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Para uma Promoção da Concorrência mais Eficaz

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Para uma Promoção da Concorrência mais Eficaz

Abel M. Mateus Presidente

Autoridade da Concorrência

Discurso proferido no Seminário para Magistrados do Ministério Público Lisboa, Centro Cultural de Belém, 5 de Junho de 2005

Exmo. Senhor Procurador-Geral da República Exmas e Exmos Senhores Procuradores-Adjuntos Exmas Senhoras Magistradas

Exmos Senhores Magistrados Minhas Senhoras e Meus Senhores

1. A concorrência como bem público

A concorrência é um bem público essencial para a prossecução do bem-estar da nossa sociedade. Sendo a economia de mercado o sistema que faz produzir e distribuir os bens e serviços destinados a satisfazer as necessidades de todos os consumidores, o seu funcionamento e desenvolvimento eficaz são centrais para o progresso da nossa sociedade.

De facto, é pelo funcionamento da “mão invisível”, conceito introduzido por Adam Smith, que através da concorrência se estabelece um equilíbrio no mercado, onde o poder de cada empresa é limitado pelo mecanismo da oferta e procura do mercado, e onde a empresa tem que tomar as suas decisões de uma forma autónoma em relação a todas as outras, enfrentando as incertezas tecnológicas e dos gostos dos consumidores. É através do mecanismo do mercado que se consegue atingir o máximo do bem-estar dos consumidores. E é pela concorrência entre empresas que estas são constantemente obrigadas a reduzir custos, procurar satisfazer os consumidores com a melhor qualidade e especificação desses produtos, e estimular a introdução de inovações.

Hoje fala-se muito na necessidade de aumentar a competitividade da nossa economia. Ora esta só se consegue com uma maior concorrência entre as empresas – só através do jogo da concorrência no mercado doméstico é que as empresas se tornam mais

competitivas e se preparam para o jogo no mercado global.

E onde o mercado falha é necessário introduzir a regulação. Os comportamentos lesivos da concorrência são falhas de mercado, pois restringem a liberdade de acção das

restantes empresas, e ao abusarem do poder estas empresas lesam gravemente o consumidor e os contribuintes.

A preservação de uma concorrência equilibrada e sã é entre nós um valor constitucional, reconhecido como fundamental para o funcionamento do mercado. Mas, mais ainda, por via dos Tratados Comunitários a que Portugal aderiu, é um instrumento para a

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construção e preservação do mercado único europeu. E por esta via reconhece-se a subordinação das leis nacionais às comunitárias, e a importância da jurisprudência comunitária com já um vasto corpo de decisões, onde técnicos economistas e juristas e juízes de todos os países da União vai beber grande parte do saber.

Daí a importância fundamental de conjugarmos os esforços entre os ramos administrativo, legislativo e judicial no sentido de tornar a defesa e promoção da concorrência um instrumento mais eficaz.

Vamos, pois, abordar de uma forma sintética as duas vertentes mais importantes da defesa e promoção da concorrência: os comportamentos colusivos entre empresas e os abusos de posição dominante. Seguidamente daremos algumas ideias para o reforço da capacidade de intervenção do Estado. Finalmente apelaremos a uma colaboração mais estreita entre o Ministério Público e a Autoridade.

2. O combate aos cartéis em geral e nos concursos públicos

O que são cartéis? Cartéis são acordos entre empresas com o fim de subirem o preço no mercado, restringirem produção, investimentos ou capacidade. O objectivo é

aproximarem-se duma situação de quase-monopólio, o que lhes permite aumentar os lucros à custa dos consumidores. Uma forma especial é a formação de um cambão em concursos públicos para aquisição de bens e serviços.

À luz da lei e da jurisprudência não há justificação admissível para os cartéis: não há bons e maus cartéis, nunca é admissível fazer o balanço económico para os cartéis – estes são sempre condenáveis.

Os prejuízos causados pelos cartéis são muito elevados. O caso histórico mais extenso, a nível sectorial, é o da construção civil na Holanda, que ainda está a seguir o seu curso. Este caso envolve 400 empresas, que resultou primeiro de uma denúncia de um empregado. A extensão do caso deve-se, em grande parte, à conjugação de dois

factores. Primeiro, por causa da existência do estatuto de clemência para quem denuncie e colabore na obtenção de prova. Segundo, porque o Ministro das Obras Públicas tomou a posição de que se as empresas não tivessem uma “folha limpa” seriam banidas de concursos públicos no futuro. Segundo algumas estimativas, os prejuízos causados ao Estado elevam-se ao equivalente a cerca de 0,4% do PIB, ao ano. E as consequências já se começaram a fazer sentir: o custo das empreitadas baixou entre 20 e 30%, e mesmo os custos de construção de edifícios e habitações privadas baixou sensivelmente. Por serem ilegais, os cartéis são normalmente secretos, pelo que é muito difícil obter prova de que as empresas comunicaram entre si para formar o acordo, pelo que a jurisprudência comunitária tem admitido como standard de evidência indícios deste acordo. Por exemplo, o Supremo Tribunal de Justiça espanhol recentemente emitiu uma decisão em que considera que a simples apresentação, em concurso público, de

propostas com preços iguais, dado que são entidades independentes e que por isso devem apresentar as suas propostas sem conhecimento das das empresas concorrentes, é prova de que existiu cartel. Sendo um processo civil-administrativo (em Portugal

contra-ordenacional) o standard de prova nos tribunais comunitários e nos principais países europeus é o balanço de probabilidades.

