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As ações de mobilização do currículo produzidas por uma professora frente às demandas cotidianas da prática pedagógica : voos de formação de uma professora/pesquisadora  

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

VANESSA MARIA TEIXEIRA DA SILVA

AS AÇÕES DE MOBILIZAÇÃO DO CURRÍCULO

PRODUZIDAS POR UMA PROFESSORA FRENTE ÀS

DEMANDAS COTIDIANAS DA PRÁTICA PEDAGÓGICA:

VOOS DE FORMAÇÃO DE UMA

PROFESSORA/PESQUISADORA

CAMPINAS

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AS AÇÕES DE MOBILIZAÇÃO DO CURRÍCULO

PRODUZIDAS POR UMA PROFESSORA FRENTE ÀS

DEMANDAS COTIDIANAS DA PRÁTICA PEDAGÓGICA:

VOOS DE FORMAÇÃO DE UMA PROFESSORA/

PESQUISADORA

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Mestra em Educação, na área de concentração de Educação.

Orientadora: Professora Dra. Adriana Varani

O ARQUIVO DIGITAL CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO DEFENDIDA PELA ALUNA VANESSA MARIA TEIXEIRA DA SILVA, E ORIENTADO PELA PROFESSORA DRA. ADRIANA VARANI.

CAMPINAS 2018

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VANESSA MARIA TEIXEIRA DA SILVA

AS AÇÕES DE MOBILIZAÇÃO DO CURRÍCULO

PRODUZIDAS POR UMA PROFESSORA FRENTE ÀS

DEMANDAS COTIDIANAS DA PRÁTICA PEDAGÓGICA:

VOOS DE FORMAÇÃO DE UMA PROFESSORA/

PESQUISADORA

COMISSÃO JULGADORA:

Adriana Varani. Guilherme do Val Toledo Prado. Jacqueline de Fátima dos Santos Morais.

A Ata da Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica do aluno.

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são asas. Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do voo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. Engaiolados, o seu dono pode levá-los para onde quiser. Pássaros engaiolados sempre têm um dono. Deixaram de ser pássaros. Porque a essência dos pássaros é o voo. Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são pássaros em voo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o voo, isso elas não podem fazer, porque o voo já nasce dentro dos pássaros. O voo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado.

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Dedico...

A meu esposo Sebá Neto companheiro de muitas batalhas. A minha mãe Maria Leite e minha Vó Marinete a quem venho ensinando que o mundo é do tamanho dos nossos sonhos. A todo povo sertanejo que senti na pele as dificuldades da vida, mas assim como eu se alimenta delas para seguir lutando. A todos os meus professores

e professoras com quem estive na escola e na faculdade pública os quais me deixaram marcas positivas para chegar até aqui. E, Em especial, a minha filha Ana

Letícia que vem me fazendo alçar novos voos e reescrevendo a minha história. E, finalmente, a todos os pássaros que admirei em minha infância e que também me

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...Adriana Varani: minha orientadora. Por me ensinar muito além da academia e me

incentivar a descobrir-me cada vez mais.

...Família materna: minha mãe Vanuza, meu pai José, minha vó Marinete e meus

irmãos Luís Johnny, Dário, Cicero, Luana, com quem esperei as chuvas caírem no sertão para corremos de pé no chão e tomarmos banho de açude.

...amigos de jornada: Juliana, Vanessa, Cleber, Roberta, Marcos, Marcelo, Bruno,

Adriana... primeiros leitores.

...espaços coletivos: a todo pessoal do GREGOTIDIANO, do LOED, que ajudaram

a ampliar minhas reflexões.

...amigas de Campinas: Adriana Varani, Roberta Gonçalves, Vanessa Benedine

que me acolheram nos momentos de alegrias e angustias longe de casa.

... Professores colaboradores: ao professor Guilherme do Val Toledo Prado, a professora Jaqueline dos Santos Morais e a professora Elzanir dos Santos que tanto na banca de qualificação como na de defesa colaboraram com reflexões e apontamentos fundamentais.

... profissionais da FE: Nadir Camacho, Ligia de Andrade, Tassiane Bragagnolo por ajudarem a descomplicar minha jornada.

... Parceiros de pesquisa: a professora Bem-te-vi e cada uma das crianças e

profissionais com quem estive na escola todos me ensinaram algo e a quem eu espero também ter ensinado.

... a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), que

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Nunca se discutiu tanto como nas últimas décadas acerca da necessidade de reformas curriculares, sendo esse um tema importante no campo dos estudos sobre currículo. Sendo os currículos prescritos reconfigurados no campo da ação cotidiana pelos sujeitos que produzem as práticas educativas, em especial, na prática pedagógica dos professores, surge o questionamento: Quais as possibilidades e limitações que se relacionam ao trabalho de ressignificação curricular realizada pelos professores/professoras dos anos iniciais do Ensino fundamental I no cotidiano da escola pública? Partindo-se deste questionamento inicial objetivou-se analisar as relações e implicações entre as compreensões de currículo de uma professora dos anos iniciais do Ensino Fundamental I e seu trabalho pedagógico no cotidiano escolar. Como orientação metodológica foram feitos estudos no campo da pesquisa qualitativa em educação (LUDKE & ANDRÉ, 2015), assim como também, discussões acadêmicas que consideravam o professor como um pesquisador de sua prática (GERALDI, 1998). Foi realizado um estudo de caso da prática pedagógica de uma professora da rede municipal da cidade de Campinas/SP, baseando-se pela ótica do trabalho de pesquisa sob uma abordagem colaborativa (ZEICHNER, 1998), na qual, a professora / pesquisadora acompanhou a professora parceira no seu exercício docente. Buscou-se também ao longo do percurso de trabalho de investigação estabelecer uma relação de pesquisa pautada na interação de trocas de experiências entre a professora/pesquisadora e a professora que se prontificou a ser parceira com a proposta. Discute-se sobre o campo do cotidiano a partir do olhar de autores como Certeau (1998), Heller (1992), Ezpeleta; Rockwell (1989). Sobre as ações de mobilização de currículo produzidos por esta professora ao vivenciar esse cotidiano escolar, foi realizado estudo de autores como: Ferraço, et al (2008), Macedo et al (2004), Oliveira (2005) e Barros (2008). Nesse estudo foi possível compreender claramente os caminhos e estratégias de reconfiguração do currículo prescrito mobilizado pela professora parceira em seu exercício de trabalho enquanto uma profissional da educação que no decorrer dessa prática assumiu uma postura política de reflexão e crítica, ao promover experiências educativas pautadas pelas necessidades contextuais de seus estudantes. Essas ações vão desde mobilização dos diversos tempos e espaços educativos; não utilização do livro didático e seleção e reorganização dos conteúdos curriculares da proposta curricular prescrita. Vivenciar tal experiência de pesquisa permitiu a reflexão sobre as bases epistemológicas para se construir conhecimento sobre os processos educativos e consequentemente, sobre outros caminhos possíveis e mais sensíveis de se pesquisar essas práticas. Espera-se que este trabalho possa colaborar para ampliação de um olhar contra-hegemônico acerca das práticas educativas desenvolvidas em nossas escolas públicas superando o forte olhar determinista e reprodutor sobre a mesma ao evidenciar as práticas de reconfiguração do currículo também produzidas cotidianamente por professores e professoras nestes espaços. Palavras-chave: Cotidiano escolar; Práticas pedagógicas; Currículo escolar.

