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RELAÇÕES DE GÊNERO, PODER E TRABALHO NAS INSTITUIÇÕES MILITARES. Gender relations, power and work in military institutions

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RELAÇÕES DE GÊNERO, PODER E TRABALHO NAS

INSTITUIÇÕES MILITARES

Gender relations, power and work in military institutions

Welberte Ferreira de Araújo¹

Gilmar Ribeiro dos Santos²

Universidade Estadual de Montes Claros -Unimontes¹ E-mail: Welbertearaujo@gmail.com

Universidade Estadual de Montes Claros -Unimontes² E-mail: gilrds@uol.com.br

RESUMO

A inserção de mulheres nos quadros efetivos das Instituições militares brasileiras ocorreu principalmente entre as décadas de 70 a 90, de forma limitada. O ambiente militar, tradicionalmente reconhecido como “gueto” masculino, os atributos relativos aos homens e às mulheres encontram-se marcados e revitalizados hierarquicamente. Em geral, a assimetria em volta desses dois modelos tende a positivar o pólo masculino como sendo a referência única no processo de socialização e produção de sujeitos como homens ou mulheres, sendo, portanto, muito tempo colocado numa situação ”privilegiada” na hierarquia social. Contudo, ao longo dos últimos anos, a ampliação da presença feminina nos quartéis tem sinalizado para mudanças nas estruturas sociais das corporações, colocando em xeque a supremacia masculina nestes espaços. Destarte, o estudo tem como objetivo refl etir sobre as relações de gênero e poder nas instituições militares, e os novos arranjos do trabalho no interior das casernas. A metodologia adotada é de cunho qualitativa, com a apropriação de instrumentos clássicos de investigação descritiva e bibliográfi ca. Desta forma, buscou-se debruçar sobre a temática Gênero, poder e trabalho. As considerações fi nais do estudo sinalizam que as ampliações da participação feminina na esfera do trabalho das corporações não alteraram signifi cativamente as relações de gênero e o consequente emponderamento das mulheres.

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INTRODUÇÃO

A inserção das mulheres no mundo do trabalho constitui-se em tema de grande interesse quando se trata de discutir a igualdade de gênero na sociedade brasileira. Ao longo das últimas décadas, as inúmeras refl exões sobre as condições do trabalho feminino possibilitaram um desenho detalhado sobre as diferentes formas de participação das mulheres nestes espaços, sobretudo, nas profi ssões consideradas “típicas” de homens.

Neste cenário, o ingresso das mulheres na segurança pública no Brasil é ainda um tema pouco explorado no âmbito dos estudos de gênero e mesmo no campo de estudo das Ciências Sociais. Alguns estudos são referências no tema (CALAZANS,2003; SOARES e MUSEMECI, 2003; CAPELLE, 2006; SHACTAE, 2011 e SOUZA, 2014) e apontam que no Brasil, a inclusão das mulheres nas Polícias Militares foi iniciada na década de 1950, no Estado de São Paulo, sendo vista como uma estratégia de humanização e modernização de uma instituição eminentemente autoritária.

Entre as décadas de 70 e 80 ocorreram a ampliação do ingresso de mulheres nas instituições militares em outros Estados tais como Paraná (1977), Paraíba (1986), Rio de Janeiro (1982), Minas Gerais (1980) e Santa Catarina (1983). No caso da Policia Civil, o ingresso das mulheres ocorreu inicialmente no Estado da Bahia no ano de 1971 (SOARES e MUSEMUCI, 2005). Importante ressaltar que o ingresso de mulheres nas fi leiras das instituições militares ocorre com limitações de percentual de 10% do total das vagas destinadas em concursos públicos.

De acordo com Souza (2014), ao longo das últimas décadas houve um aumento de mulheres nas instituições policiais1, ultrapassando os de 12% do efetivo total nacional,

acompanhado por muitas mudanças, inclusive em sua qualifi cação e ocupação profi ssional. D’Araujo (2004) pondera que a inclusão de mulheres tanto nas forças armadas, quanto nas policias estaduais, obedeceram um arranjo institucional de redemocratização das sociedades e expansão dos direitos, como a igualdade, crenças e equidade de gênero.

Porém, tais mudanças não foram sufi cientes para superarem os obstáculos formais, como a restrição para ingresso nas polícias militares que defi ne o percentual de vagas que podem ser preenchidas por mulheres a cada novo concurso público, ou informais, tais como, a difi culdade de acesso das mulheres aos postos mais elevados da hierarquia policial, e aqueles obstáculos que se expressam nas relações cotidianas, como a rejeição de mulheres para o desempenho de determinadas atividades, a recusa de alguns policiais em trabalhar com mulheres. (CALAZANS, 2003).

São relações de poder tecidas na rede operacional da atividade policial, cuja manutenção se realiza por meio dos rituais disciplinares e hierárquico. Práticas e rituais costumeiramente identifi cados como “naturais” (BOURDIEU, 2003), com os supostos modos de pensar e fazer, os quais se sancionam e se impõem na burocracia institucional.

