• Nenhum resultado encontrado

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO ACADÊMICO DO AGRESTE NÚCLEO DE DESIGN

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO ACADÊMICO DO AGRESTE NÚCLEO DE DESIGN"

Copied!
102
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO ACADÊMICO DO AGRESTE

NÚCLEO DE DESIGN

PEQUENOS BRINCANTES: O MARACATU RURAL NASCE,

CRESCE, SE REPRODUZ, MAS NUNCA MORRE.

HELENA RAFAELA MAGALHÃES GALVÃO

CARUARU 2015

(2)

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO ACADÊMICO DO AGRESTE

NÚCLEO DE DESIGN

PEQUENOS BRINCANTES: O MARACATU RURAL NASCE,

CRESCE, SE REPRODUZ, MAS NUNCA MORRE.

Monografia apresentada á Universidade Federal de Pernambuco, Centro Acadêmico do Agreste, com o desiderato de ser avaliado como pré-requisito para a obtenção do grau de bacharel no Curso de Design, sob orientação do Professor Eduardo Romero Lopes Barbosa.

HELENA RAFAELA MAGALHÃES GALVÃO

CARUARU 2015

(3)

Catalogação na fonte:

Bibliotecária - Simone Xavier CRB/4-1242

G182p Galvão, Helena Rafaela Magalhães.

Pequenos brincantes: o maracatu rural nasce, cresce, se reproduz, mas nunca morre.. / Helena Rafaela Magalhães Galvão. - Caruaru: O Autor, 2015.

102f. : il.; 30 cm.

Orientador: Eduardo Romero Lopes Barbosa.

Monografia (Trabalho de Conclusão de Curso) – Universidade Federal de Pernambuco, CAA, Design, 2015.

Inclui referências bibliográficas

1. Roupas infantis. 2. Imaginário. 3. Maracatu - Pernambuco. I. Barbosa, Eduardo Romero Lopes. (Orientador). II. Título.

740 CDD (23. ed.) UFPE (CAA 2015-054)

(4)

BANCA EXAMINADORA

Aprovada em: 24 / 02 / 2015.

Prof. Eduardo Romero Lopes Barbosa

Prof. Drª. Daniella Rodrigues de Farias

(5)

À Bruna Rafaela, minha irmã, que em sua espontaneidade infantil, desperta novos sonhos em mim.

(6)

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus, porque dele veio a motivação e a coragem para não desistir no meio do caminho.

À minha família, que acompanhou minha trajetória durante o curso, que esteve comigo em vários momentos importantes desta graduação e que por vezes sofreu ao ver todo sacrifício para concretizar meu sonho.

Ao meu noivo, porque dele recebi todo incentivo, compreensão e ajuda durante meu percurso acadêmico deste o princípio. Agradeço a ele, principalmente no que diz respeito a este trabalho, por ter me acompanhado durante as visitas a Nazaré da Mata e ter se empenhado ao máximo para colaborar no que fosse possível.

Agradeço a Universidade Federal de Pernambuco – UFPE/CAA, pela oportunidade de realizar esta graduação e pelo excelente trabalho realizado por todos os profissionais da instituição que colaboraram para o meu desenvolvimento acadêmico, profissional e pessoal ao longo destes nove períodos.

Meu sincero agradecimento ao professor Eduardo Romero, que sempre se mostrou acessível e interessado para me orientar durante esta pesquisa. Agradeço a disponibilidade e dedicação que pude ver não só comigo, mas também com meus outros colegas orientandos.

Agradeço, também, a todos os amigos que estiveram presentes na minha história durante o curso de Design. Obrigada aos amigos de todas as turmas e períodos, aos amigos da van, aos amigos de outros cursos, aos professores que se tornaram amigos e a todos que me fizeram sentir que valeu a pena.

Por fim, quero agradecer aos Brincantes do Maracatu Rural, aos maracatuzeiros e as pessoas da cidade de Nazaré da Mata, que se mostraram sempre muito prestativas nas ocasiões em que estive no município realizando meu estudo. Sou extremamente grata, por poder presenciar o orgulho dos que participam do Maracatu Rural. Sou grata por ter tido a oportunidade de observar tanta alegria, tanta emoção, tanta dedicação à manutenção de um bem cultural que representa a meu ver, mais que um folguedo, representa a essência de um povo.

(7)

“Toda busca de liberdade e dignidade num ambiente de opressão remete a luta real ou simbólica.” Roseana Medeiros

(8)

RESUMO

Esta pesquisa envolve a criação de uma coleção de moda infantil, tendo como referência os sistemas simbólicos do Maracatu Sonho de Criança, da cidade de Nazaré da Mata – PE, para a compreensão e identificação da simbologia e mitologia que constituem a cultura e o imaginário que se refletem na estética deste grupo. Esta pesquisa se apoia, portanto, na Teoria do Imaginário de Gilbert Durand, a qual leva em consideração a sensibilidade e a subjetividade humana na construção dos significados. Neste projeto se desenvolveram produtos sob a perspectiva do Design de Moda através da elaboração de resignificações simbólicas, partindo da análise cultural e imaginativa do Maracatu Rural Mirim - Sonho de Criança.

(9)

ABSTRACT

This research involves the creation of a children's fashion collection, with reference to the symbolic systems of Maracatu Sonho de Criança, the town of Nazaré da Mata - PE , for the understanding and identification of the symbolism and mythology that constitute the culture and the imagery that are reflected in the aesthetics of this group. This research therefore supports the imaginary theory of Gilbert Durand , which takes into account the sensitivity and human subjectivity in the construction of meanings. In this project have developed products from the perspective of Fashion Design by developing resignifications symbolic, based on the cultural and imaginative analysis of Maracatu Rural Mirim – Sonho de Criança.

Keywords: Fashion , Children , Imaginary , Maracatu Rural.

(10)

LISTAS DE FIGURAS

Figura 1 Cena do clipe Maracatu Atômico – Chico Science e Nação Zumbi ... 30

Figura 2 Abrigo de ônibus Publique Mídia Externa, bairro do Recife Antigo ... 31

Figura 3 Coleção Maracatu FARM RIO e adidas Originals ... 32

Figura 4 Estampa Verão 2011 Amapô para SPFW, inspirada no Maracatu. ... 32

Figura 5 Desfile Verão 2011, Amapô para SPFW, inspiração Maracatu. ... 33

Figura 6 Desfile Verão 2011, Ronaldo Fraga para SPFW. ... 33

Figura 7 Bolsa gabinete irmãos Campana para grife Louis Vuitton ... 34

Figura 8 Roupas das Baianas e da corte Maracatu Sonho de Criança ... 58

Figura 9 Instrumentos do Maracatu Rural ... 59

Figura 10 Surrão dos lanceiros ... 59

Figura 11 Fôfa, calça do caboclo de lança feita em chita ... 60

Figura 12 Detalhe gola Maracatu Sonho de Criança ... 61

Figura 13 Detalhe ornamentação feita para o carnaval ... 61

Figura 14 Traje caboclo de lança do Maracatu Sonho de Criança ... 62

Figura 15 Entrada da Sambada no Engenho Santa Fé ... 63

Figura 16 Galpão da Sambada ... 66

Figura 17 Gola do caboclo de lança como ornamentação da mesa dos mestres maracatuzeiros ... 67

Figura 18 Veste de caboclo de lança utilizada como decoração ... 67

Figura 19 Boneco de lanceiro, ornamentação Sambada ... 68

Figura 20 Cortina Espaço Mauro Mota ... 74

Figura 21 Mesa Engenho Santa Fé ... 74

Figura 22 Detalhe gola Maracatu Sonho de Criança ... 75

Figura 23 Detalhe gola Maracatu adulto, Engenho Santa Fé ... 75

Figura 24 Moda Infantil ... 79

Figura 25 Clientes - Meninas de 2 a 6 anos ... 80

Figura 26 Painel Tema - Heróis ... 83

Figura 27 Painel - Conceito de Coleção ... 84

Figura 28 Painel Inspiração – O lanceiro, suas formas e suas cores ... 85

Figura 29 Painel - Modelagens de inspiração ... 86

Figura 30 Painel - Materiais e estampas ... 87

Figura 31 Painel - Cartela de Cores ... 88

Figura 32 Painel – Estudo de modelagem e esbocos coleção Pequenos Brincantes ... 89

Figura 33 Coleção Pequenos Brincantes – look 1 e look 2 ... 91

Figura 34 Coleção Pequenos Brincantes – look 3 e look 4 ... 92

(11)