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curricular reforms, important theme in the field of curriculum studies. Since these prescribed curricula are reconfigured in the field of everyday action by the subjects who produce the educational practices, especially in teachers’ pedagogical practice, we questioned: What are the possibilities and limitations that relate to the work of curricular re-signification carried out by the teachers of the initial years of Elementary School in public school daily life? Starting from this initial questioning, the objective was to analyze the relations and implications between the comprehension of curriculum of a teacher of the initial years of Elementary School and her pedagogical work in the school routine. As a methodological orientation, studies were conducted in the field of qualitative research in education (LUDKE & ANDRÉ, 2015), as well as academic discussions that considered teachers as researchers of their own practice (GERALDI, 1998). A case study of the pedagogical practice of a teacher in the city of Campinas / SP was carried out, based on the perspective of the research work under a collaborative approach (ZEICHNER, 1998), in which, as a teacher/researcher, I followed another teacher in her teaching practice. It was also sought along the course of research work to establish a research relationship based on the interaction of exchanges of experiences between the teacher/researcher and the teacher who was willing to be a partner with the proposal. We discuss the field of everyday life from the perspective of authors such as Certeau (1998), Heller (1992), Ezpeleta; Rockwell (1989). On the actions of curriculum mobilization produced by this teacher when experiencing her school routine, a study of authors such as Ferraço et al (2008), Macedo et al (2004), Oliveira (2005) and Barros (2008) was carried out. In this study it was possible to clearly understand the ways and strategies of reconfiguration of the prescribed curriculum mobilized by the partner teacher in her work as an education professional, who in the course of this practice assumed a political posture of reflection and criticism, by promoting educational experiences guided by the contextual needs of her students. These actions range from the mobilization of different times and educational spaces; non-use of textbooks; selection and reorganization of the curricular contents of the prescribed curricular proposal. Experiencing such a research experience has also made me reflect on the epistemological basis for building knowledge about educational processes and consequently on other possible and more sensitive ways of researching these practices. We hope this work could contribute to the expansion of a counter-hegemonic view on the educational practices developed in our public schools, overcoming the strong determinist and reproductive gaze on it by highlighting the practices of reconfiguration of the curriculum also produced daily by teachers in these spaces.

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INTRODUÇÃO ... 12

PANORAMA DE MEUS VOOS DE FORMAÇÃO: ENTRE O MUNDO DA VIDA E O MUNDO DA ESCOLA ... 15

O meu ninho ... 17

Acordando os pássaros que em mim dormiam... ... 20

Voltando aos meus primeiros pássaros de infância que muito queriam voar ao adentrarem comigo o mundo escola ... 22

Os pássaros nascem livres, mas precisam aprender a voar: minhas primeiras experiências com o currículo escolar ... 24

Como eu via o mundo escola ... 27

Revisitando o mundo escola: minhas pequenas reconfigurações de currículo ... 30

O Ensino Médio: os professores e professoras que me cultivaram asas ... 37

A faculdade pública: “a tão sonhada escola de asas” ... 38

O primeiro contato profissional com a escola: o que podemos nós professores e professoras frente ao currículo escolar? ... 41

UM NOVO OLHAR TEÓRICO E METODOLÓGICO PARA A PESQUISA EM EDUCAÇÃO ... 44

Os novos direcionamentos tomados no desenrolar dos acontecimentos ... 45

Para além da dicotomia professor/professora ou pesquisador/pesquisadora ... 48

A escolha do campo de pesquisa e a busca por um parceiro ou parceira na construção do trabalho ... 50

O primeiro contato com uma possível parceira de pesquisa ... 51

O que eu via da professora que me acolheria? ... 55

REVIVENDO A ESCOLA PÚBLICA: DO OLHAR DE PESQUISADORA PARA O OLHAR DE PROFESSORA/PESQUISADORA ... 57

O que eu sentia do lugar de pesquisadora? ... 69

O que eu sentia como professora/pesquisadora? ... 71

APRENDENDO MAIS SOBRE CURRÍCULO E SOBRE COMO COMPREENDÊ-LO EM SEU MOVIMENTO COTIDIANO ... 72

Virando de ponta cabeça ... 73

Seguindo pistas... ... 75

A busca pelos tempos e espaços de trocas com Bem-te-vi e mais algumas pistas... ... 78

Apontamentos inesperados... 86

Os acordos para os próximos passos ... 87

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Tentando pôr ordem no aparente caos... ... 93

Por uma prática educativa pautada pelo princípio da cidadania ... 95

As escolhas dos professores/professoras frente ao currículo: o caso do livro didático... ... 100

Os jeitos de ser professor/professora e a busca por uma aprendizagem significativa.. ... 102

A aprendizagem como ato responsivo ... 108

Os outros caminhos trilhados no mobilizar do currículo... ... 111

Correndo contra o tempo... ... 113

Os imprevistos como possibilidades para outras aprendizagens ... 116

A construção constante do trabalho coletivo no cotiando estudado ... 118

OS DOCUMENTOS CURRICULARES NORTEADORES DA PRÁTICA PEDAGÓGICA E OS DIÁLOGOS COM A PROFESSORA ... 122

O movimento de produção do currículo ... 123

A entrada do currículo prescrito no contexto escolar ... 129

Os espaços de autonomia do professor/professora frente ao currículo dentro da escola: o que nos diz a diretriz curricular visitada? ... 133

Do discurso de liberdade de autonomia do currículo à luta por efetivá-lo ... 134

O Projeto Pedagógico da escola e suas dinâmicas internas ... 137

Das batalhas em sala de aula ... 141

LIÇÕES APRENDIDAS AO LONGO DO PERCURSO... ... 143

REFERÊNCIAS ... 148

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INTRODUÇÃO Caro leitor e leitora,

Os escritos que se seguem resultam de minhas experiências vivenciadas ao longo de mais de dois anos no curso de mestrado tentando me construir uma professora/pesquisadora dos processos educativos desenvolvidos por outra professora mobilizadora do currículo escolar dentro do cotidiano de uma escola pública. A minha pretensão foi entender qual sua compreensão sobre currículo e consequentemente as ações de redirecionamento que produz sobre esse mesmo currículo no movimento pedagógico que desenvolve enquanto trabalha no cotidiano de uma escola pública da rede municipal de Campinas/SP.

Entendo o currículo dentro da escola como ação política de transformação contínua dos sujeitos sobre suas realidades (LOPES, 2013)1, e a necessidade de

enquanto pesquisadores/pesquisadoras desenvolvermos um outro olhar de pesquisa dos processos educativos que consiga demonstrar essa complexidade existente neste movimento de mobilização do currículo e não nos isentando da responsabilidade de vivenciá-los enquanto pesquisamos (FERRAÇO, 2008); escrevo aqui em primeira pessoa justamente por que foi a maneira mais contundente de dar a ver essas minhas vivências dentro desse movimento de mobilização do currículo produzidas junto a essa professora e suas crianças.

Ao ter convivido com a professora e as crianças ao longo da caminhada tentando estabelecer uma parceria no processo de pesquisa ambos foram me ajudando a constituir-me professora/pesquisadora em um movimento de construção de alteridade dentro da pesquisa (PRADO et al, 2015).

Outros que também me constituíram fui encontrando nos corredores confusos, mas acolhedores da Faculdade de Educação da UNICAMP e em suas salas de aula. Espaços nos quais, dialoguei e troquei experiências formativas que também colaboraram nessa caminhada. Vale ressaltar que outros aspectos foram determinantes para essa conquista, dentre estes ter recebido financiamento de pesquisa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), o que me ajudou a concluir o estudo.

1É mediante essa perspectiva de olhar para o currículo escolar em seu movimento contínuo dentro da

escola ao ser mobilizado pelos sujeitos que o vivenciam cotidianamente dentro desses espaços que ao longo de todo trabalho trago os seguintes termos para descrever esse movimento de mobilização do currículo: Mobilização, reconfiguração e ressignificação de currículo.

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Antes de iniciar essa caminhada por mim já trilhada trago-lhe um panorama do percurso para que você leitor/leitora se oriente em sua leitura. Incialmente, no que seria o primeiro capítulo: Um panorama de meus voos de formação: entre o mundo da vida e o mundo da escola apresento os caminhos e experiências que possivelmente me levaram ao interesse em estudar o referido tema abordado. O segundo capítulo: Um novo olhar teórico e metodológico para a pesquisa em educação percorro as descobertas teóricas e metodológicas feitas por mim no transcorrer do curso de mestrado e que me fizeram ampliar meus caminhos possíveis de investigação para a referida pesquisa assim como meus critérios de escolha e de aproximação da escola e da professora pesquisada.

