• Nenhum resultado encontrado

UEHARA PolíticaExternaJaponesanoFinaldoSéculoXX oquefaltou

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "UEHARA PolíticaExternaJaponesanoFinaldoSéculoXX oquefaltou"

Copied!
32
0
0

Texto

(1)

Política Externa Japonesa

no Final do Século XX:

o que faltou?

(2)

Sumário

Introdução ... 1 Testemunho do autor ... 8 Debate ... 18

(3)

Introdução

Japão: Problemas Domésticos e a Política Externa dos Anos 1990♦♦

Com o final da Guerra Fria em 1989 e o fim da bipolaridade entre os Estados Unidos e a União Soviética, a discussão sobre um novo reordenamento internacional colocou o Japão, a segunda maior economia mundial, como um dos países que poderia ampliar sua participação e status político, porém, isso não ocorreu. Este texto procura relacionar os fatores fundamentais relacionados ao Japão que conduziram a esse resultado, procurando responder a seguinte pergunta: por quê o Japão não desenvolveu uma política externa de maior proeminência internacional nesse período.

A expectativa de ampliação da participação internacional do Japão não era só nas análises acadêmicas, mas também em declarações de políticos de diferentes países. No relatório do Ministério das Relações Exteriores em 1991 assumia-se que “é importante ao Japão estar sempre disposto a enfrentar questões relacionadas à paz e a segurança global e demonstrar claramente sua disposição para desempenhar um papel ativo e de liderança na garantia da paz e da estabilidade. Para isso, obviamente, é indispensável o Japão fazer todas as suas preparações, incluindo aquelas que envolvam mudanças em sua legislação, para que se capacite a colocar em prática tudo o que lhe for possível sem infringir a constituição” (Ministry of Foreign Affairs, 1991:32).

Percebe-se, portanto, que havia um discurso do governo japonês favorável ao desempenho de um papel ativo de liderança internacional, convergente com as demandas de países como os Estados Unidos e países europeus. Richard Drifte (2000:56) assinala que a estrutura do relacionamento Japão-EUA incentiva o Japão em direção a uma diplomacia multilateral, à medida que a pressão tem conduzido ou exigido uma maior participação japonesa em questões internacionais. Esse interesse norte-americano por um envolvimento mais significativo do Japão tem sido representado pela expressão “burden sharing”, entendida como “divisão de encargos” (Inoguchi, 1993).

Os países europeus tinham expectativa de que Tóquio assumisse uma parte maior na divisão das responsabilidades para manutenção do sistema econômico mundial já no final dos anos 1980, tendo em vista o relativo declínio das potências ocidentais. Desses, poucos países percebiam que um aumento da participação japonesa iria reduzir seus poderes relativos e influências sobre o futuro do sistema econômico mundial (Drifte, 1990:36).

Na região da Ásia-Pacífico, de onde se poderia argumentar que haveria restrições mais contundentes, havia uma aceitação, ainda que não consensual, à ampliação do papel internacional do Japão. No início dos anos 1990, “o aprofundamento do envolvimento econômico do Japão com a Ásia-Pacífico, promovia um aumento das expectativas de um grande papel japonês na região” (Poh-Ping, 1994:122). Alguns países asiáticos, inclusive, pediam ao Japão para liderá-los, ajudando no desenvolvimento da

(4)

região, representando a região nos fóruns internacionais como no G-7 e negociando com outras regiões melhores condições para a Ásia-Pacífico (Poh-Ping, 1994:123).

Portanto, as pressões externas (gaiatsu) dos Estados Unidos, de países Europeus e mesmo de asiáticos - com os quais os japoneses têm relações marcadas por rivalidades e desconfianças, quando não rancor - apontadas como importantes no entendimento da política externa japonesa, nos anos 1990, carecem de poder explicativo ao porquê o Japão não desenvolveu uma política externa mais ativa. Isso porque, no pós Guerra Fria, as pressões externas atuavam favoravelmente a ampliação da participação japonesa e não para sua contenção.

Dessa forma, desde o final da década de 1980, a nova realidade internacional havia produzido as condições e as demandas para promoção de mudanças no papel internacional do Japão. Afirmava-se que esse país não poderia mais permanecer como um ‘carona’ das ações das outras potências internacionais, tendo como um dos principais fatores para o embasamento para essa mudança, a pujança da economia japonesa.

O status internacional do Japão passou por um processo ascendente no período do segundo pós-guerra, impulsionado pelo desempenho econômico e pelos grandes avanços nas áreas de ciência e tecnologia. O sucesso obtido fez do Japão um padrão de referência, levando a internacionalização de seus produtos, cultura, tecnologia e formas de administração. Como exemplos pode-se mencionar a popularização de marcas como Sony, Cássio, Toyota, de alguns sistemas de administração como “just-in-time” e “kanban”, pela disseminação de uma cultura “zen” e ainda de sofisticados aparelhos eletroeletrônicos, como os “walkman”, que deixaram o ocidente encantado.

Esse crescimento econômico proporcionou uma nova condição de inserção internacional. Nos anos 1980, o Japão superou os EUA como líder no setor bancário, tecnológico e de manufaturas. Tóquio pareceu estar entrando em uma nova fase de política externa, diferenciando-se por um posicionamento mais afirmativo e aumento de sua independência em várias questões (Nester, 1993: 114). Na segunda metade da década de 1980, o Japão superou os EUA, pela primeira vez na história do segundo pós-guerra, como o maior fornecedor de ajuda oficial para o desenvolvimento (ODA). E, nesse mesmo período, tornou-se ainda o principal fornecedor de recursos aos países em desenvolvimento.

Em 1989, o volume de recursos destinados pelo Japão ao ODA foi de US$8,96 bilhões, enquanto os EUA destinaram US$7,67 bilhões1. Pela primeira vez, segundo

dados do Comitê de Ajuda para o Desenvolvimento (DAC), o Japão superou as contribuições feitas pelos EUA, ocupando a primeira posição no ranking de fornecedores de ajuda externa. Em 1991, o Japão tornou-se o maior investidor externo.

Entre abril de 1986 e março de 1991, o Japão tornou-se a maior nação credora mundial e seus investimentos externos somaram US$227,2 bilhões. Indústrias japonesas foram criadas na América do Norte, Europa e outras partes da Ásia. Os japoneses adquiriram propriedades estrangeiras, companhias, participações e títulos

1

OECD (Organization for Economic Co-operation and Development). Development Co-operation. Efforts and Policies of the Members of the Development Assistance Committee. Paris: OECD.

(5)

governamentais, particularmente do governo dos EUA, o qual tinha um crônico déficit no orçamento e estava sendo financiado por recursos japoneses (Smith, 1995:139).

Diante desse quadro e com um cenário em que a importância das questões econômicas se sobreporia a das demais áreas, projetava-se no final dos anos 1980 que o Japão era um candidato a uma posição de liderança internacional, inclusive com especulações sobre uma possibilidade de substituir os Estados Unidos. Autores, como Chalmers Johnson, afirmavam que os EUA havia vencido a Guerra Fria contra a ex-União Soviética, mas o Japão havia sido o vencedor da guerra econômica (Nester 1993:3) e seria a nova superpotência do século XXI.

No entanto, as expectativas de ampliação do papel político do Japão para a década de 1990 não se confirmaram. E três elementos parecem ter contribuído significativamente para esse resultado:

1. a deterioração das condições econômicas japonesas na década de 1990; 2. a falta de coesão e, conseqüentemente, a força política para renovação da

política externa foram influenciadas e resultantes do processo de formulação de políticas no país, o qual é marcado por fracionamento e pluralismo político e;

3. a falta de participação e liderança japonesa em fóruns internacionais.

Poder Econômico

A Justificativa da concentração dos esforços japoneses aos temas econômicos baseia-se, legalmente, nas restrições estabelecidas na sua Constituição de 1945 - imposta pelos Estados Unidos - por meio do Artigo 9, o qual obriga o país renunciar a guerra como instrumento de resolução de disputas internacionais. No entanto, o Japão, já no final da década de 1940, com seu primeiro-ministro Shigueru Yoshida (1948-1954) percebeu que essa situação era cômoda e se indispôs a alterar seu status internacional por meio de modificação da sua constituição.

A preferência por uma política externa baseada em elementos econômicos rejeitando a política militarista, como a empregada no período da Segunda Guerra, trouxe facilidades no período de tensões entre as superpotências, quando a bipolaridade, produto da Guerra Fria, beneficiava o Japão em suas relações com os EUA. Porém, ao fim desse ordenamento internacional, como o elemento econômico era o principal pilar de sustentação da diplomacia desenvolvida por Tóquio, a crise que atingiu a economia japonesa nos anos 1990 afetou a sua política externa. A sua imagem internacional do Japão começou a enfraquecer e o elemento econômico tornou-se um ponto de fragilidade.

