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Palavras-chave: Brasil Império. Segundo Reinado ( ). Política externa. Rio da Prata. Guerra contra Oribe e Rosas

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A POLÍTICA EXTERNA DO BRASIL IMPÉRIO E A GUERRA CONTRA ORIBE E ROSAS: o rompimento das relações entre o Império do Brasil e a Confederação Argentina em 1850

RAFAEL DA FONSECA TAMAE Resumo: O objetivo deste trabalho é apresentar as discussões diplomáticas que levaram ao rompimento das relações entre o Império do Brasil e a Confederação Argentina no ano de 1850, resultado de um processo de deterioração marcado pelas várias polêmicas relacionadas aos acontecimentos da Guerra Grande (1839-1851), conflito que foi tanto uma guerra civil pela presidência do Uruguai quanto um conflito entre federais e unitários na Argentina. O governo brasileiro havia se declarado neutro no conflito, porém tal neutralidade se mostrou tensa, tendo em vista o desenrolar dos acontecimentos e as ações adotadas pelo governo imperial, atraindo a crítica de Buenos Aires, por meio do seu representante no Rio de Janeiro, D. Tomás Guido. O estopim para o rompimento das relações em 1850 foram as discussões em torno das califórnias do estancieiro Francisco Pedro Buarque de Abreu, barão de Jacuí e da existência de uma aliança entre Juan Manuel de Rosas, líder da Confederação Argentina, e Manoel Oribe, ex-presidente uruguaio e líder do partido Blanco. Para o governo brasileiro, representado nas comunicações diplomáticas pelo então ministro dos Negócios Estrangeiros Paulino José Soares de Sousa, tais questões estavam relacionadas a dois interesses fundamentais do Império na região platina: a proteção dos cidadãos brasileiros com propriedades no Uruguai e a manutenção da independência do Estado Oriental. O rompimento entre Brasil e Argentina naquele momento foi um passo fundamental para a intervenção que o Brasil levaria a cabo na região no ano seguinte, conhecida como Guerra contra Oribe e Rosas. Palavras-chave: Brasil Império. Segundo Reinado (1840-1889). Política externa. Rio da Prata. Guerra contra Oribe e Rosas

Introdução

A década de 1840 foi um período de grande efervescência política na região platina. Essa instabilidade era resultado de conflitos inerentes aos processos de consolidação nacional pelos quais passavam os países da região, assim como de relações políticas e econômicas que extrapolavam as fronteiras nacionais, que ainda não se encontravam plenamente

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estabelecidas. O principal conflito do período é a chamada Guerra Grande, que eclodiu em 1839, sendo tanto uma guerra civil pela presidência do Uruguai quanto um conflito entre federais e unitários na Argentina.

Frente a essa situação, a posição brasileira durante boa parte da década de 1840 foi de neutralidade, tendo em vista um conjunto de fatores internos e externos. No entanto, a segunda metade da década de 1840 viu a rápida deterioração das relações entre a Confederação Argentina e o Império por causa de uma série de questões relacionadas ao conflito platino, que culminou com o rompimento diplomático em setembro de 1850. Além do rompimento, mudanças na conjuntura externa fortaleceram o discurso intervencionista, resultando na Guerra contra Oribe e contra Rosas, nome dado à intervenção brasileira em 1851 que pôs fim à Guerra Grande.

Dessa forma, o objetivo deste trabalho é apresentar as comunicações diplomáticas entre o então ministro dos Negócios Estrangeiros brasileiro, Paulino José Soares de Sousa, e o ministro plenipotenciário da Confederação Argentina no Rio de Janeiro, D. Tomás Guido. As discussões, que resultaram no rompimento das relações entre o Império do Brasil e a Confederação Argentina, se centraram nas califórnias do estancieiro Francisco Pedro Buarque de Abreu, barão de Jacuí e na existência de uma aliança entre Juan Manuel de Rosas, líder da Confederação Argentina, e Manoel Oribe, ex-presidente uruguaio e líder do partido Blanco. A situação no Prata

A conjuntura platina na década de 1840 foi marcada pela chamada Guerra Grande, conflito que eclodiu em 1839 e que opôs duas grandes alianças entre atores políticos platinos, sendo tanto uma guerra civil pela presidência do Uruguai quanto um conflito entre federais e unitários na Argentina, contando também com o envolvimento do Paraguai e de grupos políticos do Rio Grande do Sul.