No terceiro capítulo: Revivendo a escola pública: do olhar de pesquisadora para o olhar de professora/pesquisadora descrevo o movimento de entrada no campo de pesquisa e as minhas primeiras reflexões sobre as experiências de mobilização de currículo produzidas por tal professora em seu cotidiano de trabalho docente, assim como meus sentimentos e impressões como também professora e pesquisadora ao vivenciá-lo junto com esta profissional.

No quarto capítulo: “Aprendendo mais sobre currículo e sobre como compreendê-lo em seu movimento cotidiano” Aponto como fui passo a passo ao longo da pesquisa ampliando minha compreensão sobre o currículo escolar e sobre seu movimento de mobilização no cotidiano da prática pedagógica da professora ao mesmo tempo em que vou tentando construir com esta uma relação de parceria na pesquisa a partir das próprias pistas que a mesma me aponta e de seus questionamento sobre minha presença na escola em sua sala de aula. Tento finalmente demonstrar como ocorreram os diálogos com essa professora sobre as possibilidades metodológicas trilhadas e sobre o meu processo de saída da escola pesquisada.

No quinto capítulo: “Encontros e desencontros com os (guar) dados de pesquisa e comigo mesma ao longo do percurso” Mostro como foi minhas primeiras tentativas de organização e sistematização frente a grande quantidade de dados produzidos e os recortes decorrentes desses dados com suas respectivas temáticas e reflexões produzidas por mim sobre.

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No sexto capítulo: “Os documentos curriculares norteadores da prática pedagógica e os diálogos com a professora” Neste último escrito busco compreender quais são os documentos que de alguma forma norteiam o fazer pedagógico da professora perpassando questões como seus processos de criação, fundamentos que o baseiam e seu movimento de adentrada na escola ao mesmo tempo em que vou tecendo reflexões sobre os espaços de autonomia e liberdade possíveis e realmente efetivados para os professores/professoras enquanto mediadores dessa mesma proposta de currículo. Essas discussões são perpassadas pelas falas da professora sobre essas mesmas questões. E finalizando o trabalho mostro as minhas lições enquanto professora/pesquisadora aprendidas ao longo do percurso.

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PANORAMA DE MEUS VOOS DE FORMAÇÃO: ENTRE O MUNDO DA VIDA E O MUNDO DA ESCOLA

“Eu aprendi mesmo foi com os passarinhos”

Patativa do Assaré

É na esteira de meu conterrâneo cearense Patativa do Assaré que rememoro as felicidades e angústias vividas por mim dentro das instituições públicas de ensino frente ao currículo. Sendo como Patativa uma apaixonada pelos pássaros aprendi mais na relação com as coisas miúdas, assim como pássaros, do que com as grandes matérias escolares.

O que me impulsiona a desejar ser professora/pesquisadora dos processos educativos e em especial da relação entre currículo e práticas pedagógicas no cotidiano escolar? Bem, na verdade, já tenho alguns indícios que poderia estar aqui apontando, mas ainda não saberia dizer claramente a você leitor ou leitora. Quem sabe, no próprio ato de escrever essa narrativa, consiga esclarecer essa minha motivação.

Serão aqui narrados alguns momentos marcantes em minha formação de vida e consequentemente na minha postura profissional que estou tentando ainda delinear. Dentre estes momentos são citados: algumas passagens de minha infância; minhas primeiras experiências nas escolas “gaiolas” ou “asas”2; passagens

pelo ensino médio; e pela faculdade onde fiz minha formação inicial para a carreira docente cursando a licenciatura em pedagogia. E finalmente, minha primeira experiência profissional que tornou mais clara a minha inquietação de pesquisa no mestrado.

Começo, desde já, apontando minha dificuldade em escrever sobre mim mesma. Afinal de contas, sempre fui boa em escrever (como me diziam alguns ex-professores), mas escrever sobre minha realidade externa, sobre o “outro”. Essa necessidade de escrever sobre mim na relação com o outro surgiu ao longo das disciplinas que cursei após adentrar no início de 2016 no curso de Mestrado em Educação na UNICAMP. Estas disciplinas foram paulatinamente me fazendo ampliar

2Me remeto aqui ao poema “Gaiola e Asas” de Rubem Alves, no qual ele discute a diferença entre

escolas que ensinam e escolas que incentivam a aprender. Disponível em: https://contadoresdestorias.wordpress.com/2012/02/19/gaiolas-e-asas-rubem-alves/

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meu olhar acerca das relações que se estabelecem dentro do cotidiano escolar, considerando as subjetividades dos sujeitos que o vivenciam.

Nestas mesmas disciplinas fui enxergando outros caminhos possíveis e mais sensíveis de pesquisa acadêmica, outros discursos e olhares acerca das questões curriculares e político pedagógicas da prática educativa que venho estudando. Aos poucos, percebi-me aqui instigada a expor minhas próprias experiências com a realidade de estudo que desejo conhecer melhor, que seria o desenrolar do currículo no cotidiano escolar, na vivência da prática pedagógica dos professores. Ou seja, como o currículo acontece nas relações que se estabelecem no cotidiano das práticas de ensino e aprendizagem destes profissionais e como eles compreendem a mobilização do mesmo nos contextos destas práticas.

As próprias passagens de minha vida que tentarei aqui expressar serão apoiadas pelas reflexões teóricas produzidas pelas discussões no decorrer de todo meu processo formativo. Também farei certa analogia com dois aspectos que muito me marcaram enquanto ser humano e profissional que sou: minha paixão de infância pelos pássaros e seus voos, assim como as dificuldades que enfrentei como aluna em trazer minhas experiências da vida cotidiana para os espaços das escolas públicas as quais frequentei.

Perdoe-me algumas falhas, indiscrições ou omissões que poderei, por ventura, vir a fazer de maneira inconsciente. Afinal de contas, narrar sobre minhas próprias experiências a respeito dessa realidade não é fácil, como apontei acima. Porque trazer-me à tona, ou seja, tornar o que é meu, como parte do outro, para mim, é realmente desafiante. Expor-me aqui, é abrir-me para o mundo, e nem sempre isso é fácil! Mas com certeza, é construtivo e enriquecedor, na medida em que, enquanto narramos compreendemos melhor nossas próprias experiências de vida. Pois como nos coloca Schmidt (1990), ao ser citado por Dutra (2002),

A narrativa é preciosa, pois conecta cada um à sua experiência, à do outro e à do antepassado, amalgamando o pessoal e o coletivo. E o faz de uma maneira democrática ou, mais precisamente da única maneira possível para que uma prática social seja democrática - fazendo circular a palavra, concedendo a cada um e a todos o direito de ouvir, de falar e de protagonizar o vivido e a sua reflexão sobre ele (p.374).

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O meu ninho

"Eu sou de uma terra que o povo padece Mas não esmorece e procura vencer. Da terra querida, que a linda cabocla De riso na boca zomba no sofrê Não nego meu sangue, não nego meu nome. Olho para a fome, pergunto: que há? Eu sou brasileiro, filho do Nordeste, Sou cabra da Peste, sou do Ceará."

(Cabra da Peste, Patativa do Assaré) Sempre admirei minha família materna, gente humilde e de valores interioranos, valores estes que carrego comigo no decorrer de todo meu processo de formação. Somos do interior do nordeste do Brasil, mas especificamente, da zona rural do munícipio da cidade de Umari, localizada no sertão do estado do Ceará e por ventura, bem próximo das divisas com a cidade de Triunfo, localizada no estado vizinho da Paraíba, o que veio a contribuir também, com a minha miscelânea de voos de formação. Foi neste último estado onde me graduei em Pedagogia pelo Centro de Formação de Professores da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), campus de Cajazeiras-PB, local este onde vivi intensas experiências em minha vida social e universitária.