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Também em Portugal estamos a intensificar a luta contra os cartéis. De apenas 1 caso que recebemos da antiga Direcção-Geral da Concorrência, já temos mais de 40 casos de cartéis, em vários sectores. Esperamos ainda este ano emitir decisões sobre a maioria destes.

Acabámos de lançar uma campanha de sensibilização e investigação para as

empreitadas de obras públicas em Portugal, em colaboração com o Ministério Público, Tribunal de Contas, Inspecção Geral de Finanças e das Obras Públicas e IMOPI. Neste trabalho estamos a seguir as melhores práticas internacionais e para além de construir uma base de dados e estudar casos suspeitos, vamos preparar os adjudicantes para poder mais facilmente detectar indícios de cambão. E até já os novos países membros da UE têm feitos progressos nesta área. A Autoridade de Concorrência húngara lançou uma investigação em 2003 a um caso de cambão num concurso para construção de uma autoestrada. A evidência descoberta estabeleceu que várias grandes empresas de construção, incluindo subsidiárias de empresas estrangeiras, tinham acordado na empresa que ganharia o concurso. Ao mesmo tempo, a empresa vencedora

sub-contrataria parte dos trabalhos aos restantes participantes. A coima aplicada neste caso foi de 28 milhões de euros.

3. O combate aos abusos da posição dominante e as medidas estruturais para preservar a concorrência

A segunda grande área do direito da concorrência corresponde aos abusos de posição dominante singular ou de um grupo de empresas. Aqui gostaria de citar uma frase de Shakespeare “it is excellent to have a giant´s strength; but it is tyrannous to use it like a giant”1. Não é proibido haver grandes empresas, mas é proibido abusarem do seu poder. Quais são os abusos? São comportamentos em que a empresa usa o seu poder de

mercado para suprimir a concorrência. Alguns exemplos são a prática de preços predatórios, comportamentos exclusionários sobre os concorrentes, recusa de negócio, comportamento discriminatório, descontos de fidelização ou outros que tenham carácter predatório, recusa de acesso à rede, recusa de acesso a um bem essencial, tying e

bundling, boicote colusivo.

Os sectores em que estas práticas são observáveis são geralmente nos sectores de bens não transacionáveis e onde existem incumbentes em posição de quase monopólio. Tratam-se normalmente de sectores onde se deu liberalização e privatização recente. Como já temos afirmado várias vezes, estas práticas que acabam por resultar em preços elevados e qualidade e inovação insuficientes têm um enorme impacto na

competitividade da economia, devido aos sobrecustos que acarretam às empresas. Neste domínio gostaria de referir dois problemas da maior importância. Primeiro, que a melhor forma de fazer respeitar a lei é sempre a prevenção. Deste ponto de vista, o Governo deve ter o maior cuidado quando privatiza uma empresa em se assegurar que as condições estruturais concorrenciais são as que melhor preservam os interesses dos consumidores e da eficiência económica em geral. Muitos erros se teriam evitado se este princípio fosse seguido.

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Segundo, na atribuição de concessões, as entidades responsáveis e o Governo devem também colocar, entre os principais critérios, a criação ou preservação das melhores condições concorrenciais estruturais.

4. Reforço dos instrumentos de obtenção de prova e melhoria do sistema processual

Vejamos, agora, algumas iniciativas para reforçar a capacidade de intervenção no domínio da defesa e promoção da concorrência.

Depois de um período de afirmação da instituição, é chegada a altura de propor o estatuto da clemência no domínio dos cartéis. Dos 25 somos um dos oito países que ainda não tem este instrumento. A Comissão tem apelado insistentemente para a sua adopção. Esperamos apresentá-la ao Governo até ao Verão deste ano. Combinado com uma aplicação eficaz das leis este é um instrumento poderoso para poder obter

evidência sobre cartéis.

Outra área que requer aperfeiçoamento tem a ver com a revisão do regime processual da concorrência que hoje está em grande parte baseada no direito das contra-ordenações. Ora a esta lei que foi criada para combater o ilícito menor não se coaduna com

processos em que os prejuízos causados à sociedade são da ordem das centenas ou mesmo milhares de milhões de euros. O nosso afastamento em relação à maioria dos Membros da União Europeia é inaceitável.