Trata-se, sobretudo, de um código que defi ne o que pode ser feito; por quem pode ser feito; e mais, quem pode autorizar o que pode ser feito (FACHINATTO et al., 2015). Desse modo a inserção e o tratamento desigual atribuído às mulheres nestes espaços totais2, abrange

1 A opção pelo uso do termo “policial” inclui também os (as) integrantes do Corpo de Bombeiros Militar, considerando o fato de que o Corporação, de acordo com a emenda Constitucional (do Estado de Minas Gerais) Nº 39 de 02 de Junho de 1999, passou a possuir o poder de polícia, nos termos da lei.

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uma questão mais ampla que norteou o presente estudo: Como as mulheres policiais vivenciam

a desigualdade de gênero nas instituições militares predominantemente masculina?

Destarte, o objetivo do estudo é compreender as relações de gênero e poder nas instituições militares, e os novos arranjos do trabalho no interior das casernas. Partindo da constatação de que as instituições militares são organizações complexas que proporcionam ambiente para a vivência de situações emocionalmente intensas, a hipótese norteadora do estudo pressupõe que as relações de gênero e as relações de poder são construídas e reconstruídas por homens e mulheres policiais, no âmago das relações sociais.

Os procedimentos metodológicos empreendidos neste estudo pautam-se na busca de apreender os mecanismos de produção simbólica que fundamentam e estruturam determinados discursos em torno da construção de um modelo específi co de femininidade, tomando como referência um lugar particular: o universo policial da segurança pública.

A particularidade e natureza do tema tratado concorrem para a adoção de procedimentos de uma pesquisa predominantemente qualitativa. Na pesquisa qualitativa enfatiza-se a necessidade de reconhecer primeiramente uma dimensão singular dos atores sociais, seus comportamentos e suas redes de relação. Prioriza o universo de signifi cados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de varáveis (MINAYO, 1997, p.22). A partir dessas referências, essa investigação estará centrada na descrição, interpretação e análise das relações de gênero e poder pré-existentes e emergentes no cotidiano policial.

Por fi m, torna-se primordial analisar as vertentes das relações desiguais de gênero na esfera do trabalho e como tais assimetrias confi guram situações de dominação e de violência que afetam diretamente as mulheres, enquanto agentes de segurança pública.

1. AS MULHERES NO MERCADO DE TRABALHO: DIVISÃO SEXUAL DO TRABA-LHO E PRECARIZAÇÃO DO TRABATRABA-LHO FEMININO

O mercado de trabalho emergiu como uma instituição fundamental para o funcionamento da economia, a partir do surgimento do sistema capitalista de produção e da utilização em larga escala do trabalho assalariado.

Amparado nos estudos de Marx (1985), torna-se possível pensar a relação entre os que se oferecem para trabalhar e os que precisam de trabalhadores, como um mercado: o mercado de trabalho, que pode ser defi nido como a compra e venda de serviços de mão-de-obra, representando o lócus onde trabalhador e empresários se confrontam e, dentro de um processo de negociações coletivas que ocorre algumas vezes com a interferência do Estado. O mercado de trabalho assim defi nido denomina-se mercado formal de trabalho porque ele se enquadra nas formas da legislação, quando se produz o acordo entre comprador e vendedor da força de trabalho.

No entanto, a reconfi guração dos arranjos políticos e sociais concomitante com a reorganização econômica do capital incorporados nas Instituições refl etiu diretamente na vida das mulheres. Isto pode ser vislumbrado no aprofundamento da divisão sexual do trabalho e na precarização do trabalho feminino. Portanto, urge o aprofundamento do debate em torno da problemática da mulher e mercado de trabalho.

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Assim, na concepção de Williams (1995, p.15), “o local de trabalho não é neutro, é um

local central para a criação e reprodução das diferenças de gênero e desigualdade de gênero”. As análises dos papéis da mulher nas organizações apontam para o fato de que a cultura organizacional reproduz a subordinação de gênero e salientam as relações de poder baseadas nas hierarquias.

Inicialmente, devemos ressaltar um aspecto elementar: a diferença de estatuto das categorias sexo e gênero e desigualdade de gênero. Conforme argumenta Scott (1995), gênero é uma categoria analítica, própria ao universo acadêmico, útil à refl exão em torno do processo de construção das diferenças e dos arbitrários sociais e, também, sobre o processo de legitimação de relações de poder. Desse modo, gênero não estaria sendo referido/reduzido aos corpos de homens e mulheres, mas a toda uma teia de signifi cados e arranjos convencionalmente estabelecidos entre eles. A análise das desigualdades de gênero tem sido fortalecida pela interpretação dos dados estatísticos que apontam, por exemplo, para a pequena representação política das mulheres e seus baixos salários. Considera-se também a interpretação dos indicadores sociais que fomenta a compreensão da dinâmica gênero/classe/raça/etnia na análise dos diferenciais de renda entre homens e mulheres.