O Uruguai havia se tornado independente com o fim da Guerra da Cisplatina e com a assinatura da Convenção Preliminar de Paz em 1828. Assinado pelo Brasil e pelas Províncias Unidas do Rio da Prata, o tratado, mediado pela Inglaterra, obrigava os países signatários a manter a independência uruguaia e permitia a intervenção em casos de guerra civil pelo período de cinco anos. Após esse período, o tempo e o modo pelo qual essas obrigações

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seriam exercidas seriam definidos pelo Tratado Definitivo de Paz, nunca negociado, apesar das diversas tentativas. A conquista da independência não garantiu estabilidade e o Uruguai rapidamente mergulhou em intensas e violentas disputas pela presidência, travadas entre os dois partidos que haviam se formado e que dominariam a política uruguaia no século XIX: o partido Colorado, liderado por Fructuoso Rivera e o partido Blanco, liderado por Manuel Oribe. (FERREIRA, 2006, p. 58-63)

Já na Argentina, após o fim de mais uma guerra civil entre unitários e federais no começo da década de 1830, se consolidava a liderança de Juan Manuel de Rosas, governador da província de Buenos Aires, que nutria intenções expansionistas para com o Paraguai e o Uruguai. Apesar da vitória de Rosas sobre seus rivais unitários e do estabelecimento de uma Confederação sob a hegemonia bonaerense, sua liderança não era incontestável e os rivais de Rosas buscaram aliados para além das fronteiras argentinas para desafiar sua autoridade. (FERREIRA, 2006, p. 34-36)

Assim, quando da eclosão da Guerra Grande em 1839, duas grandes alianças haviam se consolidado na região platina. De um lado, Rosas passou a apoiar Oribe, refugiado em Buenos Aires após ter sido derrubado da presidência uruguaia no ano anterior por Rivera. Do outro lado, Rivera se aliou com os refugiados argentinos no território oriental e com os governadores das províncias argentinas de Corrientes e Santa Fé, rivais de Rosas. A Guerra Grande – assim como outros conflitos do período – evidencia uma característica importante do contexto platino da época, apontado por Pedro Barrán: os partidos estavam internacionalizados, chegando a existir antes mesmo das próprias nações. (1975, p. 5)

A Inglaterra e a França também intervieram no conflito, dando início a uma intervenção armada a partir de 1845 que bloqueou portos argentinos e forçou a abertura da navegação dos rios interiores da bacia platina. Além disso, as potências europeias forneceram recursos financeiros e militares para sustentar o governo uruguaio, cuja capital, Montevidéu, foi sitiada em fevereiro de 1843 pelas forças de Rosas e Oribe. Sem conseguir tomar Montevidéu, Oribe organizou um governo rival, reconhecido e apoiado – militar, política e financeiramente – pela Confederação. Chamado de Governo do Cerrito, por causa do local onde as tropas de Oribe haviam se estabelecido, este governo se proclamava o legítimo

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governo do Uruguai e chegou a controlar todo o interior oriental, mas contava apenas com o reconhecimento internacional da Confederação Argentina. (FERREIRA, 2006, p. 61-63)