O sítio onde nasci no sertão cearense chama-se “Calabaço” que segundo histórias dos mais velhos da comunidade, tem esse nome em suposta decorrência de suas terras serem de baixadas, o que remonta a ideia de um calabouço. Sentada em rodas de conversas entre os mais velhos, desde pequena ouvia que o lugar onde morávamos se remontava justamente a um calabouço por serem terras que estariam localizadas em uma região semiárida de baixada, características por serem de difícil acesso. Terras estas, que em épocas chuvosas ficavam alagadas o que dificultava o acesso aos vilarejos circunvizinhos. Lembro-me das muitas ocasiões em que ia a escolinha do sítio vizinho, caminhava pelas estradas de terras alagadas e outras vezes, já estudando na escola da cidade, ficava impedida de ir as aulas com os riachos existentes no percurso transbordando.

E foi essa a explicação mais contundente que foi sendo passada por gerações que lá fixavam moradia e assim permanece. A adaptação para o termo Calabaço creio eu que tenha ocorrido pela própria variação linguista ao longo dos anos. O que sei de certeza, é que como bem exposto em um dos mais lindos poemas do meu conterrâneo Patativa do Assaré, o meu Calabaço é um lugar de

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gente batalhadora e forte que desde cedo precisam aprender a sobreviver a tais características climáticas quando não se rendem ao sonho de buscar melhores condições de vida partindo aos estados sulistas. Como eu me rendi.

Sou filha de dona Vanuza como conhecida no lugar (mesmo tendo em seu registro de identidade Maria Leite). Mulher “nova” e “faceira” como diria os escritores nordestinos em seus cordéis, para descrever as mocinhas novas do sertão que até um passado não tão distante, ainda se casavam com pouco ou nenhum estudo. Mocinhas que aprendiam desde cedo as artes domésticas, e a não ter pressa com a vida, afinal de contas, a vida segundo a mesma: “É o que nos é apresentado”. Mulher forte e decidida, mas ao mesmo tempo, resignada com alguns “nãos” que a vida lhe impôs.

Esta mesma mulher vem nos últimos anos, aprendendo comigo e com os meus outros quatro irmãos ao passo que vamos crescendo e voando, que o mundo é tão grande quanto nossa capacidade de voar, e que diferente do que ela sempre achou, pois acredito que “O mundo é o que cada um de nós fazemos dele quando o compreendemos também em suas possibilidades”!

Meu pai, José Cruz, “poeta”, “cantador de viola”, “pedreiro”, “vendedor” e “agricultor”. Homem trabalhador e honesto, a quem sempre pode atuar com qualquer uma dessas profissões acima citadas, a depender da necessidade da situação climática do sertão. Sempre foi apaixonado pela viola, a qual abraçava e abraça nas noites de lua em baixo dos coqueiros da casinha pequena e aconchegante, para descansar dos seus dias pesados de trabalho na roça.

Foi com ele que aprendi o que é uma educação rígida e superprotetora, mas foi com ele também que conheci a arte de fazer gaiolas para “prender” passarinhos. Gaiolas estas, feitas com os talos dos coqueiros, os mesmos coqueiros, aos quais, sentávamos as suas sombras nas manhãs fresquinhas do sertão para ouvirmos as canções que ele mesmo criava e cantava com sua velha viola.

Todas as canções cantadas por meu pai me emocionavam. Mas uma em especial, “Casa Amarela,” era sempre presente em minhas manhãs de infância e se relaciona até hoje com minhas lembranças de nossa pequena e aconchegante casinha ao lado da empoeirada estrada de terra que liga os estados do Ceará e da

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Paraíba. Esta canção é composta por Onildo Barbosa3 mas era na voz de meu pai

que ela me fazia sonhar:

Ainda lembro aquela casa onde eu nasci Onde vivi com os meus manos e meus pais Muitos conselhos de papai eu recebi, mamãe ali me ajudou-me até de mais Era amarela aquela casa ainda me lembro Quando chegava Dezembro, Papai renovava ela, Depois mandava convidar o nosso povo Prá passar o ano novo na nossa casa amarela. (bis) Tive vontade de deixar o meu sertão na impressão de conhecer outro país papai choroso deu-me a sua permissão, Dizendo filho Deus lhe faça bem feliz. tomei a bênção aos meus pais e abracei meus irmão, depois chorei Debruçado na janela, depois parti prá outra terra diferente, Nunca mais vi minha gente Da nossa casa amarela.

(bis) Às vezes penso em voltar prá o meu lugar prá ir ficar no mesmo canto onde fiquei Essa saudade me pedindo prá voltar, Prá ir morar na mesma casa onde morei, Naquela casa ir morar não posso mais que meus manos e meus pais não são mais os donos dela, Como eu queria dessa terra um pedacinho Prá construir meu ranchinho, Vizinho à casa Amarela. (bis)

Aos quatro anos de idade (tenho vagas lembranças, é claro), posso dizer que adorava aquelas primeiras horas do dia ao lado de meu pai, ouvindo canções como esta por ele cantadas, ao mesmo tempo em que construía minhas gaiolas e imaginava onde estariam indo os pássaros livres que voavam ao céu.

Assim, mesmo amando as gaiolas que construía junto com meu pai nestes momentos, elas estavam quase sempre vazias nas paredes de casa, pois muitas vezes, incomodada com aquele canto triste de passarinho preso, escondida do meu pai, deixava as portas das gaiolas abertas, ou afrouxava os talos da construção destas, para que os passarinhos voassem alto para além daquelas serras azulzinhas

3Onildo Barbosa é poeta, forrozeiro e repentista. Com grande versatilidade entre forró, aboios, toadas,

declamações de poemas matutos, repentes e causos o artista segue divulgando a cultura nordestina. Mais informações:https://som13.com.br/onildo-barbosa-o-poeta/biografia

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que circundavam o meu sítio e que via ao longe de minha casa. E eu imaginava que elas seriam o limite do mundo.

No momento que abria a gaiola e via os voos dos pássaros doía-me o peito. Para onde iam? Por que eles sumiam no céu? E por um minuto, pensava se as gaiolas não seriam uma boa opção, pois, pelo menos ali, eles estariam seguros em casa. “Como eu era ingênua”. Era como se nesta hora que planejava abrir a gaiola pudesse ouvir o apelo do pássaro que me olhava piedosamente de dentro do pequeno espaço que o tornava cativo e me indagava:

Por que me prendes? Solta-me, covarde! Deus me deu por gaiola a imensidade! Não me roubes a minha liberdade... QUERO VOAR! VOAR!" Estas coisas o pássaro diria, se pudesse falar. E a tua alma, criança, tremeria, vendo tanta aflição. E a tua mão, tremendo, lhe abriria a porta da prisão… Olavo Bilac

Acordando os pássaros que em mim dormiam...

Essa minha paixão por pássaros passou a ser revivida nas aulas da disciplina “Cotidiano Escolar e Constituição do Trabalho Pedagógico”, primeira de tantas outras disciplinas que viria a cursar na Faculdade de Educação na UNICAMP. Nela vivenciei vários momentos de reflexão, todos muito produtivos em relação a nossa constituição enquanto sujeitos humanos, e por tanto, imbuídos de singularidades, e ao mesmo tempo, constituídos de coletividade pelo movimento da cotidianidade dos espaços aos quais vivenciamos.

Destes momentos, lembro-me da leitura do texto “Ideias de Canário”4 que

fizemos em sala. Discutimos a maneira como os pesquisadores cientistas estudam a realidade a partir de uma visão positivista de ciência, na qual, é preciso isolar o objeto do conhecimento, tirá-lo do seu meio natural, “purificá-lo” do seu cotidiano, quando na verdade, sempre me questionei: não seria ao contrário?

Não seria, pois, em sua cotidianidade que encontramos o conhecimento verdadeiro, devendo a nós, pois, apenas estudá-lo com um olhar apurado e contextualizado de maneira a conseguir tentar compreendê-lo em toda sua

4Texto do poeta Machado de Assis. Disponível em:

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intensidade e fluidez da produtividade da prática humana como nos aponta Agnes Heller (1992)?

