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PROFESSORES DE LITERATURA E SUA RACIONALIZAÇÃO SOBRE A PROFISSÃO

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Academic year: 2021

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ISSN 2176-1396

PROFESSORES DE LITERATURA E SUA RACIONALIZAÇÃO SOBRE

A PROFISSÃO

Aline de Mello Sanfelici1 - UTFPR Fábio Luiz da Silva2 - UNOPAR Eixo – Didática Agência Financiadora: CAPES

Resumo

A didática do professor, segundo os preceitos básicos do professor-pesquisador, exige um caráter de permanente autorreflexão sobre a prática cotidiana. No presente estudo, nosso foco é observar e discutir a questão específica da racionalização de professores de literatura a respeito de sua prática, partindo do conceito de racionalização postulado por Maurice Tardif (2014). O referido conceito implica que o docente seja “capaz de justificar, por meio de razões, de declarações, de procedimentos, etc., o [seu] discurso ou a [sua] ação diante de um outro ator que [o] questiona” (TARDIF, 2014, p. 199). Os objetivos principais do estudo são: 1) rever teoricamente postulados acerca da racionalização do fazer docente; 2) analisar como professoras de literatura racionalizam sobre sua prática; e 3) considerando a análise feita, discutir e reiterar a importância da racionalização da prática cotidiana do professor para sua vivência mais crítica, eficaz e satisfatória da profissão. O aparato teórico é construído a partir de Tardif (2013, 2014), Gauthier et al (1998) e Nóvoa (1992, 2007). A metodologia utilizada envolveu coleta de dados através de questionário dissertativo respondido por duas professoras de literatura na rede pública da cidade de Londrina, Paraná, e a respectiva análise dos questionários acompanhada de conversas informais com as docentes. Os resultados da pesquisa não apenas reiteram a importância da racionalização, como apontam caminhos para sua condução e sinalizam para a consciência que o professor deve possuir sobre os diversos saberes que compõem sua didática. Além disso, a análise também aponta que, enquanto uma professora não demonstra forte inclinação para autorreflexão e desse modo não questiona ou inova suas ações em sala, a outra, em constantes processos de racionalização, atinge benefícios em seus resultados de ensino a partir do melhor conhecimento de si como docente, bem como do perfil das turmas em que trabalha.

Palavras-chave: Racionalização. Autorreflexão. Professores de literatura. Prática docente.

1 Doutora em Letras – Língua Inglesa e Respectivas Literaturas pela Universidade Federal de Santa Catarina

(UFSC). Professora Adjunta da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). E-mail: sanfelici@utfpr.edu.br.

2 Doutor em História pela Universidade Estadual Paulista (UNESP/Assis). Professor da Universidade Norte do

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Introdução

A prática docente é comumente marcada por uma espécie de turbulência do viver do professor: observa-se um descompasso entre a quantidade de tarefas (antes, durante e após cada aula, em cada turma e em cada escola atendida), e o pouco tempo disponível para dar conta de todas atribuições e afazeres. O professor frequentemente se vê inundado de provas para corrigir, redações para ler, planejamentos e reuniões de todo tipo para participar, eventos escolares festivos, entre muitas outras tarefas. Assim, é fato que sobra pouco tempo para parar, respirar e refletir com calma sobre esse dia a dia tão turbulento. O problema disso é que, muitas vezes, o docente segue esse ritmo de trabalho alucinante sem chance de refletir sobre sua atuação, e fica sem oportunidades de identificar elementos de sua prática que careçam ou mereçam aprimoramento ou de perceber experiências eficazes e que possam ser compartilhadas entre seus colegas, para benefício de todos – professores, alunos, escola e processos de aprendizagem. No presente estudo, nosso foco é justamente esse momento fundamental de reflexão do professor. Mais claramente, buscamos observar e discutir a questão específica da

racionalização de professores a respeito de sua profissão, partindo do conceito de

racionalização postulado por Maurice Tardif (2014). Escolhemos especificamente docentes da área de literatura para participar deste estudo. A escolha por profissionais do campo literário se deve justamente para se criar uma oportunidade de colocar no centro da atenção uma área rotineiramente entendida como de importância menor, mera parte desmembrada da disciplina de Português, fato que poderia resultar em professores menos valorizados e assim menos motivados e dispostos a refletir sobre sua profissão.