Enquanto isso, no lado brasileiro da fronteira, a primeira metade da década de 1840 foi marcada pela Revolução Farroupilha na província do Rio Grande do Sul, cujos líderes mantiveram contato próximo com os líderes platinos durante todo o conflito. Mesmo após a pacificação, em 1845, o Rio Grande do Sul continuou sendo afetado pela guerra, já que diversos estancieiros rio-grandenses possuíam propriedades no Uruguai. Estes cidadãos brasileiros, envolvidos nas lutas políticas uruguaias desde a independência, serviam como correia de transmissão, fazendo com que os problemas da comunidade rio-grandense no Estado Oriental se tornassem problemas do Império. (COSTA, 1996, p. 89-90) Além do mais, durante a Guerra Grande, os interesses dos estancieiros brasileiros foram atingidos tanto por medidas adotadas por Oribe visando impedir a evasão da riqueza pecuária do país quanto por abusos, repetidas vezes denunciados pelos cidadãos brasileiros no Uruguai, cometidos pelas tropas argentinas e uruguaias. (FERREIRA, 2006, p. 79-82; 87-89)

A política externa brasileira para o Rio da Prata nos anos 1840

Frente a esse panorama tenso, a posição brasileira até o final da década foi de neutralidade frente ao conflito. As razões que levaram o Brasil a se manter neutro são diversas, de acordo com a historiografia, reflexo da posição dos formuladores de política externa frente ao panorama interno e externo que se apresentava ao governo brasileiro.

Até 1845, o principal fator explicativo para a neutralidade brasileira era a continuidade da Revolução Farroupilha. Gabriela Nunes Ferreira aponta para o fato de que a pacificação da província meridional era prioritária para o governo imperial, e, para tanto, era necessário contar com a boa vontade ou, ao menos, a neutralidade de Rosas e Oribe, desestimulando assim as intenções intervencionistas. (2006, p. 83-84) Já Wilma Peres Costa destaca que, enquanto durou a sublevação no Rio Grande do Sul, a política externa para a região platina esteve congelada, já que o governo central não pode contar com a Guarda Nacional da província, principal força militar do Império no Prata. Apenas com a assinatura de uma “paz honrada” com os farrapos em 1845 e a reconquista da lealdade da Guarda Nacional na província é que o governo pode novamente atuar na região. (1996, p. 96-99)

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Pacificado o Rio Grande do Sul, a intervenção anglo-francesa, que perdurou até 1850, contribui para a manutenção da neutralidade. De acordo com Ferreira, havia o receio de participar da intervenção ao lado da Inglaterra e da França e depois ser abandonado, arcando com os ressentimentos criados com as nações vizinhas, ou mesmo com a continuação de um conflito que não havia iniciado. Ademais, a intervenção das potências europeias ajudava na manutenção da independência uruguaia, interesse primordial para o Brasil na região. (2006, p. 112-115)

Entretanto, a política de neutralidade não implicava na passividade do governo imperial frente aos acontecimentos platinos, que tomou medidas para garantir seus interesses e sua segurança, o que atraiu críticas de atores internos e externos. Um dos principais críticos foi o governo da Confederação Argentina, por meio das notas diplomáticas enviadas pelo seu ministro plenipotenciário, D. Tomás Guido, ao governo brasileiro. O representante argentino criticava com frequência as ações brasileiras, julgando-as incompatíveis com a declarada neutralidade brasileira frente ao conflito platino. Tais críticas foram rebatidas pelo governo imperial, que defendia que suas ações condiziam com a neutralidade, mas o acúmulo de discussões e polêmicas contribuiu para a deterioração das relações entre o Império e a Confederação ao longo da década de 1840.

É importante também destacar a mudança ministerial que teve lugar em outubro de 1849, quando o gabinete presidido pelo conservador Pedro de Araújo Lima, visconde de Olinda, que também ocupava a pasta dos Negócios Estrangeiros, foi substituído pelo gabinete presidido por José da Costa Carvalho, visconde de Monte Alegre, que tinha como ministro dos Negócios Estrangeiros Paulino José Soares de Souza. E apesar do novo ministério conservador se identificar como continuador do anterior e comprometido com a política de neutralidade, Paulino vai abandonar progressivamente a neutralidade defendida pelo seu antecessor e dar passos decisivos em direção à intervenção. Tal mudança de posição se explica tanto por mudanças na conjuntura externa, quanto pelos crescentes descontentamentos e questionamentos dos formuladores da política externa brasileira frente à política de neutralidade. (CERVO, 1981, 49-63; FERREIRA, 2006, p. 136-137; TAMAE, 2020)