Esse foi uma das diferenças com relação aos EUA, que têm fundamentado sua posição de superpotência em três bases: político, econômico e militar. Por isso, quando os norte-americanos enfrentaram problemas econômicos nos anos 1980, a sua posição internacional, ainda que abalada ou desafiada por outras nações, inclusive pela japonesa, foi mantida pelo forte poder militar e político. No caso do Japão, o enfraquecimento da posição internacional decorrente das dificuldades econômicas não

(6)

encontrou outro elemento que pudesse dar sustentação para ampliação de seu papel na política mundial nos anos 1990.

Política Interna

Um segundo fator doméstico que contribuiu para a debilidade da política externa japonesa foi a política interna, pois ainda que a política externa enfoque as relações com outros países, a dinâmica da política interna é cada vez mais influente sobre a participação internacional de um país. Lentner (1999:9) afirma que fazer uma separação das questões domésticas da política externa pode produzir mais falsos entendimentos do que elementos de elucidação. Essa inter-relação, de acordo com Saitô (1990:54), aumenta com a maior diversificação das estruturas domésticas, introduzindo maior complexidade à condução das questões internacionais. No caso japonês, em decorrência da escolha feita por Tóquio em utilizar recursos econômicos para desenvolver sua diplomacia, essa relação é reforçada, pois, como assinala Robert Putnam (1988), a política econômica externa de todas as nações reflete uma interação entre as pressões políticas e econômicas domésticas e externas. Os resultados podem variar de acordo com os países e as situações mas, de maneira geral, as políticas econômicas externas não podem ser bem entendidas sem uma compreensão de fatores domésticos.

No período pós Guerra Fria, o que chama atenção no Japão é a dificuldade que existe para se estabelecer e aplicar uma política externa, com as características de um país que se propunha ser uma liderança internacional. No caso japonês, afirma Masataka Kôsaka (1977:222), a estrutura de tomada de decisão é, no mínimo, inadequada para um país que deseja assumir um papel de liderança, porque não o permite responder com decisões e medidas rápidas.

Um mito existente é que há no Japão um consenso de interesses, defendido inclusive pelos japoneses e apresentado sob as teses de “unicidade” ou "niponicidade”. T.J Pempel (1987:271) assinala que se tornou um velho clichê entre alguns intelectuais afirmar que os japoneses têm interesses semelhantes. Essa impressão conduziu à formação da imagem de que o Japão funcionaria como uma corporação, disseminada pela expressão “Japan, Inc.”.

Porém, isso não reflete a realidade, particularmente no que diz respeito à interação entre os setores público e privado. Com o crescimento econômico estabelecido depois da derrota na segunda Guerra Mundial, os interesses setoriais da sociedade japonesa se diferenciaram e a coesão existente, naquele momento, começou a dar lugar às divergências. Importantes organizações presentes na economia japonesa como o Keidanren (representante de grandes empresas e negócios), a Federação dos Sindicatos de Trabalhadores (Sôhyô), a Associação das Cooperativas Agrícolas (Nôkyô) passaram a enfrentar dificuldades para falarem em nome de um interesse geral. Apresentar uma posição de consenso tornou-se difícil até mesmo dentro dos setores, por causa do surgimento de interesses diferentes e, às vezes, conflitantes (Curtis, 1999:43). No entanto, a busca do consenso como meio de legitimação de políticas é uma característica da sociedade e da cultura japonesa. Esse é um procedimento presente no cotidiano da

(7)

vida japonesa, um padrão que não apresenta sinais de que mudará em um futuro próximo.

Um exemplo com repercussões internacionais da aplicação desse princípio foi a votação da lei que permitiria a participação japonesa em operações de paz da ONU – International Peace Cooperation Law – votada em 1992. Naquele momento, embora o PLD dispusesse de maioria na Dieta, o partido preferiu não aprovar a mencionada lei sem o apoio de, pelo menos, parte da oposição (Pempel, 1994:31). A morosidade da resposta japonesa à guerra fez com que, ainda que o governo de Tóquio tivesse se esforçado para se afastar da imagem de que somente desenvolvia uma “diplomacia do talão de cheque”, sua contribuição de maior destaque foi a financeira de US$13 bilhões, para cobrir os custos das operações militares no Golfo. O montante significativo dessa contribuição, todavia, não foi considerado suficiente e nem valorizado pelos aliados. Estes julgaram tal contribuição como muito pequena e muito tardia, pelo fato de não haver a presença de japoneses no Golfo (Fukushima, 1999:65).

Esse baixo reconhecimento às medidas japonesas não foi somente pelos países aliados, o próprio Kuwait deixou o Japão ausente num anúncio de página inteira nos jornais New York Times e The Washington Post no dia 11 de março de 1991 com o título “Obrigado aos EUA e à família global de nações”, agradecendo os países ajudaram que tiveram participação na guerra do Golfo (Fukushima, 1999:67).

Participação em Fóruns Multilaterais

Apesar de todos os problemas mencionados acima, a avaliação de que o Japão fracassou no objetivo de ampliar seu papel internacional deve ser relativizada, pois há diferenças na conceituação do papel de liderança do sistema internacional. A diferença entre o cenário projetado e a política executada pelo governo japonês é explicitada por Shiro Saitô (1990), o qual aponta que é necessário fazer uma distinção entre “leadership initiative” e “leadership example”. De acordo com esse autor, o melhor entendimento da política externa japonesa é o do “leadership example”, na qual a liderança do Japão seria um modelo de nação pacífica, de desenvolvimento econômico, de abertura de mercado, fornecendo ajuda econômica aos países em desenvolvimento, utilizando sua pujança e influência econômica mundial. A liderança norte-americana, diferentemente, é de leadership initiative - capacidade de fazer outros se submeterem a si por meio de força, disposição e poder (Saitô, 1990:186).

Outra consideração é sobre a lógica utilizada para participação nas questões internacionais e na formulação da política externa. Segundo Mushakôji Kinhide (1976), mais do que procurar intervir no ambiente internacional para atingir seus propósitos, o governo do Japão procura adequar-se a ele. Esse raciocínio, denominado pela palavra japonesa awase, utilizado pelos orientais e, em particular, pelo Japão, faz com que suas medidas de política externa se caracterizem como reativas, pois elas se compõem, na maioria das vezes, de respostas a contextos específicos e não têm como objetivo configurar o sistema internacional de acordo com seus próprios objetivos, claros e previamente estabelecidos.

(8)

Essas características ajudam a explicar a percepção de que existe uma vontade política comedida em participar efetivamente nos fóruns multilaterais, refletindo, por exemplo na ONU, em que nos anos 1970, o número de japoneses na secretaria dessa organização era entre 70-80 nos anos de 1981-82, atingindo 121 em 1985 (Drifte, 2000:41). Com esse número de funcionários, o Japão se fazia representado na maioria das importantes comissões e quadros funcionais de agências de ajuda. Depois de 1985, apesar da economia e das contribuições para a organização do Japão terem crescido, o número total de funcionários caiu para 99 em 1988. O número de pessoas japonesas nunca retornou novamente aos níveis de 1985. Em 30 de junho de 1997 havia 104 japoneses no total de funcionários da ONU, contra 131 alemães. Considerando as contribuições financeiras de cada país, a Alemanha poderia ter 121 funcionários e o Japão 205 funcionários (Drifte, 2000:42).

Esse quadro de baixa representação japonesa na ONU parece estar associado a análise apresentada por Farrell (1999:2), de que a política externa japonesa busca uma liderança sobre os processos, não sobre os resultados como acontece com os Estados Unidos. Essa forma de atuação, tem o objetivo de, ao mesmo tempo, contornar o problema e o temor de isolamento do Japão e evitar um possível confronto direto com outros países em função de políticas assumidas pelo governo.

A lógica da política japonesa parece ser se fazer presente na organização, pois isso é visto como uma conquista de reconhecimento internacional. Porém, essa representação não deve ser muito grande para que uma decisão da organização não fosse vista como uma posição japonesa.

Considerações Finais

Os fatores acima ajudam entender a debilidade na projeção de uma liderança japonesa no final dos anos 1980 e início dos anos 1990, que somados contribuíram para a ausência de uma clara política externa de país líder. Essa década de falta de política mais afirmativa tem contribuído para uma deterioração do status internacional do Japão, que nem mesmo a manutenção como segunda maior economia mundial tem sido capaz evitar.

Para o futuro, a China aparece como um desafio ao Japão, pois a ascensão econômica da China e sua a política externa afirmativa têm chamado a atenção do governo norte americano. Todavia, não é do interesse norte-americano uma China demasiadamente forte na Ásia e não existe um interesse japonês em perder o seu atual status de parceiro privilegiado com Washington. Por isso, ainda que haja desafios ao Japão para recuperar sua economia e seu status internacional do final dos anos 1980, Tóquio ainda deverá continuar sendo o parceiro dos EUA na região.