A partir de 1970, nota-se uma ampliação da participação da mão de obra feminina em todo mundo, criando-se uma espécie de “feminização do trabalho”, fenômeno de grande relevância na América Latina, tendo em vista o imenso contingente de mulheres que ingressaram no mercado de trabalho – e acentuado na década de 1990 (ANTUNES, 2008).No caso brasileiro, essa tendência se confi rmou, de acordo com os dados censitários do IBGE (2016). Os dados revelam a evolução da participação feminina no mercado de trabalho e a redução contínua da diferença entre homens e mulheres na População Econômica Ativa (PEA), no período entre 1950 e 2010. Conforme gráfi co 1, a participação masculina na PEA passou de 80,8% para 67,1%, ao passo que a participação feminina mais que triplicou, saltando de 13,6% para 49,9%.

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Porém, as mulheres têm sido cada vez mais incorporadas ao mercado de trabalho, mas

não para exercer as mesmas tarefas que os homens, tampouco recebendo os mesmos salários que eles. Assim, a ocupação feminina, como visto, é muitas vezes marcada pela vulnerabilidade.

A persistência de traços de segregação das mulheres revela-se na permanência das trabalhadoras, ainda em maior número, em setores, ocupações e áreas de trabalho tradicionalmente femininas, como o setor de serviços, o social, a enfermagem, e outras. É o que aponta o gráfi co 2, Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE (2012)

GRÁFICO 2 – POPULAÇÃO OCUPADA, POR TIPO DE ATIVIDADE E GÊNERO – BRASIL 2011

Conforme gráfi co supracitado, a quase totalidade dos postos de trabalho doméstico são ocupados pelas mulheres. Nas demais categorias de trabalhadores da iniciativa privada, o percentual de mulheres é bastante inferior ao dos homens. Deste modo, o pano de fundo dessa precarização, que atinge de modo bem específi co as mulheres, pode ser encontrado na divisão sexual do trabalho, que hierarquiza as atividades desenvolvidas por homens e mulheres na sociedade.

Deste modo, o pano de fundo dessa precarização, que atinge de modo bem específi co as mulheres, pode ser encontrado na divisão sexual do trabalho, que hierarquiza as atividades desenvolvidas por homens e mulheres na sociedade. Nessa divisão entre os sexos, os homens foram destinados à esfera pública e a do trabalho produtivo, e nelas receberam maior valorização social; enquanto as mulheres foram destinadas à esfera privada e a da reprodução social, sendo responsabilizadas pelo trabalho doméstico e de cuidado, às quais não foi atrelado qualquer valor.

Scott (1994) aponta que, anteriormente ao século XIX, o modelo de trabalho predominante era o familiar, no qual os membros da família dividiam as tarefas a serem realizadas. As mulheres eram responsabilizadas pelas atividades domésticas e de cuidado, mas também realizavam outras atividades extra-lar, como o trabalho de vendedoras nos mercados e comércios locais.

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das classes econômicas mais desfavoráveis, foram incorporadas ao trabalho fabril e industrial

como força de trabalho menos valorizada, além de serem inseridas em atividades com baixo prestígio social e com ritmo e controle de trabalho intenso.

De acordo com Kergoat (2009), foram os etnólogos os primeiros a utilizar o conceito de

divisão sexual do trabalho para designar uma repartição complementar das tarefas entre homens

e mulheres nas sociedades em que estudavam. Ainda segundo a autora, Levis-Strauss fez dele um mecanismo explicativo da estruturação da sociedade em família. Desde modo, a divisão sexual do trabalho aproxima-se de uma categoria de análise marxista que busca explicitar as relações sociais de gênero e a divisão sexual presente nas relações de trabalho.

Kergoat (2009, p.67) aponta a divisão sexual como sendo:

A forma de divisão do trabalho social decorrente das relações sociais de sexo. Essa forma é historicamente adaptada a cada sociedade. Tem por características a destinação prioritária dos homens à esfera produtiva e das mulheres à esfera reprodutiva e, simultaneamente, a ocupação pelos homens das funções de forte valor social agregado (políticas, religiosas, militares, etc.).

A autora ainda destaca que a forma de divisão social do trabalho se sustenta a partir de dois princípios organizadores: “o da separação (existem trabalhos de homens e trabalhos de mulheres) e o da hierarquização (um trabalho de homem vale mais do que um de mulher) ” (KERGOAT, 2009, p. 67)

É interessante ressaltar que em todas as sociedades essa forma de divisão social do trabalho persiste. Esses princípios se aplicam devido ao princípio de naturalização, ou seja, aquele que relega o gênero ao sexo biológico e reduz as práticas sociais a papéis sexuais defi nidos. Na perspectiva determinista, o cuidar, a maternidade, o afeto, além de fl orescerem como algo natural, tornam-se atributos essencialmente femininos, estando ainda restritos à esfera privada. O grande problema é que esse espaço privado pode condicionar a posição feminina na esfera produtiva. (STANCKI, 2009).