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Em setembro de 1850, a deterioração das relações entre o Império e a Confederação culminou no rompimento de relações entre os dois governos. As discussões que levaram a esse desfecho se iniciaram em meados de 1849 e tinham como objeto central as califórnias organizadas pelo estancieiro rio-grandense Francisco Pedro de Abreu, do barão de Jacuí, entradas de grandes grupos armados no território uruguaio para contrabandear e roubar gado e capturar escravos fugidos, nas quais participaram tanto estancieiros brasileiros quanto refugiados argentinos e uruguaios. (FRANCO, 2006, p. 40)

Inicialmente, as discussões focaram em incidentes na fronteira entre o Brasil e a Argentina e na fronteira entre o Brasil e o Uruguai, na região do Rio Grande do Sul, tema de uma série de notas ao longo dos anos. Guido acusava cidadãos e autoridades brasileiras de estarem colaborando com inimigos de Rosas e participando de invasões ao território oriental, violando as instruções vindas do Rio de Janeiro e a política de neutralidade. Já o governo brasileiro rebatia essas acusações, denunciava os abusos e vexames que os cidadãos brasileiros estavam sofrendo no Uruguai e apontava para as medidas adotadas por Oribe como motivadoras das violações do território oriental, fatos que Guido negava por sua vez.

A primeira menção ao barão de Jacuí teve lugar em uma nota do governo brasileiro, enviada no dia 29 de outubro pelo recém-empossado ministro Paulino, na qual questionava as razões pela qual a estância do barão no território oriental havia sido sequestrada. No dia 28 de dezembro, a legação argentina respondeu ao questionamento brasileiro, justificando o procedimento pela participação do barão no contrabando de milhares de cabeças de gado pela fronteira, anexando uma série de ofícios e relatórios de autoridades oribistas e argentinas que demonstravam a participação do barão nessas atividades. (Relatório do Ministro dos Negócios Estrangeiros, 1850, Anexo, p. 22; p. 45-46)

Em 13 de fevereiro, Guido enviou uma nova nota, na qual denunciava mais uma invasão do barão de Jacuí – a quarta de acordo com o enviado argentino – e a existência de uma proclamação na qual o barão chamava os cidadãos rio-grandenses e os emigrados orientais para pegar em armas e se juntar a sua empreitada. O representante argentino interpretava essas ações como “uma provocação audaz de um súdito do império a um estado amigo, um ato de guerra contra as repúblicas do Prata no meio da paz, uma rebelião contra a

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política de neutralidade de seu governo, e portanto uma infração enorme do direito das gentes.” (RMNE, 1850, Anexo, p. 48)

Guido concluía a nota criticando duramente o governo imperial, dizendo que via-se “no restrito dever, enquanto não recebe ordens de seu governo, de reclamar do de S.M., em nome dos governos aliados do Rio da Prata, uma solene reparação pelo ataque do barão de Jacuí e seus cúmplices contra a república oriental.” (RMNE, 1850, Anexo, p. 48, itálico nosso) Pela primeira vez, o representante argentino invocava a existência de uma aliança entre a Confederação e Oribe, considerado o presidente legítimo do Uruguai pelo governo argentino.

