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Apresentação do livro Mulheres, democracia e desafios pós-coloniais, de Eurídice Furtado Monteiro (2009)

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Iolanda Évora*

Apresentação do livro “Mulheres,

democracia e desafios pós-Coloniais”,

de Eurídice Furtado Monteiro (2009)

Apresentado na Associação Cabo-verdiana, a 22 de Maio de 2009, com Cláudio Furtado

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O CEsA não confirma nem infirma quaisquer opiniões expressas pelos autores nos documentos que edita.

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Este livro da Eurídice é uma reflexão sociológica sobre a participação da mulher cabo-verdiana no campo da política, um campo de significativa visibilidade em Cabo Verde e que, a meu ver, torna-se um objecto privilegiado de estudo e análise - ao contrário dos outros espaços sociais ocupados pelas mulheres- porque, tal como no mundo em geral, em Cabo Verde, é um espaço investido de muito valor simbólico, particularmente nas últimas décadas. Ao contrário deste espaço nobre de exercício de representação, e pelo que indicam os números avançados neste trabalho de Eurídice, as mulheres ainda mantêm presença mais significativa nos espaços de realização de tarefas com menos significado simbólico (embora essenciais à sobrevivência), em que a produção humana depende quase exclusivamente da utilização pura e simples do corpo tarefa sem especialização.

Este livro é único ainda nesta área porque apresenta-nos de forma reflectida, original e sistematizada, aquilo que apenas pudemos intuir até ao momento, por falta de análises tecnicamente sustentadas e fundamentadas. Aqui e ali, os discursos das pessoas que a autora entrevistou e as suas análises –tanto das entrevistas como de documentos- situam a participação feminina no campo político no contexto mais amplo das relações sociais em Cabo Verde e, a meu ver, o livro trata muito mais da dimensão política do comportamento da sociedade cabo-verdiana contemporânea do que de um tipo especial(específico) de comportamento político.

Sem dúvida que a proposta deste trabalho e os interesses -teórico e de pesquisa- da Eurídice são pelo campo mais estreito da política, aquele que está relacionado com a máquina governamental, com a administração do Estado e dos partidos políticos. Como mostra Oakley (1974), este tipo de análise sociológica do poder está convencionalmente ligada à análise da estratificação social que é orientada para o homem, e à análise das instituições formais como o governo. Em geral, é comum que esta linha de pensamento coloque a ênfase na existência de apenas um tipo de poder, mas neste trabalho, não apenas os repertórios dos universos masculino e feminino disponíveis na sociedade cabo-verdiana estão aqui intuídos, como aspectos da vida social, da vida privada e dos espaços mais íntimos vão ganhando sentido com a descrição dos processos que fazem com que a mulher esteja sub-representada na esfera política (político-partidária).

Ou seja, ao analisar a distribuição tão desigual do poder no campo da política, a autora não deixa de articulá-lo com a outra variedade de poder: o poder informal ou inarticulado para o qual o conceito de “autoridade legítima” tende a ser irrelevante, que é mais frequentemente exercido em locais privados do que nos públicos, é menos visível e menos facilmente acessível às análises sociológicas (Oakley, 1974).

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É certo que nenhum agente intencional pode ser apontado como responsável pela fraca presença e participação das mulheres nesta esfera tão desejada em Cabo Verde. Como explica a Eurídice neste seu trabalho, os instrumentos legais, oficiais confirmam a intenção de promoção da mulher e, oficialmente,- que é o mesmo que dizer, racionalmente, objectivamente- não há impedimento a isso. Como explicar, então, a dicotomia entre um discurso oficial pró-feminimo/igualdade e paridade e as práticas objectivas que, negando o que é dito desde o período da luta armada, não permitem a inclusão natural de mulheres em posições de chefia ou mesmo, revelam processos que concorrem para mantê-las em posições que as impedem de concorrer a lugares no campo político-partidário? Como explicar este cenário, apesar das pressões externas para que o país siga as recomendações dos inúmeros fóruns internacionais de defesa dos direitos das mulheres e da igualdade?