(9)

BIBLIOGRAFIA

BLAKER, Michael K. “Evaluating Japan’s Diplomatic Performance”, pp. 1-42. In: CURTIS, Gerald L (Ed). Japan’s Foreign Policy After the Cold War: Coping with Change. New York: An East Gate Book, 1993

CURTIS, Gerald L. (Ed). The Logic of Japanese Politics: Leaders, Institutions, and the Limits of Change. New York: Columbia University Press. 1999.

DRIFTE, Reinhard. Japan’s Foreign Policy. London: Routledge, 1990.

DRIFTE, Reinhard. Japan’s Quest for a Permanent Security Council Seat: A Matter of Pride or Justice? Oxford: St. Antony’s College, 2000.

FARRELL, William Regis. Crisis and Opportunity in a Changing Japan. Westport, Connecticut: Quorum Books, 1999.

FUKUSHIMA, Akiko. Japanese Foreign Policy: The emerging logic of multilateralism: UK. Macmillan, 1999

INOGUCHI, Takashi. Japan’s Foreign Policy in an Era of Global Change. London: Pinter Publishers. 1993

KÔSAKA, Masataka. “The International Economic Policy of Japan”, pp. 207-226. In: SCALAPINO, Robert A (Ed.). Foreign Policy of Modern Japan. California: University of California Press, 1977.

(10)

Testemunho do Autor

Este trabalho foi resultado de minha pesquisa de doutoramento. A pergunta fundamental que me levou a essa pesquisa foi por que depois da Guerra Fria – depois de vários autores e especialistas estarem discutindo o reordenamento internacional – o Japão, indicado como um país que poderia ser o principal líder internacional, não concretizou as expectativas? Por que o Japão não conseguiu, depois de dez anos, transformar sua capacidade, seu poderio e sua potência econômica em capacidade de articulação política em âmbito global e regional, como alguns autores especialistas previam? “Quais são os fatores que poderiam causar essa restrição, essa contenção da política externa japonesa?”.

Entre os especialistas que acompanham a política externa japonesa, é muito comum encontrar argumentos de que a política externa japonesa é movida e estimulada por pressões externas. O termo cunhado para denominar esse tipo de pressão é gaiatsu (atsu significa pressão e gai, externa). Termo muito utilizado no Japão, tem como principal agente de pressão externa os Estados Unidos. Seria essa a resposta para a pergunta que estimulou este trabalho? A pressão externa estaria impedindo o Japão de se tornar um país com maior projeção e participação política nas questões internacionais?

Logo no começo do trabalho eu tento apontar que essa não seria uma resposta adequada ao resultado que temos hoje. O Japão ainda é um país muito contido, muito low profile. Por quê? Porque durante a década de 80, pouco antes do final da Guerra Fria, quando o Japão crescia economicamente e ganhava o status de segunda potência mundial, os Estados Unidos, parceiro importante para o Japão, passaram a pressionar o Japão a assumir mais responsabilidades no âmbito internacional, tanto em termos de custos financeiros como, também, políticos para manutenção do ordenamento internacional. Alguns elementos dessa pressão norte-americana sobre o Japão (para que este se tornasse um ator mais global) surgem logo após a Segunda Guerra Mundial. Todos já ouviram falar do artigo 9o da Constituição japonesa, que restringe o Japão de

atuar com suas tropas fora do território japonês. Desde a década de 50, quando houve a guerra da Coréia, os Estados Unidos vêm pressionando o Japão a alterar o referido dispositivo constitucional. O Japão, no entanto, demonstrou pouco interesse político em alterar o texto constitucional. No decorrer da década de 90, houve algumas modificações – existe uma lei interna que autoriza algumas ações das tropas japonesas para fins outros que a autodefesa. Eu diria que, no decorrer da segunda metade do século 20, e principalmente a partir do final da Guerra Fria, os Estados Unidos vêm demonstrando interesse numa maior participação internacional do Japão.

Também houve interesse por parte dos países europeus de que o Japão deixasse de ser – o termo foi cunhado no final da Guerra Fria – um anão político no âmbito das relações internacionais. Ou seja, era uma grande economia, mas tinha uma baixa participação e responsabilidade em termos de ordenamento internacional. O Japão era visto, pelos países europeus, como um carona, isto é, um país que apenas se beneficiava do ordenamento internacional mantido pelos EUA e pelos países ocidentais. Segundo o

(11)

argumento europeu, o Japão deveria ser responsável pelo ordenamento internacional e não só se beneficiar economicamente do comércio exterior. Para os países europeus, o Japão deveria ampliar a sua participação internacional.

Por fim tem os países da região da Ásia,com os quais onde o Japão tem intensificado sua as relações. Depois da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos pressionaram o Japão a participar do reordenamento e da recuperação econômica asiática. O Japão tentou restabelecer relações com os países asiáticos por meio de ajudas econômicas, de investimentos e da intensificação do comércio regional. Apesar da cooperação econômica, havia, entre os países da região, um sentimento de resistência à maior projeção política internacional do Japão. Decorrentes do histórico de invasões japonesas na região, existia um receio de uma nova militarização e da adoção de um projeto imperialista para a região.

A resistência dos países asiáticos à projeção internacional do Japão diminuiu nos primeiros anos após a Guerra Fria. A cooperação econômica liderada pelo Japão beneficiou os países da região. O resultado da intensificação do comércio e dos investimentos japoneses foi a aproximação entre os países asiáticos. A Malásia, por exemplo, chegou a propor que o Japão, além do papel de líder econômico, representasse politicamente a região junto ao GATT e em outros órgãos multilaterais. Diante desse posicionamento, vemos que em termos de pressões externas sobre o Japão, existia um cenário que favorecia uma maior projeção da política externa japonesa do final da Guerra Fria em diante.

Por que isso não aconteceu? Creio que três temas mereçam atenção. O primeiro que eu gostaria de mencionar é o da estrutura de decisão dentro do Japão. Se os fatores externos não são suficientes para explicar a política externa japonesa, vamos tentar achar respostas analisando alguns fatores internos de por que o Japão não consegue formular uma política de país potência, como os Estados Unidos e os países europeus? No Japão, um problema que merece atenção é o processo de tomada de decisão. O segundo ponto que interferiu na capacidade japonesa de inserção internacional foi a crise econômica que surgiu logo após a Guerra Fria. A Guerra Fria acaba em 1989 e no início da década de 1990, exatamente em 1991, há o estouro da bolha econômica no Japão, que vai influenciar muito a capacidade de projeção internacional do país. Pois, desde a Segunda Guerra Mundial, o Japão optou por fazer a sua participação internacional via atuação econômica.

A restrição dada pela Constituição, já mencionada, impedia atuações militares japonesas fora do seu território. Com essa opção de não se envolver militarmente, os instrumentos nacionais de ação eram os recursos econômicos, via ajuda externa, investimentos ou doações. Na primeira Guerra do Golfo, o Japão foi muito criticado pela preferência dada à via econômica. Os Estados Unidos por várias vezes pressionaram o Japão para que se tivesse envolvimento maior na Guerra do Golfo, mudando sua Constituição para enviar tropas. Todavia, o Japão demorou muito para decidir, somente quando a guerra já havia acabado veio a resposta japonesa, o envio de US$ 13 bilhões para pagar parte dos custos da guerra.

(12)

Desde o final da Segunda Guerra Mundial, o Japão tem buscado desempenhar sua política externa via recursos econômicos. Com a crise na política externa a partir de 1991, é possível observar que, apesar do Japão continuar a ser a segunda economia mundial, a preocupação dos políticos e do governo japoneses desloca-se para os problemas domésticos. Assim sendo, o Japão, que já tinha um posicionamento internacional fraco, vem, nos últimos dez anos, concentrando seus esforços para resolver os problemas internos causados pela crise econômica. Isso fragilizou o seu principal instrumento de política externa japonesa: as ações utilizando recursos econômicos.

A formulação de políticas e os problemas econômicos são os dois primeiros pontos do trabalho. O terceiro ponto, mais subjetivo, que tento argumentar na tese é o da disposição do Japão em ser um ator político internacional realmente forte. No final da Guerra Fria, dois fatores impulsionavam uma maior atuação japonesa no mundo. Em primeiro lugar, o Japão detinha o poder econômico para sustentar maior projeção externa. Em segundo lugar, havia vontade, por parte dos países ocidentais, de o Japão se assumisse maior responsabilidade internacional. E, na literatura das relações internacionais, há uma teoria que afirma, quando um país se encontra numa situação de potência econômica, existe quase que uma necessidade de reordenamento das relações internacionais para que esse país ocupe um espaço político e militar equivalente à sua capacidade econômica. Essa era a condição do Japão no pós-Guerra Fria. A capacidade militar e política japonesa deveriam se equiparar à realidade econômica do país.