A menção à existência dessa aliança alterou os termos do debate entre o Império e a Confederação, de modo que as polêmicas que haviam dominado as comunicações diplomáticas entre os dois países e as ações do barão de Jacuí se tornaram temas secundários. O governo brasileiro passou a pedir esclarecimentos sobre os termos dessa relação por temer que ela pudesse ser uma ameaça à independência uruguaia. Se os antecessores de Paulino haviam deixado claro que o governo brasileiro só abandonaria a neutralidade caso existissem indícios claros de uma ameaça à independência uruguaia, os termos mal explicados desta aliança parecem ter motivado o ministro, que vinha adotando uma linha mais dura na sustentação das posições brasileiras e parecia estar preparado para a possibilidade de um conflito, a promover a mudança definitiva na política brasileira. A posição de Paulino era também reflexo da irritação existente no Parlamento e no Conselho de Estado frente às posições adotadas pela Confederação e, mais do que isso, dos questionamentos relativos à conveniência da manutenção da neutralidade. (CERVO, 1981, p. 53-56; TAMAE, 2020)

No dia 8 de março, o ministro Paulino respondeu à nota de 13 de fevereiro, adotando duas linhas de argumentação para rebater as críticas argentinas. A primeira delas consistia em contestar a aliança entre os governos do Rio da Prata que Guido mencionou em sua nota e a legitimidade argentina para cobrar o governo brasileiro em relação às ações do barão de Jacuí, enfatizando também que o governo brasileiro não havia reconhecido Oribe como presidente do Uruguai. Em seguida, a nota rejeitava as possíveis motivações políticas do barão, interpretando as califórnias e outras ações dos refugiados como resultado das medidas tomadas por Oribe. (RMNE, 1850, Anexo, p. 53) Argumentando que apenas Oribe poderia

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reverter as medidas que motivavam as ações na fronteira e condenando as ações do barão, concluía o ministro que

Pela sua parte o governo imperial, desejoso de manter a paz, tem feito tudo quanto podia fazer. Como o abaixo assinado tem por vezes feito ver ao Sr. Guido, foram expedidas todas as ordens e dadas as providências necessárias para que fossem dispersas as reuniões que se procurava formar na fronteira, e presos os seus autores. O Barão de Jacuí conseguiu iludi-las pela extensão da fronteira, e simpatias que encontrou o seu procedimento. O governo imperial não o aprovou, nem pode aprovar, e por isso deu a esse respeito ao novo presidente da província de S. Pedro [do Rio Grande] do Sul as ordens que entendeu convenientes, e por meio das quais espera que não se reproduzirão fatos semelhantes, principalmente se, como é de esperar, o Sr. general Oribe, e o governo argentino pelo seu lado, contribuírem para que desapareçam as antigas e primordiais causas de semelhantes acontecimentos. (RMNE, 1850, Anexo, p. 55)

No dia 16 de junho de 1850, o representante argentino respondeu à nota brasileira de 8 de março, rebatendo ambos os argumentos principais a respeito da aliança entre Rosas e Oribe e elevando o teor das críticas endereçadas ao governo brasileiro. Assim, Guido reiterava a legitimidade para discutir assuntos relativos aos acontecimentos no Uruguai e explicava que a aliança havia surgido quando do início da Guerra Grande, rebatendo a crítica do ministro brasileiro de que os termos dessa relação não estavam claros. (RMNE, 1851, Anexo A, p. 2)

Finalmente, Guido defendia a legitimidade das medidas adotadas por Oribe, justificadas pelo estado guerra em que o Uruguai se encontrava e aplicáveis a todos os cidadãos, não apenas aos brasileiros, rebatendo assim o argumento de que essas medidas eram as causas das califórnias do barão, atacando também as acusações de que elas haviam resultado em vexames e abusos contra os cidadãos brasileiros. E dessa maneira, julgava que

Esta agressão do barão de Jacuí não é uma aventura improvisada, mas sim o desenvolvimento de outras operações de maior escala concertadas há muito tempo contra o Estado Oriental, já pelos selvagens agitadores asilados no Rio Grande, já simultaneamente por súditos de Sua Majestade, protegidos por autoridades do império, e até agora impunes, a despeito de representações constantes do governo argentino. A hostilidade incessante por longa série de anos descobre uma fonte tão profunda, como impura, desse sistema fatal para os três estados, organizado no Rio Grande do Sul. (RMNE, 1851, Anexo A, p. 3)