Assim, mesmo diante de um contexto de mudanças ocorridas nos últimos trinta anos do século XX, no sistema produtivo, por meio do processo de reestruturação produtiva, das inovações tecnológicas e das novas formas de gestão do trabalho, o sexo segue como decisivo na determinação de quais atividades as mulheres realizarão e dos postos e setores de trabalho que ocupam. Nesse sentido, deduz-se que:

Embora possamos perceber as mudanças comportamentais, ainda persistem ideias de que também existem atividades que seriam naturalmente masculinas. Na mesma perspectiva biológica e determinista, aos homens, supostamente dotados de mais força física e coragem “por natureza”, caberia naturalmente enfrentar “riscos” para a proteção familiar e desempenhar o papel de provedor. Além disso, os homens historicamente também foram associados a determinados atributos, que os tornariam naturalmente adequados à esfera pública: racionalidade e objetividade, por exemplo. (STANCKI, 2009, p.154)

Portanto, os impactos da reestruturação produtiva são diferenciados para as mulheres, tendo em vista que as determinações de gênero, raça/etnia, inerentes ao processo produtivo e os resultados sinalizam para a ampliação empregos mal pagos, instáveis e de baixa qualifi cação, além do forte aumento do trabalho informal, todas essas formas precarizantes de trabalho.

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Ademais, mesmo quando a mulher é mais qualifi cada, tem mais anos de estudos e, até

mesmo, mais experiência, verifi ca-se que a reestruturação produtiva apropria das habilidades da mulher para utilizá -las em favor do aumento da produtividade, no corte dos direitos trabalhistas, no trabalho temporário, nos trabalhos piores remunerados e menos prestigiados. Numa outra dimensão, o trabalho feminino tende a ser mais bem aproveitado, principalmente em tarefas que exigem mais concentração e com mais detalhes ou ainda em ocupações em tempo parcial ou em trabalhos realizados em casa.

Em estudo sobre o crescimento da participação feminina no mercado de trabalho3 nos

últimos 10 anos, Bruschini (2007) aponta que as trabalhadoras brasileiras obtiveram algum avanço, embora tenham persistido, ao mesmo tempo, inúmeras condições desfavoráveis. Quanto aos avanços, nota-se, por exemplo, que em 1998 52,8% das brasileiras com 15 anos ou mais estavam ocupadas ou à procura de emprego e em 2008 já eram 57,6% as que participavam do mercado de trabalho, enquanto que, no mesmo período, a taxa de participação dos homens fl utuou de 81,0% para 80,5% (IPEA, 2010). Considera-se ainda, positivamente, que as mulheres movidas pela escolaridade, seja de nível médio ou de nível superior, consolidaram presença bem mais elevada do que os homens. No que diz respeito às condições desfavoráveis, elas se deparam ainda com a permanência do trabalho cultural, ou seja, a responsabilidade pelo cuidado de fi lhos e fi lhas, idosos, pessoas com defi ciência e familiares doentes, além de cuidar de todas as tarefas domésticas.

Com o aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho, os estudos da área de gênero têm priorizado a explicação de questões relacionadas à discriminação em relação à mão de obra feminina, à divisão do trabalho com base em atributos sexuais, às condições desiguais de trabalho entre homens e mulheres e à masculinização e feminização de determinadas profi ssões.

Nesta divisão entre os sexos, os homens foram destinados à esfera pública e a do trabalho produtivo e nelas receberam maior valorização social; enquanto as mulheres foram destinadas à esfera privada e à reprodução social, sendo responsabilizadas pelo trabalho doméstico e de cuidado, às quais não foi atrelado qualquer valor. É neste sentido que Maluf e Mott (1998) afi rmam que as desigualdades entre as práticas realizadas por homens e mulheres foram dotadas de uma valorização cultural.

É interessante ressaltar que em diversas sociedades essa forma de divisão social do trabalho persiste. Estes princípios se aplicam devido ao princípio de naturalização, ou seja, aquele que relega o gênero ao sexo biológico e reduz as práticas sociais a papéis sexuais defi nidos. Na perspectiva determinista o cuidar, a maternidade, o afeto, além de fl orescerem como algo natural, tornam-se atributos essencialmente femininos, estando ainda restritos à esfera privada. O grande problema é que esse espaço privado pode condicionar a posição feminina na esfera 3 O mercado de trabalho emergiu como uma instituição fundamental para o funcionamento da economia, a partir do surgimento do sistema capitalista de produção e da utilização em larga escala do trabalho assalariado. Amparado nos estudos de Marx (1971) podemos pensar a relação entre os que se oferecem para trabalhar e os que precisam de trabalhadores, como um mercado: o mercado de trabalho, que pode ser defi nido como a compra e venda de serviços de mão de obra, representando o lócus onde trabalhador e empresários se confrontam e,dentro de um processo de negociações coletivas que ocorre algumas vezes com a interferência do Estado. O mercado de trabalho assim defi nido denomina-se mercado formal de trabalho porque ele se enquadra nas formas da legislação, quando se produz o acordo entre comprador e vendedor da força de trabalho (ETULAIN, 2006).

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produtiva (LUZ, 2009).