Por que isso não acontece? Porque não houve muita disposição por parte do próprio Japão, por causa das dificuldades internas da economia e por causa de uma disposição cultural e histórica da política externa japonesa. A partir da Segunda Guerra Mundial, o Japão formulou uma política que posicionava o país sob o guarda-chuva de proteção dos Estados Unidos. Essa política, que começou com o primeiro-ministro Yoshida, no final da década de 40, ao relegar toda a área de defesa do país aos Estados Unidos, deixava o Japão livre para se dedicar somente às tarefas econômicas. Essa indisposição em envolver-se em questões conflituosas aparece também como um fator explicativo do porquê o Japão não ampliou a sua atuação internacional no pós-Guerra Fria. Esses são os três pontos principais que eu tento apresentar na minha tese.

Queria agora focar um pouco no primeiro ponto: a estrutura de formulação de políticas dentro do Japão, que considero um aspecto interessante. Depois da Guerra Fria, o Japão não era apenas uma potência econômica, mas um país que estava sendo visto como um modelo pelo seu desenvolvimento econômico. Várias empresas japonesas, hoje conhecidas no mundo inteiro, “conquistaram” os Estados Unidos, comprando empresas como o Rockefeller Center. O fortalecimento da capacidade econômica japonesa causou impacto e a impressão de que o Japão realmente estaria disposto a seguir uma política de expansão da sua atuação internacional. Além disso, havia a disseminação da qualidade japonesa e dos processos administrativos. Todos aqui devem ter ouvido falar em just in time, kanban e outras coisas que foram tidos como modelo. Isso fortaleceu o status internacional do Japão, colocando-o, segundo os analistas internacionais, como um possível substituto dos Estados Unidos ou, pelo menos, como um parceiro equivalente aos EUA num novo ordenamento internacional.

(13)

Na minha tese, eu analiso o crescimento do Japão num período que vai de 1985 até 1998. Por que isso? Porque em 1985 há um acordo internacional chamado Acordo de Plaza, que previa a desvalorização da moeda americana em relação à moeda japonesa e a de países desenvolvidos. Esse fato é importante também para entender a situação japonesa no pós-Guerra Fria, pelo seguinte fato: nesse momento, quando pensamos no Acordo de Plaza, a burocracia japonesa temia que por causa da desvalorização da moeda norte-americana, houvesse um forte impacto sobre as exportações de produtos japoneses ao mercado norte-americano. Por isso, a burocracia japonesa desenvolveu uma política para que não houvesse um desaquecimento da economia japonesa.

Essas medidas foram consideradas como causadoras da bolha econômica, entre 1985 e 1991, que teve seu dinamismo próprio intensificado pelas políticas governamentais, que visavam minorar o impacto da desvalorização do dólar. Existem muitas críticas de que essas medidas foram equivocadas, pois levaram às empresas a fazerem investimentos muito fortes. Havia uma percepção de que com o crescimento da economia japonesa, principalmente na área de Tóquio, muitos bancos e agentes financeiros iriam investir nessa região, porque lá seria o centro econômico mundial. Houve, depois de 1985, uma sobrevalorização muito forte dos ativos e dos imóveis daquela região.

Nesse período havia, em termos econômicos, muita liquidez, muito dinheiro na economia japonesa. Havia muitos investimentos em ações e das empresas. A euforia com a economia japonesa criou a expectativa de que ela estaria crescendo de maneira indefinida, sem limites. Nesse processo de formação da bolha economia japonesa, os bancos tiveram um papel importante, assim como o Ministério das Finanças do Japão. Os bancos tinham muito poucos critérios para fazer os empréstimos e o governo japonês também não tinha um controle rigoroso sobre as liberalizações de recursos pelos bancos. Com essa abundância de recursos, as empresas tomavam dinheiro emprestado dos bancos e, muitas vezes, colocando como lastro, imóveis sobrevalorizados que tinham adquirido. Ou seja, uma empresa tomava um empréstimo de “100” no banco e usava o seu imóvel, que também valia “100”, como garantia do seu empréstimo. No entanto, em 1991, com a quebra das expectativas, o imóvel da garantia que valia “100” em um ano teve seu valor nominal reduzido 50%, passando a valer “50”. A dívida da empresa, no entanto, ainda era “100”. Se a diferença fosse entre R$ 100 e R$ 50, dar-se-ia um jeito, mas a situação envolve bilhões de dólares. A maneira de solucionar essa crise do sistema financeiro pelo governo foi tentar bancar esses créditos podres - sem lastro nem garantia - e estimular o crescimento da economia, para que os ativos recuperassem seus valores.

Outro fator que levou o Japão a ser apontado como país potência era o fato de que naquele momento, final da década de 80, o Japão, ao contrário dos Estados Unidos, continuava crescendo e os Estados Unidos estavam com dificuldades internas – desemprego e problemas sociais. A economia norte-americana estava se reestruturando. No início da década de 90, o Japão e os Estados Unidos encontravam-se em situação praticamente opostas. Isso tornou possível pensar num reordenamento internacional.

Havia dois itens que limitavam esse reordenamento: primeiro, a autolimitação imposta às forças armadas pela Constituição japonesa. Pois, para que o Japão pudesse

(14)

ser uma potência de atuação mais firme no cenário internacional e regional, a sua constituição deveria ser alterada. Outro fator são as armas nucleares, que deixam o Japão que não tem arma nuclear, frente a China que tem e a Coréia do Norte, ainda que não haja certeza, numa posição de inferioridade. Até o momento, porém, o Japão não tem mostrado nenhuma intenção de desenvolver armas nucleares, até porque está sob guarda-chuva norte-americano.

Apesar disso, como já foi mencionado, vários países mostravam interesse em ver o Japão ganhar uma dimensão internacional maior. A partir do final de década de 80, o primeiro-ministro e o ministro das Relações Exteriores, afirmaram que o país tinha interesse em ocupar um papel de maior responsabilidade internacional. Essa posição foi observada em documentos, em declarações e nos fóruns internacionais. Parecia que o Japão, realmente, estava caminhando para uma posição internacional de liderança.

Antes de continuar, gostaria de acrescentar um esclarecimento sobre como ocorre a formulação da política externa japonesa no âmbito interno. Uma coisa que considero interessante é a idéia, o senso comum, de que o Japão é um país consensual, onde os interesses são iguais. A partir da Segunda Guerra Mundial, houve um período de consenso em relação à meta do Japão como país, que era o crescimento econômico. Com os grandes prejuízos provocados pela guerra, nos primeiros quinze ou vinte anos após a Segunda Guerra Mundial, havia um certo consenso de que o país precisava crescer economicamente. Não importava qual órgão governamental estivesse opinando, se era Ministério da Economia, o Ministério dos Transportes ou o Ministério da Agricultura, pois todos almejavam o crescimento econômico. Naquele primeiro momento, pode-se afirmar que havia uma certa homogeneidade no pensamento do Japão.

A idéia de que todo japonês pensa da mesma maneira é errada, mas é interessante notar que os próprios japoneses defendem essa tese. Vários antropólogos e acadêmicos japoneses defendem essa tese da homogeneidade e da “cultura única”. Apesar de passar, no decorrer de sua história, por períodos de isolamento, o Japão não é um país homogêneo. A população japonesa é fruto de uma miscigenação significativa. No sul do país, parte da população é de origem chinesa, no norte, há muitos de origem mongol e, na parte central, também há miscigenação. Apesar disso, existe no país uma tradição se de considerar a sociedade japonesa como homogênea, consensual. Eu não concordo com essa visão. Já foi mencionado o consenso que houve nas primeiras décadas após a Segunda Guerra. No entanto, a partir de meados da década de 70 e início da década de 80, a meta consensual havia sido atingida. Com a revitalização da economia japonesa surge, então, dentro a divisão de interesses e a competição entre os grandes conglomerados econômicos pelos benefícios das políticas públicas.

É possível observar, nesse período dos primeiros vinte anos após a Segunda Guerra, que a burocracia teve um papel muito importante no Japão. Durante a ocupação norte-americana do Japão, as Forças Armadas e muitos políticos japoneses foram afastados do governo. Na primeira eleição para deputados, em 1946, 80% dos candidatos eram novos políticos. A concentração de políticos novos e inexperientes resultou num maior poder para a burocracia. Nos primeiros anos, quem formulava as políticas públicas eram os burocratas que já se encontravam nos ministérios, em

(15)

particular o Ministério da Indústria e Comércio e o Ministério das Finanças. Esses ministérios eram essenciais para o fortalecimento da economia japonesa e, como queriam os Estados Unidos, regional. Os políticos, por sua vez, apenas seguiam as formulações feitas pela burocracia.