LISTA DE TABELAS

(12)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 13

MARACATU RURAL ... 17

1. Nasce o Maracatu Rural: raízes da Brincadeira. ... 18

1.1. Cresce o Maracatu Rural: o maracatu vê e é visto pelo mundo ... 23

1.2. Se reproduz o Maracatu Rural: no mundo, na mídia e na moda ... 28

1.3. O Maracatu Rural nunca morrerá: Maracatu Sonho de Criança ... 35

TEORIA DO IMAGINÁRIO ... 39

2. Abordagens sobre o imaginário ... 40

2.1. A Teoria do Imaginário de Gilbert Durand ... 42

MARACATU RURAL: DESENVOLVENDO A COLEÇÃO ... 51

3.1 Metodologia ... 52

3.1.1 Método fenomenológico ... 52

3.1.2 Método etnográfico e técnicas de pesquisa ... 54

3.1.3 Visita ao campo e levantamento de dados ... 57

3.2 Maracatu Rural e a teoria do Imaginário – Análise e discussões ... 70

3.3 Metodologia projetual ... 76

3.4 Desenvolvimento da coleção ... 78

3.4.1 Briefing da Coleção ... 79

3.4.2 Pesquisa e desenvolvimento ... 85

COLEÇÃO PEQUENOS BRINCANTES ... 89

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 94

REFERÊNCIAS ... 97

REFERÊNCIAS DE IMAGENS ... 101

(13)
(14)

INTRODUÇÃO

A Cultura e suas manifestações são plenas de símbolos, elementos estéticos e padrões visuais que traduzem a forma como os povos se relacionam com o Mundo e com todas as coisas que os cercam. Partindo deste pressuposto esta pesquisa se propõe ao desenvolvimento de uma coleção de moda infantil, inspirada no imaginário do Maracatu Rural pernambucano.

O Maracatu Rural, Maracatu de Orquestra, ou, Maracatu de Baque Solto é oriundo da Zona da Mata Norte pernambucana, e dentro do Estado sua imagem é facilmente associada como símbolo de identidade cultural. Este folguedo ou

Brinquedo é reconhecido pela variedade de elementos visuais, cores vibrantes,

trajes robustos e pelos movimentos ao longo da evolução nos desfiles que convergem em uma estética muito particular. Essa estética própria é resultante das relações dos brincantes com o contexto sociocultural em que estão inseridos, e nasce da necessidade humana de simbolizar.

O desenvolvimento da coleção a que se propõe essa pesquisa trata do sensível, subjetivo e do imaginário do Maracatu Rural, observando o que transcende a beleza e exuberância dos trajes. A busca é pelo reconhecimento do universo simbólico e mítico que constituem a estrutura fundamental da manifestação popular em questão como referencial para o Design de Moda.

Considerando a grandiosidade do movimento do Maracatu Rural e a quantidade de grupos pertencentes a esse seguimento, esta pesquisa toma como objeto de estudo o grupo Maracatu Sonho de Criança da cidade de Nazaré da Mata - PE. A escolha do referido grupo de Maracatu Rural se dá tendo em vista que o mesmo trabalha o maracatu voltado para o universo infantil, e também porque é no Maracatu Rural mirim que estão às novas gerações de maracatuzeiros as quais carregam a responsabilidade de aprender, respeitar e transmitir a tradição para as gerações futuras. A análise do Maracatu Sonho de Criança permite ainda identificar o simbolismo das crianças que vivem o maracatu desde muito pequenas através das relações familiares e com a comunidade.

A grande área de pesquisa na qual se inscreve este trabalho monográfico é a de Design de Moda e Cultura. Propõe-se o estudo dos sistemas simbólicos do Maracatu Rural Mirim - Sonho de Criança sob a perspectiva da Teoria do Imaginário

(15)

de Gilbert Durand como referência para o desenvolvimento de projeto de coleção de moda infantil.

Assim, o objetivo geral é desenvolver uma coleção de moda feminina infantil inspirada no estudo dos sistemas simbólicos do Maracatu Sonho de Criança, sob a perspectiva da Teoria do Imaginário de Gilbert Durand. Para atingir o objetivo geral foram determinados os objetivos específicos os quais são analisar os sistemas simbólicos e o imaginário do Maracatu Sonho de Criança, compreender a Teoria do Imaginário de Gilbert Durand e criar uma coleção de Design de Moda.

Portanto para fim de compreensão e contextualização a cerca do Maracatu Rural foi realizado um levantamento teórico no capítulo 1, abordando pontos como a origem do Brinquedo na Zona da Mata Norte Pernambucana, a conquista do espaço urbano, as novas modalidades da brincadeira e novas formas de consumo do folguedo. Por fim, este capítulo traz a relação do Maracatu Rural com as novas gerações de Brincantes, a exemplo do Maracatu Mirim - Sonho de Criança de Nazaré da Mata.

Visando à análise do Maracatu Rural e sua essência sob uma abordagem que considere as dimensões sensíveis e imateriais que o constituem, a Teoria do imaginário de Gilbert Durand mostra-se como suporte teórico para a identificação e compreensão da mitosimbologia que envolve essa manifestação cultural popular. Sendo assim, o capítulo 2 trata, portanto, de explanar sobre a Teoria do Imaginário considerando primeiramente os percussores do pensamento sobre Imaginário e, por conseguinte o desenvolvimento desse pensamento segundo Gilbert Durand.

O capítulo 3 expõe a metodologia e as diretrizes do projeto de coleção de moda infantil proposto para a pesquisa. São apresentadas as bases metodológicas utilizadas no trabalho e as etapas de desenvolvimento da coleção. São apresentados seis looks desenvolvidos sob os princípios do Design de Moda e inspirados no estudo subjetivo e imagético do Maracatu Sonho de Criança. A coleção Pequenos Brincantes é apresentada como resultado das ressignificações simbólicas criadas através do estudo interdisciplinar a cerca do Design e do Imaginário.

Por fim, o quarto capítulo compreende as considerações finais da pesquisa, observando os pontos relevantes e expressivos do trabalho em questão, principalmente no que concerne ao campo dos estudos do Design.

(16)

O estudo proposto nesta pesquisa monográfica é relevante para o campo do Design no que diz respeito à observação dos sistemas simbólicos existente em manifestações populares, tais como o Maracatu Rural, onde se proporciona uma oportunidade de ampliar o repertório imagético e identificar novos caminhos para o desenvolvimento de ressignificações simbólicas que possam ser traduzidas em produtos e bens de consumo. O Design se insere no campo das ciências humanas e deve, portanto, observar e valorar as relações humanas e culturais como ponto significativo do estudo para o desenvolvimento de projetos e elaboração de artefatos.

Do ponto de vista social e cultural este trabalho é também relevante visto que promove o conhecimento sobre o Maracatu Rural Pernambucano, priorizando não apenas os aspectos estéticos e visuais do Brinquedo, os quais geralmente são mais explorados e vinculados na mídia e nos informes sobre o movimento Maracatu. A manifestação popular, chamada Maracatu Rural é repleta de conteúdo mítico e simbólico que fundamenta a brincadeira e que move os grupos e os participantes a colocarem as alegorias nas ruas durante o carnaval. O imaginário do Maracatu Rural pernambucano é o que sustenta os maracatuzeiros e mantém viva a tradição, merecendo ser valorado, onde os adornos e as fantasias refletem ideais, espiritualidade e subjetividade.

Para o meio acadêmico esta pesquisa se justifica visto que a mesma se constrói a partir do estudo de diversas áreas do conhecimento como o Design e o Imaginário, portanto multidisciplinar, o que a torna uma fonte de informação rica e significativa, podendo contemplar outros estudos. O trabalho exposto promove ainda o crescimento do acervo sobre a temática do Maracatu Rural, sendo importante para os pesquisadores das áreas de Ciências Sociais e Humanas, Artes e Comunicações.

(17)
(18)

MARACATU RURAL

1.1 Nasce o Maracatu Rural: raízes da Brincadeira

O Maracatu Rural é uma manifestação popular envolta em um universo que relaciona questões sociais, religiosas e individuais, traduzidas em ritmo, dança e performance.

Para compreender o Maracatu Rural Pernambucano algumas questões históricas são de grande relevância, principalmente no que se refere à formação da região e da cultura onde a brincadeira tem sua origem. A construção dos engenhos de açúcar é uma das questões importantes para a instituição do Maracatu Rural em Pernambuco. A monocultura da cana-de-açúcar modificou o cenário social nordestino, visto que famílias foram removidas de suas terras em favor do plantio da cana, povos fugiram para os sertões e matas, e outros acabaram se adaptando e rendendo-se a imposição dos novos modos.