Analisando melhor esta divisão social do trabalho, é possível perceber que, na maioria dos casos, o trabalho desenvolvido no ambiente familiar, em que se pressupõe que podem ocorrer partilhas e negociações, torna-se um fardo para as mulheres que, ao desempenharem as tarefas do lar, acabam se tornando invisíveis. E além de não se computar como trabalho, pode contribuir para a desvalorização da mão de obra feminina, interferindo inclusive nas atividades profi ssionais das mulheres.

Assim, mesmo diante de um contexto de mudanças ocorridas nos últimos trinta anos do século XX, no sistema produtivo, por meio do processo de reestruturação produtiva, das inovações tecnológicas e das novas formas de gestão do trabalho, o sexo segue como decisivo na determinação de quais atividades as mulheres realizarão e dos postos e setores de trabalho que ocupam.

2. AS MULHERES E AS INSTITUIÇÕES MILITARES: RELAÇÕES DE GÊNERO E PODER NAS CASERNAS

A inclusão das mulheres nas instituições militares, partilhando dos símbolos (armas, fardas e força física) signifi cou uma “ruptura” do espaço simbólico masculino da instituição militar até então forjado e usufruído apenas pelos homens. Aqui reside um primeiro confronto entre os papéis masculino e feminino nas instituições militares: A questão do espaço.

Em grande medida, esse espaço militarizado caracteriza-se, segundo Goffman (1974), como sendo uma instituição total que modela seus sujeitos, seus desejos e seus pensamentos. De acordo com Goffman (1974) as Instituições totais4 mutilam o indivíduo, provocando a perda do

“eu civil” ao estabelecer a barreira entre mundo interno (caserna) e o mundo externo (paisano) partindo das proibições tanto no plano físico quanto doutrinal. Portanto, a predominância numérica e exclusividade masculina nos quadros das instituições militares determinam a reprodução da cultura institucional alicerçada na supremacia masculina. Sendo assim, é na caserna, ambiente institucional militar, que um grupo heterogêneo de indivíduos passa a ser ‘instruído’ por um manual de normas, leis e hierarquias, que reforçam um imaginário social dominante.

Considerando a quantidade do efetivo das policias militares5, dados revelam os baixos

índices de feminização nas forças policiais e ainda que na maioria das polícias as mulheres estão realizando atividades burocráticas, a chamada atividade-meio, ou seja, administrativa.De acordo com aSecretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP)6 em 24 unidades da

fede-ração, o percentual de mulheres no efetivo das policiais militares era inferior a 12%. Em alguns

4 O conceito de instituição total foi desenvolvido de modo sistemático pelo sociólogo canadense Erving Goffman em sua obra traduzida no Brasil como: Manicômios, prisões e conventos. Apesar de não tratar direta-mente na obra das instituições militares, entendemos que a dinâmica do trabalho e do espaço militar se aplica a sua teoria.

5 O último levantamento do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC, 2014) mos-tra que as mulheres policiais difi cilmente alcançam o patamar de 30% dos recursos humanos policiais mundiais. Olhando os dados por este prisma, as Polícias Militares brasileiras estão aquém da média mundial e mesmo da média nacional, na qual as mulheres somam 18,5% do total do efetivo policial

6 A “Pesquisa Perfi l das Instituições de Segurança Pública: Estudo técnico”, é realizada anualmente pela, do Ministério da Justiça, e foi divulgada em 2015, sobre a Polícia Militar, Polícia Civil e Corpo de Bombeiros.

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estados, como CE, MA, PR, RN e SC a participação feminina no efetivo da PM é inferior a 6%.

Ressalta-se ainda que na maioria dos Estados, a proporção dos efetivos dos Corpos de Bombei-ros Militares, de acordo com o sexo, é similar ao das Polícias Militares (SENASP, 2015).

Embora, notou-se um aumento do efetivo de mulheres militares nas condições de inclu-são similares as dos homens, o rótulo do sexo frágil ainda não foi superado. Calazans (2003) explica que o processo de inserção da mulher na polícia relaciona-se à existência de uma cultura policial feminina que estaria identifi cada e valorizaria as formas preventivas de policiamento.

A inserção das mulheres em organizações brasileiras de segurança pública ocorre desde a década de 1955, quando a Polícia Militar de São Paulo, de forma pioneira, contratou mulheres para seus quadros. A polícia feminina brasileira foi criada baseada no pressuposto de que as mu-lheres solucionam melhor as tarefas da polícia preventiva e da polícia assistencial, aquela que trata mais diretamente com os grupos considerados fragilizados, ou seja, mulheres e crianças (MUSEMECI ; SOARES, 2005).

