à noção de igualdade na doutrina das religiões antigas já introduzem alguma noção de igualdade. A noção de que os seres humanos são idênticos perante Deus, perante alguma divindade, constitui uma inovação nesse sentido. De qualquer forma, pode-se dizer que, no contexto da polis grega, as noções de liberdade e igualdade adquirem, diferentemente das religiões antigas, um conteúdo político. Muitos interpretaram essa politização de liberdade e igualdade como tendo origem na cidade fortificada. Se a polis era uma cidade fortificada para faze r frente ao inimigo, isso também implicava que as pessoas que confrontavam um inimigo comum mantinham alguma solidariedade entre si e constituíam um corpo político. (REIS, 1997, p.12)

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os Direitos do Homem16. Disto advém a designação do cumprimento destes direitos,

aos modernos Estados nacionais em favor de seus cidadãos (BECK, 1999).

Ainda para Arendt (1989), a cidadania está profundamente atrelada à ideia de pertencimento, isto é, se por um lado a cidadania se estabelece em função do reconhecimento do ente estatal da existência de um sujeito em seu território, e assim, por meio do registro civil o torna um cidadão dotado de direitos e obrigações para com ele e para com a humanidade, por outro, o sujeito também estabelece desde muito cedo a sua relação de pertencimento ao Estado.

O cidadão reconhece a tutela do Estado e toma para si, não só a noção de direitos e obrigações civis, mas também as múltiplas identidades e discursos que

significam seu espaço político, geográfico, social, cultural, etc.

Como para Hannah Arendt, cremos que a condição humana é reconhecida a partir do Estado. A consciência individual e social desta relação dá aos sujeitos a possibilidade de reivindicar do próprio Estado, o direito de existir e de ter direitos.

Os Direitos do Homem, supostamente inalienáveis, mostraram -se inexequíveis – mesmo nos países cujas constituições se baseavam neles – sempre que surgiam pessoas que não eram cidadãos de algum Estado soberano. (ARENDT, 1989, p. 227.)

Longe da tutela de seu Estado, o migrante – principalmente aquele que se

encontra na “clandestinidade” – é privado de sua condição civil e, por consequência, não pode ter assegurada a defesa da sua condição humana, pois perde em primeiro lugar a capacidade de reivindicar a proteção do Estado e de ser reconhecido como sujeito de direitos fundamentais.

Como no caso dos imigrantes apátridas citado por Hannah Arendt, a maior das privações em Direitos Humanos é a da existência ativa e autônoma, “ação” e “opinião”, provocada pela ausência, mesmo que temporária, da cidadania estatal:

A privação fundamental dos direitos humanos manifesta-se, primeiro e acima de tudo, na privação de um lugar no mundo que torne a opinião significativa e a ação eficaz. Algo mais fundamental do que a liberdade e a justiça, que são os direitos do cidadão, está em jogo quando deixa de ser natural que um homem pertença à comunidade

16 O conflito latente entre Estado e a nação veio à luz por ocasião do próprio nascimento do Estado-nação moderno, quando a

Revolução Francesa, ao declarar os Direitos do Homem, expôs a exigência da soberania nacional. De uma só vez, os mesmos direitos essenciais eram reivindicados como herança inalienável de todos os seres humanos e como herança específica de nações específicas; a mesma nação era declarada, de uma só vez, sujeita a leis que emanariam supostamente dos Direitos do Homem, e soberana, isto é, independente de qualquer lei universal, nada reconhecendo como superior a si própria. O resultado prático dessa contradição foi que, daí por diante, os direitos humanos passam a ser protegidos e aplicados s omente sob forma de direitos nacionais, [...]. (ARENDT, 1989, p. 262 grifo nosso)

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em que nasceu, [...]. Esse extremo, e nada mais, é a situação dos que são privados dos seus direitos humanos. São privados não do seu direito à liberdade, mas do direito à ação; não do direito de pensarem o que quiserem, mas do direito de opinarem. (ARENDT, 1989, p. 230-231.)

Mesmo no âmbito dos Direitos Humanos Universais, o sujeito quando sem Estado ou “invisível”, vê limitada tanto a possibilidade subjetiva de pertencimento identitário, quanto o efetivo reconhecimento social e político de sua natureza humana.

Vale citar a prática recorrente, conferida em nossas investigações anteriores junto aos imigrantes bolivianos em São Paulo, onde os donos de oficinas de costura, na maioria dos casos, retinham todos os documentos do trabalhador, a fim de estabelecer uma relação perversa de dependência, pautada principalmente no enclausuramento psicológico, construído a partir do discurso do medo ao “mundo lá fora”.