Para se fazer a sacarocracia foi necessário desalojar ou exterminar populações que não se submeteram ao novo modo de produzir ou garantir a sua sobrevivência que lhes fora posto. Aquelas populações eram coletores da natureza, com rudimentares atividades de agricultura, tecelagem e cerâmica. Assim, modos de vida se confrontaram e, aquele tecnologicamente mais complexo veio a impor seus hábitos e padrões culturais (SILVA, 2008, p.96).

Silva (2008) ressalta que no processo da inserção da cana-de-açúcar no Nordeste, muitas vezes, os senhores e donos de propriedades são historicamente muito mais reconhecidos e citados, sendo as camadas sociais mais pobres simplesmente consideradas coadjuvantes na construção econômica e cultural local. A produção cultural e imaterial do povo acabou, portanto, sendo ignorada durante muito tempo. Sobre a situação do povo no período dos engenhos Silva (2008) discorre:

[...] essa população que continuava a trabalhar nos engenhos e nas grandes propriedades, pouco se falava sobre ela ou se tinha consciência de sua existência; dela se dava conta apenas em momentos de grave seca e fome por conta de seu deslocamento para a capital (p.98).

Os trabalhadores da monocultura da cana, subservientes aos senhores de engenho, passaram a elaborar normas e simbolizar o mundo em que viviam como meio de inserirem-se na sociedade e de afirmarem-se como sujeitos culturalmente

(19)

participativos. Os engenhos do açúcar propiciaram processos de interação cultural entre mestiços, negros, indígenas e brancos da classe menos favorecida, e por meio da criatividade nasceram novos ritos, danças, movimentos, cantos e canções consequentes desse intercâmbio de experiências e visões de mundo (SILVA, 2008).

De acordo com Silva (2008) os movimentos criativos e novos símbolos gerados pela população pobre refletem não apenas a necessidade de inserção e afirmação social, mas também expõe as tensões e os conflitos vividos entre as comunidades marginalizadas e a elite. Através das danças, cantos e da teatralidade o povo reivindica, satiriza e resiste à cultura dominante.

Em Pernambuco, dentro do contexto dos engenhos de açúcar e o exercício da criatividade pelos trabalhadores, destaca-se a Zona da Mata Norte. Silva justifica:

O Norte dessa zona geográfica tem conseguido expor melhor a criatividade, talvez por ser uma região mais tardia do domínio do latifúndio canavieiro, talvez pela tradição itamaracaense, menos rígida que a dos albuquerques de Pernambuco. Embora os comportamentos dos senhores pouco se diferenciem no tratamento aos seus escravos, a presença de pequenos sítios e médios proprietários em maior número, além do fim quase precoce da escravidão, talvez pela venda de escravos, talvez pela tradição mais mercantil por conta do porto de Goiana, da sua feira, o que poderia ter promovido um maior contato de grupos sociais (2008, p. 102).

Tendo a Zona da Mata Norte pernambucana e o canavial como cenário, surgem algumas manifestações de cultura popular no período de transição do regime escravista ao abolicionista e da substituição dos engenhos pelas usinas de açúcar, tais como a Ciranda, o Coco, o Cavalo Marinho e o Maracatu Rural. Para Silva (2008) esses “brinquedos” são cartársicos e indicadores de desejos de mudanças sociais, debatem questões do cotidiano e apresentam as muitas atividades de uma economia que vai além da monotonia da cana de açúcar (2008, p.103). A temática destes folguedos revela principalmente as relações entre os trabalhadores rurais e os proprietários das terras, a espiritualidade e a fuga as angústias retratadas em forma de dança, ritmo e teatro.

Santos (2012) discorre sobre a origem do Maracatu Rural apontando a relação com a vida na senzala, o movimento de abolição e a presença dos negros como moradores dos engenhos de açúcar na Mata Norte, observando que esse novos homens livres adotaram na época alguns comportamentos/manifestações muito semelhantes ao que se vê atualmente na formação do Maracatu Rural e do

(20)

personagem caboclo de lança. Santos cita o uso de chocalhos, da lança e do chapéu afunilado já pelos negros dos engenhos em algumas celebrações e festejos. O Maracatu Rural se relacionaria também com a cultura africana pela perspectiva de se tratar de uma variante da Cambinda. Essa suposição da origem do Maracatu Rural pode ser justificada pelo uso do termo Cambinda associado ao nome de vários grupos de Maracatu e também porque na maneira inicial da brincadeira algumas características eram compartilhadas pelos dois folguedos, tais como a formação exclusivamente masculina, a presença de homens vestidos de mulheres representando a figura das baianas e o uso da boneca (VICENTE, 2005).

Silva (2008) fala sobre o começo do Maracatu Rural na Mata Norte, exemplificando o ocorrido nas cidades de Nazaré da Mata e Igarassu do século XIX e XX, onde os moradores brancos nativos destas regiões viram-se rodeados por outros povos, como os escravos libertos e os mestiços que viviam na periferia local, e através da interação entres esses grupos sociais teriam surgido movimentos criativos anunciando o que conhecemos hoje por Carnaval. Silva (2008) converge com Vicente (2005) citando também as cambindas e o ato dos homens se vestirem como mulheres nesses festejos.

Vicente (2005) cita pesquisadores como Roberto Benjamim (1982) e Katarina Real (1990) que relacionam a origem do Maracatu Rural com as tradições africanas e quilombolas da Zona da Mata, enquanto Ascenso Ferreira e Olímpio Bonald (1991) apontam o Maracatu Rural como variante dos Maracatus urbanos antigos, e os caboclos de lança como personagens oriundos da linha indígena da umbanda, sendo os filhos de Ogum.

A dificuldade em determinar com exatidão de onde partiu o Maracatu Rural é uma possível consequência da ausência de registros mais antigos sobre o folguedo, sendo as pesquisas sobre o tema relativamente recentes e também porque não há documentos da época em que o brinquedo foi originado. O Maracatu Rural é um movimento criado pelas classes menos favorecidas, não interessando a elite contemporânea ao seu surgimento registra-lo como fato cultural. Vicente (2005) ressalta que trabalhos significativos sobre o folguedo surgiram a partir da década de 1990 e Silva aponta:

Só recentemente essas tradições estão sendo acatadas, seja no mundo da imprensa, biruta que aponta para onde corre o vento do poder, seja no mundo acadêmico, um pouco mais lento para cuidar do que existe para além do seu entorno imediato (2008, p.102).

(21)

Sobre o surgimento do Maracatu Rural, além do contexto social outro fator é bastante relevante, a religiosidade. A formação do Maracatu Rural carrega traços de culturas diversas (africana, indígena e europeia) e dessas culturas os aspectos religiosos e espirituais se apresentam na construção simbólica da brincadeira de forma marcante. Brincar Maracatu Rural significa conhecer e respeitar o Sagrado - o mistério do brinquedo -, no Maracatu quem está brincando precisa ter respeito, estar com o corpo fechado, pois quem toma parte no Maracatu está mais vulnerável aos maus sentimentos, ao desmantelo (CHAVES, 2011, p. 93). Sobre a questão da pluralidade religiosa no Maracatu Rural Pernambucano:

Este, comprovadamente, é marcado por polivalências religiosas que entrelaçam rituais da jurema, da umbanda, do catolicismo popular, do espiritismo e de elementos orientais e esotéricos. Elementos diversos e polifônicos que se encontram, não simplesmente justapostos mas, difusos e interdependentes, podendo ultrapassar ou atenuar as fronteiras de classe (SENA, 2014).

Sena (2014) ressalta a relação da religiosidade com a cultura popular no Brasil, observando que da variedade cultural e religiosa do país originou-se um jeito de ser brasileiro e de relacionar-se com as coisas do Mundo e as coisas divinas. As manifestações populares, os brinquedos e folguedos representam muitas vezes a relação entre os homens e a espiritualidade, e várias delas se associam a períodos de comemoração religiosa a exemplo do Cavalo Marinho no período Natalino e do Maracatu Rural no Carnaval (que antecede o período de quaresma) na Zona da Mata Pernambucana.