Já a temática selecionada para nosso debate, isto é, a racionalização que os professores fazem de sua profissão, foi escolhida tanto pela dificuldade relatada anteriormente de os professores pararem para refletir sobre a docência, quanto pelo mérito científico da reflexão acerca dos diversos saberes dos professores, e da conscientização sobre a importância de racionalizar estes saberes para uma melhor operacionalização dos mesmos na prática docente. A temática também é importante pelo seu potencial de contribuição com a área de formação de professores.

Iniciamos discutindo teoricamente a questão da racionalização sobre a profissão docente, a partir do trabalho de Tardif (2014), primordialmente, entre outros. Na sequência, apresentaremos a metodologia de nosso estudo, seguida dos resultados e discussão dos mesmos. Terminaremos o texto com nossas considerações finais, esperando atingir nossos objetivos de:

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1) rever teoricamente a questão da racionalização do fazer docente; 2) analisar como professoras de literatura racionalizam sobre sua prática; e 3) considerando a análise feita, discutir e reiterar a importância da racionalização da prática cotidiana do professor para sua vivência mais crítica, eficaz e satisfatória da profissão.

A questão da racionalização sobre a profissão docente

Tardif (2014) propõe que os saberes docentes sejam necessariamente associados a um caráter de racionalidade, uma exigência que se relacionaria a tudo o que os professores fazem e falam sobre sua própria atuação cotidiana. Dada essa dimensão racional, Tardif (2014) então propõe entender os saberes docentes como:

unicamente os pensamentos, as ideias, os juízos, os discursos, os argumentos que obedeçam a certas exigências de racionalidade. Eu falo ou ajo racionalmente quando sou capaz de justificar, por meio de razões, de declarações, de procedimentos, etc., o meu discurso ou a minha ação diante de um outro ator que me questiona (TARDIF, 2014, p. 199).

Desse modo, o professor deve ir além de possuir e aplicar na prática os saberes diversos e plurais pertinentes à sua profissão (tais como saberes curriculares, experienciais, disciplinares, entre outros). É também fundamental que o docente racionalize sobre esses saberes, e compreenda por que faz o que faz de dado modo, desenvolvendo também a capacidade de

articular essas justificativas em seus discursos. Assim, Tardif (2014) desenvolve a noção de

“consciência profissional do professor”, isto é, a habilidade de refletir com clareza e manifestar com exatidão e de modo racionalizado acerca dos motivos e modos de agir em sala de aula. Gauthier et al (1998) possuem perspectiva idêntica, defendendo que o professor deve ser um agente racional, no sentido pragmático, e que possa tomar “decisões contextualizadas para as quais [possa] fornecer uma justificação racional. Noutras palavras, a atividade docente exige necessariamente uma reflexão prática” (GAUTHIER et al, 1998, p. 321).

Freire (1996) sinaliza uma visão semelhante a de Tardif (2014) e de Gauthier et al (1998), ao enfatizar a importância da reflexão paralelamente à formação permanente do professor. Para Freire (1996), o docente caminha em direção à sua autonomia através de uma gama de saberes sobre o ensinar, dentre os quais está a noção de que “ensinar exige reflexão crítica sobre a prática” (FREIRE, 1996, p. 17). Para o autor, “a prática docente crítica, implicante do pensar certo, envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer” (FREIRE, 1996, p. 17). Desta maneira, a reflexão sobre as ações cotidianas na

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profissão conduz o professor de um saber meramente experimental e ingênuo, sem rigor metódico, a um saber informado, epistemológico, consciente. Embora “reflexão sobre a prática” e “racionalização” não sejam exatamente sinônimos, podemos perceber como o posicionamento de Freire (1996) não seria contraditório ao postulado por Tardif (2014) e por Gauthier et al (1998), isto é, de que a reflexão sobre o que se faz (um passo que eventualmente resultaria em uma racionalização bem elaborada dos saberes, discursos e ações) é fundamental para que se faça melhor.