O verdadeiro conhecimento não estaria em se aproximar ao máximo do meio em que este conhecimento se produz? Olhar pelo olhar de quem vivencia a experiência e a realidade estudada de maneira crítica e reflexiva? Ou seja, mergulharem seu cotidiano, espaço que conforme Macedo et al (2004) vamos encontrá-lo na inteiro, na sua vivência, na sua singularidade, mas ao mesmo tempo, na complexidade que o constitui.

E todas essas discussões me remetiam aos voos dos vários passarinhos que havia soltado em minha infância. Compreendia que era na imensidão da natureza que estes se faziam realmente pássaros, e só lá, podíamos compreendê-los de forma completa e como o pássaro, eu também era um sujeito singular e ao mesmo tempo complexo, ou seja, ao me fazer professora/pesquisadora eu não deixava de ser a mesma menina, mulher nordestina, filha e mãe que vivenciou e vivencia constantemente uma riqueza de espaços de experiências. Experiências estas que se articulam as escolhas que fiz e faço em meu processo formativo, mas que também muitas vezes, me retiraram essas mesmas oportunidades de escolhas.

Neste sentido, reviver os meus pássaros que em mim dormiam trouxeram-me à tona também meus questionamentos sobre os objetivos da escola, sobre os fundamentos do currículo e suas relações possíveis ou não com a vida dos sujeitos a que este direciona. E em especial, sobre minhas próprias experiências com este currículo e como estas experiências que me constituem enquanto profissional e humana que sou se relacionam também, com minha futura prática em uma perspectiva de professora/pesquisadora que estou ainda tentando delinear. Afinal de contas como nos destaca Nóvoa (1992), é impossível dissociar o profissional professor do ser humano por qual também, é construído o profissional professor.

Assim, a partir de minha compreensão do texto “Ideias de Canário” do poeta Machado de Assis ao tentar entender o pássaro em sua inteireza da vida, que dizer percebê-lo em suas diversas possibilidades de espaços a que seus voos lhe permitissem chegar eu ia compreendendo as motivações que me fizeram me direcionar para a formação docente e pesquisar as relações desta com o currículo. Percebendo assim, que durante toda minha formação humana e profissional eu vivenciei os contextos escolares públicos sempre questionando os seus fundamentos e suas práticas e que por ironia do destino me formei em Pedagogia

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pela ânsia de entender melhor as práticas educativas a quem este currículo se direciona, assim como também, condicionada pelas possibilidades formativas que este currículo me levou.

Voltando aos meus primeiros pássaros de infância que muito queriam voar ao adentrarem comigo o mundo escola

Como o pássaro narrado por Machado de Assis, posso dizer que eu também era livre nos meus primeiros 5 anos de infância, período no qual ainda não tinha idade para ir à escola, mesmo desconfiando do que possivelmente se escondia para além daquelas serras azulzinhas que circundavam o pequeno sítio onde morava. Naquela época, eu não queria ir além do meu lugar, meu mundo era do tamanho do sítio que me encontrava.

O canário de Machado de Assis ao ser retirado da pequena e sombria loja de Belchior por um professor dado a cientista com pretensão de entender suas particularidades, foi engaiolado e depois fugiu. Nesta fuga passou por um processo de intensas experiências e teve sua percepção de mundo ampliada porque passou a compreender a vida. Ao reencontrar o professor que lhe convidou a voltar para seu mundo antigo composto pelo jardim, repuxo, varanda e gaiola branca e circular para continuarem conversando o canário foi enfático:

— Que jardim? Que repuxo? — O mundo, meu querido. — Que mundo?

Tu não perdes os maus costumes de professor. O mundo, concluiu solenemente, é um espaço infinito e azul, com o sol por cima.

Indignado, retorqui-lhe que, se eu lhe desse crédito, o mundo era tudo; até já fora uma loja de

belchior...

— De belchior?

— Trilou ele às bandeiras despregadas. Mas há mesmo lojas de belchior?

Diferentemente do mundo do pássaro narrado no conto de Machado de Assis, eu ainda tinha meu mundo restrito ao meu sítio. Afinal de contas, questionar-me se havia algo além daquele questionar-meu lugar, naquele moquestionar-mento era dispensável. Mal sabia eu, o outro, e tão intenso mundo que me esperava: “O mundo escola”. Até então, tudo que precisava em meus anseios de menina estava ali no meu sítio, onde junto de meus quatro irmãos vivenciei uma infância cheia de brincadeiras e tive contato direto com a natureza ao mesmo tempo que aproveitava o carinho aconchegante da família.

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Ao me deparar com Heller (1992), reafirmei minha concepção que nesta fase de minha vida, o meu cotidiano era repleto de vivacidade e aprendizagens fluídas e intensas e que, portanto, me constituía mais do que nunca, no sujeito cotidiano que a mesma autora denomina como sujeito inteiro, que é cheio de espontaneidade. Sujeito este, que tem sua individualidade e personalidade totalmente presentes (HELLER, 1992, p.17), mas que muitas vezes, nas relações escolares pouco se é considerado.

Nesta minha inteireza da vida, minhas brincadeiras de infância eram o que me realizava em toda as minhas capacidades imaginativas. Sempre fui muito agitada. Ficar sentada por muito tempo era muito difícil. Assim, sempre inventava inúmeras brincadeiras e como diria minha mãe, fazia “danadices” não muito convencionais para as meninas, quase sempre brincadeiras que tinham o quintal, as estradas de terra, os rios e os açudes mais próximos como palco de encenação.

Mesmo contrariando minha mãe, a quem sempre ficava nos procurando e reclamando para que eu ficasse em casa como toda menina “tinha que fazer”, corria de pé no chão, tomava banho de chuva na goteira da minha casa, e da casa da minha avó, tomava banho de açude, subia nas árvores em volta do quintal, corria atrás das galinhas que vinham junto a minha avó, encantadas pelos “ti ti tis” cantarolados por ela, ao jogar o milho no chão. E assim, ia construindo minhas gaiolas, deixando-as sempre abertas e olhando os voos dos pássaros no céu do sertão cearense. Não tinha pressa para nada, não tinha preocupação.

Dessa forma, me vejo naquele momento, como muitas crianças que se direcionam para as escolas em plena infância, período no qual, precisam se adaptar ao ritmo da dinâmica pedagógica, algo que não é fácil, e por muitas vezes sofrível, a depender do grau de aproximação ou distanciamento das propostas educativas em relação às práticas de vida dos sujeitos educandos (COSTA-BEBER et al 2015). Ou como também nos coloca Costa-Beber (2015), ao se apoiar nas reflexões de Vigotiski (2001),

[...] somos seres sociais que aprendemos pela inserção na cultura a partir da interação com a família e com os demais grupos socioculturais dos quais fazemos parte como, dentre eles, a escola. Sendo assim, torna-se esta, dentre os espaços socioculturais dos quais intencionalmente se deseja fazer intervenção por meio do ensino e da pesquisa, lugar de ações que qualificam as aprendizagens humanas a partir daquilo que o currículo se propõe a desenvolver (p.12).

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Logo, o mundo escola e os processos educativos que lá acontecem apesar de serem importantes e intencionalmente orientados, não são os únicos espaços que aprendemos e, portanto, este espaço institucional da escola ou o currículo escolar, deveria necessariamente considerar os demais espaços formativos nos quais a criança também se desenvolve como um ser inteiro.

A exemplo desses espaços cito a comunidade, a família, a igreja, os espaços de lazer, entre outros. Sendo que, em meu caso, isso não tenha ocorrido com tanta frequência, constantemente me perguntava: Haveriam escolas diferentes das minhas nos interiores cearenses, nas quais os alunos poderiam falar opinar e significar mais os conhecimentos escolares tendo como ponto de partida suas experiências de vida?