Para Sayad (1998), o migrante é aquele indivíduo disposto a deixar um Estado definido em sua constituição política e territorial, onde é reconhecido como cidadão dotado de direitos, em direção a um país de outra ordem social e ali se estabelece

provisoriamente por meio do trabalho17.

Dizemos provisoriamente, pois não podemos considerar a força de trabalho migrante – como verificamos em nossos estudos sobre a imigração Boliviana em São

Paulo – parte da classe trabalhadora assalariada18. Pelo contrário, principalmente por

este caráter provisório e revogável, ela é alocada quase sempre nos limites da informalidade e precariedade (BRAGA, 2004).

2.1 UM LIMBO SOCIAL, POLÍTICO E PSICOLÓGICO

A transitoriedade é o limbo social, político e psicológico a que o imigrante se submete, aceitando por vezes, condições de trabalho que no seu país de origem,

como sujeito – consciente – de direitos, não aceitaria. O trabalho precário se

alimenta desta relação perversa, entre a invisibilidade que o imigrante assume provisoriamente e o lugar marginal na produção destinado a ele.

17“Quem migra leva consigo sonhos de uma vida melhor para si e suas famílias, de obter sucesso econômico rápido e de

regressar vitorioso, o quanto antes, à sua terra natal, pois o retorno é, segundo Sayad (2000), um elemento constitutivo da condição do imigrante. ” (SILVA, 2006, p.157)

18 “O trabalho é essencialmente trabalho assalariado e como tal, a capacidade humana de realizar um trabalho criativo é

frustrada e distorcida inevitavelmente, ainda quando haja divergência de níveis entre setores minoritários das classes trabalhadoras que podem dispor de algum controle do uso de sua força de trabalho e de sua criatividade e aqueles setores majoritários submetidos à atividade mecânica e repetitiva, que são meros apêndices das máquinas como assinalou Marx.” (BRAGA, RUY. 2004, p. 53)

(35)

Entendemos que a precária mundialização19 da força de trabalho, se constitui

a partir da reserva transnacional de trabalho migrante, na maioria dos casos, chamada oportunamente a ocupar as posições subalternas no contexto produtivo de determinado país, sobretudo, quando no interior destes países a reservas internas de força de trabalho, principalmente as destinadas ao trabalho precário, não logram atender ou se mostram menos compensadoras para o desenvolvimento do capital nacional.

Consideramos esta força de trabalho imigrante parte do que Marx (1982) chama de "exército de reserva industrial". Podemos localizar a força de trabalho migrante entre duas de suas principais categorias neste assunto, a “reserva flutuante” e a “reserva intermitente”. A primeira congrega aqueles trabalhadores que ora são atraídos, ora rechaçados pelo setor industrial, mas que permanecem em postos médios e predominantemente regulares. Migrantes que já se encontram alocados no mercado de trabalho formal ou já estiveram nele fazem parte desta categoria.

Contudo, consideramos a “reserva intermitente” a que reúne a maioria dos migrantes, principalmente em nosso caso empírico, os imigrantes bolivianos, como trabalhadores informais de pequenas e precárias confecções têxteis na cidade de São Paulo. Isto porquê esta categoria se compõe de trabalhadores chamados a ocupar os postos irregulares na produção social das mercadorias, trabalham sob as condições mais degradantes, com mínimos salários, sem qualquer seguridade social e se encontram à margem da classe operária, ora permitidos, ora vetados de maneira conveniente ao Capital Industrial.

Ampliando assim, este conceito à atual escala e velocidade de circulação mundial da força de trabalho, política e socialmente aceita ou rechaçada, segundo as necessidades produtivas e o momento econômico vivido, tanto nos países de origem, quanto nos países de destino.

Esta reserva transnacional de força de trabalho migrante, interage com a lógica Just-in-Time da moderna produção econômica mundial, isso devido a quê, este tipo de circulação de mercadorias, bens e capital, alimenta fatores de atração e irradiação sobre a circulação da força de trabalho migrante.

19 Apesar de trabalharmos com autores que apresentam conceitos diversos, o da Globalização e o da Mundialização, fazemos

uma escolha metodologicamente consciente, dizemos Mundialização (Chesnais, 1996) quando nos referimos a força de trabalho migrante e a sua natureza transfronteiriça. Dizemos Globalização quando nos referimos a autores e contribuições relevantes para o nosso trabalho. Pensamos que, a despeito de serem conceituações distintas, não são inco ngruentes.

Referências

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