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Um panorama do Yorubá em seu ambiente e alguns traços congruentes com o Português

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Academic year: 2021

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UM PANORAMA DO YORUBÁ EM SEU AMBIENTE E

ALGUNS TRAÇOS CONGRUENTES

COM O PORTUGUÊS

Raimundo Enedino dos Santos Universidade de Macau

ennedino@gmail.com

Abstract: This paper presents an overview of the Yoruba language with respect to its history in both Africa and Brazil. It also highlights some features of Yoruba in terms of their connections with the history of Brazilian Portuguese. The aim of the paper is to show how a certain language with several dialects in Africa is significant for a scientifically approached comparison with Portuguese, and to show that this question is essential if we are to understand the constitution of Brazilian Portuguese from the multi-cultural mixing pot of the colonial period. Some linguistic structures were connected with particular African languages, and others with different ones, but another third type could be a consequence of the meeting of typologically distinct languages. This paper touches on socio-historical phenomena, such as discussion of the denomination of the Yoruba language, it gives information about Yoruba dialects and how one of these, known as Nago, became the most important dialect in Brazil. The paper also summarizes linguistic traits such as the dropping of subject and object pronouns, making Yoruba a pro-drop language, like Portuguese. The paper also looks at the discontinuous negative structure with a basic function of reinforcement in Yoruba. Keywords: History of Yoruba; History of Vernacular Portuguese; Africanism.

1. Introdução

A reconstrução da constituição do português brasileiro (doravante PB) é particularmente árdua, quando se leva em consideração que o português europeu (doravante PE) é uma língua falada por uma população intensamen-te miscigenada ao longo de toda a sua história. Além disso, com a exploração

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da África durante o período das grandes navegações, houve uma extração de escravos provenientes da região subsaariana, no período que se inicia no sé-culo XV, os quais foram incorporados à população local em Portugal. Rodney (1975) conta que a mestiçagem portuguesa nos séculos XVII e XVIII e o número de mercados de escravos em Portugal eram surpreendentes. Apesar de a escravidão ter sido extinta já no século XVIII, em Portugal, o elemento negro diluiu-se na população, integrando-se totalmente à vida portuguesa. A ponto de os portugueses serem referidos, segundo o autor, como escuros, morenos, negróides, mouros.

Supõe-se que esse foi um momento de reestruturação do PE, seguindo essa linha de raciocínio, é possível compreender que muitos itens lexicais de origem africana foram introduzidos na América pelos próprios portugueses, mas ainda resta saber como isso se deu nos mais diversos níveis gramaticais. Sabe-se principalmente que o PE é uma língua mista, com variação, que pode ter beneficiado a reestruturação da língua na América por falantes adul-tos escravizados.

Dessa forma, a aprendizagem do idioma europeu por estrangeiros foi necessariamente constante, algo que ocasionou uma reanálise por parte das crianças que adquiriam o português naquele período, em função dos mode-los a que estavam expostas.

A Linguística Aplicada já mostrou que os adultos tendem a empregar os modelos de sua cultura e de sua língua materna ao aprenderem uma língua estrangeira. No caso dos escravos africanos na América, essa verdade é mais que válida, em função do novo ambiente e do novo padrão de vida que tinham de levar. Houve, no Brasil, uma quantidade de línguas africanas que não se pode precisar. O yorubá foi falado na Bahia, até o século XIX, e continua vivo na África. As pesquisas têm mostrado que esse idioma superou de longe qual-quer outra língua africana nos dois últimos séculos de escravidão na Bahia. Por isso se considera que houve um impacto na língua portuguesa vernácula, em razão do número de escravos de origem yorubá repostos continuamente. Assim, muitos traços de suas línguas acabaram por marcar o vernáculo.

Nesse sentido, para o pesquisador nigeriano Tayo Ajayi (2002), a qua-se proibição de artigo antes de antropônimos na Bahia vem do fato de o yorubá não possuir artigos, por isso os falantes desta língua ao aprenderem português, emprestaram-lhe tal traço estrutural. Falta ainda rever, no entan-to, como era o comportamento desse uso nos textos escritos no período das grandes navegações.