Tal como aponta o trabalho da Eurídice, os cenários das práticas sociais são os palcos privilegiados onde encontramos a compreensão para esta situação e remetem-nos ao exercício do poder informal e (aparentemente) inarticulado que, de forma quase casual, faz com que, como mostra o livro, entre outros mecanismos subtis, as mulheres sejam colocadas nas listas dos partidos concorrentes às eleições, em lugares onde, dificilmente, se tornarão elegíveis.

Ou seja, a dinâmica das práticas sociais estão sujeitas a um tipo de poder que é exercido de forma subtil e invisível, por vezes, de forma perversa, sem que de tal, necessariamente, os agentes sociais tenham consciência. Esse tipo de poder tem diversas funções, como as de controlo dos indivíduos, a selecção de líderes, a manutenção da exclusividade do grupo. Portanto, as condições da participação feminina (e masculina) no campo político que a Eurídice descreve tão claramente, nos remetem às questões da divisão do poder entre homens e mulheres em Cabo Verde e à forma de distribuição do poder feita pelos detentores do poder. Este livro discute sobre os mecanismos principais dessa distribuição, mecanismos pelos quais os detentores do poder discriminam entre os “melhores” e os “piores”, entre os que merecem realizar as tarefas com mais ou menos significado simbólico e os que têm a “obrigação” de suprir as necessidades dos outros às custas da frustração das suas próprias. Em última instância, esta forma de distribuição nos diz muito sobre quem são, afinal, os merecedores do usufruto de toda a produção da sociedade cabo-verdiana como grupo.

E esta dinâmica de distribuição de privilégios -que é estruturante da sociedade cabo-verdiana actual- é, na verdade, o reflexo do que encontramos na família, no espaço doméstico; é o reflexo de um tipo de poder que é exercido nos espaços mais nucleares de constituição da sociedade cabo-verdiana, ainda é pouco conhecido e estudado mas que, a nosso ver, deve ser compreendido para que possamos alcançar as disposições subjectivas gerais em relação à

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questão da paridade e da participação dos géneros na vida política e social cabo-verdiana. Um dos principais agentes desses espaços acima referidos é a mulher “doméstica” que até há pouco tempo, esteve sujeita à invisibilidade sociológica, embora mais recentemente, as pesquisas venham demonstrando melhor, quer a influência da mulher “confinada ao lar” sobre o voto do marido, quer a sua esfera de poder principalmente na área de consumo, etc.

A meu ver, esta dinâmica da distribuição de poder mantém-se porque, em paralelo -e mesmo que de forma mais disfarçada- procura-se preservar-se a ideia da casa como a arena, por excelência, das mulheres, onde todas as dimensões da sua personalidade, sua ambição, vaidade, sede de poder devem ser desenvolvidas. Apesar dos discursos objectivos em contrário, a casa ainda é tida como o lugar a partir do qual a mulher realiza a satisfação dos mais diversos tipos de necessidades, e onde são desenvolvidos os mecanismos compensatórios em relação à sua marginalização social (Oakley, 1974).

Como mostra este trabalho da Eurídice, para a mulher, as oportunidades para controlar situações e acontecimentos num sentido mais organizado estão muito mais bloqueadas, e ainda são poucos os lugares a partir dos quais a mulher pode lançar alguma influência sobre o mundo que a cerca. No espaço da política, é mais notável como os homens circulam com à-vontade, sentindo-se mais cúmplices dos outros agentes do mundo e da sociedade. Aliás, a tal ponto a feição “masculina” descreve esse mundo da política que, mesmo em termos teóricos, foi possível sistematizar em três modelos (descritos pela autora) as diferentes formas de estar identificadas das mulheres nesse campo.