Na década de 1980, esse movimento intensifi cou-se, coincidindo com a ocorrência de diversos incidentes críticos (greves de policiais, aumento das estatísticas de criminalidade, acu-sações de violência na forma de ação dos policiais), os quais, segundo Calazans (2003), pro-duziram uma espécie de crise institucional. Esta crise, de certo modo, refl etia as alterações nas formas de organização de trabalho e nos movimentos de mudança articulados no âmbito das sociedades contemporâneas, em particular da brasileira

Isto posto, o trabalho nas organizações de segurança, até então exercido predominan-temente por uma força de trabalho masculina, começou a se modifi car. Musumeci e Soares reforçam este argumento, destacando que:

Na maioria dos estados, as PM’s começaram a admitir policiais femininas ao longo dos anos 80, no contexto da redemocratização do país, mas isso não derivou de reivindicações de movimentos sociais pela criação de serviços especializados ou pela abertura de um novo espaço profi ssional para as mulheres e sim, tudo indica, do propósito interno de “humanizar” a imagem das corporações, fortemente marcada pelo seu envolvimento anterior com a ditadura (MUSUMECI; SOARES, 2005, p.184).

Em meio a esta retórica, destaca-se a crença de que as mulheres possuem determinadas habilidades de comunicação, liderança e de mediação de confl itos que poderiam ser úteis na construção de uma imagem positiva diante de uma sociedade que contestava a forma de ação das organizações de segurança pública. Em outros termos, as mulheres, dada a sua capacida-de capacida-de adaptação, fl exibilidacapacida-de e afetividacapacida-de, pocapacida-deriam contribuir para a melhoria da imagem organizacional da Polícia Militar, que, no imaginário social, era considerada uma organização violenta e dominada por homens.

Para se adequarem ao rigor do ser policial, as mulheres suportaram uma longa e árdua aprendizagem marcada pela violência e por sacrifícios pessoais (CALAZANS, 2003). Segundo a autora, tem sido na suportabilidade desta violência que as mulheres buscam a emancipação e a autonomia para, de tal modo, apropriarem-se de seus destinos, ainda que tal propriedade seja limitada, principalmente quanto à autonomia no ambiente de trabalho, em que elas, geralmente, são submetidas ao autoritarismo gerencial próprio da Instituição. Neste processo, as relações de trabalho e de gênero passaram a ocupar um lugar central nas pesquisas, constituindo categorias

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analíticas relevantes para a compreensão da construção social da inserção das mulheres em

organizações de segurança pública.

Considerando a quantidade do efetivo das policias militares, os dados revelam os bai-xos índices de feminização nas forças policiais e ainda que na maioria das polícias as mulhe-res estão realizando atividades burocráticas, a chamada atividade-meio, ou seja, administrativa (MUSUMECI; SOARES, 2006).

Embora, atualmente, as mulheres militares apresentem treinamentos físicos equivalen-tes aos dos homens, o rótulo do sexo frágil ainda não foi superado. Calazans (2003) explica que o processo de inserção da mulher na polícia relaciona-se à existência de uma cultura policial feminina que estaria identifi cada e valorizaria as formas preventivas de policiamento.

A respeito desta realidade, há restrições às tarefas femininas, sustentadas na noção de que as mulheres não são capazes de assumir todas as formas de ação de polícia e a consequente tendência de atribuir-lhes, sobretudo, funções burocráticas ou atividades associadas, no imagi-nário, a extensões do mundo doméstico.

Partindo deste pressuposto, a discussão requer a delineação de um campo epistemológico que possibilite múltiplos olhares sobre a problemática em torno da alocação das mulheres em instituições militares, ou seja, nos instiga a questionar o modo como se confi guram as relações desiguais de gênero e como tais assimetrias reproduzem situações de dominação, de violência ou de preconceito na realidade cotidiana ou na esfera do trabalho. Buscando a vigilância metodológica7 que uma pesquisa requer, adotamos “gênero” e “poder” como categorias

analíticas e que baseiam-se em referenciais teóricos distintos. Neste sentido dialogamos com as perspectivas de Joan Scott, (1995) Pierre Boudieu (2003) e Michel Foucault (1995).

Inicialmente apontamos que “Gênero” é um termo polissêmico, envolto num intenso debate no mundo acadêmico e desprovidos de lógicas consensuais. De acordo com Lyra e Medrado (2008) existem três fatores contribuem para fomento de tais debates. Primeiro, os diferentes signifi cados atribuídos à palavra nas diferentes línguas e contextos (Fraisse, 2003; Scott, 1986). Segundo, é sua imbricação com o termo “sexo”, embora construto diferenciado de gênero, um não pode ser apreendido sem o outro ( Butler, 1990; Scott, 1986). Um terceiro fator seria o novo sentido atribuído a gênero na teorização feminista: um conceito com estatuto teórico e epistemológico (Louro, 1996; Barbieri, 1993; Scott, 1986), portanto, fundamentando desenhos e análises de pesquisas.

Historicamente, o termo “gênero” foi utilizado pela primeira vez no ano de 1950, pelos pesquisadores norte-americanos ao tratar de temas da transexualidade. A opção por sua utilização estancava certas difi culdades conceituais nos estudos de pacientes que nasciam com o sexo biológico ambíguo, ou quando o sexo do nascimento não coincidia com a identidade sexual desejada (Stolke, 2004).