No Maracatu Rural a religiosidade é percebida de modo plural, devido à mistura de povos e culturas que originaram o brinquedo. Para falar de religiosidade e Maracatu Rural, Sena (2014) utiliza os estudos de circularidade, no qual a produção simbólica está diretamente vinculada à intercomunicação cultural, levando em consideração a troca de símbolos e novas apropriações dentro de contextos sociais, políticos e econômicos diferentes. Deste modo a religiosidade no Maracatu Rural é compreendida como resultado da circularidade entre as culturas africanas, indígenas e brasileiras da época em que este se constituiu. O misto de influências religiosas presentes no Maracatu Rural traz aspectos das tradições afro-brasileiras como a

(22)

umbanda e jurema, do catolicismo, traços da doutrina espirita Kardecista e ritos de oferendas e sacrifícios (SENA, 2014).

A importância religiosa e dos ritos no Maracatu Rural se tornam ainda mais evidentes à medida que se aproxima o período carnavalesco, pois os participantes preparam não apenas as fantasias e alegorias, mas principalmente o espírito. No documentário Samba de Cabôco (2004) fica claro o respeito dos brincantes com a preparação espiritual para o Maracatu, e a seriedade com que são tratados os banhos de ervas, os calços, as proibições sexuais, as limitações no manuseio da boneca calunga e o cumprimento das regras para participar da tradição, esses fatos se confirmam em Vieira (2012) e em Vicente (2005). Os brincantes do folguedo atribuem o sucesso da brincadeira ao respeito do Sagrado, e aquele que não obedece, automaticamente, coloca em risco todo o grupo.

Ainda sobre o Sagrado no Maracatu, Chaves (2011) coloca a perspectiva religiosa partindo dos relatos dos membros mais antigos da brincadeira, apresentando o brinquedo como uma invenção do diabo. Segundo Chaves a relação do diabo com o Maracatu “[...] se expressa no plano mítico, em que o diabo aparece como criador do Maracatu e, na dimensão ritual, em que o diabo faz parte do calço do Carnaval, a preparação espiritual (2011, p. 94). Para brincar o Maracatu Rural e garantir o sucesso, segundo os brincantes mais antigos, era comum os caboclos estabelecerem contratos com o diabo, ofertando a própria alma em troca de superação dos limites físicos e bom desempenho na brincadeira. É importante ressaltar que estas práticas se passavam no período inicial do brinquedo, onde o caráter de enfrentamento e violência entre os grupos de Maracatu Rural era natural:

Brincar de caboclo, no passado, era se aliar ao demônio e seus domínios em busca de uma vivência poderosa do confronto. A violência física é identificada como motivadora dos carnavais antigos, “a diversão era brigar”, e o pacto com o demônio, “o calço de antigamente”, era uma maneira de preparar o caboclo para a briga, para ele poder “sair no pau sem levar a pior” (CHAVES, 2011, p.97).

Dos fatos expostos até então sobre a instauração do Maracatu Rural na Zona da Mata Pernambucana pode-se concluir que esta foi resultante da interação de povos e culturas diversas, tendo como ponto comum o meio rural e a realidade da pobreza. A comunidade canavieira encontrou no Maracatu Rural um meio de

(23)

representar as tensões sociais vividas e manifestar a espiritualidade/religiosidade, sendo importante nessa representação a criação de alguns personagens e símbolos. Oliveira (2011) coloca a estrutura do Maracatu Rural apresentando os elementos que compõe o brinquedo, sendo eles: as Baianas, os Caboclos de Lança, Caboclos de Pena ou Arreia-Má, Corte Real, Orquestra, Toadas e as Sambadas. Outras figuras são acrescidas por Santos (2012) como a boneca Calunga, a Dama da Boneca, os Índios, o Mestre e o Mateus (ou Mateu), Catirina (ou Catita), o Caçador e a Burra Calu, que são personagens compartilhados com o folguedo Bumba-Meu-Boi. Todos estes personagens se articulam dentro de funções específicas para o funcionamento da brincadeira, valendo destacar os Caboclos de Lança como guerreiros que trabalham na proteção do grupo, a Catita que anuncia a chegada do Maracatu e pede licença para que este se apresente e o Mestre que conduz as toadas e puxa os versos (SÁBADOS AZUIS, 2011).

A partir da compreensão dos fatores que resultaram na criação do Maracatu Rural Pernambucano e dos personagens que compõe a brincadeira é possível perceber a reelaboração de sentidos culturais e a construção de uma simbólica que reflete a visão de mundo de um povo marginalizado. O Maracatu Rural surge como uma encenação popular, para o popular, sem a pretensão de ser identificada ou categorizada como cultura. Os participantes do brinquedo não apenas vestem as fantasiais, mas vestem também o conteúdo imaterial e mítico que dá sentido ao folguedo. Deste modo o Maracatu Rural se apresenta como uma invenção do homem simples para significar o mundo que habita e representar seus anseios através da dança, do ritmo, das fantasias e dos movimentos.

1.1. Cresce o Maracatu Rural: O Maracatu vê e é visto pelo Mundo.

Da criação do Maracatu Rural à contemporaneidade, ocorreram algumas mudanças principalmente no que diz respeito à estrutura dos grupos e a estética, fazendo do brinquedo um grande espetáculo. O Maracatu Rural se desloca do campo para a zona urbana e nesse percurso novos símbolos são introduzidos, adaptações são impostas e o caráter de divertimento do povo se converte em divertimento para o povo.

O Maracatu Rural chega à cidade do Recife por volta dos anos 30 do século XX, através de processos migratórios dos trabalhadores da zona rural por conta do

(24)

declínio da produção da cana-de-açúcar. Até então o folguedo não era conhecido na capital e nem estudado. No período em que o Maracatu Rural chegou ao Recife, já existiam grupos de batuque com a denominação Maracatu sendo estes do tipo Maracatu Nação ou de Baque Virado (VICENTE, 2005).

De acordo com Vicente (2005) os Maracatus Nação nasceram na região urbana do Recife entre os séculos XVIII e XIX, tendo sua origem ligada às tradições afro-brasileiras, como o Candomblé, e ao Catolicismo. Sobre o Maracatu Nação, Bezerra relata que:

[...] teve origem em Recife baseado no costume chamado de Instituto do Rei do Congo, que consistia na coroação de um rei negro (escravo liberto) que passaria a chefiar uma comarca, o rei e a rainha eram empossados no dia de Nossa Senhora do Rosário (2007, p.27).

A existência e aceitação dos grupos de Maracatu Nação na cidade do Recife, antes da chegada dos Maracatus Rurais, fez com que estes sofressem rejeição por parte da elite da capital, que via no Maracatu Rural uma imitação e depreciação daquele que já era feito na cidade. Afirma Lima (2005) sobre a situação dos Maracatus Rurais na cidade do Recife no período em que os estes chegaram a capital:

O de orquestra foi considerado como uma deturpação, descaracterização do modelo tradicional (no caso, os de baque virado) e não-autêntico, tendo sido perseguido até os anos 70, quando foi proibido de desfilar na passarela oficial da cidade durante o carnaval (p.5)

Dos fatores que diferenciam o Maracatu Rural do Maracatu Nação destacam-se a origem dos folguedos, as particularidades de ritmos e dos instrumentos, e os personagens que compõem cada maracatu. Na formação original do Maracatu Rural não existiam os personagens do Rei e da Rainha e nem a corte real (que são personagens originários do Maracatu Nação) estes foram introduzidos no folguedo a partir do momento em que o brinquedo passou a se apresentar na capital pernambucana, por exigência da Instituição denominada Federação Carnavalesca de Pernambuco (BEZERRA, 2007).

Conforme Bezerra:

A Federação Carnavalesca surgiu em 1935, durante o governo de Carlos de Lima Cavalcanti, com o intuito de promover festejos populares, ditando regras e critérios para que os folguedos pudessem se apresentar na passarela do carnaval. O Maracatu Rural era visto como uma distorção do Maracatu Nação, por esse motivo

(25)

sofreu grande pressão da Federação Carnavalesca para se adaptar as regras (2007, p.34).

Para conquistar espaço no carnaval Recifense os grupos de Maracatu Rural que foram se organizando na periferia da cidade precisaram incorporar um conjunto de novos elementos e símbolos que não pertenciam ao universo original da brincadeira. Segundo Vicente (2005, p.34) “[...] incorporar os personagens da corte real (núcleo do Maracatu Nação), permitir a participação de mulheres e ter uma ala mirim [...]” foram algumas das imposições ou condições determinadas pela Federação Carnavalesca de Pernambuco para que o Maracatu Rural pudesse desfilar no carnaval do Recife.