Neste trabalho, faz-se uma síntese do uso do pronome nulo tanto na função de objeto quanto de sujeito (Enedino dos Santos, 2008), assim como se toca no ponto sobre a negação injuntiva1.

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Talvez aquilo que se compara com o yorubá não seja exclusivo desta língua, é possível que outras línguas africanas, presentes no período colonial, apresentem traços semelhantes. A limitação dos pesquisadores em acessar um número maior de informações sobre as estruturas de outras línguas de-termina essa restrição na generalização do fenômeno. Assim, também existe a possibilidade de que mais de um modelo estrutural serviu de exemplo para a reconstrução do português no Brasil.

Não se deve também ignorar que alguns fatos linguísticos podem per-tencer a um grande número de línguas. Este é o caso da extensão do sentido do vocábulo filho, quando se designa origem. Em português é possível dizer que o primeiro registro para indicar naturalidade veio através do vocábulo filhote (Bluteau, 1712), mais tarde, sem que haja nenhuma explicação, os dicionários passam a indicar o mesmo sentido para filho. Assim, a língua portuguesa não tem um vocábulo para designar naturalidade e outro para estabelecer relação de parentesco como ocorre em inglês (child/son) e em alemão (Kind/Sohn). Por essa razão, pode-se dizer que há coincidência com a língua yorubá, pois nela só há o vocábulo m para as duas acepções. Mas é um estereótipo do dialeto Baiano a expressão “Eu sou filho de...” para indi-car local de origem. Neste caso, é muito complexa a tarefa de separação dos patrimônios das duas línguas. Algo diferente do que ocorre com alguns de-calques linguísticos que ocorrem na área das atividades religiosas, como: pai-de-santo, mãe-de-santo e filho-de-santo.

Nota-se que o campo de pesquisa sobre o encontro de línguas no pe-ríodo colonial é fertilíssimo, e as pesquisas sobre línguas africanas urgem mais do que nunca, como se pode ver na próxima seção.

2. O destino do Yorubá

No Brasil colônia houve presença de línguas africanas dos mais diver-sos segmentos, mas os troncos mais importantes são o bântu e o defóide. No primeiro se inserem as línguas quicongo, quimbundo e umbundo faladas, respectivamente, pelos povos bacongo, ambundo e ovibundo. Já no segundo estão as línguas do tipo yorubá, que, em outras palavras, é uma língua do ramo Benue-Congo, classificada como defóide. Nesse segmento, há uma di-visão binária entre as línguas yorubóide e akokóide. Apesar da didi-visão, os falantes atestam que as suas línguas têm origem em Ilê-Ifé, daí vem o nome defóide (èdè+Ifè), língua do tipo falada em Ifé. Obviamente, no Brasil, ou-tras tantas línguas foram faladas durante o período colonial, principalmente na Bahia, onde era possível ouvir até o árabe na boca dos escravos (Verger, 1987), devido à islamização dos povos africanos em sua origem e as consequentes guerras entre eles e aqueles que não professavam a sua fé.

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Nessa Babel de então que era o Brasil, os povos yorubá tiveram pre-sença muito marcante nos dois últimos séculos da escravidão, na Bahia. Che-garam a compor mais de 70% da população escrava da cidade de Salvador (Reis, 1993). O decréscimo desse número deu-se apenas com o advento do tráfico interno de escravos, quando o atlântico extinguiu-se. Então, a popula-ção de escravos da Bahia estimada em 500.000 sofreu um crescimento nega-tivo para 180.000, no final do século XIX (Castro, 2001). Foi quando se deu a dispersão do português falado na Bahia para as regiões Centro-Sul. A partir desses dados, considera-se que os falantes estrangeiros adultos vindos da África e seus descendentes tenham implantado alterações no PB, em função dos parâmetros linguísticos trazidos de suas línguas maternas do além-mar, e dispersado as suas inovações juntamente com a expansão que promoveram do PB.

Dizer isso é supor que os bântu tiveram maior força, em um primeiro momento, mas com o crescente interesse do comércio de escravos na Costa da Mina, o número de escravos desta região superou as levas de escravos do Congo e Angola. E, assim, com a presença desses novos grupos étnicos, nos dois últimos séculos de escravidão, operaram-se alterações no PB, cujos pa-râmetros já haviam entrado em uma dinâmica diferente daquela executada pelos povos de língua bântu, pois, de acordo com Coseriu (1979), continua-mente a língua realiza-se na fala, condicionada às idiossincrasias de seus usuários. Portanto, não se trata de desacerto conjecturar que os povos yorubá também tiveram contribuição expressiva na moldagem do PB.