Uma terceira área essencial para fazer respeitar a lei da concorrência são os poderes de investigação da Autoridade. A obtenção de prova sobre cartéis, que são normalmente secretos, ou de abusos de posição dominante por grandes empresas que dispõe de enormes recursos, requer que a Autoridade disponha dos poderes suficientes para poder investigar as violações. E estaríamos a violar seriamente a nossa responsabilidade de parceiro comunitário se devido ao coartar desses poderes as empresas multinacionais pudessem usar o espaço português para formar cartéis ou aqui esconderem a evidência dos seus abusos de posição dominante. Neste domínio temos que nos congratular com o parecer recentemente emitido pelo Conselho Consultivo do Procurador Geral da

República de que os inspectores da Autoridade, munidos do respectivo mandato judicial, podem obter evidência dos e-mails abertos dos dirigentes ou qualquer empregado de uma empresa. Em nossa interpretação e-mails abertos não são mais do que documentos armazenados sob a forma digital, que em nada diferem de cartas armazenadas sob a forma de papel num dossier. Aquela prática é hoje cada vez mais importante na era da sociedade de informação. Admitir o contrário estaríamos completamente isolados entre os 25 membros da União.

Devo notar que têm surgido ultimamente várias opiniões de especialistas que defendem a limitação dos poderes de investigação das autoridades regulatórias perante a

preservação dos direitos de liberdade e de reputação das empresas. Deixem-me tornar claro desde logo que as autoridades foram criadas para resolver falhas do mercado, e por isso aqui funciona a limitação dos direitos privados por imperativo de um direito público. A Autoridade da Concorrência existe para regular uma dessas falhas de mercado que é a violação das próprias regras da concorrência. É em nome da

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valor constitucional entre nós – que a Autoridade procura actuar firmemente. Por outro lado, não podemos transferir para as empresas privadas todos os direitos de privacidade da pessoa humana. Mas há ainda um outro ponto de vista importante a considerar, puramente da esfera privada. Suponhamos uma grande empresa dominante que pratica preços predatórios para eliminar um ou vários pequenos concorrentes. Neste caso, limitar os poderes investigatórios sobre a grande empresa, seja porque é cotada ou tem um importante peso na economia, prejudica seriamente os direitos das pequenas

empresas. É do mais elementar juízo de preservação de uma concorrência equilibrada e mesmo de justiça equitativa.

Deixem-me voltar a reiterar que a Autoridade utilizará todos os poderes que tem ao seu dispor para fazer respeitar as leis da concorrência, que hoje é reconhecido largamente como factor essencial para a competitividade e crescimento da nossa economia.

5. Intensificar a colaboração entre a Autoridade e o Ministério Público

A difusão de uma cultura da concorrência é o primeiro passo para consciencializar os cidadãos da necessidade de preservarem este bem público. Mas não basta, o verdadeiro poder dissuasório da nossa actuação depende, acima de tudo, de ganhar processos de defesa da concorrência nos Tribunais Portugueses. As empresas que violam a lei têm de ser condenadas, e com coimas que retirem os benefícios de que se apropriaram

indevidamente.

Daí a necessidade de trabalharmos de uma forma mais eficaz e intensificarmos a nossa colaboração. É o Ministério Público quem defende a Autoridade em juízo. Todos estamos de acordo da necessidade de formação e especialização dos poderes judiciais. Como em qualquer campo do saber não é possível dominar matérias de direito em várias áreas e com a mesma competência. Hoje a economia e direito da concorrência são um campo altamente especializado e complexo.

Esta iniciativa insere-se no esforço lançado com os parcos recursos da Autoridade para poder partilhar convosco os nossos conhecimentos. São necessários processos muito bem preparados. Que sejam claros e que procurem detalhar os factos, a evidência, as leis violadas e os efeitos dos comportamentos. Esta é uma condição necessária para podermos ganhar processos nos recursos.

Deixem-me comentar um caso recentemente encerrado do antigo Conselho de Concorrência. O caso foi resolvido por negociação entre as empresas, que

implicitamente reconheceram a violação. Mas a Autoridade defendia que para além disso tinha havido violação do bem público da concorrência, opinião que não teve acolhimento. E temos que fazer melhor para explicar casos complexos numa linguagem simples. Por exemplo, quanto à prática proibida de “bundling”, uma das partes afirmava “que não era qualquer violação quando na pastelaria me vendem um café e não me fazem desconto por eu não usar açúcar”. O que está em causa é “que é uma violação quando só me vendem o café se eu também comprar uma garrafa de água”. É evidente que é necessário provar primeiro que a empresa está em posição dominante, pois de outra forma, a empresa não consegue sustentar esta prática. O que eu farei é pura e simplesmente dirigir-me à pastelaria mais à frente e pedir o café.

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E termino apelando a uma colaboração mais estreita com o Ministério Público na elaboração das propostas de aperfeiçoamentos legislativos e do processo que possam ajudar o ramo executivo e legislativo a reforçar a capacidade dissuasória da lei, e neste esforço de aperfeiçoamento e especialização necessário para podermos defender as decisões administrativas nos processos em recurso.

Só através da colaboração entre todas as instituições públicas podemos levar a cabo a importante reforma das áreas quasi-judiciais e judiciais essenciais para a modernização da sociedade portuguesa.

Referências

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