Mas não me é possível terminar sem dizer que, ao longo da leitura deste livro, sempre me vinha à memória um episódio ocorrido há menos de 2 meses em Cabo Verde: numa mesa de reuniões com responsáveis de um certo nível de exercício de poder público, quando nos referíamos a uma organização não governamental e dissemos que era uma organização “de mulheres”, um dos responsáveis, mostrou-se particularmente mobilizado e corrigiu, enfaticamente, (quase que ofendido, ou pelo menos muito preocupado em repor a ordem das coisas) que era uma organização de homens e mulheres, com objectivo de promoção das mulheres! Fomos todos “apanhados” mas, ao mesmo tempo, devo dizer que, na reunião, só participavam homens, do lado da instituição, e deste lado havia duas investigadoras e dois investigadores.

É importante sublinharmos uma mudança no que se refere à reflexão sobre as desigualdades de género da qual o trabalho da Eurídice é um exemplo: hoje, a discussão começa a fazer-se no interior dos campos em que essa desigualdade acontece, neste caso, no interior do campo da política. Esta novidade dirige-nos para a abordagem reflexiva sobre a masculinidade e a feminilidade, o abandono de conceitos masculinizados dos sujeitos sociais e mostra que numa

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realidade como a de Cabo Verde, caracterizada pela hegemonia de dois partidos políticos, a participação das mulheres no campo da política torna incontestável a multiplicidade de papéis e de visões nesse campo. E este é um elemento essencial para o aprofundamento de uma sociedade democrática.

Bibliografia

Oakley, Ann (1974), The Sociology of Housework. Londres, Martin Robertson Oliveira, Rosiska (1992) O elogio da diferença, São Paulo: Brasiliense.

Rodrigues, Arakcy (1981) “Dinâmica grupal e indivíduo no sistema de distribuição de privilégios na família”, Cadernos de Pesquisa, Fundação Carlos Chagas, n.37, 52-59.

Rodrigues, Arakcy (1997) “O comportamento da mulher em relação ao trabalho: estudo exploratório junto a operários industriais na Grande São Paulo”, IDE, ano 3, n.4,35-43.

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O CEsA

O CEsA é um dos Centros de Estudo do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa, tendo sido criado em 1982.

As áreas principais de investigação são a economia do desenvolvimento, a economia internacional, a sociologia do desenvolvimento, a história africana e as questões sociais do desenvolvimento; sob o ponto de vista geográfico, são objecto de estudo a África Subsariana, a América Latina, a Ásia Oriental, do Sul e do Sudeste e o processo de transição sistémica dos países da Europa de Leste.

Vários membros do CEsA são docentes do Mestrado em Desenvolvimento e Cooperação Internacional leccionado no ISEG/”Económicas”. Muitos deles têm também experiência de trabalho, docente e não-docente, em África e na América Latina.

IOLANDAÉVORA

Iolanda Maria Alves Évora- Psicóloga Social pela Universidade de São Paulo, Brasil, investigadora associada do Centro de Estudos sobre África e do Desenvolvimento (CesA,Iseg), ao abrigo do Programa Ciência 2008 da Fundação para a Ciência e Tecnologia de Portugal (FCT). Desde 1998 conduz trabalhos de investigação sobre dimensões psicossociais da migração cabo-verdiana, primeiro realizando investigação sobre as mulheres de origem cabo-verdiana em Itália e, mais recentemente, sobre transnacionalismo, processos associativos em contexto migratório e concepções e discursos sobre a diáspora cabo-verdiana dentro e fora do arquipélago. No campo da saúde/imigração tem estudado, nomeadamente, aspectos das percepções e atitudes dos jovens face ao VIH/Sida. Recentemente, participa de equipes de investigação sobre processos organizativos em contextos de trabalho informal como as feiras e mercados no Brasil, Guiné-Bissau e Cabo Verde. Lecciona disciplinas de Psicologia Social e Organizacional e Metodologia Qualitativa em licenciaturas e mestrados do ensino superior no Brasil, em Cabo Verde e em Portugal.

Centro de Estudos sobre África e do Desenvolvimento

Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG/”Económicas”) da Universidade Técnica de Lisboa

R. Miguel Lupi, 20 1249-078 LISBOA PORTUGAL Tel: + / 351 / 21 392 59 83 Fax: [...] 21 397 62 71 e-mail: cesa@iseg.utl.pt

Referências

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