Nóvoa (1992) também aborda o assunto em questão. Investigando o campo de formação e identidade docente, Nóvoa (1992) estabelece que a formação não é uma questão de soma de cursos ou conhecimentos, mas “um trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas e de (re)construção permanente de uma identidade pessoal” (NÓVOA, 1992, p. 25). O estudioso reitera, portanto, a importância de o professor não apenas fazer o que faz, mas também criar oportunidades para refletir sobre essas práticas e sobre o como elas o definem, enquanto sujeito pessoal e profissional. Nóvoa (1992) advoga, então, por uma “autonomia contextualizada da profissão docente” na qual:

importa valorizar paradigmas de formação que promovam a preparação de professores reflexivos, que assumam a responsabilidade do seu próprio desenvolvimento profissional e que participem como protagonistas na implementação de políticas educativas (NÓVOA, 1992, p. 28).

A esse respeito de levar a reflexão adiante para ações concretas, temos que a racionalização especificamente de que Tardif (2013) fala pode ser fomentada justamente na comunidade de professores, onde um certo docente tem o potencial de ser mais do que um praticante da profissão, mas também “um educador de educadores” (TARDIF, 2013, p. 115). Segundo o autor, os professores usam primordialmente seu saber experiencial para julgar os demais saberes de sua formação quanto à sua pertinência e utilidade. Então, esse saber experiencial, tão relevante para a atuação, adquire certa objetividade ao ser racionalizado junto aos pares, podendo contribuir tanto para aquele que pensa sobre suas próprias ações e racionaliza as mesmas quanto para aquele que dialoga com esse sujeito. Nas palavras de Tardif (2013):

é através da relação com os colegas, e portanto pelo confronto de conhecimento da experiência coletiva dos professores, que o conhecimento experiencial assume alguma objetividade: certezas subjetivas precisam ser sistematizadas para serem traduzidas em declarações sobre a experiência capazes de informar ou educar outros professores e de tratar de seus problemas. (…) Os professores se tornam conscientes

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de seu próprio saber experiencial na medida em que tem que transmitir esse saber e portanto objetivá-lo em parte, seja para eles mesmos ou para os colegas (TARDIF, 2013, p. 115, nossa tradução).

Sobre esse ponto, porém, Nóvoa (2007) destaca que não basta reforçar as “comunidades de prática” descritas por Pat Hutchings e Mary Taylor Huber. Embora essas comunidades fortaleçam a identidade e o sentimento de pertencimento, questões-chave para promover mudanças concretas no âmbito da profissão docente, segundo Nóvoa é imprescindível que as escolas e políticas públicas relacionadas sejam revistas, de modo a acomodar as contribuições e demandas oriundas das comunidades de reflexão – caso contrário, o trabalho reflexivo coletivo seria infrutífero por ocorrer em terrenos inférteis. De modo explícito, a argumentação que segue diz que “é inútil apelar à reflexão se não houver uma organização das escolas que a facilite” (NÓVOA, 2007, p. 9). Isto posto, observamos, então, que não basta possuir os diversos saberes inerentes à profissão docente e racionalizá-los apropriada e coletivamente; é também fundamental que sejam criadas condições reais e concretas para abrigar esses processos de racionalização dos docentes e seus aportes reflexivos.

Por fim, Gauthier et al (1998) lembram que cada professor é dotado da capacidade de racionalizar, e que tal capacidade é exercida especificamente no contexto e nas situações da sala de aula de cada docente. Segundo os autores, o professor tem consciência das limitações de seu poder no que diz respeito aos sistemas escolar e educacional como um todo, porém também sabe que possui um poder real na sua sala de aula, e “é ali que seu julgamento faz diferença. É ali que ele exerce seu raciocínio prático” (GAUTHIER et al, 1998, p. 346). Em outras palavras, a racionalização do professor deve ser uma constante em sua prática, operacionalizada cotidianamente em suas decisões em sala de aula para que tais decisões não sejam arbitrárias, intempestivas, e sim motivadas por uma lógica, por critérios de apreciação e julgamento informado das situações dadas. E justamente por ser inerente a cada profissional em sua trajetória na carreira, a racionalização, coloca Tardif (2014), é fluida, variável, passível de críticas e de revisão, pelo próprio docente que racionaliza como também pelas ciências da educação. Assim sendo, devemos olhar os discursos dos professores sobre sua atuação (ou seja, sua própria racionalização do fazer docente) tendo em mente que o ato de ensinar e refletir sobre a prática são processos, tais como identidades, que se encontram em permanente construção, revisão, mudança e desenvolvimento. O olhar de hoje pode, e provavelmente irá, crescer e agregar cada vez mais visões mais maduras sobre a complexa tarefa de ser professor.

