• Nenhum resultado encontrado

Modificação do estilo de vida: dificuldades no controlo dos fatores de risco

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Modificação do estilo de vida: dificuldades no controlo dos fatores de risco"

Copied!
5
0
0

Texto

(1)

Nº35 Jan-Mar 2015 Pág. 64-68

Resumo

Os fatores de risco e as doenças cardiovas-culares são extremamente prevalentes. É uni-versalmente aceite, em todas as recomen dações europeias e americanas, a importância da mo-dificação dos estilos de vida, quer em prevenção primária quer em prevenção secundária. en-contramos diversas barreiras nesses objetivos, centradas no doente, nos profissionais de saúde e na comunidade que importa serem ultrapas-sadas. Serão debatidas essas barreiras bem como algumas estratégias que permitam uma efetiva mudança de estilos de vida.

Estilos de vida e doenças cardiovasculares em Portugal

As doenças cardiovasculares constituem a causa de morte mais importante em toda a eu-ropa. Portugal não é exceção e efetivamente as doenças do aparelho circulatório, apesar de as melhorias evidentes nas últimas décadas, são ainda hoje a principal causa de mortalidade em Portugal, próximo dos 30%1. O nosso país tem também a particularidade, juntamente com a Grécia e a Bulgária, de apresentar taxas de mortalidade padronizadas por doença cérebro-vascular superiores às da doença isquémica cardíaca1. Apesar de tudo, a mortalidade por doenças do aparelho circulatório está dentro do gradiente descrito previamente a nível eu-ropeu, com taxas mais baixas nos países do sul comparativamente com os do norte e leste da europa1. É indiscutível o papel que as

melho-rias no tratamento têm tido na redução da mortalidade, mas é também importante o papel do reforço das medidas para mudanças de estilos de vida, quer em prevenção primária quer em prevenção secundária.

Todas as recomendações atuais das diver-sas sociedades científicas reforçam a importân-cia da mudança de estilos de vida como um dos pontos fundamentais no tratamento não só dos fatores de risco cardiovasculares mas também após a ocorrência de eventos cardiovasculares (angina estável, enfarte do miocárdio, acidente vascular cerebral, revascularização miocárdica, insuficiência cardíaca), para além da terapêu-tica farmacológica2-10. contudo, continuamos a assistir a aumentos de incidência e prevalência de vários fatores de risco, enquanto outros es-tabilizaram, o que sugere que as medidas im-plementadas para o seu controlo não estarão a ser totalmente eficazes.

O estudo PReVAdiAB efetuado na popula-ção geral, mostrou que a prevalência na popu-lação geral de diabetes era em 2009 de 11,7% e de pré-diabetes em 23,2%11. contudo, nos dia-béticos previamente diagnosticados, apenas 69,7% apresentavam HbA1c < 7%, ou seja, 30% apresentam controlo inadequado. Também o estudo VALSiM, realizado a nível dos cuidados de saúde primários, mostrou em 2007 preva-lências de hipertensão ajustadas aos dados po-pulacionais de cerca de 42,6%, diabetes mellitus de 14,9% e dislipidémia de 63,7%, con-firmando a elevada prevalência destes fatores

Modificação do estilo de vida:

dificuldades no controlo dos fatores de risco

Palavras-chave: Estilos de vida; Barreiras; Estratégias

Ana Teresa Timóteo

Assistente Hospitalar de cardiologia, Hospital de Santa Marta, centro Hospitalar de Lisboa central, Lisboa

Professora Auxiliar convidada da Faculdade ciências Médicas, Universidade nova de Lisboa

(2)

de risco cardiovasculares12,13. Também a obesi-dade foi registada em 28,9% e excesso de peso em 39%12,13. Relativamente ao tabagismo, a pre-valência reportada em adultos é de 28,2% e 10,5% em jovens até aos 15 anos14. O consumo de gorduras de origem animal tem aumentado, relativamente ao de gorduras vegetais, exce-dendo os 10% recomendados15. nos adolescen-tes, verifica-se uma redução do consumo de frutas e vegetais com o aumento da idade, maior irregularidade nas refeições e aumento de consumo de doces e refrigerantes. nos adul-tos, 18,4% do total energético provém de pro-teínas, 48,9% de hidratos de carbono e 29,3% de gorduras, uma melhoria franca comparati-vamente com dados de 1980, mais ainda inade-quada. Verificou-se contudo melhoria das taxas de consumo diário de produtos fruto-hortícolas que atinge > 80% dos indivíduos analisados. Barreiras à modificação

de estilos de vida

Registam-se barreiras na implementação de adequadas modificações dos estilos de vida a diversos níveis (Figura 1):

Barreiras relacionadas com os doen-tes: alguns subgrupos apresentam maior

resis-tência à implementação destas modificações, nomeadamente as mulheres, os obesos, idosos e fumadores. Outros fatores como os psicoló-gicos, socioeconómicos, profissionais, familia-res, nível de literacia e outras co-morbilidades podem também condicionar o sucesso destas intervenções.