Em 1962, a célebre frase de Beauvoir (1962, p.9) “não se nasce mulher, torna-se mulher” contemplou a distinção das esferas biológica e sociocultural, ideia mais tarde desenvolvida pelas feministas como uma nova noção histórica e sociológica. O novo campo de pesquisa abordando a temática de gênero. Na década de 1970, as feministas americanas começaram a usar ‘gênero’ para enfatizar o caráter social das distinções fundadas sobre o sexo e rejeitar o determinismo biológico implícito nos termos “sexo” ou “diferença sexual”. Na década de 1980,

7 BOURDIEU, Pierre; CHAMBOREDON, Jean-Claude; PASSERON, Jean-Claude. Ofício de sociólogo: metodologia da pesquisa na sociologia. 6. ed. Petrópolis: Vozes Editora, 2007.

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o termo assume status de conceito teórico, instrumental crítico e político extremamente útil na

análise das diferenças e desigualdades entre os sexos, e, portanto, é posto na centralidade dos discursos feministas.

A importância de Scott está relacionado especifi camente por ressignifi car o debate feminista em torno do conceito Gênero, propondo uma sistematização a partir de três dimensões teóricas: social, relacional-comparativa e ético-política. No bojo das críticas da autora, refere-se ao uso de gênero, apenas como categoria descritiva, tendo em vista que pouco desvela a forma como as relações sociais entre os sexos foram construídas e como se desdobram as relações de poder e sua transformação ao longo da história.

Destarte, a autora avança em sua proposta de análise, ao propor a historização do conceito e a defesa do uso do conceito de gênero como categoria analítica, considerando a possibilidade de compreensão das construções das formas de saber e poder sobre a diferença entre os sexos.

Na dimensão relacional busca-se compreender como “diferenças se constituem em desigualdades, indo além dos sexos como determinantes biológicos e da ‘di-visão’ sexual do mundo, ou seja, aponta a necessidade de afastar justifi cativas biológicas, utilizadas como formas de subordinação que, de maneira simplista, partem do princípio de que as mulheres têm fi lhos e que os homens têm uma força muscular superior.

Scott (1995) propõe uma defi nição de gênero a partir da conexão integral entre duas proposições: Incialmente, considera gênero como um elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos. 2) o gênero é a combinação primária de dar signifi cado às relações de poder”. Ou, mais precisamente, “o gênero é um campo primeiro no interior do qual, ou por meio do qual, o poder é articulado inscritos em práticas discursivas que constituem “campos de forças sociais. Deste modo, o poder passa ser compreendido como algo não centralizado, cristalizado em estruturas fi xas, mas numa teia de relações dispersas de relações desiguais.

Partindo do princípio de que as relações de gênero não são uma imposição, mas parte de um processo dinâmico da realidade social, é preciso ponderar que as instituições militares, foram construídas sob estruturas sociais desenhadas para reforçar e instrumentalizar o poder dentro das organizações.

A perspectiva de dominação simbólica adotada por Bourdieu (2003) possibilita examinar como se dão os processos de aceitação e incorporação das estruturas sociais. Deste modo, compreender as relações entre homens e mulheres ultrapassa a noção de passividade constante das mulheres, enquanto os homens exercem seu poder silenciador sobre elas. Ademais, entender a demarcação dessas posições e a naturalização dos lugares destinados a mulheres e homens e sua conseqüente hierarquização é entender de que forma esses padrões são incorporados por mulheres e por homens e de que forma são colocados em prática na maneira com que os sujeitos entendem a realidade social.

Neste sentido, as práticas e discursos das mulheres são atos de reconhecimento e incorporação dessas relações de poder, não sendo possível, entender as relações de poder sem considerar a dominação como um processo simbólico em que o dominado adere as estruturas dominantes.

Para Bourdieu (2003) não seria possível entender as reações de poder sem considerar a dominação como um processo simbólico, mediante o qual, as classes dominantes (ou campos

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dominantes) são benefi ciárias de um capital simbólico, disseminado e reproduzido por meio de

instituições e práticas sociais, que lhes possibilita exercer o poder. Para o autor, esses símbolos são instrumentos por excelência da integração social e tornam possível se obter o consenso acerca do sentido do mundo social, o qual contribui fundamentalmente para a reprodução da ordem social dominante.

O poder simbólico consiste, “[...]poder invisível que só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem” (BOURDIEU, 2003, p.7-8). Assim a cumplicidade é construída de forma não deliberada sob a forma do que o autor denominou de habitus, ou seja, funcionando como esquemas de percepção, de pensamento e de ação que legitimam a prevalência de um sexo (masculino) sobre o outro (feminino), constituindo uma ordem simbólica compreendida por Bourdieu como dominação masculina.

Nesta ótica, analisar as concepções de poder, sob outra perspectiva teórica (foucaultiana) permite analisar não só as relações de poder em si, mas, sobretudo, as estratégias utilizadas para se exercer o poder, no intuito de disciplinar, resistir, consolidar ou sobressair em um determinado espaço organizacional.

O poder na perspectiva de Foucault (1979) pode ser entendido não como um estado mental, mas como um conjunto de práticas sociais e discursos construídos historicamente que disciplinam o corpo dos indivíduos e se torna objeto das relações de poder. Assim, desde a época clássica, o corpo foi descoberto como objeto de poder, podendo ser manipulado, treinado para responder e obedecer, torna-se ao mesmo tempo dócil e hábil, à medida que suas forças se multiplicam.