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Metodologia

De acordo com Tardif (2014), o melhor método para tratar de questões de racionalização da profissão docente é questionar esse docente sobre suas razões em seus atos e falas. Uma vez que a racionalização está conectada a um “modelo intencional do ator humano”, a pesquisa nessa temática é melhor viabilizada através de “observar atores e/ou falar com eles, mas fazendo-lhes perguntas sobre suas razões de agir ou de discorrer, ou seja, no fundo, sobre os saberes nos quais eles se baseiam para agir ou discorrer” (TARDIF, 2014, p. 200).

Levando este ponto em consideração, para realizar este estudo, convidamos duas professoras de literatura que estão em atuação no contexto da Educação Básica da rede pública na cidade de Londrina, Paraná. As professoras responderam a um questionário enviado por e-mail e composto por oito questões. As questões envolvem informações sobre a educação formal para o magistério, reflexão sobre os tipos de saberes, conhecimentos e experiências relevantes para a prática docente, e relato da trajetória como professora de literatura, incluindo problemas, dificuldades e interesses de trabalho por serem desenvolvidos futuramente. Todas as questões possuem caráter discursivo, no sentido de convidarem as professoras a discorrerem o máximo possível no fornecimento de suas respostas, ideias e reflexões.

Apresentaremos, a seguir, os resultados da coleta de dados e sua respectiva discussão, especificamente considerando o foco de nosso estudo, isto é, a racionalização feita pelas professoras sujeitos da pesquisa sobre sua profissão docente. Lembramos aqui, no entanto, a advertência de Tardif (2014) acerca da parcialidade do discurso do professor e da limitação de sua consciência: “Não fazemos tudo aquilo que dizemos e queremos; não agimos necessariamente como acreditamos e queremos agir” (TARDIF, 2014, p. 213). Tal advertência é relevante para a pesquisa na área de racionalização, pois implica em olhar atentamente para o discurso do professor e, quando possível, buscar modos de pesquisar também em que medida o que ele articula sobre sua atuação é, de fato, condizente com o que faz na prática em sala de aula.

Resultados e discussão

Em uma das perguntas apresentadas no questionário, as professoras discursaram a respeito de sua trajetória como professora de literatura, especificamente considerando as principais práticas e metodologias usadas em aula e a relação entre sua prática com o material

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didático. Analisando as respostas, é possível perceber elementos bem diferentes entre os sujeitos, sinalizando também formas diversas de encarar a tarefa de ensinar literatura. A primeira professora não menciona metodologias, mas cita as seguintes práticas cotidianas: distribuir as diferentes escolas literárias entre grupos da turma para que os alunos pesquisem e apresentem as mesmas em forma de seminário; promover dramatização de peças teatrais por parte dos alunos; e motivar a declamação de poesias, também a cargo dos estudantes. Esta professora também cita o evento escolar chamado “Semana Cultural”, em que os alunos visitam outras turmas da escola apresentando algo relacionado a uma obra literária. Para esta professora, o trabalho de distribuição das escolas literárias é uma prática interessante porque leva em consideração o fato de o material didático utilizado ser voltado para as escolas literárias, com trechos que exemplificam características das mesmas.

Nesta mesma questão, a segunda professora também não cita metodologias específicas para ensino de literatura, mas discute a sua trajetória aparentemente com maior grau de reflexão. Ela inicia dizendo que:

faz quatro anos que leciono no Ensino Médio e cada ano é um desafio, um aprendizado. Já passei pelas séries (1º, 2º e 3º anos) e a literatura me encanta enxergá-la como processo da nossa história. Procuro trabalhar a literatura de maneira dinâmica, fazendo com que os alunos percebam que ela está presente em nosso cotidiano; por isso, sempre proponho leituras dos livros literários (Professora 2).