2.1 A denominação yorubá

Antes de entrar na perspectiva histórica do yorubá, é válido tocar em algo que inquieta muitas pessoas: o fato de a língua ser chamada yorubá. Qual é a razão que justifica o uso mais corrente na academia do termo yorubá e não da forma consagrada pelo povo, o nagô?

Para que se tenha uma resposta menos superficial, é necessário fazer um voo rasante (em razão do cariz deste trabalho) pela história da escravidão no seu último século, o XIX. Naquele período, a Inglaterra tinha estreitado a sua vigilância sobre a quebra de contrato que os traficantes com seus tumbeiros promoviam a respeito da extinção do tráfico ultramarino. Como se sabe, quando a carga não era descartada a tempo, era apreendida pela marinha inglesa, que reintroduzia os cativos na África, através de Serra Leoa. Mais tarde, algumas dessas pessoas retornaram para o ponto de onde foram captu-radas. Foi o caso de um capturado que recebeu o nome cristão de Samuel Ajayi Crowther. O destino de Crowther está intrinsecamente ligado à origem da generalização do termo yorubá, pois os falantes dessa língua tinham como reino dominante, naquele momento histórico, a cidade de Oyó.

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Oyó fazia fronteira com áreas fortemente islamizadas e recebeu desses outros povos a denominação de yarba/yarriba (Johnson, 2001: 6). Assim, no auge da exploração de escravos, com o domínio soberano de Oyó sobre os outros reinos, a sua denominação (yorubá) passa a sobrepujar-se às outras. Crowther, homem yorubá, no seu exílio em Serra Leoa, passou a ser membro da Church Missionary Society. Como autoridade religiosa ajudou a estabele-cer a forma escrita, para que houvesse possibilidade de tradução da Bíblia para o yorubá, língua que era uma das mais utilizadas em Serra Leoa2.

Soma-se a isso o fato de que Crowther estendeu o trabalho de evangelização dos seus pares às terras yorubá, essa foi a razão do seu retorno.

Assim, a variedade da língua que foi alçada como língua de escrita foi o yorubá. Samuel Crowther também escreveu gramática e vocabulário da língua. Sua contribuição é de uma importância tal que, apesar de mais tarde ter havido algumas modificações na forma de escrever e na qualidade do dialeto padrão, o sistema por ele implantado mantém-se praticamente o mesmo. Hoje, o povo oyó, que acabou dispersando-se pelo território yorubá, vangloria-se de que a sua variedade da língua pode ser escrita em detrimento das demais. Em Ilê-Ifé, existem várias comunidades de falantes do dialeto de oyó, que tiveram autorização para assentar-se nas terras de sua origem histó-rica. Outrossim, a capital do estado de Oxum, ao qual pertence Ilê-Ifé, Oshogbo, fala um dialeto mais voltado para o oyó do que para o ijexá, apesar de estar em terras ijexá, e esse fato se repete com outras cidades nesse estado. Vê-se, portanto, que em Oxum há três dialetos majoritários: o ifé, o ijexá e o oyó.

2.2 Os dialetos

Foi Samuel Johnson (2001) quem identificou inicialmente a existência de dialetos da língua ao falar da distinção existente entre as tribos. Ele não diz qual teria sido a sua concepção de tribo, mas infere-se que ele apresenta uma divisão baseada na dispersão dos povos yorubá promovida pelos descen-dentes de Oduduwa3 – entidade que baixou do céu, em Ilê-Ifé, e fundou os

Yorubá – que, como era de se esperar, contavam com a presença da língua, é o que se pode ver neste excerto:

2 O número de falantes de yorubá era tão grande em Freetown, que essa foi uma

das duas línguas africanas escolhidas, em 1831, para ser usada como meio de instrução em uma escola para moças de Serra Leoa (Pulleyblank, 1987: 971).