Os pássaros nascem livres, mas precisam aprender a voar: minhas primeiras experiências com o currículo escolar

Durante meus primeiros anos de infância, agradecia a Deus por cada dia que era acordada pelo canto dos galos e pelos feixes de luz que saiam pelas brechinhas das telhas de barro da casa da minha mãe e de minha avó, ambas principais incentivadoras e potencializadoras de minhas capacidades de voo enquanto apaixonada pelos pássaros.

E tudo corria sempre assim, até fazer cinco anos de idade. Quando me apresentaram outro mundo para além daquele meu sítio, minha casa, a casa da minha avó, e dos limites da vizinhança. Esse se chamava “mundo escola”. Com o passar dos dias fui percebendo que o novo mundo da escola não era tão longe do meu “mundo” sítio, mas até isso acontecer, parecia ter que caminhar horas até chegar à escolinha da professora “Lucineide” por quem até hoje, tenho um carinho especial. Nesta escolinha, ou também chamado “Jardim da Infância”, conheci as primeiras letras, e quase me sentia em casa, mesmo a escola não favorecendo tanto para as brincadeiras.

Era pequena e muito cheia de crianças. A professora era muito carinhosa e brincalhona, não existia muitas cobranças e eu gostava disso. Talvez, gostasse da escolinha, por que esta não me afastava tanto da natureza. Lembro-me das aventuras vividas por mim e pelas crianças da minha idade ao cortarmos o caminho longo da estrada de terra, ao qual, era necessário passar para chegar lá. E termos

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que atravessar as roças protegidas por suas cercas de arame, nos quais, precisávamos fazer malabarismos para não nos machucarmos. Passarmos pelos pés de frutas nos quais, nos deliciávamos com vários gostos e cheiros.

Um ano depois, não estava mais no Jardim da Infância ou também chamada onde nasci de “escolinha das primeiras letras”, agora teria que ir para a “escola de verdade”. Escola esta, que segundo minha mãe “era para valer”, (sei lá, parecia até que tudo que havia vivido no ano escolar anterior, tinha sido de brincadeira e que a aprendizagem de verdade fosse começar aos 6 anos). Essa nova escola era um pouco mais perto, e por isso, não podia mais cortar caminho. Precisávamos ir pela estrada de terra, única e principal via de acesso entre os vilarejos circunvizinhos. E essa sensação de distanciamento entre minhas experiências de vida e as minhas experiências escolares com o passar do tempo pareciam cada vez mais ir se intensificando.

Mesmo eu resistindo as escolas que frequentei depois do jardim da infância, aos poucos iam me fazendo aprender formas de se comportar, imaginar e até mesmo enxergar essa minha realidade de forma prática e objetiva. Apesar destas escolinhas rurais que frequentei, em sua maioria serem circundadas por vários aspectos naturais e com singularidades da comunidade se fazendo latentes em todos seus sujeitos, pouco consideravam essas especificidades. Isso me faz lembrar das discussões referente aos objetivos da prática de ensino,

A prática de ensino não é simplesmente uma criação de indivíduos no cenário da escola. Está formada por estruturas que transcendem o poder de qualquer indivíduo para realizar a mudança. Essa estruturação é evidenciada na seleção, na sequenciação e na organização dos conteúdos do currículo; nos programas de tarefas de aprendizagem que controlam como se trabalha o conteúdo; na forma como os alunos/as são organizados socialmente e como os recursos e o tempo são atribuídos e distribuídos” (ELLIOTT, 1991, apud SACRISTÁN; GÓMEZ, 1998, p.377).

Hoje, percebo que estas estruturas e normatizações transcendentes a escola apontadas pelo autor na maioria das vezes sãos os objetivos educacionais elencados pelo contexto econômico, social e político como sendo os mais indicados a serem desenvolvidos. Objetivos e interesses esses que condicionam o delineamento das normatizações curriculares.

Na minha antiga escola estas normatizações curriculares se apresentavam cotidianamente da seguinte maneira: Mesmo que eu, meus colegas ou a professora

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não soubéssemos bem explicar os por quês, não se podia escolher onde sentar; Não se podia pegar nada sem permissão; Não se podia chegar atrasado; Não se podia ficar sem fazer lição; Não se podia sair da sala de aula sem permissão; Não se podia conversar com o colega; Não se podia correr em sala; Não se podia ler ou escrever a não ser o que se era mandado; Não se podia; Não se podia...

E assim, entre tantos “NÃO!” e práticas disciplinadoras, eu ia tentando buscar os meus próprios “SIM!”.

Hoje percebo que aos poucos era necessário que aquela escola fosse cumprindo o seu papel em minha formação. Esta, como diria Sacristán e Gomez (1998), ia aos poucos introduzindo paulatinamente e progressivamente “[...] as ideias, os conhecimentos, as concepções, as disposições e os modos de conduta [...]” (p.14), que o contexto social mais amplo exigia desta. Ou como diria Pokewitz (2001), aos poucos era preciso que o currículo escolar fosse constituindo direta ou indiretamente por meio de suas práticas visíveis e invisíveis a constituição do meu

self de minha subjetividade infantil dentro do espaço escolar5.

Mas, nestas práticas disciplinares, onde ficavam minhas próprias experiências culturais? Minhas visões de mundo advindas das minhas experiências de vida? Será que se apagaram por inteiro dentro do mundo escola?

5Vale destacar que na escrita inicial deste texto para o momento da qualificação trouxe poucas

referências e particularidades de minha cultura, pois ainda não havia parado para pensar a respeito de como no decorrer de minha formação escolar estes não foram apontados também como relevantes no desenvolvimento de minhas experiências com o currículo escolar. Pelo contrário, em muito de minhas experiências educacionais os referenciais de produção cultural pouco se voltavam para a nossa própria cultura nordestina essa sendo quase sempre considerada inferior e por tanto vista como elemento menos importante frente ao ideal cultural sulista. Percebi tal realidade de deturpação e não valorização de minha própria cultura local em decorrência dessa minha formação escolar com mais clareza em virtude das contribuições dos professores da banca de qualificação deste trabalho. Em especial, Adriana Varani professora da Faculdade de Educação da UNICAMP. Jacqueline de Fátima dos Santos Morais professora da Faculdade de Educação da UERJ e Guilherme do Val Toledo Prado professor da Faculdade de Educação da UNICAMP. Ambos, me fizeram refletir o quanto no meu próprio processo de formação as relações com o currículo escolar podem circunscrever consciente ou inconscientemente nossa maneira de enxergar a si próprios e ao nosso entorno de maneira excludente ou seletiva em relação a nossa própria cultura conforme Pokewitz (2001), também enfatiza em suas discussões sobre as influência do currículo escolar nos processos de subjetivação da personalidade dos sujeitos no contexto escolar. Ter enxergado tal realidade me ajudou a ampliar meu olhar e consequentemente, me deixar mais segura ao expor meus referenciais culturais ao longo das discussões que se sucederiam no decorrer da finalização da escrita deste trabalho.

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Como eu via o mundo escola

Lembro-me do primeiro dia que cheguei ao mundo “escola de verdade” como diziam meus pais. Comentário que eu nunca compreendi, pois, o espaço não mudara tanto da outra escola, com exceção é claro, do tamanho.

Cursei a primeira série do Ensino Fundamental I, como chamava-se até então, com a professora Ivani em um pequeno grupo escolar rural com apenas duas salas de aula. A escola possuía um pátio aberto que dava vista para o campinho de futebol ao lado e para a capelinha, onde eu também frequentava em alguns domingos, levada pelos meus pais para as missas ou novenas tão valorizadas em todos os vilarejos próximos. Havia uma cantina que ficava ao lado de minha sala de aula da qual saia um cheiro maravilhoso próximo ao horário do recreio. Ao lado da cantina, um pequeno corredor que dava para uma pia de higienização onde lavávamos as mãos para tomarmos a “merenda”6 e onde também dava para os dois

únicos banheiros, cada um com suas respectivas placas azul e rosa escritas: MENINOS e MENINAS.