A segunda professora também detalha que os tipos de atividades recorrentes em suas aulas são: teatro (ou seja, dramatização, como citado também pela primeira professora), elaboração de portfólios (tanto documentais quanto “materializados”, como maquetes da ambientação da história, por exemplo), e provas sistemáticas. Para esta professora, estas práticas são úteis porque, em suas próprias palavras, “fazem com que os aprendizes adentrem no contexto da obra, tornando mais real e concreta a leitura e, consequentemente, o aprendizado” (Professora 2).

A respeito destas respostas sobre trajetória docente, metodologias e material didático, alguns pontos merecem nossa atenção. O primeiro é o fato de nenhuma das professoras ter citado nenhuma metodologia para ensino de literatura, algo pedido explicitamente no enunciado da questão. Observa-se que isso ocorreu apesar de ambas docentes terem formação relativamente ampla na área de ensino: além de serem licenciadas em Letras, a primeira professora é especialista em Literatura Brasileira e em Educação Especial, enquanto que a segunda professora é especialista em Língua Portuguesa, em Educação Especial e também em

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Neuropedagogia. Tal ausência de menção a metodologia(s) de ensino pode ser indício de um fato recorrente nas graduações em Letras pelo país, ou seja, a prática de uma estrutura curricular nas licenciaturas que não dá a devida atenção à metodologias específicas de ensino de literatura, como se não fosse necessário desenvolver essa disciplina.

Com efeito, parece que muitas licenciaturas simplesmente tendem a formar docentes de literatura repetindo modos de ensino tradicionalmente executados, sem atualizações ou maiores reflexões acerca da questão metodológica. Como coloca Cereja (2005), o ensino de literatura pela abordagem historiográfica, ou seja, centrada nas escolas literárias cristalizadas no tempo, acabou sendo “a única referência para inúmeras gerações de professores, que aprenderam e ensinaram literatura a partir desse tipo de abordagem, sem sequer pensar na possibilidade de existência de outras abordagens” (CEREJA, 2005, p. 125). Em outras palavras, muitos professores hoje dão aulas do jeito como receberam aulas, quando alunos no Ensino Médio, sem amparo maduro sobre perspectivas metodológicas, que são fundamentais para a melhor formação do professor e para melhores performances docentes e resultados de ensino e aprendizagem na prática. Além disso, a não menção a metodologias poderia indicar uma baixa racionalização das professoras sobre sua prática, o que se constituiria num aspecto preocupante. Outro ponto a ser comentado a partir das primeiras respostas descritas é exatamente os tipos de práticas feitas em aula, que podem sinalizar as tendências das professoras em termos de metodologias e concepções de literatura e de ensino e aprendizagem. A primeira professora cita a prática de seminários a partir da historiografia literária. Esse eixo historiográfico pode ser muito positivo para o aprendizado dos alunos por uma série de motivos, tais como ajudar o aluno a entender melhor determinada época ou contexto; trazer conhecimentos de outras áreas como história, filosofia e análise do discurso; e ser eficaz para organizar os conteúdos literários. Ao mesmo tempo, a abordagem historiográfica aspira cuidados para não ocasionar um ensino meramente transmissivo, “esquemático, determinista, redutor, simplista” (CEREJA, 2005, p. 141). De acordo com Cereja, o ensino de literatura no Brasil, nos últimos 150 anos, tem tido como objeto central das aulas não o texto literário, mas um discurso sobre a literatura, calcado no enfoque cronológico de memorização de movimentos literários, gerações de autores considerados relevantes (ou seja, canônicos), em uma “concepção conteudista e enciclopédica de ensino de literatura” (CEREJA, 2005, p. 12).

Isto posto, a prática de seminários das escolas literárias mencionada pela primeira professora exige atenção no sentido de o professor viabilizar que os conteúdos do seminário

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façam sentido para a turma, transformando-se em conhecimentos de fato, e não simples memorização descontextualizada. Vale lembrar, ainda, que a prática dos seminários como realizada pela professora é muito positiva no sentido de os alunos buscarem e selecionarem os conteúdos para o seminário, lidando com a oportunidade de assumir responsabilidade, participar efetivamente do trabalho e desenvolver sua emancipação pela prática de buscar informações (informações que, como dito anteriormente, o professor deve ajudar a transformar em conhecimentos). O que não deve ocorrer é a atividade do seminário ser feita rotineiramente sem qualquer reflexão a seu respeito, meramente cumprindo um roteiro estabelecido de prática comum, sem mínima racionalização sobre os motivos de conduzir tal tarefa.