As Instituições Militares, com seus princípios de hierarquia e disciplina, assumem uma mecânica de poder adjacente à estabelecida socialmente pela divisão de gêneros. Desde o treinamento de seus membros, a instituição investe em seus corpos técnicas de dominação, penetrando em sua vida cotidiana. A formação policial é feita por meio de procedimentos técnicos, que exercem um controle minucioso sobre os corpos, através de gestos, atitudes, comportamentos, hábitos e discursos, e por onde as relações de poder são construídas

O corpo também está diretamente mergulhado num campo político; as relações de poder têm alcance imediato sobre ele; elas o investem, o marcam, o dirigem, o supliciam, sujeitam-no a trabalhos, obrigam-no a cerimônias, exigem-lhe sinais. Este investimento político do corpo está ligado, segundo relações complexas e recíprocas, a sua utilização econômica; e, numa boa proporção, como força de produção que o corpo é investido por relações de poder e de dominação; mas em compensação sua constituição como força de trabalho só é possível se ele está preso num sistema de sujeição (onde a necessidade é também um instrumento político cuidadosamente organizado, calculado e utilizado); o corpo só se torna força útil se é ao mesmo tempo corpo produtivo e corpo submisso (FOUCAULT, 2004, p. 24-25).

Ainda de acordo com o autor trata-se de alguma maneira de uma Microfísica do poder, posta em vigor pelos aparelhos e instituições e que, nesse caso, supõe-se que “o poder nela exercido não seja concebido como uma propriedade, mas como uma estratégia, que seus efeitos de dominação não sejam atribuídos a uma ‘apropriação’, mas a disposições, a manobras, a táticas, a técnicas, a funcionamentos; que se desvende nele antes uma rede de relações sempre tensas, sempre em atividade”.

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As relações de poder são exercidas por meio de mecanismos importantes, como

produção e troca de signos, não sendo dissociáveis das atividades fi nalizadas, sejam daquelas que permitam exercer este poder (como técnicas de adestramento, os procedimentos de dominação e as maneiras de obter obediência) ou daquelas que recorrem, para se desdobrarem a relação de poder (assim na divisão do trabalho e na hierarquia das tarefas). (FOUCAULT, 1995).

Destarte, as instituições policiais, calcada nos princípios da disciplina e hierarquia, produzem um adestramento dos corpos (gestos, postura, comportamentos, etc.), desde os treinamentos no momento do ingresso e durante a carreira, interferindo na vida cotidiana de seus membros

Essas indagações sugerem uma interface entre gênero e organizações, tendo em vista que a importância de buscar as conotações de gênero mais profundamente arraigadas nos arranjos sociais e práticas organizacionaiscomo as normas, os valores e a divisão do trabalho infl uenciam a construção e reconstrução das categorias de gênero e signifi cações atribuídas ao masculino e ao feminino.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A entrada das mulheres nas instituições militares no Brasil coincidiu com um período de mudanças políticas no país e nas estruturas nas polícias militares. Ademais, coincidiu também com o processo de mudanças nas relações de trabalho, com a reestruturação do sistema produtivo na sociedade contemporânea, na qual outros valores como trabalhos em equipe, rapidez, inteligência, passariam a ser o corpus do sistema, em detrimento do argumento só força física.

Todavia, sinalizamos que a inserção das mulheres em instituições militares não signifi cou que ocorreu a efetivação da conquista destes espaços, uma vez que, os parâmetros utilizados pautam- se no modelo exclusivamente masculino. Desse modo, as mulheres, ao ingressarem no interior da instituição, encontraram uma estrutura de poder vertical, pautada pela divisão hierárquica do trabalho, como um modo e meio totalizante de mediação, determinados, envolvidos e sustentados institucionalmente pelos chamados círculos de convivências, de ofi ciais e praças.

Constata-se ainda que existem algumas contradições quanto ao efetivo feminino no interior das casernas. Enquanto os regulamentos enfatizam a necessidade do tratamento igualitário em relação às mulheres, o livre exercício do poder por parte dos membros que ocupam cargos de chefi a, fazem com que alguns superiores sejam relutantes em admitir a identidade singular das mulheres permanecendo o modelo masculino como dominante

É preciso considerar o fato de que a desigualdade de gênero existente nas corporações apesar de ter relação direta coma as políticas emanadas dos comandos das corporações relacionam-se com as representações sociais do lugar das mulheres no mundo social e do trabalho, ou seja, próximas da esfera reprodutiva e distante da esfera do trabalho.

Por fi m, fi ca evidente a necessidade da implementação de políticas públicas e interinstitucionais que promova de fato a igualdade de gênero e do fomento de novos estudos que promovam a discussão sobre o papel e as mudanças provocadas pela presença feminina em corporações militares, bem como as possibilidades que o trabalho feminino pode assumir como

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protagonistas no campo da segurança pública.

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