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A tilápia é o coelho da Amazônia?

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Academic year: 2021

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A tilápia é

o coelho da

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Curimatã, pirarucu, filhote, aruanã, guri-juba, pacu, com os dias contados? Matrichã, tambaqui, piramutaba, piranha, pirapatinga, ameaçados? Pirananbu, apapá, peixe-cachor-ro, curimbatá, jatuarana, jaú, condenados? São mais de três mil, as espécies de peixes da Amazônia, a maior biodiversidade aquática do planeta. Toda ela, porém, pode estar ame-açada pelo desmatamento, pela crise climá-tica ou mais imediatamente, pela introdução de espécies exóticas de peixes, como, por exemplo, a tilápia.

A preservação dessa diversidade de peixes e de mamíferos aquáticos – como botos, pei-xes-boi e golfinhos – deve-se ao fato da bacia amazônica manter-se livre de populações de peixes exóticos, ou seja provenientes de ou-tros lugares do planeta. Esse fenômeno, a introdução de espécies exóticas, acontece na maioria dos ambientes aquáticos e é respon-sável pela destruição da diversidade local.

A introdução de espécies de outros luga-res, muitas vezes para atender caprichos ou situações que poderiam ser contornadas de outras formas, tem um histórico desastroso. Dois exemplos terrestres são bastante ilus-trativos: os coelhos na Austrália e os casto-res, na Terra do Fogo.

Não existiam coelhos na Austrália, mas existiam caçadores que queriam caçar co-elhos. Assim, em meados do século XIX, um deles teve uma ideia para resolver esse problema: levou 24 coelhos para caçar na

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Austrália. Aparentemente, ele não era bom caçador pois não caçou todos os coelhos e eles se reproduziram loucamente, gerando milhões de animais. Claro que essa quanti-dade exorbitante de coelhos causa grandes impactos como erosão, desertificação e per-das significativas na agricultura.

Para tentar conter os coelhos, o governo australiano tentou cercas, o que obviamen-te fracassou, e importou raposas vermelhas, que além de se reproduzirem descontrolada-mente, atacavam a fauna nativa de marsu-piais e aves, gerando mais um problema. Em 1951, a Austrália adotou a guerra biológica: importou um vírus de uma doença de coelhos existente no Uruguai e conseguiu a morte de alguns milhões de coelhos. Depois, porém, vieram os sobreviventes, resistentes a do-ença, e geraram novas gerações de coelhos imunes. Como se isso fosse pouco, a doença se espalhou e acabou matando uma quantida-de enorme quantida-de coelhos em outros continentes. Mais recentemente, a Austrália passou a usar uma nova variante do vírus de uma do-ença hemorrágica, mortal para os coelhos. O problema é que, como sabemos, os vírus não conhecem fronteiras, nem precisam de vis-tos, assim sendo a qualquer momento, esse vírus pode se espalhar pelo mundo, e chegar, por exemplo à Península Ibérica, onde se ten-ta proteger os coelhos. Ali a escassez desses animais ameaça espécies como o lince ibéri-co e a água imperial espanhola. Outro risibéri-co é

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que o vírus se torne mais letal ou que comece a infectar outras espécies, história que co-nhecemos bem depois da Covid-19. Ou seja, o que um capricho de um mau caçador de coe-lhos pode causar…

Com os castores, na Terra do Fogo, a his-tória é similar. Em 1946, foram importados 25 castores canadenses para a ilha, onde não ha-via nem castores, nem predadores de castores. A ideia era desenvolver uma indústria de peles para casacos, porém o negócio fracassou. Os castores, no entanto, prosperaram e atingiram uma população de mais de cem mil indivíduos, causando uma enorme degradação das flores-tas, derrubando árvores e inundando regiões com seus diques. Apesar das diversas tentati-vas de erradicação dos castores, eles seguem donos da Terra do Fogo.

Com as tilápias não é muito diferente. Esses peixes originários da África tendem a dominar os ambientes onde são introdu-zidos, pois competem com muita eficiência pelos recursos alimentares, por espaço e por locais de desova, levando ao desapare-cimento outras espécies. Há diversos casos documentados de lugares onde a tilápia foi introduzida e causou a extinção das espécies nativas. Imagine as tilápias nadando faceiras nos rios amazônicos...

Seria possível enumerar um conjunto de consequências desastrosas para a Amazônia, derivadas de uma inconsequente introdução

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da tilápia na bacia, mas bastam duas. A pri-meira é o comprometimento da biodiversida-de aquática que pobiodiversida-de levar a uma biodiversida-degradação em cadeia. O desaparecimento das espécies de peixes causará a extinção de muitas outras espécies, tanto de fauna como de flora, o que transformará o ambiente e pode conduzir à destruição do ecossistema. A segunda, é que não há volta para a introdução de espécies na Amazônia, ou seja, não dá para experimentar e depois decidir que deu errado. Uma vez in-troduzidas, o dano será irreversível. Coelhos e castores não nos deixam esquecer…

Mas ainda assim, há uma forte pressão pela introdução da tilápia, além de algumas iniciativas já em curso, na bacia amazôni-ca. Isso acontece, possivelmente, porque os interesses de curto prazo prevalecem e há pacotes tecnológicos para criação e merca-dos consumidores garantimerca-dos para a tilápia. Mais uma vez, corremos o risco de que não se atente para as consequências desse tipo de ação e tenhamos que pagar um alto preço mais tarde.

A tilápia pode funcionar como uma me-táfora da troca da enorme diversidade ama-zônica - de povos indígenas, comunidades locais, plantas, animais, forma de viver, sa-bores e curas - por uma forma homogênea de se alimentar e de viver. Trocaremos os mais incríveis sabores, peixes com consis-tências e gostos diferentes, que suscitam

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novas combinações culinárias, por receitas convencionais a base de tilápia.

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ilustrações de Taisa Borges

Amazônia

nurit bensusan

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