Depois de afirmar que a atuação do barão era de fato política e acusar uma vez mais os súditos e as autoridades brasileiras, Guido concluía sua nota com um ultimato: caso o governo brasileiro não apresentasse as satisfações que considerava devidas, o governo argentino romperia relações diplomáticas. (RMNE, 1851, Anexo A, p. 5)

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O ministro Paulino respondeu a nota argentina no dia 4 de setembro e iniciava endereçando a questão da aliança e desenvolvendo, no seu entendimento, os vários problemas existentes. Assim, o ministro brasileiro interpretava que

Há em tudo isso, e o Sr. Guido não pode deixar de reconhecê-lo, ao mesmo tempo que se procura separá-los, uma mistura, uma consolidação do governo da Confederação Argentina com o general Oribe como presidente da República Oriental, que conviria esclarecer. Essa consolidação, que somente se explica pelo vago da palavra – aliança –, pode vir a ter, com o andar do tempo, e com o desenlace dos acontecimentos, resultados aos quais o Brasil, na presença da convenção preliminar de paz de 27 de agosto de 1828, e dos seus interesses, não poderia ser indiferente. (RMNE, 1851, Anexo A, p. 7)

Desta forma, Paulino reafirmava que os termos mal explicados da aliança invocada representavam uma ameaça à independência uruguaia, garantida pela Convenção Preliminar de Paz de 1828, da qual tanto o Brasil quanto a Argentina eram signatários, questionando novamente a origem e os objetivos da aliança. Em seguida, entrando na questão das califórnias do barão de Jacuí e em linha com os argumentos apresentados acima, Paulino apontava que não poderia atender reivindicações da Confederação em certos temas, pois apenas autoridades do Uruguai teriam legitimidade para pedir providências a respeito das califórnias, acrescentando também que a discussão havia extrapolado o objeto original, já que pela maneira porque se formula e apresenta, não é uma questão restrita ao procedimento do barão de Jacuí, que o governo imperial não aprovou nem aprova. Tem muito maior alcance.

A concessão da satisfação pedida pela maneira porque se pede e formula, teria as seguintes imensas e gravíssimas consequências.

O reconhecimento de uma aliança não formulada nem definida, nem mesmo em convênios verbais, entre a Confederarão Argentina e o general Oribe, a respeito dos negócios da República Oriental, cuja independência o Brasil se obrigou a defender e é do seu maior interesse.

O reconhecimento do direito da Confederação Argentina, de tomar a si e de meter-se de permeio em todas as questões entre o Brasil e o general Oribe.

O reconhecimento da legação argentina como representante e órgão do mesmo general.

O reconhecimento, ao menos indireto, do general Oribe como presidente legal. Aquele passo, pelo seu alcance, prejudicaria toda a política passada e futura do Brasil nos negócios do Rio da Prata. (RMNE, 1851, Anexo A, p. 12)

Da mesma forma que seus antecessores, Paulino defendia a neutralidade brasileira em nome da convenção de 1828 e pela mesma razão questionava os objetivos da intervenção argentina e as relações entre Rosas e Oribe. Além disso, ao enfatizar as implicações do

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reconhecimento da aliança entre Rosas e Oribe para a política externa brasileira para a região, Paulino tinha em mente não apenas as intenções expansionistas de Rosas e os receios sobre a independência do Uruguai, mas também o fim da intervenção anglo-francesa contra Rosas. Depois de anos de negociações, a Confederação havia assinado um tratado com a Inglaterra em novembro de 1849 e outro com a França em agosto de 1850. Esse fato também era apontado pelo ministro brasileiro como um dos motivadores das reclamações argentinas. Assim, ao concluir a nota, o ministro brasileiro criticava duramente o ultimato, questionava o timing das reclamações e informava ao representante argentino que trataria das questões referentes ao barão de Jacuí apenas com o general Oribe. (RMNE, 1851, Anexo A, p. 14)