Tendo o crescimento econômico como meta consensual nas primeiras décadas do Pós-guerra, as funções dos ministérios eram mais harmoniosas. O Ministério das Relações Exteriores, por exemplo, era, naquela época, o principal responsável pela formulação da política externa do país, porque nele se encontravam negociadores que falavam o inglês. As negociações, por estarem concentradas apenas em um ministério, eram consideravelmente mais simples do que as de hoje. Hoje, a formulação da política externa, em particular a de cooperação econômica, é disputada por diferentes ministérios, que criaram seus respectivos departamentos de cooperação internacional. Pois o crescimento da economia japonesa e a conseqüente abundância de recursos, principalmente na década de 80, propiciaram condições para isso. Além disso, deve-se observar que a negociação de um acordo de integração econômica ou de investimento contém tantas especificidades que a participação de técnicos de outros ministérios tornou-se, muitas vezes, essencial. Embora a participação de diferentes ministérios nas negociações, a idéia de coesão é uma coisa do passado. Hoje, existe muita disputa dentro da burocracia japonesa, motivada também pelos interesses econômicos.

Outro elemento que vai dar maior complexidade a formulação das políticas começam a aparecer a partir de meados da década de 70, quando houve uma certa contenção de recursos japoneses por causa da crise do petróleo. A partir daquele momento, os políticos passaram a interferir mais nos projetos, sendo os responsáveis pela liberação dos recursos. Passou a haver uma maior interferência dos políticos no processo de formulação de projetos, pois mesmo que os burocratas elaborassem os projetos, quem liberava os recursos era o Congresso. Depois de mais de uma década no poder, os políticos japoneses desenvolveram um maior conhecimento da formulação de políticas públicas. Além disso, o Partido Liberal Democrático (PLD), que se mantém no poder há muito tempo, criou um comitê interno para formulação de políticas públicas, o que possibilitou aos políticos se especializarem em alguns assuntos como construção civil, política externa e saúde pública. Esses políticos, muitos eleitos graças ao apoio econômico do setor privado, passaram a interferir na formulação das políticas. O resultado disso foi a fragmentação da formulação das políticas públicas devido aos diferentes interesses do setor privado, o que dificulta cada vez mais a formação de uma política única para o Japão.

Ao final da Guerra Fria, o Japão deveria formular uma política de país potência. Qual era essa política? Qual era a negociação? Não havia canais de negociação interna, entre os ministérios no governo japonês para que uma política única de país potência pudesse ser formulada. Havia várias políticas sendo desenvolvidas, gerando uma disputa de poder dentro do próprio governo japonês. Em 1989, no final da Guerra Fria, o Partido Liberal Democrático perdeu a maioria na Câmara alta do Japão, e a hegemonia do partido começou a se deteriorar. Em 1993, o PLD perdeu a maioria também na Câmara baixa e, nos três anos seguintes, o Japão teve um governo de oposição. A perda

(16)

de liderança do Partido Liberal Democrático fragilizou o sistema político japonês. Depois de escândalos envolvendo a burocracia de alguns ministérios, os políticos do PLD, que já tinham conhecimento técnico, deveriam assumir a liderança da formulação das políticas. E isso não ocorreu. A experiência do comitê de formulação de políticas do PLD não era compartilhada pelos partidos que assumiram o poder. Houve, então, uma dificuldade para o novo governo formular políticas envolvendo o setor privado e os ministérios. Criou-se um vácuo de poder administrativo dentro do governo japonês. Resumindo, a disputa de poder, a estrutura fragmentada e os políticos inexperientes acabaram prejudicando a formulação de uma política externa de potência para o Japão.

No caso dos ministérios, além das disputas em torno da formulação de diversas políticas de cooperação internacional, havia também a disputa por recursos, principalmente depois da década de 90, quando o Japão começou a entrar em crise econômica. Os governos já estavam acostumados a um volume grande de recursos e, a partir do momento em que começou a crise, começou a haver alguns remanejamentos de orçamento. Para manter o seu orçamento, alguns ministérios começavam a disputar o controle de certos temas. Por exemplo, o Ministério da Indústria e Comércio disputava com o Ministério de Telecomunicações a parte de Telecomunicações e Informação (TI), porque a área de telecomunicações envolve também o comércio internacional. Isso é apenas um exemplo entre outros de disputa entre ministérios por mais recursos. Um caso interessante é o que os ministérios fazem para conseguir mais recursos do orçamento. No Japão, o ano fiscal termina em março. Para não perder recursos no ano seguinte, os ministérios têm que gastar todos os recursos de que dispõem. No entanto, o governo japonês não pode fechar o ano com as contas em déficit. Os ministérios têm que fechar as contas no azul, mas não com muito dinheiro em caixa, senão não conseguem barganhar mais verba. O ideal é deixar o caixa praticamente zerado. Como os ministérios são muito econômicos em termos de gastos na maior parte do ano, nos meses que antecedem o término do ano fiscal pode-se observar um aumento nos gastos públicos – o que tem de obra na rua! Tudo isso é feito tendo em vista a próxima alocação de recursos do orçamento.

Outra coisa que acho interessante analisar é o papel do primeiro-ministro. Como vivemos num país presidencialista onde papel do poder Executivo é forte, no caso do Japão isso não acontece. O primeiro-ministro faz muitas declarações que, muitas vezes, não refletem o que está ocorrendo internamente no país. Essas declarações servem apenas para agradar aos que ouvem, como os Estados Unidos e a Europa. No final da Guerra Fria, como foi mencionado aqui, as declarações do primeiro-ministro apontavam o Japão para uma nova política internacional, o que não se concretizou. O fato é que o primeiro-ministro japonês não tem instrumentos formais dentro da estrutura política japonesa para fazer valer as suas vontades. Ele pode ter uma posição pessoal, mas não consegue implementar aquilo diretamente, porque ele é eleito pelo Congresso e não diretamente pelo povo. Não há, digamos, respaldo popular. O primeiro-ministro Koizumi tem uma popularidade alta, mas ele não tem instrumentos formais para fazer com que o Congresso, que é a Dieta japonesa, aprove as reformas que ele quer. Isso aconteceu em outros casos também. Yasuhiro Nakasone, que foi um primeiro-ministro

(17)

de projeção internacional muito forte, teve um relacionamento muito bom com os Estados Unidos. Ele tentou reestruturar o sistema político japonês, tentando fortalecer a posição do primeiro-ministro. Ele queria transformar o Japão em “país normal” ou “normal State”, ou seja, num país que, depois de mudar a sua Constituição, pudesse atuar externamente de forma mais ativa. Apesar das tentativas pessoais do primeiro-ministro, ele não conseguiu fazer essa transformação. O fracasso de colocar em prática o projeto se deveu à resistência e ao desinteresse da burocracia e da população japonesa. Depois do primeiro-ministro Tanaka, um político forte, não houve muitos outros primeiros-ministros de personalidade forte, que fossem marcantes na política japonesa. De qualquer maneira, independentemente da postura e da personalidade, a estrutura da política japonesa não fornece as condições para que o primeiro-ministro intervenha de maneira mais firme. Essa fragilidade política aumenta a distância entre discurso e a prática da política externa japonesa.

Vimos que o crescimento econômico causou a fragmentação da política japonesa e enfraqueceu os políticos ligados aos conglomerados econômicos. Os políticos não se reagruparem para formar uma política externa consensual. Hoje, o primeiro-ministro Koizumi faz parte da facção menor do PLD. No começo da década de 90, essa facção estava na oposição, enquanto o primeiro-ministro Obuchi, da facção maior, estava no poder. Apesar de Koizumi ser mais popular do que Obuchi foi, ele detém menos poder para realizar as reformas. Outro fator que mencionei foi a “fragilização” da economia japonesa.

Um momento importante é a crise asiática de 1997. Tratava-se de um momento oportuno para o Japão conseguir firmar sua posição internacional. Havia, naquela época, expectativa entre os países asiáticos de que o Japão desse algum recurso, desse uma ajuda aos países para saírem daquela situação. Na verdade, houve uma iniciativa do governo japonês ele propôs fazer uma espécie de FMI asiático, projeto logo abandonado devido à objeção dos Estados Unidos.. Depois, em outro momento, acho que já em 1998, alguns países do sudeste asiático solicitaram a ajuda do Japão. O primeiro-ministro Hashimoto, na época, disse que o Japão não tinha condições de ajudar os países asiáticos naquele momento porque tinha problemas econômicos internos. Essa declaração do primeiro-ministro japonês causou uma certa frustração naqueles que esperavam um papel mais ativo do Japão, entre eles os países da região. Era esperado que o Japão, que desde a Segunda Guerra Mundial se propôs a ser um ator internacional atuando economicamente, atuasse de maneira um pouco mais afirmativa na crise asiática de 1997. Além disso, o Japão tem muitos interesses econômicos na região. A frustração causada pela falta de ação prejudicou fortemente uma possível recuperação do papel desempenhado pelo Japão na Ásia.