Nota-se, portanto, que a inserção do Maracatu Rural na zona urbana foi decorrente de mudanças na tradição e adequação aos requisitos da cultura dominante, sem que fossem levadas em consideração as relações históricas e míticas estabelecidas entre os brincantes e o brinquedo. Sobre a intervenção no modo de brincar Maracatu Rural, Santos (2012) coloca:

Essa imposição levou a duas situações: ou os maracatus aceitavam a imposição ou mudavam de baque. Foi o que ocorreu com o Almirante do Forte (embora os seus líderes neguem que a mudança de baque esteja relacionado ao fator financeiro), o maracatu Indiano, ao Cruzeiro do Forte que de uma forma ou de outra sofreram intervenções da Federação Carnavalesca. Pois ou se adequavam as exigências, ou não receberiam subsídios e consequentemente não participavam do concurso. O brinquedo passou a ser controlado pelos dominantes. O maracatu rural que surgiu como sinônimo de luto ou como uma brincadeira para aliviar ao duro trabalho dos engenhos mais uma vez deixa-se ser dominado (p.331).

Na passagem de Santos (2012) é possível perceber a pressão exercida pelos organizadores do carnaval recifense sobre Maracatu Rural. Os membros dos primeiros Maracatus de Orquestra do Recife tiveram que ceder e reconfigurar o folguedo originário da zona rural a fim de atender aos critérios da cidade grande, e de alguma forma se colocarem socialmente no novo espaço. Vicente (2005) afirma a função social do Maracatu no Recife e coloca que este folguedo “[...] funcionaria como um espaço lúdico e religioso onde os novos vizinhos, o novo ambiente social e as tradições e identidades advindas da origem rural pudessem ser reintegrados (p.34)”.

(26)

As adaptações foram sendo feitas, e o Maracatu Rural ganhou aos poucos em Recife posição de destaque e caráter de espetáculo. Partindo das análises de reportagens sobre os carnavais de 1980 e 1990 feitas por Vicente (2005) constatam-se mudanças de postura da população de Recife em relação aos Maracatus Rurais, principalmente na década de 1990, em que passam a ser aclamados pela beleza e qualidade nos desfiles da cidade. Uma nova perspectiva é apresentada:

[...] se anteriormente o Maracatu de Baque Solto era identificado como uma referência ao divertimento de um segmento social específico – trabalhadores rurais, migrantes, cujo sentido consistia na sua relação com seus integrantes, vemos, [...] reconfigurar-se um novo papel para o folguedo: o de espetáculo (VICENTE, 2005, p.64).

A espetacularização do Maracatu Rural é um fenômeno discutido por autores como Lima (2005), Oliveira (2011), Santos (2012) e Vicente (2005) e todos convergem em relação ao caráter profissional e comercial que os grupos de Maracatu Rural tomaram a partir das mudanças e intervenções sofridas pelo descolamento para a capital até a atualidade.

Os Maracatus Rurais tornaram-se também mais atraentes esteticamente, sendo a confecção das fantasias cada vez mais elaborada e rica em detalhes. O traje do personagem Caboclo de lança elucida perfeitamente o uso de novos recursos para tornar mais exuberante à apresentação, visto que os chapéus em forma de cone foram substituídos pelas cabeleiras de celofane, os vidrilhos que bordavam a gola foram trocados por lantejoulas que davam melhor efeito visual e as golas aumentaram consideravelmente de tamanho em relação à configuração inicial da fantasia do personagem em questão (VICENTE, 2005).

Transformado em uma grande apresentação, o Maracatu Rural na década de 1990, principalmente, é impulsionado por iniciativas e movimentos de cultura lançados na época. A criação da Associação dos Maracatus de Baque Solto, a produtora África Produções e o Movimento Manguebeat estão entre alguns dos fatores determinantes para garantir a maior visibilidade dos grupos de Maracatu Rural tanto no Recife, como fora do cenário Pernambucano (VICENTE, 2005). Destaca-se como contribuições segundo Vicente (2005):

- Associação dos Maracatus de Baque Solto: Fundada em 28 de abril de 1990,

tinha como finalidades promover, preservar e valorizar ações voltadas aos grupos de Maracatu Rural. A Associação foi importante também para a regulamentação dos

(27)

grupos de Maracatu Rural existentes, o que viabilizou o acesso a incentivos financeiros, políticos e a elaboração de regras para os brincantes. A criação da Associação também é vinculada a extinção do aspecto violento e de enfrentamento entre os Maracatus, deste modo a disputa muda o foco da superação de limites físicos entre os participantes para a superação estética entre os grupos.

- África Produções: produtora cultural voltada, principalmente, ao segmento de

cultura popular, atuante no cenário pernambucano. Esta foi responsável pela criação do Encontro dos Maracatus, inicialmente realizado no festival de Garanhuns em 1997 e que tradicionalmente ainda ocorre na cidade de Nazaré da Mata, não só no período de Carnaval. A produtora também promoveu a gravação de CDs de Maracatu Rural em estúdio através de projetos como o Projeto Maracatu Atômico.

- Movimento Manguebeat: “[...] foi formulado pelos músicos Chico Science, Jorge

du Peixe, Fred 04 e Renato L, como uma estratégia para chamar a atenção da imprensa e da sociedade para o cenário alternativo do Recife e seus músicos (p.96)”. O Movimento Manguebeat ganhou destaque no cenário musical brasileiro, voltando à atenção da mídia nacional para Pernambuco. Como um misto entre cultura popular e cultura de massa, o Manguebeat abre espaço para que a produção cultural e artística de Pernambuco na década de 1990, passe a ser notada e consumida dentro e fora do Estado. A contribuição do Manguebeat para a notoriedade do Maracatu Rural se dá, principalmente, pela valorização dos artistas populares, que foi promovida durante e depois do Movimento, a exemplo do Mestre Maracatuzeiro Manoel Salustiano.

Dado o novo cenário para a o produção cultural local, incentivado pelas ações da década de 1990, merece ressalva para o Maracatu Rural a figura de Mestre Salustiano, fundador do maracatu Piaba de Ouro. Salustiano foi representante da Associação dos Maracatus de Baque Solto, articulador entre os interesses dos grupos maracatuzeiros e os interesses político-público, e defensor da manutenção da tradição da brincadeira no Estado de Pernambuco (VICENTE, 2005). Mestre Salustiano também colaborou para a construção da imagem do Maracatu Rural difundindo a cultura popular por vários Estados do Brasil e em países do exterior como Cuba, Estados Unidos e França, segundo o site oficial da Casa da Rabeca do

Brasil (localizada na Cidade Tabajara, em Olinda).

Do entendimento dos acontecimentos históricos e dos fatores que interferiram na reconfiguração do Maracatu Rural, pode-se concluir que as mudanças ocorridas

(28)

no brinquedo foram necessárias para que este resistisse e se integrasse ao novo espaço sociocultural, chamado Recife. A brincadeira se reinventou, cresceu, tomando proporção e categoria de espetáculo. Os brincantes sofreram a mesma interferência que o brinquedo na cidade grande, e mudaram a forma de se relacionar com o folguedo, passando a observar o Maracatu Rural com mais profissionalismo, do que divertimento e espontaneidade.

1.2. Se Reproduz o Maracatu Rural: No Mundo, na Mídia e na Moda.

Eis que o Maracatu Rural se firma como manifestação cultural, e sua imagem, sua estética e seu personagem Caboclo de Lança se pluralizam como símbolos de identidade e identificação pernambucana. O percurso para o Maracatu se tornar símbolo de pernambucanidade se relaciona diretamente as estratégias da indústria cultural e de turismo que por meio de intervenções da Federação Carnavalesca e da elite fizeram dos grupos de maracatu objetos de consumo dentro e fora do Estado. De acordo com Lima (2005)

Sendo outrora considerados como práticas exclusivas dos negros, principalmente dos xangozeiros e catimbozeiros, os maracatus são atualmente um importante símbolo da identidade pernambucana, e este aspecto, qual seja, a inclusão no que se convencionou chamar de pernambucanidade, pode ser entendido como uma desafricanização e embraquecimento de tais práticas (p.7).

Ampliado do contexto de brincadeira popular, o Maracatu de orquestra passa a ser reproduzido na propaganda, na mídia, na música e na moda, considerando principalmente as características estéticas do folguedo. A fim de compreender o desenvolvimento das novas formas de reprodução do Maracatu Rural, serão tratadas primeiramente algumas questões sobre Cultura.

