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ISTOÉ - Independente. Gustavo Ioschpe. "A educação no Brasil aumenta a desigualdade" Qual a sua avaliação da educação brasileira?

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Academic year: 2021

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A Semana > Entrevista |€ N° Edição: €1877 | €05.Out.05 - 10:00 | €Atualizado em 05.Mar.12 - 04:23

Gustavo Ioschpe

"A educação no Brasil aumenta a

desigualdade"

Economista afirma que o governo gasta mal o dinheiro do ensino e defende a cobrança de mensalidade nas universidades públicas

Fernando F. Kadaoka

Istoé

-GUSTAVO IOSCHPE -

Qual a sua avaliação da educação brasileira?

Gustavo Ioschpe

Vivemos um momento em que o Brasil está perdendo o bonde da história. O mundo em geral, especialmente os países desenvolvidos, está massificando o ensino universitário, e o Brasil continua tendo uma universidade voltada para a elite. Os países desenvolvidos já estão há décadas com 100% de matrícula no ensino primário e secundário. E só agora o Brasil conseguiu 100% no ensino fundamental, enquanto o ensino médio está em 40%. Abre-se um abismo não só entre o Brasil e os países desenvolvidos, mas também entre outros países subdesenvolvidos, como a China e o Chile, que estão avançando na área educacional. Tem de haver um movimento muito acelerado de

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recuperação da educação no Brasil. E isso só vai acontecer quando a sociedade brasileira entender a educação como uma variável estratégica para o desenvolvimento e exigir do poder público um ensino de resultado. Já os professores, diretores, as pessoas que pensam a educação, têm um componente ideológico muito forte.

Como assim?

Nas escolas de formação de professores é priorizada a idéia de criar um cidadão consciente, engajado. Não se formam mais professores

que saibam alfabetizar ou ensinar o aluno a fazer contas. Tenho discussões homéricas com alguns setores da USP. Falo que eles precisam orientar o

professor a ensinar o aluno a ler e escrever. E eles dizem que isso é uma tarefa reducionista, coisa de economista, uma visão neoliberal do mundo e que a

escola é muito mais do que isso.

De que maneira isso atrapalha o sistema educacional?

É um critério subjetivo. Não há como mensurar se uma escola é boa ou ruim, já que não se tem como medir se se está criando um cidadão consciente, participativo e politicamente engajado. E também porque isso impede o desenvolvimento de uma educação voltada para

objetivos mensuráveis e técnicos de qualidade. E quando se cobram resultados mensuráveis e qualitativos do ensino, como a melhora no Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), incremento da taxa de alfabetização, melhora na taxa de repetência, o refrão é sempre o mesmo: avaliar qualitativamente o ensino é reducionismo, é reduzir o papel da educação a coisas técnicas.

O que precisa ser feito para mudar isso?

Treinamento e qualificação de professores. Falta qualidade principalmente nos primeiros anos da educação fundamental. O Brasil tem índice de repetência de 32% na primeira série. É mais alto do que no Paraguai (14%) e na Indonésia (11%). Nos países desenvolvidos, esse número é de 3%. Isso significa que na primeira série do ensino fundamental está se condenando um terço da população brasileira ao atraso, à repetência e aos problemas de baixa auto-estima.

Que outros fatores podem explicar esse baixo aproveitamento?

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discussões pedagógicas. É Paulo Freire para cá, Piaget (Jean) e Vigotski (Liev) para lá,

construtivismo, neoconstrutivismo, construtivismo social... O nosso problema não é pedagógico. Essa discussão só faz sentido em países de Primeiro Mundo. Vamos focar esforços para ensinar nossas crianças a ler e escrever na primeira série. Quando tivermos taxa de repetência de 2% ou 3%, aí sim migramos para questões mais sofisticadas. O problema da educação brasileira é uma questão de alocação de recursos, de implantar métodos certos para os lugares certos.

O sr. afirmou que a matrícula no ensino fundamental é de 100%, mas cai para

menos da metade no ensino médio. O que explica essa evasão?

Muita gente pensa que o problema da falta de aluno no ensino se resolve com mais escolas. No momento em que se colocam todas as crianças nas escolas, como é o nosso caso, o fator determinante passa a ser qualidade do ensino. Se for ruim, o aluno repete. E se ele repetir continuamente e não tiver base de aprendizado, acaba evadindo-se. Ele não sai da escola porque falta vaga, mas porque o ensino é ruim. O quanto ele perde em uma escola ruim em vez de estar trabalhando faz com que a relação custo/benefício seja invertida. E aquilo que deveria ser um investimento passa a ser um fardo. Isso é instintivo. Se o aluno está passando de ano e progredindo é uma coisa; se ele não aprende e repete, então vai para a rua trabalhar.

Em termos de porcentagem do PIB, o Brasil gasta em educação uma quantia

similar à de países desenvolvidos. Por que não avançamos?

Na hora de distribuir os recursos, ocorre uma ineficiência brutal, principalmente devido aos altos custos do ensino universitário. Na média, os países em desenvolvimento gastam com um universitário quatro vezes mais do que com um aluno do ensino médio. Nas nações desenvolvidas, essa proporção cai para 1,7 aluno. Já no Brasil, um universitário custa o mesmo que 15 alunos do ensino médio. É desproporcional. O gasto com um universitário público brasileiro é proporcionalmente quatro vezes mais alto do que com um universitário das melhores escolas do mundo. Não é que falte dinheiro; ele é muito mal gasto. Vai uma montanha de dinheiro indevida para subsidiar filhinho de papai na universidade pública. E tem muito desperdício, para não falar em corrupção.