Barreiras relacionadas com os médi-cos e restantes profissionais de saúde: é

frequentemente necessária a intervenção de uma equipa multidisciplinar que por vezes é di-fícil de gerir e os seus elementos devem estar adequadamente informados e motivados para estas tarefas. existe também algum desconhe-cimento por parte destes profissionais da im-portância das mudanças de estilos de vida. As limitações atuais, como sobrecargas de traba-lho, podem tornar estes elementos menos dis-poníveis para a realização de atitudes terapêuticas que são morosas, com menor vi-sibilidade e por vezes desvalorizadas pelos pró-prios profissionais.

Barreiras relacionadas com o sis-tema de saúde / comunidade: a escassez

de meios (humanos e materiais), bem como re-cursos financeiros pode condicionar forte-mente estas intervenções. São necessários também governos motivados para a implemen-tação de legislação que favoreça modificação de hábitos prejudiciais para a saúde. Os media têm um papel importante na divulgação. Estratégias

e Intervenção

A American Heart Association tem tido um papel fundamental nesta área nos últimos 20-30 anos, não apenas nos estados Unidos mas também a nível mundial. Através de um papel muito interventivo e uma preocupação pela melhoria contínua dos cuidados, publicou já há cerca de 20 anos um relatório elaborado por Figura 1

Barreiras às mudanças de estilo de vida.

para selecionar adequadamente a população alvo

e as estratégias educacionais mais eficazes

(3)

Nº35 Jan-Mar 2015 Pág. 64-68

um painel de peritos sobre esta temática que continua hoje tão atual como nessa altura16. isto confirma que as barreiras existentes são efetivamente muito difíceis de ultrapassar e confirmam a necessidade de manter e melho-rar os programas destinados a promover mu-danças de estilos de vida.

Os programas de alteração comportamen-tal envolvem cinco fases. A fase inicial baseia--se na consciencialização (awareness) por parte do(s) doente(s) do(s) problema(s) que os afeta(m), após o qual deve ser im-plementado o fornecimento de conhecimentos sobre o as-sunto que possa motivar o doente para a alteração. na terceira fase devem ser fornecidos meios para efetuar as alterações comporta-mentais (skills) que levam a uma eficaz modificação dos comportamentos de risco e que culminam na modificação efetiva de determinado(s) fator(es) de risco. Trata-se assim de um sistema muito complexo, com custos frequentemente eleva-dos e que por vezes não atingem os segmentos da população alvo ideal, ou seja, os menos preparados para mudar mas que apresentam maior risco.

Um bom programa deve con-templar todas as fases de forma a ser eficaz. Frequentemente os indi-víduos apresentam awareness e co-nhecimentos adequados mas falham as etapas seguintes. estes dois primeiros passos são universalmente aceites como in-suficientes para manutenção a longo prazo das alterações comportamentais, podem não ter impacto em alguns segmentos da po-pulação e os seus benefícios estão dependentes da capacidade e do interesse da população alvo para aprender, bem como dos estilos utilizados para o ensino. A aceitação destes programas está também fortemente dependente de nor-mas culturais e quando denor-masiado complexos podem ser ineficazes.

É importante a utilização de técnicas de

marketing social para selecionar adequada-mente a população alvo e as estratégias educa-cionais mais eficazes. A identificação dos meios de divulgação mais adequados para determi-nada população alvo pode ser difícil. Por outro lado, as mensagens demasiado simplificadas podem não ter base científica suficientemente sólida. devem contudo ser simples e claras, adequadas ao nível de literacia dos indivíduos de forma a serem compreensíveis pelo público. Os programas e as mensagens devem também ser difundidas pelos melhores meios e canais de acordo com a audiência, uma vez que alguns canais de distribuição não estão disponíveis para todos os in-divíduos, mas o papel dos meios de comunicação social (media) é es-sencial. O facto de se dirigirem a grupos alvo específicos, pode também levar a alguma margina-lização destes grupos que podem condicionar situações de isola-mento, baixa estima e antagonis-mos que devem ser evitados.