Parece apropriado, para esta discussão, entender o termo Cultura a partir da passagem: “"A cultura não é um retrato, algo parado, é um movimento" (SILVA, 2008, p.104). Isso significa dizer que a Cultura é transformação, adaptação e atualização. O trecho de Silva relaciona-se com o Maracatu Rural atual visto como Cultura, o qual passou por diversas mudanças ao longo dos anos, sofreu adaptações e reelaborações de sentido para resistir. As transformações ocorridas no Maracatu Rural foram necessárias para que este não se tornasse estático e perdido no tempo, o que ocasionalmente poderia levar ao desaparecimento da brincadeira.

(29)

Diante da definição de Cultura como algo predisposto a mudanças e atualizações, coloca-se o carácter dinâmico da cultura apresentado por Laraia (2007) onde se observa que a Cultura está em processo de constante modificação, gerando mudanças internas e/ou externas. As mudanças internas partem de dentro das próprias culturas quando estas contestam seus valores e comportamentos. Enquanto as mudanças externas são mais comuns e ocorrem por influência de fatores exteriores, como o avanço tecnológico, o contato com outras culturas e a mudança de espaço social.

No caso dos Maracatus Rurais, o dinamismo cultural se deu a partir das trocas simbólicas entre a comunidade rural e a urbana. As mudanças foram do tipo externas, promovidas pelas exigências de adequação aos requisitos da cidade grande e também em consequência da mudança do cenário social.

As explanações sobre Cultura feitas anteriormente e as relações estabelecidas com o Maracatu Rural dão suporte ao entendimento das novas apropriações e novas formas de reprodução que são feitas atualmente da brincadeira. Os processos de interação, dinamismo e movimento que são próprios da Cultura permitiram que os grupos de Maracatu de Baque Solto se transformassem e atingissem uma maior visibilidade através da espetacularização do folguedo, tornando-o atração turística, imagem de vinculação nos meios de comunicação e referência para música, criação e moda.

Das novas formas de reproduzir e representar o Maracatu Rural merece destaque o grupo musical Chico Science e Nação Zumbi da década de 1990, o qual utilizou a imagem do caboclo de lança e da zona rural em clipes como Maracatu

Atômico e que também introduziu as batidas e ritmos do Maracatu Rural e Nação, e

de outras expressões populares nas melodias das canções. Ucella e Lima (2013, p.116) apontam “[...] semelhanças entre o maracatu de Chico Science e o maracatu rural e nação” e estabelecem que “podemos relacionar a figura do atirador de toadas ou mestre do grupo presente nos maracatus com Chico Science, pois as canções do

Afrociberdelia (1996) se configuram como toadas de um maracatu “envenenado”, de

(30)

Figura 1: Cena do Clipe Maracatu Atômico – Chico Science e Nação Zumbi Fonte: (DA REDAÇÃO, 2013)

Além do setor musical, o de comunicação é outro que utiliza o Maracatu Rural como referência, sendo a imagem dos Caboclos de Lança a mais explorada para criação de campanhas de publicidade e propaganda. Confirma-se tal afirmação em Vicente (2005)

Acreditamos que o consumo do Maracatu Rural tem-se dado principalmente através do uso de sua imagem nos meios de comunicação. A contratação para apresentações, as visitas às sedes e a participação nas apresentações têm sido formas secundárias de consumo cultural se comparados à farta utilização da imagem do

caboclo de lança pela imprensa e pela publicidade (p.125).

A fim de exemplificar o uso do Maracatu Rural nas propagandas, apresenta-se o caso da emissora Globo Nordeste e o comercial com slogan “Isso é

Pernambuco, isso é Nordeste, isso é Brasil”, que apresenta diversas personalidades

e expressões da cultura pernambucana. Em dois desses comerciais a imagem do Maracatu Rural aparece vinculada à identidade de Pernambuco, e a figura do Caboclo de Lança predomina perante os outros elementos do folguedo. Ainda no segmento da propaganda e mídia, vários abrigos de ônibus da cidade do Recife apresentam atualmente, a imagem do caboclo de lança, sendo este um trabalho da empresa Publique Mídia Externa como mostra a figura 2.

(31)

Figura 2: Abrigo de ônibus Publique Mídia Externa, bairro do Recife Antigo. Fonte: Acervo do autor (2015).

O colorido, as formas, o movimento e a estética do maracatu inspiraram também a indústria criativa, originando produtos com a identidade do folguedo. No campo do Design de Superfície foi lançada pela empresa Sibrape em parceria com o designer Marcelo Rosembaum uma coleção de estampas para piscinas intitulada

Linha Maracatu Rosembaum. A linha de estampas é disponibilizada em seis

variantes e é própria para aplicação em piscinas de vinil segundo a página virtual da empresa Sibrape1.

O Design de Superfície também foi à alternativa escolhida pela empresa de moda FARM RIO em associação com a empresa adidas Originals, para desenvolver a coleção primavera/verão 2015 com referências no Maracatu Rural do Nordeste. Segundo a página virtual da FARM RIO2 “Com desenhos que fazem referência à música, à dança pernambucana e à cultura do Nordeste, a estampa Maracatu traz um toque de ousadia com seu fundo preto”. As peças de vestuário desenvolvidas vão desde jaquetas, leggings e moletons até mochilas e tênis. Conforme figura 3.

1

Para maiores informações sobre as padronagens e cores da linha Maracatu Rosembaum acessar: http://www.sibrape.com.br/produtos/estampas/linha-maracatu-rosenbaum/lista/.

2

(32)

Figura 3: Coleção Maracatu FARM RIO e adidas Originals. Fonte: (FARM, 2014)

Além da FARM RIO e adidas Originals outras empresas de moda também lançaram coleções com a temática do Maracatu Rural como é o caso da marca de moda Amapô e do estilista Ronaldo Fraga, que em 2011 apresentaram as propostas para o Verão na São Paulo Fashion Week (SPFW) baseadas no Maracatu do Nordeste. (Figuras 4, 5 e 6).

Figura 4: Estampa Verão 2011 Amapô para SPFW, inspirada no Maracatu. Fonte: (DO R7, 2010)

(33)

Figura 5: Desfile Verão 2011, Amapô para SPFW, inspiração Maracatu. Fonte: (SOUBHIA, 2010)

Figura 6: Desfile Verão 2011, Ronaldo Fraga para SPFW. Fonte: (BUENO, 2010)

Ainda no segmento de Design e Moda, vale ressaltar por último o trabalho realizado em 2012 pelos designers irmãos Campana para a internacional Louis Vuitton, no qual foi desenvolvida uma coleção de 12 bolsas com compartimentos

(34)

(prateleiras) inspiradas no Maracatu, mais especificamente no chapéu do caboclo de lança segundo Amanda Sequin (2012)3. Imagens das peças desenvolvidas para a Louis Vuitton conforme figura 7:

Figura 7: Bolsa gabinete irmãos Campana para grife Louis Vuitton Fonte: (FLACCO, 2013).

Os trabalhos apresentados até então, exemplificam o modo como o Maracatu Rural vem sendo recriado, reinterpretado e reproduzido pelos mais diversos segmentos, tornando-se bem de consumo até mesmo internacionalmente, podendo atingir públicos que se quer tiveram a oportunidade de conhecê-lo ou vê-lo pessoalmente.

Embora a difusão da imagem do Maracatu através de novos meios favoreça o crescimento do folguedo e estimule a continuidade das apresentações no Estado de Pernambuco, autores como Vicente (2005) abrem algumas discussões sobre a “predominância do consumo visual”, a exclusão de alguns elementos do maracatu em favor do destaque de outros (como o Caboclo de Lança) e o não reconhecimento financeiro dos maracatuzeiros para que as imagens e o conteúdo do maracatu sejam reproduzidos.

Os questionamentos de Vicente (2005) indicam que há na reprodução do Maracatu Rural duas situações opostas: uma onde a brincadeira ganhar em termos de maior visibilidade e outra onde a brincadeira acaba perdendo em identidade e no não reconhecimento ou menção àqueles que de fato fazem o folguedo existir, os brincantes.

3

Disponível em: http://casa.abril.com.br/materia/irmaos-campana-design-louis-vuitton#6 Acesso em [18/01/15]

(35)

1.1. O Maracatu Rural nunca morrerá: Maracatu Sonho de Criança.

“[...] Cultura não é um conjunto de conhecimentos a assimilar, mas é fruto de um esforço comum a todos “para compreender melhor o que se passa em volta de nós e explicar aos outros (BOSI, 2008, p.21). Do trecho anterior, pode-se depreender que a Cultura não pode ser ensinada, ela precisa ser vivida, ela é fruto da experiência humana e da tentativa de decodificar o Mundo e transmitir para os outros. O conceito de Cultura exposto anteriormente ilustra a motivação da cidade de Nazaré da Mata a criar entre tantos maracatus, um exclusivamente infantil, viver o maracatu ao invés de ensiná-lo.