Outro aspecto que quero mencionar aqui é a participação internacional do Japão em fóruns multilaterais. A participação japonesa nesses fóruns mostra, para mim, a restrita disposição do Japão em ser um ator internacional importante. Em 1995, o Japão contribuía com 13% do orçamento total da ONU. No entanto, qual é a participação japonesa nesse órgão? Os números são interessantes. No ano 1976, o Japão tinha cerca de 80 funcionários na ONU. Em 1982, esse número subiu para 100 e, em 1985, chegou a

(18)

121. O número de funcionários, assim como a economia japonesa, estava crescendo. Em 1988, esse número caiu para 99. Apesar do crescimento econômico, o número de representantes japoneses na ONU caiu. Em 1997, o número total de membros japoneses na ONU era de 104. Fazendo uma comparação, o Japão, em 1997, era o segundo maior contribuinte da ONU. A Alemanha, por sua vez, tinha nesse mesmo ano 131 funcionários na ONU. Se a representação fosse proporcional às cotas de contribuição, a Alemanha deveria ter 121 funcionários. O Japão poderia ter 205 e tinha apenas 104. No FMI, por exemplo, dos 1700 cargos existentes, o Japão ocupa apenas 30 (2% do efetivo do FMI). No Banco Mundial, os funcionários japoneses representam 1% do total de pessoas no Banco. Por que o Japão, que tinha uma proposta de ser um país de liderança, não ocupou mais cargos nos fóruns multilaterais? Qual é a disposição japonesa de realmente ser um país de liderança? Parece-me que existe pouca disposição.

Um outro aspecto que parece ser interessante é observar como a liderança é vista pelo Japão e pelo Ocidente. Para o Japão, os Estados Unidos consideram a liderança em termos de resultado, ou seja, os Estados Unidos querem liderar para influenciar resultado. O Japão, por sua vez, não tem preocupação em influenciar o resultado. O Japão quer ser líder para discutir. Enquanto para os Estados Unidos o resultado deve respeitar sua vontade, para o Japão ele deve ser fruto da discussão, mesmo que não seja o resultado ideal para o país. O principal interesse do Japão é participar das discussões, e não determinar o resultado. Desde a Segunda Guerra Mundial, o Japão tem buscado entrar nos fóruns multilaterais como ONU, FMI, Banco Mundial, mas a sua participação tem sido baixa porque ele quer estar lá no órgão, no fórum multilateral, mas não quer determinar no resultado. Então não importa muito se ele tem cem, cinqüenta ou dez funcionários no órgão. Pelo que tenho percebido, o simples fato de estar sendo representado nos fóruns, independentemente do resultado, já agrada ao Japão. É interessante notar essa maneira de liderar diferente da ocidental de influenciar. Para mim, esse tipo de liderança internacional, a que determina os resultados, foi o que faltou à política externa japonesa. Essa percepção de liderança, em conjunto com os fatores de política interna (a disputa do poder que fragilizou o sistema político) e com a crise econômica, prejudicou a formulação de uma política externa de país potência, que faria do Japão o líder internacional que a maioria dos analistas ocidentais antevia.

Eu gostaria de fazer um contraponto para finalizar. Os Estados Unidos também enfrentaram problemas econômicos na década de 80. no entanto, a política externa do país estava apoiada sobre o tripé econômico, político e militar. A política externa japonesa não tinha esse tripé. O Japão se projetou no mundo por meio de sua economia. O país não desempenhou nenhum papel político relevante desde o pós-guerra e, militarmente, ele sempre dependeu dos Estados Unidos. A partir do momento que há uma crise no seu principal instrumento de articulação internacional, que é a economia, a partir da década de 90, o Japão perde seu posicionamento no mundo. Pode-se observar que o status internacional do país vem sendo reduzido gradualmente. A China, diferentemente do Japão, sabe que papel quer ter no mundo. A atuação da China não se limita à economia e à mera participação em fóruns multilaterais. O país vem desenvolvendo uma política externa que leva em conta os aspectos militares também,

(19)

que amplia a capacidade de intervenção chinesa nos assuntos globais. O Japão, por sua vez, não demonstra, até o presente momento, a disposição para ter esse tipo de atuação no mundo.

(20)

Debate

Pergunta:

Queria comentar que o nosso interesse pelo Japão é grande pelo fato de que a própria região da Ásia e Pacífico, pelas previsões econômicas até o ano 2030/40, vai se transformar na região de maior concentração de atividade econômica no mundo, com a transferência da atividade econômica do Atlântico para a zona da Ásia e do Pacífico. Por isso o papel do Japão, maior ator nessa região, atrai a nossa atenção.

O Japão e a Alemanha têm o perfil dos derrotados na Segunda Guerra Mundial. Esse perfil foi estruturalmente fixado no período da bipolaridade, quando os dois países mantiveram um low profile por não terem voz independente na política externa. Quando começou uma evolução menos rígida dentro do contexto da bipolaridade, observamos o papel crescente da Alemanha, graças à sua inserção e seu funcionamento eficaz dentro da União Européia. O papel do Japão, por sua vez, está decrescendo, inclusive pela redistribuição das atenções e das influências dos grandes atores internacionais em relação ao Japão, como os Estados Unidos da América, que transferiram as suas atenções para a China e para os outros assuntos na Ásia.

Acho importante fazer um comentário sobre a relação do Japão com a Rússia. Os dois países não têm, até os dias de hoje, um tratado formal de paz. Eles se encontram, formalmente, em condição de guerra por causa de vários assuntos, sobretudo por causa da questão das ilhas Kurilas. A questão das ilhas é se transformou, para a política externa japonesa, numa barreira ao relacionamento com a Rússia. A situação persiste até mesmo depois da Guerra Fria e da abertura política e econômica da Rússia. A exposição de hoje me ajudou a entender melhor a razão disso. A mudança não ocorre, para o Japão, justamente por causa da burocracia e do tradicionalismo. Por exemplo, mesmo Koizumi, que é considerado um primeiro-ministro moderno, ainda não fez um pedido de desculpas claro em relação aos atos cometidos, durante a Segunda Guerra Mundial, contra a China, a Coréia e a Rússia. Esta, por sua vez, já pediu desculpas em relação às atrocidades que foram cometidas contra os japoneses durante a Segunda Guerra Mundial, inclusive em relação aos campos de prisioneiros de guerra.

Dr. Alexandre Uehara:

Primeiro em relação à tomada de decisão no Japão. Uma coisa interessante que eu queria aproveitar para acrescentar também é que normalmente, no Ocidente, quem toma a decisão é quem está no topo da hierarquia. Os funcionários assistem, fornecem as informações e o chefe é quem dá a palavra final. No Japão não acontece isso. Geralmente, principalmente na parte do governo, quem decide não é o primeiro-ministro, o primeiro-ministro, o vice-primeiro-ministro, nem o diretor. Nas análises que tenho visto e acompanhando lá no Japão, quem decide é o chefe da divisão ou o diretor nas regiões. O primeiro-ministro não tem uma equipe que o assessore, geralmente ele está ocupado com compromissos, sem tempo para pensar ou formular as coisas. O primeiro-ministro Nakasone, por exemplo, tentou formular um think tank para ajudá-lo a acompanhar as negociações e a tomar alguma decisão.

(21)

No Japão, são os ministros e o primeiro-ministro que, geralmente, vão ao Congresso explicar suas atividades para os parlamentares. No entanto, devido à falta de conhecimento técnico sobre as matérias, eles são assessorados pelos diretores dos ministérios. Essa situação revela uma certa dependência dos ministros e do primeiro-ministro nos diretores para tomar decisões. Quem formula as políticas, na verdade, são os diretores e quem está abaixo deles. Isso é uma coisa muito interessante que acontece no Japão. As pessoas dizem “se quer negociar, negocie com o diretor e não necessariamente com o primeiro-ministro ou com o ministro porque não são eles que decidem. Quem decide é o diretor do ministério ou os assessores do diretor”.

Outro aspecto interessante sobre a tomada de decisão é verificar como surgem os planos, os projetos políticos no Japão. O estímulo pode vir de vários lugares. Pode ser uma pressão externa, pode ser o interesse de algum político em particular, mas o projeto começa, geralmente, no assistente. É o assistente é que começa a formular as linhas básicas da política. Depois, o projeto vai circulando pelo gabinete (o nome da circular é ringisho), passando por outros assessores e subindo a hierarquia até chegar ao gerente e ao diretor. O importante é notar que a tramitação do projeto é resultado de decisões coletivas. O assessor decide com outros assessores, o gerente faz o mesmo com outros gerentes e assim por diante. Ninguém quer assumir responsabilidades sozinho, o que acaba retardando as decisões. Quando os Estados Unidos pediram para o Japão ajudar na primeira guerra do Golfo, a resposta foi muito demorada porque o primeiro-ministro consultou muita gente (assessores, gerentes e diretores de vários ministérios) antes de tomar a decisão. E as opiniões eram diferentes. O Ministério das Relações Exteriores, por exemplo, queria que o Japão participasse mais ativamente, que desse uma resposta rápida, porque estava recebendo pressão direta dos Estados Unidos. Mas a força de autodefesa não queria participar, argumentando que haveria custos e que a imagem da força pudesse ser prejudicada. Houve, entre esses dois órgãos, muita disputa em relação à Guerra do Golfo.