Por que o sr. defende o fim da gratuidade do ensino universitário?

No perfil de renda dos alunos das universidades públicas, uma grande parte poderia pagar. O que prova isso é o hábito das famílias de classe média alta de dar um carro para o filho que ingressa na universidade pública. Não tem confissão maior de que esse aluno não precisa receber o benefício. Como essa elite vai para cursos com boa aceitação no mercado, ela terá um grande aumento de renda privada como fruto dessa educação subsidiada.

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Para o sr., o fim da educação subsidiada também deveria ir além do ensino

universitário?

Proponho também acabar com o desconto do Imposto de Renda com gastos em educação. O que acontece de fato é o financiamento do ensino privado com dinheiro público. Não tenho nada contra o Estado pagar a educação de seu povo, pelo contrário, mas não vamos fazer dois sistemas educacionais, um sem qualidade e outro com qualidade.

Mas isso não concretizaria a mercantilização do ensino?

Não. Mercantilização do ensino é um discurso pseudo-esquerdista.

Temos um ensino que atende uma pequena elite e confere a essa elite os mecanismos para que ela perpetue a sua dominação e a desigualdade de renda. Cobrar mensalidade não é privatizar a educação. De qualquer jeito, a sociedade já está pagando pelo ensino das pessoas. É melhor que quem possa pague, e não que a sociedade inteira arque com os custos. Não há universidade gratuita.

Por que o assunto de cobrança de mensalidade nas universidades públicas sofre

tanta resistência?

Porque as pessoas que recebem este benefício são as que têm poder político, econômico e voz para reclamar. Na pesquisa para o livro, descobri um dado que me deixou estarrecido. O principal fator que explica a desigualdade é justamente a educação. Ao invés de diminuir o fosso, a educação no Brasil aumenta a desigualdade, respondendo sozinha por 50% da diferença de renda no País. É chocante. Nos outros países, à medida que o sistema educacional é ampliado, como na Coréia do Sul, a desigualdade diminui. Aqui foi o contrário. Nisso, a questão universitária é um nó muito importante.

E as cotas para minorias?

Não tem nada a ver com a realidade brasileira. É uma política caudatária do Affirmative Act americano. Só que nos EUA a população negra corresponde a 12%, enquanto no Brasil os negros e pardos são 50%. Então, o que nos EUA é uma coisa praticamente irrelevante, aqui abarca um número muito grande da população. Os negros não estão fora da faculdade porque são negros, por causa de um sistema educacional racista, mas porque são pobres. O sistema educacional brasileiro coloca os pobres para escanteio. O problema é de inclusão de classes.

E esse tipo de regime especial de benefício às minorias só faz sentido no momento em que o País já tenha atingido um desenvolvimento em que ele pode prescindir das suas melhores cabeças. Temos de ter um sistema de meritocracia: se as vagas são tão poucas, que sejam para os melhores. Se

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melhorássemos a educação básica das pessoas menos qualificadas, elas poderiam chegar à universidade pelos próprios méritos.

A educação brasileira caminha para a privatização?

O sistema universitário já foi privatizado, graças à própria inoperância e ao gasto absurdo das universidades públicas. Enquanto houver essa estrutura de custos na universidade pública, ela vai continuar sendo uma universidade de elite.

Então os intelectuais de esquerda defendem uma educação que privilegia a elite?

A universidade pública não é um bem público, pois privilegia uma elite e gera uma desigualdade de renda. Eu me considero uma

pessoa de esquerda, mas, quando falo em cobrança de mensalidade e outras propostas, dizem que é coisa da direita.

Uma inversão ideológica?

Na área de educação, o que é de esquerda, na verdade, é de direita e o que é de direita, na verdade, é de esquerda. Ou seja, a elite intelectual de esquerda defende programa educacional que é concentracionista, elitizante e que privilegia o aumento da desigualdade de renda. As pessoas fazem de conta que não há uma ligação entre dinheiro gasto em uma universidade e dinheiro gasto no ensino básico. Mas recurso público é um só, vem todo dos impostos. Historicamente, seja qual for a tendência ideológica, governos privilegiam os níveis educacionais que favorecem a elite (a universidade pública), já que é onde está o poder político e econômico. Por isso, a solução da questão educacional tem de ser uma iniciativa da sociedade.

Essa falta de consciência é resultado da pouca educação do povo?

Com certeza. O economista americano Milton Friedman escreveu que a educação é a grande instituição. Ela não só é uma instituição em si própria, como também forma todas as outras instituições. Está na base de tudo. Hoje, temos uma elite satisfeita em gerar lucros, colocar os filhos na escola privada, mas que não vê que o mundo está evoluindo. A China passou a taxa de matrícula universitária de 6% para 15% em quatro anos. E eles têm um bilhão de habitantes. Nós estamos com menos de 20% há 20 anos. Como vamos competir com esses países? Se antes não dava para competir com os países ricos, agora nem com a China nem com a Índia.

Referências

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