A minha sala de aula era um pouco maior e com mais mobílias em relação a escola anterior (impressão que tive de primeiro momento). Por trabalhar com a organização multisseriada, as duas salas de aulas existentes se dividiam de tal forma: Uma sala para os dois primeiros anos do fundamental I, a que eu frequentaria; e a outra sala, para os dois últimos. É claro que nesta época não existia muito claro nas nossas cabeças a ideia de séries, só sabíamos, que seria uma única professora para umas 20 crianças com idades variadas e com um pouco, ou quase nenhuma diferença nos graus de dificuldades das atividades, ou chamados “deveres” pela professora Ivani.

Enfim, vou tentar descrever com resquícios de minhas lembranças o meu primeiro dia na chegada desse “mundo escola”. A organização da sala de aula era diferente da minha sala de aula antiga na escolinha das primeiras letras. Nesta, tinham uns cadeirões enormes altos e enfileirados um ao lado do outro, com pequenos espaços para que a professora circulasse entre eles. O mais legal, é que minha mesa era a parte de trás da cadeira dos dois colegas da frente, assim minha

6 Maneira como se chama na região do nordeste cearense a refeição feita no intervalo de aulas ou

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cadeira, era a parte da frente da mesa dos colegas de trás7. De imediato, achei isso

ótimo!

Já imaginava as brincadeiras e conversas que isso poderia gerar entre mim e aquele monte de crianças que chegavam junto comigo de outros novos mundos (sítios) próximos ao meu. Mas logo fui percebendo que não seria tão bom assim, pois sempre que tentava virar para trás para conversar com o colega, a professora logo me chamava atenção. Ficava difícil levantar para circular em sala, pois quase sempre tínhamos que pedir licença ao colega e isso chamava também atenção. Conversar em grupo era algo simplesmente quase impossível, pois os cadeirões só permitiam sentarmos de duplas e eram muito pesados para mudarmos suas disposições.

No canto da sala de aula, tinha uma mesinha coberta com um pano de prato bordado a mão pela professora. Nesta mesinha, ficava um filtro de barro, de onde saía uma água bem geladinha, com gosto de terra. (Eu adorava!) O piso da sala de aula era um cimento lisinho, muito fresquinho, e dava muita vontade de deitar nele (coisa que fiz muitas vezes, contrariando a professora). Na parede dos fundos da sala, como se fala no sertão nordestino, tinha uns “cabrobós” (buraquinhos que deixavam a ventilação entrar pela sala), e onde eu e meus colegas ficávamos quase sempre admirados ao ver os treinos dos jogos de futebol que aconteciam no campinho aos fundos da escola. Imaginava eu, como seria fantástico nossas possíveis aulas de educação física. Aulas estas que infelizmente, quase sempre se resumiam ao pequeno pátio da escola (quando aconteciam).

7Esse tipo de carteira escolar teve predominância nos sistemas educativos no decorrer do século XIX

como bem destaca o estudo: A sala de aula no século XIX: disciplina, controle, organização de Arriada, Nogueira, Vahi (2012). Assim, acredite se quiser! Como toda e qualquer política educativa e mudança curricular que demora a chegar nos sistemas de ensino das redes públicas municipais e estaduais dos interiores do sertão nordestino, as inovações do imobiliário escolar, só chegavam tardiamente nas escolas rurais e de vilarejos a qual estudei toda minha formação escolar. Assim, fiz meu primeiro ano do ensino fundamental no ano de 1997, ainda com esse modelo de carteira desconfortável e disciplinador do século XIX.

Fig. 1: Imagens retiradas do artigo: Mobiliário escolar francês e os projetos vanguardistas de Jean Prouvé e André Lurçat na primeira metade do século XX. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-40602013000300003

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Na parede ao lado do quadro negro, (que quase sempre, se encontrava rabiscado pelas tentativas de escrita com palavras minhas e dos meus colegas), tinha um armário feito com a mesma madeira escura e firme dos cadeirões nos quais sentávamos e do “birô” (mesa da professora) e da mesinha do filtro. Neste armário, eram guardados alguns livros, não tinha cadeado, e a porta ficava apenas encostada, o que me fazia ficar com vontade de bagunçar, olhar e folhear todos os desenhos dos livros.

No teto da sala de aula, havia um ventilador velhinho que parecia quase nunca ser ligado, acredito eu, por motivo de que as aulas eram sempre pelas manhãs, o que proporcionava um clima ameno. Todas as paredes da escola eram amarelas, o que até hoje não entendo o porquê desta cor, (mas, eu nunca gostei!) Sim, não posso me esquecer de detalhar melhor o “birô” (mesa) da professora, local “sagrado”, muito organizado, e onde quase sempre, não podíamos encostar, a não ser, para entregarmos os cadernos para as correções, por muitas vezes doloridas, ou de incentivos!

Hoje percebo claramente que toda a disposição física da estrutura escolar da minha infância como a maioria dos seus ritos organizacionais direcionava-se (como ainda hoje se direcionam em muitas práticas educativas), para o controle e acompanhamento sistemático de todas as práticas e intervenções do alunado. Assim sendo, compreendo mais claramente que em pleno finalzinho do século XX, mais especificamente no ano de 1997 em meu primeiro ano de escola, ainda me via sofrendo diariamente com um modelo de sistema escolar fortemente controlador que veio se consolidando a partir do século XIX, e no qual,

O controle sobre o corpo discente é feito por técnicas e estratégias, que a maquinaria engendra. Valorização dos “bons comportamentos”, avaliação das disciplinas, dos exames, das premiações... O olhar panóptico vigia tudo e todos, desde atitudes, gestos, comportamentos até condutas e notas, ou seja, todos os espaços escolares são vigiados: corredores, pátios, salas. Mesmo quando não existe a presença física de alguém, o aluno é induzido a comportar-se como se houvesse um olhar permanente e atento (ARRIADA; NOGUEIRA; VAHI, 2012, p.46).

Aos poucos venho compreendendo que dentro daquela minha escola tudo era organizado e planejado para que a atividade de ensino e aprendizagem se condicionassem as concepções educativas a que esta mesma escola se fundamentava, assim como, principalmente as concepções educativas que

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orientavam a prática de seus professores frente ao currículo escolar de maneira inconsciente ou não.

No caso dessa minha professora, a Ivani, que era considerada uma das poucas mulheres da região com “saber” suficiente para lecionar na época, agia buscando o controle da turma, pois ensinar os conhecimentos curriculares para ela só parecia ser possível se tivesse enquanto professora a capacidade de manter as crianças calmas em seus devidos lugares prestando atenção em suas falas e cumprindo as normas e atividades escolares conforme as propostas que chegavam a escola. Era o seu jeito de ensinar. O seu jeito de ser professora.

Revisitando o mundo escola: minhas pequenas reconfigurações de currículo Como nos situa Varani (2005), é preciso olharmos para as relações que se estabelecem dentro do contexto escolar numa perspectiva de compreendermos as diversas relações também potentes lá existentes em seu cotidiano, e não nos determos apenas numa descrição imediata do acontecimento.

Trazendo tal reflexão para minha realidade escolar aqui apresentada, vale evidenciar que no meu primeiro ano do Ensino Fundamental, eu e muitos colegas repetimos o ano, uns por não ter idade de avançar para série seguinte, outros por não terem conseguidos os resultados esperados, e alguns simplesmente por número de faltas além do aceitável como mais uma estratégia de fugir das normatizações e frustrações com a escola.

Eu, que segundo a professora ainda não tinha idade para ir para o segundo ano (só podendo ir para este quando completasse 7 anos de idade), havia reprovado e novamente repetiria o primeiro ano do Ensino Fundamental. Ao retornar para escola novamente para fazer o primeiro ano e temendo as diversas represálias da professora (pois havia sofrido represálias da mesma no ano anterior em relação a meu comportamento “agitado” em sala de aula), mesmo ainda sendo muito nova, compreendi que para poder ter sucesso na escola precisava criar caminhos mais discretos e silenciosos para ser quem eu era sem ser reprimida por ela.