Além das diferenças de interesses, outro elemento que influencia a projeção externa do Japão é um sentimento cultural, talvez psicológico. Há, no Japão, uma combinação de um sentimento de inferioridade e de orgulho muito fortes na sociedade. Enquanto o sentimento de inferioridade do japonês dificulta o posicionamento externo mais afirmativo do país, o sentimento de orgulho impede o reatamento de algumas relações com outros países. O orgulho da sociedade japonesa impede o primeiro-ministro de fazer um pedido formal de desculpas aos países da região por causa das guerras passadas. Essas características culturais do povo japonês são, talvez, fatores complicadores do posicionamento internacional do Japão.

Em relação ao posicionamento internacional do Japão e da Alemanha após a Segunda Guerra Mundial, eu acho que a Alemanha tem conseguido ampliar sua participação internacional enquanto o Japão, não. Nas últimas guerras a Alemanha mandou tropas e teve participação nas decisões. O Japão, por sua vez, só toma uma decisão depois de tudo estar decidido.

O problema que eu vejo hoje, em relação à política japonesa, é que os políticos são conservadores. Muitos deles estão na política desde a Segunda Guerra Mundial – o

(22)

ministro de finanças até cerca de dois anos atrás era o Miyazawa, que assumiu o cargo com mais de 80 anos. Será que não há, no Japão, nenhum outro economista que possa assumir o cargo de ministro? Tem que ser alguém com 86 anos, se não me engano, para assumir? Isso é uma dificuldade que eu vejo no Japão hoje. Hoje, os políticos que são eleitos para o Parlamento japonês têm, na média, idade bastante avançada. Eles são muito conservadores, o que dificulta a possibilidade de haver mudanças. E isso é um problema. No ministério atual, há pessoas mais novas, porque fazem parte da facção menor do PLD. Mas essas pessoas têm pouca força de atuação, necessária para fazer as mudanças.

Um outro problema é qual é a formação dos jovens políticos do Japão. Essa preocupação existe porque os jovens no Japão, hoje, têm uma formação precária, porque tiveram tudo de graça. O Japão tinha uma economia já formada e forte que beneficiou essa geração. A formação universitária no Japão é muito precária. Existe muita competição até o colégio, mas no ensino universitário a formação não é das melhores. As pessoas saem da universidade com um nível de conhecimento ruim e acabam se “formando” apenas quando entram no mercado de trabalho. Na política japonesa, a nova geração de políticos, além do ter problemas de formação, não passou pela experiência do sofrimento japonês na guerra. Dessa forma, a percepção dessa geração sobre o que é política, o que é negociado e o que é projetar uma política para o Japão é incerta. Existe uma preocupação muito grande em relação ao futuro, porque se hoje é ruim com os conservadores, não sabemos qual vai ser a orientação da nova geração de políticos. A preocupação do governo, hoje, é tentar reestruturar um pouco o sistema universitário no Japão – o que afetaria também a qualidade dos novos políticos. A perspectiva de recuperação do Japão não é complicada apenas em termos de economia, mas também em termos políticos. Se hoje no Japão falta um líder político que assuma a responsabilidade de tomar uma decisão e conduzir o Japão para algum caminho, não há expectativa que esse líder apareça no futuro. Não se consegue ver nenhum político, hoje, no Japão, que seja capaz de assumir para si, que seja carismático, que seja forte para conduzir o Japão para algum caminho. Esse é um outro perigo, uma outra dificuldade que vemos para o Japão no futuro.

Pergunta:

A primeira questão é em relação ao programa de defesa antimíssil dos Estados Unidos. Qual é a posição do Japão? Quais são as implicações que isso terá para a política externa japonesa? Como é esse debate no Japão, sobretudo em função dessa crise em torno do programa nuclear da Coréia do Norte? A segunda questão que gostaria de colocar é sobre a paralisia do sistema político japonês diante da crise, quer dizer, da incapacidade de formular uma resposta para a crise econômica. Em que medida é necessária uma reforma política no Japão? É possível vencer a crise sem quebrar esse monopólio do PLD? Eu me lembro que há alguns anos atrás apareceu um novo político, Naoto Kan, que foi saudado como o Tony Blair japonês. Há anos os Estados Unidos pressionam o Japão para promover reformas liberais “thatcheristas”, que provocassem

(23)

uma recuperação da economia japonesa, mas parece que não existe um consenso dentro do Japão sobre como atacar a crise econômica. A princípio, a sociedade japonesa me parece que não quer os conflitos sociais que existem nos Estados Unidos, e uma reforma econômica neoliberal traria o risco de trazer esses conflitos para a sociedade japonesa. Então pergunto se não existe uma crise existencial na própria sociedade japonesa, quer dizer, nos partidos políticos. Você acabou de falar numa crise de governabilidade, na falta de resposta do sistema político, mas em que medida isso se deve a uma falta de consenso dentro da sociedade japonesa? Essa sociedade que há uma década atrás se apresentava e se via como a sociedade do século 21 e agora não sabe bem que rumo tomar nesse século 21.

Dr. Alexandre Uehara:

Em relação ao programa de defesa, o Japão não apenas está apoiando, como está também participando desse programa de defesa; inclusive lançou, recentemente, um satélite chamado Espião, que provocou uma reação da Coréia do Norte, que se sentiu ameaçada e, por isso, também lançou um míssil. Neste ano, creio que foram três mísseis que a Coréia lançou, o que era, claramente, um sinal para o Japão e sua participação nesse projeto dos Estados Unidos. Esse projeto já foi lançado pelo Japão e Estados Unidos há alguns anos e o Japão tem participado, e muito, da parte tecnológica desse projeto. Para o Japão, esse projeto é uma necessidade porque ele tem países vizinhos que não são muito amigos, que têm capacidade bélica de mísseis que poderia destruir o Japão. Boa parte do Japão se concentra em umas quatro cidades, Tóquio, Yokohama, Osaka, Kobe e algumas outras cidades industriais. Então é possível acabar com o Japão com cerca de cinco mísseis. O resto ali é montanha, vulcão e termas de água quente. O Japão hoje, na situação em que está, dificilmente abandona esse projeto desenvolvido em conjunto com os Estados Unidos. Apesar das reclamações dos países vizinhos, como a China e a Coréia do Norte, creio que o Japão não vai abandonar esse programa.

Em relação à paralisia do sistema político, como já mencionei anteriormente, existe um elemento que é interessante. Não existe consenso em termos de objetivos, mas há objetivo de chegar ao consenso, por isso que há essa decisão que resulta da dificuldade de se tomar decisão sozinho e, também, porque eles buscam tomar uma decisão que expresse a vontade da maioria.

No caso dos partidos japoneses, o Liberal Democrático (PLD), que é o partido majoritário, tem sido governo, mas não tem tomado decisões de forma solitária. Em 1991, o PLD poderia ter decido sozinho na Câmara, porque era majoritário, mas não o fez porque, mesmo sendo majoritário no Congresso, o PLD busca a adesão de partidos de oposição. São muito poucos os casos de projetos do governo que foram empurrados “goela abaixo”. Sempre há a busca do partido do governo em conseguir apoio também da oposição, então existe muita flexibilização em termos de projetos e de políticas empregadas pelo governo. Isso faz parte da cultura japonesa. A lentidão do processo político é por causa disso, porque o partido do governo não faz imposição de políticas. O fato de o PLD ter, atualmente, dificuldades de mudanças rápidas é porque ele não assume esse risco de adotar, de forma solitária, alguma política que dê errado, o que o

(24)

tiraria, novamente, do poder. O PLD sempre busca apoio da oposição e, nessa busca, as medidas acabam sendo menos severas, menos rigorosas ou menos fortes do que poderiam ser.

Pergunta:

São aguadas para criar um consenso interno dentro do PLD Dr. Alexandre Uehara:

Exatamente. Em 1993, depois de perder pela primeira vez a maioria e a presidência da Câmara, o PLD foi muito para centro, centro-esquerda. Tentou ser um partido que englobasse muito mais interesses. Antes, o PLD tinha ligação muito mais forte com o setor empresarial e com setores de direita. Com a perda desse status na sociedade japonesa, o partido voltou-se mais para o centro e, hoje, tem um posicionamento muito mais flexível e abrangente.