Uma outra prática citada nos questionários foi a declamação (pela primeira professora) e a dramatização das obras literárias (por ambas professoras). Essas práticas podem ser muito vantajosas para o ensino de literatura, dado seu caráter lúdico e dinâmico, extremamente atraentes ao aluno. A esse respeito, Cereja (2005) coloca que:

o sucesso do trabalho com leitura na escola depende não só do contato direto dos alunos com livros, mas também, e muito, do estímulo oferecido pelo professor e das interações estabelecidas em torno do livro. Modos variados de abordagem da obra – pesquisas, seminários, debates, criações artísticas na forma de teatro, vídeo e músicas, produção de textos, desenvolvimento de projetos (jornal, revista, programa de rádio) – geralmente estimulam mais o jovem do que a mera verificação de leitura por meio de provas (CEREJA, 2005, p. 52-53).

Por fim, a prática de portfólios documentais ou materializados, adotada pela segunda professora, pode ser bastante benéfica, também, ao garantir espaço para o aluno desenvolver sua criatividade em sua própria releitura da obra. Esse tipo de atividade dá vazão à interpretação do estudante do que leu e sua construção própria de sentidos significativos da obra para seu universo particular – uma perspectiva completamente diferente das tradicionais fichas de leitura que exigem respostas fechadas ao texto literário, que em sendo uma obra artística é portanto objeto de leituras individuais e percepções subjetivas. Ao mesmo tempo, essa prática dos portfólios é também condizente com a reflexão feita por essa mesma professora, que afirmou ver a literatura como parte de nosso cotidiano. Essa coerência entre o que a professora diz fazer e o que ela refletiu sobre seu próprio fazer é importante para uma discussão acerca da racionalização do fazer docente, discussão essa que expandiremos em mais detalhe na sequência.

Em outra pergunta do questionário, as professoras discorreram sobre os tipos de saberes e conhecimentos importantes em sua prática, em uma referência mais direta ao tópico de

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racionalização sobre o fazer docente. A primeira professora declara que já trabalhou com projetos de leitura voltados para incentivar a “leitura por fruição”, mas que atualmente “o incentivo vem através dos gêneros tratados em sala de aula”. De modo condizente com esse foco nos gêneros, ela acrescenta que:

os livros didáticos trazem uma grande variedade de gêneros textuais, alguns literários e outros não (...). Cotidianamente trabalho noções gramaticais de forma contextualizada, temas e gêneros variados. Esse ano participei da Olimpíada de Língua Portuguesa com o gênero Memórias Literárias, que consistiu em várias oficinas e etapas que levaram a uma produção do gênero com base em uma entrevista (Professora 1).

Já a segunda professora, ao discutir conhecimentos úteis para sua atuação, afirma que é importante buscar conhecimento a partir da troca de experiências com outros colegas de trabalho, uma atitude que ela acredita enriquecer sua vivência da profissão. Ela ainda fala que seu conhecimento:

é fruto de pesquisa diária sobre o conteúdo que estou trabalhando com as turmas que leciono (...) e sobretudo a maturidade que vai se adquirindo com o passar dos anos em sala de aula, pois cada turma tem seu perfil, seu tempo para aprender e nem sempre conteúdos e propostas que desenvolvemos em uma se concretizam em outra. Desta forma, acredito que é muito importante você sempre se aprimorar intelectualmente, buscar formações, estudar; entretanto, o maior aprendizado de um professor está no ambiente escolar, na interação com os seus educandos (Professora 2).