Hoje entendo que precisei como diria Certeau (1998), desenvolver melhor as “astúcias” do homem ordinário para melhor resistir as imposições escolares sem tê-las que enfrentá-tê-las diretamente. Ou mais claramente, como o mesmo autor destaca, reafirmava o meu posicionamento em pensar que,

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Quando não se tem o que se ama, é preciso amar o que se tem. Tive que recorrer queiram me compreender, sempre mais a pequenos prazeres, quase invisíveis, substitutos… Vocês não fazem ideia como, com esses detalhes, alguém se torna imenso, é incrível como se cresce (CERTEAU, 1998, p53).

E como eu cresci...

No começo do novo “velho” ano de escola, não queria aceitar aquela realidade. Assim, mesmo permanecendo com os mesmos colegas que haviam passado, na medida em que mais um ano convivia com eles, por ventura destes, mesmo indo para a série seguinte, permaneciam na mesma sala. Me sentia muito mal, pois eu queria muito avançar nas atividades. Achava aquilo tudo muito repetitivo, não me desafiava, não me mantinha ocupada o suficiente o que me fazia a todo instante querer experimentar os espaços da escola, livros, mobílias e brincadeiras. Mas tive que ir me acostumando, e me adaptando para ter chances de voar mais alto. As mesmas táticas e estratégias de contra-hegemonia desenvolvidos pelos sujeitos em seus cotidianos como diria Certeau (1998), no meu caso, começavam a mudar a partir daquele momento.

O que eu fiz de diferente?

Sempre fui muito agitada! A “diferente” da turma. E eu não sabia até que ponto isso incomodava a professora. Só sabia que era mais forte do que eu mesma a vontade de abrir aquele armário e dar um livro a cada um dos meus colegas para visitarmos os sítios, as florestas encantadas, os mares e seus navegadores, os céus e os pássaros que neles voavam, e as imagens maravilhosas com as quais me deparava. A todo momento queria convidar todos os colegas para deitarmos no chão e brincarmos de pular corda, amarelinha, jogar “xibiu”8 com as pedrinhas que catava

no caminho para a escola, ou quem sabe, irmos ao campo de futebol atrás da escola, para jogarmos bola e quando voltássemos para a sala de novo, esvaziarmos aquele filtro de água fresquinha, sem medo algum de molharmos (o pano de prato bordado a mão pela professora). Mas não me empolgava tanto! Afinal, a professora estava sempre de olho em mim, ainda que eu fingisse que não percebesse. “O olhar

8Brincadeira típica de crianças do sertão nordestino. Mais popularmente conhecido por jogo das “Três

Marias” em outras regiões do país, sendo jogado com outras variantes. Nos interiores sertanejos a maioria das crianças por não disporem de recursos financeiros para comprar brinquedos constantemente criam os seus próprios. Desde de galhos secos, pedras, madeiras, pneus ou qualquer objeto que seus corpos e suas imaginações alcancem e transformem em divertidas brincadeiras. Brincadeiras estas, que constituíram minha infância, e são muito bem apresentadas no lindo trabalho de Rosa da Catinga: http://rosadacaatinga.com.br/2011/04/jogos-populares-da-infancia-na-caatinga-tempos-de-brincar.html

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panóptico que persegue tudo e todos” (ARRIADA; NOGUEIRA; VAHI, 2012, p.46), e que orienta as práticas escolares, às vezes, me alcançava.

Hoje, continuo me perguntando: Será que na escola enquanto alunos sempre temos que sentir a sensação de estarmos sendo vigiados? Por que não aprender brincando? Fazendo? Vivenciando? Dialogando? Por que não se podia fazer isso? Há professores que tentam criar espaço para que seus alunos aprendam de tal forma? Se não, por que não o fazerem? Afinal de contas, como nos esclarece o seguinte autor,

Se é correto pensar que todo currículo deve ser permeado por conteúdos e metodologias gerais e fundamentais, também é garantido (inclusive pela legislação educacional) e necessário o exercício do direito de participar, interferir, sugerir, adenda, refletir, modificar, reinventar o currículo com base na prática reflexiva e crítica (SCOCUGLIA, 2005, p. 89).

Como nem sempre eu podia reinventar o currículo, recriava as práticas escolares as tornando mais dinâmicas e múltiplas, como eram minhas experiências na vida antes de entrar na sala de aula. Com o tempo, o caminho da escola ia se tornando cada vez mais atrativo do que a própria escola! Ficava horas debaixo das árvores olhando o céu azulzinho, no qual, subiam voando os pássaros indo sabe-se lá onde. Ficava-os admirando como na leveza da inspiração de Cecília Meireles, “Leve é o pássaro: e a sua sombra voante, mais leve…”. Continuava assim, catando fruta do pé, ouvindo as canções de meu pai e tentando pegar um desses passarinhos que voavam. Sem me dar conta, que eu é quem devia estar na gaiola “escola”. Sim! A minha escola naquela época de minha vida parecia realmente uma “gaiola”!

E por que não poderia ser uma escola de asas como no poema de Rubem Alves?

Naquele momento, via minha escola como gaiola sim, uma gaiola “necessária” como diria meus país. Mas ainda uma escola gaiola! E eu queria uma escola de asas! Uma escola que me encorajasse a querer aprender, e não simplesmente ensinasse sem me explicar o porquê que precisava aprender. Uma escola que considerasse minhas vivências e na medida do possível trabalhasse com os conhecimentos escolares de maneira articuladas a elas. Hoje, percebo isso claramente, mesmo que na época, nem imaginasse quem, o porquê e ou para quem fizeram a escola de tal forma.

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Só consegui enxergar tais inquietações mais claramente no meu tempo de graduação na faculdade, quando me deparei com as discussões de alguns teóricos que abordam o papel da escola e consequentemente do currículo, enquanto instâncias de representação dos interesses hegemônicos da sociedade e também, como resultado histórico das tensões sociais sobre estes mesmos interesses hegemônicos, a exemplo, desses autores que me despertaram esse olhar, cito: Silva (2013), Sousa (2002) e Goodson (2001).

Nestes dois primeiros anos de escola nesta escola gaiola só sabia que não gostava muito das suas normas e regras. Nela, gostava mais de pequenos momentos de alegria e descontração com meus colegas, momentos estes, que eram quase sempre, podados pelas lições, pelas atividades escolares. Ou seja, gostava mais dos pequenos prazeres como já nos destacou Certeau (1998), que eu insistentemente provocava dentro da dinâmica escolar. Dentre estes, folhear os livros que pouco podia pegar e sonhar com as estórias e imagens que neles continham assim como correr nos recreios que não “contavam” para as notas.

Aprender sim! Mas aprender de outra forma, de outro jeito. Jeito este, que a professora muitas vezes não conseguia entender. Aprender sobre a natureza pegando, sentindo as coisas do meio. Aprender as palavras pelas histórias contadas nas canções de meu pai, as quais, tantas vezes ao cantar para meus colegas era reprimida pela professora por ser uma aluna que sempre falava demais. Dentre tantas outras formas que imaginava ser possível aprender!

Assim, me pergunto. Quantos alunos podem estar em nossas salas de aula tentando explicar aos seus professores e professoras os seus “outros jeitos” de aprenderem, e que podem não está sendo ouvidos? Como fazer para que os profissionais da educação, em especial, nós professores e professoras, escutemos esses gritos, essas ações e omissões que muitas vezes, podem ser encaradas como “rebeldia” ou indisciplina? Será que estamos percebendo isso? E as propostas pedagógicas que trabalham nesta perspectiva de tornar o currículo escolar mais contextual as necessidades das crianças passam por quais dificuldades ou se agarram em quais possibilidades para se efetivarem?

Assim, eu era Vanessa, que além de aluna era uma menina que já sabia de muitas coisas aprendendo com as próprias coisas. Que já havia sentido as plantas, águas, pássaros, homens, mulheres e sensações e histórias que meu pai contava e cantava e que muitos daqueles livros e ditados que a professora passava

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