Em relação às dificuldades atuais da economia japonesa, o Japão tem feitos algumas reformas econômicas. Não apenas o governo tem feito algumas mudanças, mas as empresas também estão mudando. Apesar de a economia japonesa estar mal, as empresas estão se reestruturando, fazendo fusões e tentando “limpar” um pouco o histórico de paternalismo. O emprego vitalício no Japão ainda existe em muitas empresas, mas está sendo eliminado. Aos poucos, as empresas estão vendo que isso é um peso, uma dificuldade, e a implicação disso é que tem aumentado o desemprego no Japão. Esse aumento de desemprego não é por acaso. As empresas estão realmente passando por uma reestruturação. A dificuldade de tomada de decisão de mandar alguém embora tem sido resolvida por meio de contratação de diretores ou presidentes que não sejam japoneses. Por exemplo, a empresa contrata um brasileiro, como foi caso da Nissan, e manda os empregados embora. Não foi um japonês que mandou, então não existe esse problema de consciência. O caso do presidente da Nissan é um curioso exemplo. As empresas estão fazendo essa reestruturação e a expectativa é de que pelas avaliações, a partir de 2006 comece a aparecer algum resultado. Até lá, o desemprego provavelmente vai ser alto e, conseqüentemente, a população vai manter-se muito reticente e desconfiada com a possibilidade de perder o emprego. Além disso, a população deve continuar a consumir pouco, dificultando a retomada do crescimento da economia japonesa. O que se espera é que as exportações ajudem um pouco a economia japonesa daqui por diante. Se a economia norte-americana crescer de maneira mais consistente, o que depende de outros fatores, haverá benefício para a economia japonesa. Hoje, o Japão depende, principalmente, do comércio exterior, pois o mercado interno está muito enfraquecido. Já há alguns anos que a economia japonesa apresenta índices significativos de deflação.

(25)

Pergunta:

Tenho duas perguntas. Uma é sobre a maior inserção do Japão nas questões internacionais e o recente apoio que ele deu à política norte-americana no “confronto” com as Nações Unidas. Não ficou claro, para mim, qual era o posicionamento e a intenção do Japão. O que ele ganharia com isso? A segunda questão está relacionada à crise econômica japonesa. Mas gostaria de dar um enfoque mais acadêmico sobre a crise de superprodução. Parece que essa crise deixou os economistas ocidentais meio imobilizados. A crise parece ser muito complicada para que os instrumentos econômicos existentes resolver. E, como é uma questão japonesa, eu gostaria de saber como os economistas japoneses vêem uma alternativa possível para tirar o Japão dessa situação. Os Estados Unidos, me parece, tomaram uma medida heterodoxa e dura na década de 90 para retomar o crescimento e sair daquela crise que vinha desde o final da década de 80. O governo americano fechou um pouco os olhos para a imigração, e isso talvez tenha ajudado um pouco o reaquecimento da economia americana na década de 90. Isso é uma coisa que me parece inviável para o Japão, mesmo sendo uma medida heterodoxa. Como os economistas japoneses vêem a solução para essa crise de superprodução japonesa, nesse contexto de grande disputa de mercado e com restrições ecológicas?

Dr. Alexandre Uehara:

Aí nós temos uma posição do Japão em relação à última guerra do Golfo. Para mim, a posição pareceu natural porque, naquele momento, o Japão não iria contra os Estados Unidos. Pela sua situação atual, vemos que o Japão está perdendo espaço na política internacional, frente à China. O Japão já tem um histórico de alinhamento com os Estados Unidos e, naquele momento, ele não tinha nem instrumento e nem motivação para se opor à ação norte-americana.

Pergunta:

A população era plenamente contra? Dr. Alexandre Uehara:

A população sim, mas o governo não. Eu penso que, na atual circunstância, o Japão precisa manter esses laços com os Estados Unidos. Existe um temor muito forte no governo japonês em perder para a China a sua relação de preferência na Ásia com os Estados Unidos. Eu vejo que a China, por meio de uma política externa mais ofensiva e mais afirmativa, tem exigido dos Estados Unidos uma relação mais preferencial, enquanto o Japão não tem conseguido contestar, nos últimos anos, essa relação. Lembro-me que numa das viagens à Ásia, Clinton havia planejado fazer uma visita a Pequim e depois ir para o Japão. Pequim exigiu que ele fosse apenas à China. Clinton foi para a China, voltou para os Estados Unidos e, depois, foi para o Japão. Podemos observar que Pequim tem atuado com uma política externa muito clara, de querer ser a liderança naquela região, enquanto o Japão, apesar de não quere perder a posição de liderança, não tem uma política externa agressiva. No caso da última guerra do Golfo, o governo

(26)

japonês não queria ir contra os interesses dos Estados Unidos, ainda que parte da população não tenha aprovado a guerra.

Em relação à economia japonesa, os próprios japoneses não têm solução. Penso que a solução é resolver o sistema financeiro, o problema das dívidas insolúveis das empresas japonesas. O governo já injetou muito dinheiro na economia japonesa, tentando reverter a situação com a ajuda aos bancos. O efeito disso é que o governo japonês tem a maior dívida pública do mundo, algo em torno de uma vez e meia o PIB do Japão.

Pergunta:

Não há nenhuma medida heterodoxa sendo engendrada? Os instrumentos parecem não surtir mais efeito.

Dr. Alexandre Uehara:

Houve a proposta de uma medida um pouco diferente, que era provocar a inflação no Japão para fazer com que a população voltasse a consumir, porque tendo inflação baixa, a pessoa deixa para comprar amanhã porque vai ser mais barato que hoje. E, a sociedade japonesa está envelhecendo e se preocupando com o futuro. Para ela, é melhor não gastar hoje porque não se sabe como vai ser o futuro e se haverá emprego. Além disso, a previdência privada no Japão não é tão boa assim, é melhor que no Brasil, mas não garante uma vida igual à do trabalhador na ativa. O crescimento da economia japonesa depende, hoje, da população. E esta está muito reticente em intensificar o consumo.

Você mencionou a abertura norte-americana para imigrantes. No Japão, também está acontecendo isso. Houve uma restrição no início da década de 90 para os asiáticos, porque havia muitos imigrantes asiáticos, não só do Sudeste da Ásia, mas também indianos e iranianos. Havia muitos imigrantes ilegais desses países. No início da década de 90, o Japão restringiu a entrada dessas pessoas porque o governo achou que não era bom ter essas pessoas. Então começaram a chamar os descendentes japoneses do Brasil. Fizeram uma lei específica para atrair imigrantes brasileiros descendentes. Essa população tem sido importante e vai ser importante para o Japão e para a economia japonesa. Se não me engano, a previsão é que em 2008, a população japonesa começará a decrescer. A manutenção do crescimento dependerá da entrada de imigrantes no Japão. Além disso, hoje já são três trabalhadores para cada aposentado, e a tendência é diminuir o número de trabalhadores para cada aposentado. O Japão hoje depende dos imigrantes e vai depender cada vez mais, porque o nível de natalidade no Japão é muito baixo, porque as mulheres japonesas não estão casando e não estão tendo filhos, porque querem ter uma vida profissional. Os imigrantes brasileiros estão contribuindo. Eles vão para lá e têm três ou quatro filhos e, com isso, estão compensando. A abertura do Japão, no entanto, ainda tem sido restrita, pois é só para os brasileiros descendentes. Essa experiência, como a maioria já sabe, não tem sido muito boa em algumas regiões por causa de problemas de criminalidade e de marginalidade com os brasileiros, por causa

Referências

Documentos relacionados

5 “A Teoria Pura do Direito é uma teoria do Direito positivo – do Direito positivo em geral, não de uma ordem jurídica especial” (KELSEN, Teoria pura do direito, p..

de lôbo-guará (Chrysocyon brachyurus), a partir do cérebro e da glândula submaxilar em face das ino- culações em camundongos, cobaios e coelho e, também, pela presença

O movimento cognitivista enfatiza o funcionamento do sistema cognitivo, esta- belecendo uma ruptura no domínio da in- vestigação na psicologia. A pesquisa tradi- cional

Durante este estágio, passei a maior parte do tempo no internamento do serviço mas também estive algumas noites no serviço de urgências, para além das consultas externas

utilizada, pois no trabalho de Diacenco (2010) foi utilizada a Teoria da Deformação Cisalhante de Alta Order (HSDT) e, neste trabalho utilizou-se a Teoria da

A proporçáo de indivíduos que declaram considerar a hipótese de vir a trabalhar no estrangeiro no futuro é maior entle os jovens e jovens adultos do que

Em síntese, no presente estudo, verificou-se que o período de 72 horas de EA é o período mais ad- equado para o envelhecimento acelerado de sementes de ipê-roxo

Finally,  we  can  conclude  several  findings  from  our  research.  First,  productivity  is  the  most  important  determinant  for  internationalization  that