Olhando essas respostas, podemos elaborar algumas considerações acerca da relação diversa que as entrevistadas sugerem ter com a racionalização sobre seu fazer docente. A primeira professora destaca, em suas palavras, os gêneros textuais, os pontos gramaticais e temas variados como conhecimentos importantes em sua atuação. Com base na terminologia apresentada por Tardif (2014), basicamente os conhecimentos a que esta professora se refere são da ordem de saberes disciplinares e saberes curriculares. Segundo Tardif (2014), os saberes disciplinares “correspondem aos diversos campos do conhecimento”, citando como exemplo matemática, história e literatura, sendo saberes que “emergem da tradição cultural e dos grupos sociais produtores de saberes” (TARDIF, 2014, p. 38). Já os saberes curriculares dizem respeito aos “discursos, objetivos, conteúdos e métodos a partir dos quais a instituição escolar categoriza e apresenta os saberes sociais por ela definidos e selecionados como modelos da cultura erudita e de formação” (TARDIF, 2014, p. 38).

Assim sendo, observamos que a primeira professora não menciona outros tipos de saberes importantes para o professor, ou seja: os de caráter pedagógico (“saberes da formação

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profissional” ou “saberes profissionais”) e experiencial (“saberes experienciais” ou “saberes práticos”, ainda conforme as categorias propostas por Tardif (2014)). É curioso que a professora não destaque nada relacionado com a vivência na sala de aula como elemento de formação para melhor performance em sala, e ao invés disso se concentre na questão dos conhecimentos da própria disciplina em si. Isso pode ser devido meramente a uma questão de interpretação da pergunta feita, porém não é essa a hipótese mais provável. É maior a probabilidade que esta professora simplesmente concentre sua ação e pense sua organização e fazer docente a partir da disciplina literária propriamente dita, mostrando, portanto, não ter muita proximidade com a racionalização de sua prática, já que não relaciona qualquer aspecto da maturidade gerada pela experiência como um conhecimento relevante.

De modo bastante diferente, a segunda professora parece ter uma afinidade maior com a racionalização de sua prática. Esta professora comenta a troca de experiências entre colegas como um conhecimento importante para agir na sala de aula. Isso sinaliza que a experiência, tanto individual quanto compartilhada por terceiros, é relevante e tem potencial para contribuir para a reflexão e melhoria da ação docente – lembrando que, como vimos anteriormente, Tardif (2013) e Nóvoa (2007) colocam como valiosa tal perspectiva de trocas e crescimento coletivo em processos de reflexão e racionalização entre pares. Além do mais, essa professora também menciona “a maturidade que se vai adquirindo com o passar dos anos em sala de aula”, novamente apontando a relevância dos saberes experienciais. Há também em sua fala a presença de elementos que apontam para a importância dos saberes disciplinares (com o uso da expressão “pesquisa diária sobre o conteúdo que estou trabalhando”) e dos saberes profissionais (com a expressão “se aprimorar intelectualmente, buscar formações, estudar”), como categorizado por Tardif (2013). Em suma, vemos, então, que a segunda professora reconhece uma gama de saberes mais ampla como saberes necessários para sua boa performance na profissão, além de valorizar a reflexão e trocas sobre suas práticas.

Ademais, ao detalhar as diferenças entre os perfis das turmas (como visto na resposta da professora, citada anteriormente), a segunda professora mostra ter desenvolvido a prática de reflexão e observação sobre seu próprio fazer docente. Isso pode ser dito porque é a partir da reflexão e autocrítica de sua vivência e experiência docente que a professora pode demonstrar seu entendimento de que uma experiência de sucesso com a turma A não necessariamente irá se repetir com a turma B, por conta dos perfis das turmas, seu “tempo de aprender” e outros elementos mencionados na resposta. Neste ponto, a professora demonstra e reitera a

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importância dos saberes experienciais como conhecimentos relevantes para o fazer docente, ao mesmo tempo que indica novamente sua afinidade com a racionalização da profissão. Em outras palavras, parece-nos que ela sabe por que faz o que faz, e esse seu saber vem, essencialmente, de sua própria experiência, de sua construção de um saber experiencial.

Cabe aqui, então, lembrar o que Tardif (2014) comenta sobre os resultados de uma carreira dedicada a pesquisas sobre os saberes docentes. Conforme o autor, suas pesquisas indicam que:

para os professores, os saberes adquiridos através da experiência profissional constituem os fundamentos de sua competência. É a partir deles que os professores julgam sua formação (...). é igualmente a partir deles que julgam a pertinência ou o realismo das reformas introduzidas nos programas ou nos métodos. Enfim, é ainda a partir dos saberes experienciais que os professores concebem os modelos de excelência profissional dentro de sua profissão (TARDIF, 2014, p. 48).