O grupo de Maracatu Rural Mirim, nomeado de Maracatu Sonho de Criança, nasceu na cidade de Nazaré da Mata conhecida por “Terra do Maracatu”4 como iniciativa da Prefeitura da cidade, através do intermédio da Secretária de Educação do Município. O grupo está entre os 20 maracatus existentes na cidade e desfila desde 1997, ano em que foi fundado de acordo com o site da cidade de Nazaré da Mata5.

Segundo a página virtual da cidade de Nazaré da Mata, o Maracatu Sonho de Criança:

Mantém para as próximas gerações a beleza da Festa. Em um mundo cada vez mais globalizado, um dos maiores desafios de qualquer Cidade é com certeza, conseguir, manter a sua tradição cultural. E com Nazaré da Mata, na Zona da Mata Norte, do Estado de Pernambuco, não é diferente. A cidade dos Maracatus Rurais, popularmente conhecida como „Terra do Maracatu‟, está longe de perder o brilho e encantamento dos seus caboclos de lanças. Desde o ano de 1997, o Maracatu Mirim - Sonho de Criança, composto por mais de 70 crianças entre 10 e 14 anos, tem a missão de manter viva a herança centenária do Maracatu de Baque Solto, ou Maracatu Rural (NAZARÉ DA MATA6).

Através da inserção das crianças no Maracatu Rural, a cidade de Nazaré tenta preservar a brincadeira originada nos canaviais, tornado o espetáculo mais próximo dos pequenos e dando oportunidade para que desde a infância se participe e se vivencie a cultura local.

Sobre a atividade do Maracatu Sonho de Criança há ainda pouca documentação, deste modo este trabalho apresenta entrevista feita com uma

4 A página virtual da cidade de Nazaré da Mata atribui a cidade os títulos de “Terra do Maracatu” ou

“Capital do Maracatu”. Ver em: http://nazaredamata.pe.gov.br/nazare/

5

Ver em: http://nazaredamata.pe.gov.br/nazare/index.php/maracatu

6

(36)

representante do grupo a fim de contextualizar e ampliar a quantidade de dados. A entrevista que segue foi feita na própria cidade de Nazaré da Mata, em evento realizado pela prefeitura no Engenho Santa Fé, na oportunidade acontecia uma sambada no local e vários mestres de Maracatu disputavam loas7. Sobre o Maracatu Sonho de Criança segundo Edlamar (2014)8:

Helena: Qual seu nome?

Edlamar: Edlamar Ferreira Lopes. Helena: Qual sua idade?

Edlamar: 45 anos.

Helena: Onde você mora? Edlamar: Nazaré.

Helena: Qual a sua função no maracatu mirim? Edlamar: Sou produtora do maracatu mirim. Helena: Ai surgiu o maracatu com crianças, certo?

Edlamar: Da secretaria de educação foi à iniciativa, da secretaria,

com alunos de 8 a 14 anos.

Helena: Por que foi criado o maracatu infantil em Nazaré da Mata? Edlamar: Eu acredito que... Porque eu não fui da época, né, da

criação. Mas eu acredito que foi uma forma de preservar a origem, né, a cultura do município, né. Para ir passando de geração em geração. Eu acho importante que tenha, já que comece com criança, e ai a gente vai... que é o que acontece hoje, eles vão passando, saindo do mirim, entrando já no adulto.

Helena: Quantas pessoas estão envolvidas no maracatu mirim, de

Nazaré?

Edlamar: Os componentes? Helena: Aham. Mais ou menos? Edlamar: De 50 a 60.

Helena: Por que você participa desse maracatu?

Edlamar: Eu faço parte da secretaria de turismo, já há 10 anos. E ai

quando eu cheguei na secretaria, já existia, ai eu tomei a frente, né. Fico junto com a diretoria do maracatu, pra que a gente não possa deixar ele de fora, né, o maracatu mirim.

Helena: Qual a diferença entre o maracatu mirim e o maracatu

adulto?

Edlamar: Não tem diferença nenhuma. Porque o maracatu, ele tem

que está composto com todos os componentes. Então, não existe nenhuma diferença, o Maracatu Rural tudo é um só.

Helena: Existe algum símbolo que represente o maracatu mirim? Edlamar: É... No estandarte tem, eu acredito que é uma criança, por

ele ter o nome, né, Maracatu Mirim Sonho de Criança. Então, tem um menininho.

Helena: Qual a imagem que você logo pensa quando você lembra do

maracatu mirim?

Edlamar: A imagem?

Helena: A primeira coisa que você associa?

7 De acordo com Medeiros (2005) as loas correspondem a “[...] versos cantados pelos mestres nas

apresentações dos maracatus rurais e, sobretudo, nas sambadas [...] (p.103)

8

(37)

Edlamar: Eu associo que é uma forma de preservação, né. Que

nada melhor do que começar com eles, para que eles possam identificar e conhecer melhor a cultura do município.

Helena: Quem faz as fantasias? Como é que funciona? Há

participação das crianças nessa atividade?

Edlamar: É, tem algumas oficinas, que a gente trabalha. Inclusive a

gente já fez oficina de gola, oficina de percussão, que é para que eles possam aprender até a tocar o próprio maracatu. E também a gente conta com o apoio, assim às vezes, de alguns pais, e contrata também alguns artesãos.

Helena: A religião está também presente no maracatu mirim como

no maracatu adulto?

Edlamar: Não. A religião não

Em Edlamar (2014) fica clara a intenção que promoveu o surgimento de um grupo de maracatu especificamente infantil em Nazaré da Mata, no intuito de preservar e manter a cultura local. O Maracatu Mirim Sonho de Criança não nasceu da iniciativa popular, mas sim da gestão municipal como uma estratégia para aproximar e envolver as crianças a fim de que essas resistam no folguedo.

Apesar de não ser criado nos canaviais de Nazaré da Mata, o maracatu mirim de acordo com Edlamar, não tem diferença do Maracatu adulto, pois é composto por todos os elementos da tradição. Logo, como disse Edlamar, “não existe nenhuma diferença, o Maracatu Rural tudo é um só”. (2014). Sendo assim, o Maracatu Mirim – Sonho de Criança compartilha tanto do conteúdo material (fantasias, alegorias, componentes) como do imaterial (origens, tradição africana-indígena, mitologia) do maracatu adulto, sendo reservado apenas das questões religiosas, que tratam de rituais específicos e significativos que não cabem às crianças.

Ainda em conversa com Edlamar na oportunidade da Sambada, sendo desta vez em um diálogo não estruturado, obteve-se informações complementares sobre a atuação do Maracatu Sonho de Criança no município de Nazaré da Mata. A produtora do grupo mirim esclareceu que o mesmo se apresenta apenas dentro do município, e que compete a ele a abertura do tradicional Encontro de Maracatus na segunda-feira de carnaval. Sobre os trajes e fantasias, Edlamar conta que a prefeitura custeia todo material e que artesãos locais e alguns familiares das crianças ajudam na confecção. A composição do grupo é predominantemente infantil, incluindo o mestre tirador de loas, sendo apenas o terno (orquestra) formado por adultos. Bem como nos grupos de maracatu adulto, o mirim também gera despesas com transporte e alimentação, por isso é recebido pelos responsáveis das crianças um cachê simbólico, a fim de ajudar nos gastos.

(38)

Na conversa informal com Edlamar, observa-se que a prefeitura de Nazaré da Mata, se empenha em manter o grupo mirim em atividade, visto que grande parte dos investimentos é feito pelo município. No entanto, com relação à participação e envolvimento das crianças em atividades voltadas a elaboração e desenvolvimento do Maracatu Sonho de Criança, se percebe a ausência de projetos e métodos mais específicos para a interação direta com o folguedo.

O Maracatu Sonho de Criança, leva-nos a outra consideração sobre a Cultura no âmbito da Cultura Popular ressaltada por Bosi (2008) que “[...] é a sua reelaboração constante. Os temas se refazem, nem tudo é herdado. Só no museu o folclore está morto.” (p.79). Desse modo, o maracatu mirim de Nazaré da Mata pode ser compreendido como uma atualização da brincadeira, onde apesar de todo o legado da origem tradicional do folguedo, o contexto infantil acrescenta novas perspectivas e novas significativas relações simbólicas.