Algumas semanas depois, no dia 23 de setembro, Guido responderia à nota brasileira, rebatendo uma vez mais os argumentos apresentados pelo ministro Paulino, iniciando por apontar que “A invasão do barão de Jacuí não é questão unicamente com o general Oribe. E a entrada em um território que está sob a salvaguarda de dois exércitos combinados, dos quais é um o argentino e outro o oriental.” (RMNE, 1851, Anexo A, p. 31, itálico no original)

Prosseguindo em sua argumentação a respeito da aliança, o representante argentino considerava que “A complicação figurada pelo Sr. ministro não existe. Os governos do Prata marcham em órbita distinta sem outro ponto de contato senão aquele onde a união é necessária para triunfar do inimigo comum [...].” (RMNE, 1851, Anexo A, p. 31) Após criticar a interpretação brasileira sobre a aliança entre Rosas e Oribe, justificava sua continuação pelo fato de que os inimigos em comum ainda subsistiam em Montevidéu, apoiados pela França e pela Inglaterra. (RMNE, 1851, Anexo A, p. 34)

Finalmente, considerando não haver recebido as satisfações que considerava justas, Guido concluía sua nota cumprindo o ultimato que havia dado e solicitando os passaportes:

Patente o crime do Barão de Jacuí, flagrante a violação do território oriental, enorme a lesão causada e denegada pelo governo de S. M. o Imperador do Brasil a justiça às repúblicas aliadas, o abaixo assinado cumpre as ordens supremas, reiteradas ultimamente em termos precisos e peremptórios, pelo Exmo. Sr. governador e capitão-general de Buenos Aires D. Juan Manoel de Rosas, encarregado das relações exteriores, para que peça seus passaportes, [...] e para declarar que S. Ex. não pode permitir, que a legação argentina continue entretanto [sic] amigáveis relações da parte da Confederação com um governo que tão gratuita e deslealmente a tem ofendido; que tem apresentado a rara anomalia de tolerar que seus súditos do Rio Grande, unidos com os selvagens unitários, hostilizassem e estivessem em iníqua guerra contra os governos do Prata, enquanto que blasonava estar em paz com eles;

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que há reagravado enormemente estas ofensas negando ao da Confederação a satisfação e reparações que tinha plena razão e direito a esperar. (RMNE, 1851, Anexo A, p. 36)

Uma semana depois, Paulino responderia à nota argentina, concedendo os passaportes a Guido e tecendo duras críticas ao governo argentino. Iniciava a nota uma vez mais reiterando que, por mais que o governo imperial condenasse as ações do barão de Jacuí, a responsabilidade pelas califórnias era de Oribe e dos abusos e violências contra os cidadãos rio-grandenses como resultado das medidas adotadas pelo general uruguaio. (RMNE, 1851, Anexo A, p. 37)

Depois entrava na questão da aliança invocada por Guido, apontando que “As noções que dela dá o Sr. Guido não a tiram do embrião em que a tem apresentado, e do qual tanto conviera que saísse. E é por isso que quanto mais quer o Sr. Guido explicar essa aliança, mas se enreda.” (RMNE, 1851, Anexo A, p. 38) Repetia as palavras do representante argentino, de que era uma “aliança ocasional, inevitável, necessária e circunscrita única e exclusivamente à guerra das repúblicas do Prata contra um inimigo comum” (RMNE, 1851, Anexo A, p. 38) e perguntava se

É o Brasil um inimigo comum? Nunca foi havido e declarado como tal. Se não é inimigo comum, se a aliança procede contra o inimigo comum, se o Brasil tem sido neutro nas questões do Rio da Prata, como se quer aplicar a uma das muitas emergências que têm sido frequentes nas fronteiras, que não têm caráter político, que o governo imperial fez cessar, direitos que podem dar uma aliança feita contra um inimigo comum?

[...]