Relativamente aos meios para promover a alteração comporta-mental, estes passam não apenas pelo doente e a sua família, mas também pela comunidade e sis-tema de saúde. A família é

fre-quentemente um apoio

importante e pode ter um papel muito interventivo junto ao doente, mas por vezes pode ter um efeito oposto. Famílias mo-tivadas e que pretendam elas próprias modificar os seus há-bitos em conjunto, aderem mais facilmente a estes progra-mas. Por outro lado, o desinteresse de familiares e o baixo nível socioeconómico podem impedir essa progressão. As ferramen-tas de auto-avaliação por parte do doente, tais como a monitorização da tensão arterial ou da glicémia, permitem um envolvimento pro-fundo do doente nos seus cuidados e que este entende como sendo particularmente impor-tante para a sua saúde. São habitualmente fá-ceis de aprender e geralmente bem aceites pelo doente. É fundamental uma individualização destes programas uma vez que as preferências

(4)

ao dia-a-dia do indivíduo poderá ser também importante porque podem existir limitações a nível profissional que sejam barreiras difíceis de ultrapassar. Por vezes o envolvimento das entidades patronais nestes programas pode ser uma ajuda. não apenas nas fases iniciais do

co-nhecimento, mas por vezes no seu papel poten-cial de facilitadores para obtenção dos meios necessários. existem hoje alguns casos, em-bora ainda muito raros, de empresas com giná-sios ou locais para realização de atividade física, que os seus funcionários podem utilizar nos seus horários livres.

É fundamental também que a comunidade e os sistemas de saúde, bem como os governos, criem espaços a baixo custo para prática de exercício físico, medidas legislativas contra há-bitos pouco saudáveis como o tabagismo e o consumo de álcool ou contra a alimentação «não saudável». O desenvolvimento de políti-cas adequadas pode ser controverso e alguns governos podem não estar recetivos a estas me-didas. esta tarefa pode estar ainda dificultada porque por vezes torna-se necessário intervir a

vários níveis para obter o melhor efeito, como por exemplo na produção, comercialização e tributação. Uma maior acessibilidade a nutri-cionistas, psicólogos e apoio social pode ser es-sencial em alguns grupos. Os profissionais envolvidos devem também ver o seu papel ade-quadamente valorizado pelos seus superiores e

motivados para a sua importante tarefa nestes programas.

Um exemplo de um programa particular-mente bem desenvolvido e estruturado desde as últimas décadas é o da promoção da cessa-ção tabágica, através da aplicacessa-ção do método

dos 5 A’s: Abordar, Aconselhar, Avaliar, Aju-dar, Acompanhar (Assess, Advise, Agree, As-sist, Arrange)2.

existe também a necessidade de uma ava-liação do impacto e eficácia destes programas, o que condiciona igualmente custos significa-tivos. É imprescindível a avaliação da eficácia das medidas utilizadas para selecionar as mais eficazes e abandonar as que não tenham im-pacto significativo. existem vários métodos para esta avaliação. A utilização de registos e avaliações precisas em pequenos grupos é uma alternativa mas é muito onerosa e os métodos de avaliação disponíveis podem ser limitados. Outra alternativa passa por inquéritos aplica-dos a grupos populacionais, sendo os próprios indivíduos que reportam a sua situação. esta alternativa é mais económica mas estes

méto-dos são menos fiáveis. Por outro lado, a gene-ralização dos resultados poderá não ser possível se os grupos participantes apresenta-rem características diferentes, em particular do ponto de vista demográfico. A colaboração entre várias sociedades científicas bem como parcerias com outras organizações ou mesmo

Relativamente aos meios para promover a alteração comportamental,

estes passam não apenas pelo doente e a sua família,

mas também pela comunidade e sistema de saúde

É imprescindível a avaliação da eficácia das medidas utilizadas

para selecionar as mais eficazes e abandonar

(5)

Nº35 Jan-Mar 2015 Pág. 64-68

com a indústria farmacêutica podem ser neces-sárias.

Assim, importa informar e educar não ape-nas o doente mas também familiares, presta-dores de cuidados de saúde, responsáveis políticos e o público em geral para promover uma sensibilização adequada da comunidade. É fundamental uma abordagem multidiscipli-nar que envolva não apenas médicos e enfer-meiros mas também fisioterapeutas, psi-cólogos, nutricionistas e assistentes sociais bem como os cuidados de saúde primários. A

utilização de técnicas de marketing social são fundamentais para identificação das caracte-rísticas do público-alvo, os meios de informa-ção / divulgainforma-ção adequados, bem como a avaliação da sua eficácia, permitindo reforçar os programas mais eficazes e que permitem maior adesão. É também necessário criar as condições adequadas do ponto de vista de meios humanos e técnicos bem como económi-cos, com envolvimento adicional político e da comunidade.