(39)
(40)

TEORIA DO IMAGINÁRIO

2.1 Abordagens sobre o Imaginário

O Homem tem necessidade de dar sentido ao Mundo e isso se reflete na maneira como, em diversas culturas, o ser humano altera sua aparência por meio de intervenções na pele e na estrutura física do corpo, por meio do uso de adornos, pinturas corporais e também pelo vestuário (PITTA, 2005).

De acordo com Pitta (2005), as atividades criadoras do homem nascem do desejo de atribuir ao universo e as coisa que o constituem, significados que transcendam a funcionalidade e objetividade, significados estes que estabelecem ligação com os afetos, emoções e com a situação social na qual se vive.

Para criar os significados, o Homem usa uma função da mente conhecida como Imaginação, que durante muitos anos foi desconsiderada como forma confiável de conhecimento, sendo percebida como local onde pairavam os devaneios humanos e não a formação das ideias (PITTA, 2005). Durante a Modernidade a objetividade e a razão, ou seja, o não emocional foi considerado como única forma verdadeira e segura de conhecimento.

Os estudos nos campos da Filosofia, da Antropologia e da Psicanálise foram fundamentais para que a Imaginação começasse a ser considerada como forma legítima de construção do Sujeito, obtenção e apreensão de conhecimentos, além de ajudarem na mudança da perspectiva do estudo humano que além de objetivo, deve também ser subjetivo e mais sensível (PITTA, 2005).

Segundo Pitta (2005) os significados, a partir dos estudos filosóficos, antropológicos e psicanalíticos são construídos inicialmente na Imaginação, que guarda um enorme repertório de imagens que se articulam para dar sentido as coisas e formar os significados. O raciocínio não cria sentido, é considerado como função da mente que analisa e entende a relação entre fatos. O raciocínio trata, portanto, de interpretação.

O Homem dá significado ao Mundo pelos Símbolos, que são a materialização das ideias, a representação de algo pensado. Os Símbolos são dinâmicos, ambíguos e variam de significação dentro de contextos sociais diferentes, ou seja, uma mesma representação simbólica pode significar coisas diferentes de acordo com a Cultura, meio ou situação em que está inserido (PITTA, 2005).

(41)

As imagens que compõe a Imaginação se organizam em grupos chamados constelações de imagens, regidos por temáticas diversas. O Imaginário é então o conjunto destas constelações, é o legado de imagens com as quais o Homem se relaciona e desenvolve na interação com o Universo. No Imaginário, as imagens se agrupam em torno de núcleos ou temas que se articulam na construção dos Arquétipos, Símbolos e Mitos, considerando sempre o contexto sociocultural e a sensibilidade humana (PITTA, 2005).

Pitta (2005) destaca alguns autores importantes na construção das primeiras noções sobre o Imaginário e as funções da Imaginação humana, dentre eles, Gaston Bachelard (1884-1962), Mircea Eliade (1907 -1986), Henry Corbin (1903-1978), Edgar Morin (1921-2012) e Gilbert Durand (1921- 2012).

Dentre os estudiosos citados vale ressaltar Gaston Bachelard, pois a abordagem sobre o Imaginário utilizada neste trabalho será a de Gilbert Durand, o qual teve influência direta das obras e do legado de Bachelard para a formulação da teoria do Imaginário.

Gaston Bachelard foi pesquisador na área de História das Ciências e Filosofia, e a relação com Imaginário parte das pesquisas realizadas por ele no campo da Imaginação criadora e da exploração das áreas do psiquismo humano, da conceitualização (razão) e o devaneio (imaginação). Grande parte dos estudos de Bachelard foram desenvolvidos partindo de análises literárias, principalmente da Poesia, a fim de observar as imagens oriundas dos textos sempre carregados de subjetividade. Bachelard percebia a Poesia como forma de conhecimento, e defendia a associação entre Ciência e Poética por não ser o homem desassociado das afetividades e emoções na construção das ideias e do pensamento (PITTA, 2005).

De acordo com Pitta (2005), assim como G. Durand, Bachelard não privilegia a racionalização, pois a Imaginação é o local de onde partem a essência das ideias, pois, “as imagens formam a instância imediata e universal do psiquismo; o conceito sendo sempre segundo, pois construído a partir de uma oposição às imagens”. Outras noções que aproximam G. Bachelard e Gilbert Durand são as de que a Imaginação se organiza a partir de imagens independentes que inicialmente servem aos propósitos humanos relativos a subjetividade, para atribuir à ações e aos objetos valores ligados as emoções e afetividade, a fim de satisfazer anseios psicológicos e físicos.

(42)

2.1. A Teoria do Imaginário de Gilbert Durand

A Teoria do Imaginário proposta por Gilbert Durand tem forte influência da noção sobre o Imaginário e o Simbolismo iniciado por G. Bachelard e dos estudos do psicanalista suíço Carl Gustav Jung (1875 – 1961). Em 1967 foi fundado por G. Durand o Centre de Recherches sur I’Imaginaire na França, com a finalidade de desenvolver estudos sobre o Imaginário baseados nas obras de Bachelard e Jung, dentro de um contexto de interdisciplinaridade que é fundamental às pesquisas sobre a Imaginação e o Imaginário (PITTA, 2005).

Segundo Pitta (2005), para iniciar a abordagem sobre o Imaginário de Gilbert Durand propõe-se o entendimento do mesmo como essência do espírito, que nessa perspectiva significa dizer que o Imaginário se constitui de conjuntos de imagens e de associações entre essas imagens que acabam por compor o pensamento humano. O Imaginário refere-se ao ato de criação que é próprio do ser humano e a necessidade que é inerente ao Homem de significar tudo que o rodeia, levando em consideração aspectos socioculturais e as relações afetivas e emocionais.

O Imaginário proposto por Gilbert Durand é fenomenológico, visto a complexidade das relações humanas com o Universo e a inviabilidade de estudar o Homem como um objeto, desprezando suas relações emocionais, afetivas e sensíveis que também fazem parte da sua constituição. Dentro da abordagem fenomenológica, o método mais adequado ao estudo humano vem a ser o método compreensivo cujo “objetivo do estudo é decifrar o sentido próprio de toda realidade humana, de toda expressão humana da vida e do espírito” (PITTA, 2005).

De acordo com Pitta (2005), a relação do Homem com o Mundo não se faz por raciocínios, mas sim pela Imaginação, que considera os afetos e as emoções para atribuir significado ao Mundo. A Imaginação se compõe do Imaginário, que é formado por conjuntos de imagens e símbolos dinâmicos. O Símbolo é percebido como uma maneira do homem conectar a si próprio com o Mundo. A criação dos Símbolos está intimamente ligada à geração de significados, por serem os Símbolos a representação das imagens e suas associações. O significado é resultado da racionalização das associações das imagens. As imagens seriam, portanto, ideias de origem primária, sem significados, limitadas à figuração. O significado atribuído à imagem é que a revela como Símbolo que se encarna no Mito. A imagem se concretiza em significado por meio das associações a outras imagens dentro de uma

Referências

Documentos relacionados

Por fim, na terceira parte, o artigo se propõe a apresentar uma perspectiva para o ensino de agroecologia, com aporte no marco teórico e epistemológico da abordagem

F REQUÊNCIAS PRÓPRIAS E MODOS DE VIBRAÇÃO ( MÉTODO ANALÍTICO ) ... O RIENTAÇÃO PELAS EQUAÇÕES DE PROPAGAÇÃO DE VIBRAÇÕES ... P REVISÃO DOS VALORES MÁXIMOS DE PPV ...

Não obstante a reconhecida necessidade desses serviços, tem-se observado graves falhas na gestão dos contratos de fornecimento de mão de obra terceirizada, bem

intitulado “O Plano de Desenvolvimento da Educação: razões, princípios e programas” (BRASIL, 2007d), o PDE tem a intenção de “ser mais do que a tradução..

A presente dissertação é desenvolvida no âmbito do Mestrado Profissional em Gestão e Avaliação da Educação (PPGP) do Centro de Políticas Públicas e Avaliação

Na apropriação do PROEB em três anos consecutivos na Escola Estadual JF, foi possível notar que o trabalho ora realizado naquele local foi mais voltado à

Dessa forma, diante das questões apontadas no segundo capítulo, com os entraves enfrentados pela Gerência de Pós-compra da UFJF, como a falta de aplicação de

Em pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE), em 2011 o consumo de artigos infantis movimentou cerca de R$26,2 bilhões, sendo que mais