Sendo assim, como pode o governo argentino levar a mal que o Brasil, que não era inimigo comum, procurasse entender-se só com a autoridade do general Oribe, distinta e deslindada da do governo argentino, como diz o Sr. Guido, sobre uma questão que é evidentemente alheia a guerra existente entre o governo argentino, o general Oribe e o governo de Montevidéu, questão que desapareceria para não reaparecer mais mediante alguma boa vontade e justas providências da parte do general Oribe, a que corresponderiam outras da parte do governo imperial? (RMNE, 1851, Anexo A, p. 38)

Neste trecho, Paulino apresentava mais uma implicação importante em torno da aliança invocada pelo representante argentino para tomar parte nas discussões a respeito das califórnias do barão de Jacuí: a de que o Brasil era visto pela Confederação e por Oribe como um inimigo. Continuava sua crítica aos termos da aliança, apresentando as possíveis e nebulosas consequências para o futuro do Uruguai e finalmente concluía sua nota

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demonstrando toda a irritação que havia se acumulado não apenas ao longo dessa discussão, mas ao longo dos anos, ao apontar que

A deslealdade está da parte de quem, acumulando sempre queixas sobre queixas, por infundados agravos, nunca quis admitir explicações francas e claras; está da parte de quem nunca fez concessão alguma, e nunca quis ligar-se por um acordo que, dando uma solução às questões do Rio da Prata assegurasse a paz, a tranquilidade dessas paragens e a independência das nacionalidades que ocupam.1

Os argumentos apresentados por Paulino nesta nota indicam uma importante mudança de interpretação em relação à situação do Estado Oriental. Pela Convenção de 1828, Brasil e Argentina se comprometeram a sustentar a independência do Uruguai. Baseado nesse tratado, o governo brasileiro foi repetidas vezes cobrado para intervir na Guerra Grande, tanto pelo governo da Confederação quanto pelo governo de Montevidéu, mas sempre rechaçou tal possibilidade, rejeitando os argumentos das duas partes de que o conflito representava uma ameaça para a independência oriental. A posição de Paulino neste momento, ao apontar as dúvidas que pairavam sobre a aliança existente entre Rosas e Oribe, pode ser considerada uma mudança na interpretação anterior que havia sustentado a política de neutralidade.

Alguns meses depois, em 7 de janeiro de 1851, Oribe romperia relações com o governo brasileiro. Após o rompimento diplomático com ambos os atores platinos, o governo imperial, que já vinha dando passos no sentido de uma intervenção no conflito que se desenrolava no Uruguai, parece ter se comprometido definitivamente com o fim da neutralidade, resultando assim na Guerra contra Oribe e Rosas, deflagrada em agosto de 1851. Conclusão

Este artigo teve como objetivo apresentar as discussões diplomáticas que levaram ao rompimento das relações entre o governo brasileiro e o governo argentino em setembro de 1850, fruto das discussões em torno das califórnias do estancieiro Francisco Pedro Buarque de Abreu, barão de Jacuí e da existência de uma aliança entre Juan Manuel de Rosas, líder da Confederação Argentina, e Manoel Oribe, ex-presidente uruguaio e líder do partido Blanco.

Frente às tensões existentes entre os dois países após anos de discussões sobre diversas polêmicas, as demandas argentinas para que medidas fossem tomadas para punir os envolvidos nas califórnias do barão de Jacuí e evitar novas violações do território oriental e a

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irritação argentina frente à posição adotada pelo governo brasileiro, e os esclarecimentos exigidos pelo governo imperial a respeito dos termos da aliança entre Rosas e Oribe e a insatisfação brasileira com as respostas argentinas empurraram Brasil e Argentina em direção à ruptura. O primeiro passo concreto neste sentido foi dado por Buenos Aires que, em reação à negativa brasileira de atender suas demandas, retirou seu representante do Rio de Janeiro, seguido pelo rompimento operado por Oribe. O rompimento das relações entre o governo imperial e Rosas e Oribe foi um ponto de inflexão para a conjuntura platina e para a política externa brasileira, que já dava os primeiros passos em direção à intervenção.

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Referências

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