Bibliografia

1 – Portugal – doenças cérebro e cardiovasculares em números – 2013. Programa nacional para as doenças cérebro-cardiovasculares. dire-ção Geral de Saúde. iSSn: 2183-0681.

2 – Perk J, de Backer G, Gohlke R, et al. european Guidelines on car-diovascular disease prevention in clinical practice (version 2012). eur Heart J. 2012; 33: 1635-1701.

3 – Mancia G, Fagard R, narkiewicz K, et al. 2013 eSH/eSc Guidelines for the management of arterial hypertension. eur Heart .J 2013; 34: 2159-2219.

4 – Ryden L, Grant PJ, Anker Sd, et al. eSc Guidelines on diabetes, pre-diabetes, and cardiovascular diseases developed in collaboration with the eASd. eur Heart J. 2013; 34: 3035-87.

5 – Reiner Z, catapano AL, de Backer G, et al. eSc/eAS Guidelines for the management of dyslipidaemias. eur Heart. J 2011; 32: 1769-1818.

6 – Montalescot G, Sechtem U, Achenbach S, et al. 2013 eSc Guideli-nes on the management of stable coronary artery disease. eur Heart J. 2013; 34: 2949-3003.

7 – Windecker S, Kolh P, Alfonso F, et al. 2014 eSc/eAcTS Guidelines on myocardial revascularization. eur Heart J. dOi: 10.1093/eur-heartj/euh 278.

8 – Hamm cW, Bassand JP, Agewall S, et al. eSc Guidelines on the management of acute coronary syndromes in patients presenting wit-hout persistent ST-segment elevation. eur Heart J. 2011; 32: 2999-3054.

9 – Steg G, James SK, Atar d, et al. eSc Guidelines for the manage-ment of acute myocardial infarction in patients presenting with ST-segment elevation. eur Heart J. 2012; 33: 2569-2619.

10 – McMurray JJV, Adamopoulos S, Anker Sd, et al. eSc Guidelines for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure 2012. eur Heart J. 2012; 33: 1787-1847.

11 – Gardete-correia L, Boavida JM, Raposo JF, et al. First diabetes Prevalence Study in Portugal: PReVAdiAB Study. diab Med. 2010; 27: 879-881.

12 – Fiuza M, cortez-dias n, Martins S, et al. Síndrome metabólica em Portugal: prevalência e implicações no risco cardiovascular – resulta-dos do estudo VALSiM. Rev Port card. 2008; 27: 1495-1529. 13 – cortez-diaz n, Martins S, Belo A, e tal. Prevalência e padrões de tratamento de hipertensão arterial nos cuidados de saúde primários em Portugal. Resultados do estudo VALSiM. Rev Port cardiol. 2009; 28: 499-523.

14 – Portugal – prevenção e controlo do tabagismo em números – 2014. Programa nacional para a Prevenção e controlo do Tabagismo – direção Geral de Saúde. iSSn: 2183-0762.

15 – Portugal – alimentação saudável em números – 2013. Programa nacional para a Promoção de Alimentação Saudável – direção Geral de Saúde. iSSn: 2183-0738.

16 – carleton RA, Bazzare T, drake J, et al. Report on the expert Panel on Awareness and Behaviour change to the Board of directors, Ame-rican Heart Association. circulation. 1996; 93: 1768-72.

Referências

Documentos relacionados

In this study clay mineral assemblages, combined with other palaeoenvironmental data, were studied in a core recovered from the outer sector of the Ria de Vigo, a temperate

Dessa forma, a partir da perspectiva teórica do sociólogo francês Pierre Bourdieu, o presente trabalho busca compreender como a lógica produtivista introduzida no campo

Quando conheci o museu, em 2003, momento em foi reaberto, ele já se encontrava em condições precárias quanto à conservação de documentos, administração e organização do acervo,

Como parte de uma composição musi- cal integral, o recorte pode ser feito de modo a ser reconheci- do como parte da composição (por exemplo, quando a trilha apresenta um intérprete

O relatório encontra-se dividido em 4 secções: a introdução, onde são explicitados os objetivos gerais; o corpo de trabalho, que consiste numa descrição sumária das

Os principais resultados obtidos pelo modelo numérico foram que a implementação da metodologia baseada no risco (Cenário C) resultou numa descida média por disjuntor, de 38% no

Proportionally, 5 % of girls aged 0-18 originating from FGM risk countries (born in the country of origin or in Portugal) were at risk of female genital mutilation.”.. la MGF de

Para Souza (2004, p 65), os micros e pequenos empresários negligenciam as atividades de planejamento e controle dos seus negócios, considerando-as como uma