Como a segunda professora destaca que seu “maior aprendizado é na interação com os seus educandos”, vemos mais uma vez que esta docente tem sua prática alinhada com a questão da racionalização. Dizemos isso porque a interação com os alunos é parte fundamental da prática docente e está intrinsicamente próxima da questão dos saberes docentes e da racionalização sobre os mesmos. Segundo Tardif (2014), mais uma vez:

é sempre possível manter os alunos “presos” fisicamente numa sala de aula, mas é impossível levá-los a aprender sem obter, de uma maneira ou de outra, seu consentimento, sua colaboração voluntária. A fim de aprender, os alunos devem tornar-se, de uma maneira ou de outra, os atores de sua própria aprendizagem, pois ninguém pode aprender em lugar deles. Transformar os alunos em atores, isto é, em

parceiros da interação pedagógica, parece-nos ser a tarefa em torno da qual se articulam e ganham sentido todos os saberes do professor (TARDIF, 2014, p.

221-222, grifos nossos).

Em outras palavras, os saberes docentes, que são mais do que apenas os saberes da disciplina ensinada, e incluem ainda os saberes de formação pedagógica profissional, os saberes da estrutura curricular e escolar, e os saberes da vivência experiencial, devem ser articulados devidamente na racionalização do professor sobre sua atuação, de modo a conseguir entrar em contato com o outro (isto é, o aluno) com sucesso, em uma parceria a favor da aprendizagem. Sem racionalização sobre o que o professor faz, por que faz de um jeito ou de outro, os saberes não são propriamente articulados ou assimilados, e isso resulta em dificuldades de ensino e de relacionamento entre professor e aluno. Assim sendo, é notória a importância da racionalização, uma prática que vimos estar mais próxima da segunda professora entrevistada do que da primeira, pois a partir dessa racionalização o professor entende a pluralidade de saberes

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pertinentes à sua prática, e vislumbra melhores formas de articular esses saberes em prol de sua melhor ação docente.

Considerações finais

Acreditamos que a racionalização sobre o fazer docente é passo tão fundamental para o professor quanto a necessidade evidente de o mesmo estar presente na sala de aula. Em outras palavras, a delicada tarefa de ensinar, tão delicada quanto socialmente relevante, para o seu maior sucesso de realização, exige que a racionalização do professor seja algo cotidiano e devidamente valorizado. A partir da reflexão sobre o que se faz, por que se faz, como se faz, etc., o professor racionaliza sua ação e pode se ver muito melhor amparado para sanar dificuldades, aprimorar aspectos específicos e desenvolver sua tarefa com mais maturidade, consciência e domínio.

No entanto, para que isso ocorra, e considerando o ritmo frenético de trabalho que costuma acompanhar cada professor, como discutimos no início deste estudo, é fundamental que o mesmo não esteja sozinho nesta empreitada. Os ambientes educacionais devem favorecer a prática da reflexão, racionalização e compartilhamento, criando oportunidades para isso, especialmente dentro da carga horária atribulada do professor. Deve ser criado um modo de incentivo e valorização desta prática da racionalização, pois da mesma só podem resultar coisas boas e benéficas ao ensino e ao próprio docente como agente escolar relevante ao processo educativo. Esperamos que nosso estudo tenha contribuído para a discussão sobre a atuação docente, ao reiterar a importância da racionalização do professor e consequentemente do desenvolvimento cotidiano desta prática, que deve, reforçamos mais uma vez, ser urgentemente incorporada e valorizada pelas escolas e pelos membros da comunidade escolar.

REFERÊNCIAS

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FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 25ª ed. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1996.

GAUTHIER, Clermont et al. Por uma teoria da pedagogia: pesquisas contemporâneas sobre o saber docente. 2ª ed. Ijuí: Editora Unijuí, 2006.

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NÓVOA, António. Formação de professores e profissão docente. In: ______. (Coord.). Os

professores e a sua formação. Lisboa: Editora Dom Quixote, 1992. p. 13-39.

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Referências

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