3 Falar em surgimento do povo Yorubá é necessariamente tocar na sua fundação

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This also accounts for the tradition that the Yoruba sway once extended as far as Ashanti and included the Gâs of Accra, for the Gâs say that their ancestors came from Ile Ife; and the constitution of the Gâ language is said to be more like Yoruba than like Fanti, the language of the Gold Coast, and the area in which that language is spoken is strictly limited. (Johnson, 2001: 15)4.

Assim, ele disse haver os oyó, os egbá, os ijebu, os ijexá, os ekiti e os ondô. Ele não menciona o povo de Ilê-Ifé como tribo, fato significativo, pois se a origem do povo yorubá é Ilê-Ifé, então Oyó deixa de ser o centro princi-pal na dispersão do povo, a qual, por si só, já seria uma colonização dos ifé. Com a queda do império de Oyó, em função das jihad promovidas pelos fulani, em função do tráfico de escravos do Atlântico, os habitantes da sua capital tiveram que retornar para Ilê-Ifé. Entretanto não se integraram ao povo local, por isso é possível encontrar várias povoações na jurisdição de Ilê-Ifé que falam o dialeto da antiga Oyó. Entre esses grupos que “retorna-ram”, há um cuja cidade faz divisa com a área urbana da cidade de Ifé, trata-se de Modaquequé. As duas populações não trata-se misturam, qualquer falante dos dialetos do yorubá sabe distinguir os moradores de ambos os lados da aglomeração humana, coisa que fica difícil para outros forasteiros. Ali, a úni-ca coisa que os distingue são os seus respectivos dialetos. Apesar de o dialeto de Modaquequé ser considerado oyó, existe diferença tonal entre este e o dialeto padrão, cuja distinção não é apontada por falantes nativos. Isso é o que revelou a pesquisa de Oyetade (2006).

Na busca por distinção científica a respeito da divisão dialetal do Yorubá, é possível encontrar dados vindos tanto de linguistas europeus quanto de africanos. Bonvini (1999), por exemplo, apresenta a seguinte lista para os dialetos do Benin: aguna, cabe, ica, idaxa, ifé, ije, mokole e nagô; acrescente-se a esacrescente-ses o dialeto chamado xabé. Já para a Nigéria a lista fica reduzida a três dados: isekiri, ulukwumi e yorubá. De acordo com o mesmo autor, ainda sobrevive no Togo o dialeto kambolé e, no exílio, fala-se o lucumi, em Cuba. Nota-se claramente uma maior intimidade do autor com os dados do Benin, talvez pela aproximação promovida pela língua francesa.

Como já foi dito, o nagô é um dos dialetos do yorubá que é falado no Benin (país), essa é a região no oeste das terras yorubá, que é fronteiriça entre os povos yorubá e os povos de língua fon (jeje), do antigo reino do

4 Isto também conta na tradição que o deslocamento yorubá uma vez estendeu até

Ashanti e incluiu os gâ de Accra, já que os gâ dizem que os seus ancestrais vêm de Ilê-Ifé; e a constituição da língua gâ é tida mais como yorubá do que como fanti, a língua da Costa do Ouro, e a área em que aquela língua é falada é estritamente limitada.

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Daomé. Por razão da adjacência eram os mais atacados pelo reino do Daomé. Tem-se notícia de que no Benin o yorubá em alguns pontos foi conservador e não permitiu interferência de origem fon, enquanto o nagô incorporou in-fluências vindas dos vizinhos. Assim, pelo fato de os habitantes terem sofrido mais ataques do Daomé, um maior número de falantes do nagô foi transferi-do para a América. Na Bahia, houve presença de vários segmentos dialetais do yorubá, além do nagô, cujos falantes superaram o de qualquer outro gru-po yorubá, essa é a razão da herança de tal denominação.

Em yorubá o étimo do vocábulo é anago. Atualmente os falantes desse dialeto, no Benin, denominno de nagô, vê-se, portanto, que não foi o am-biente de colônia que refez a denominação do dialeto, ela chegou à América tal qual era utilizada pelos seus falantes na África, no que hoje se conhece por Benin. Um falante de nagô atual pode utilizar o seu dialeto na comunicação com outros yorubá da Nigéria. No entanto, os nigerianos não conseguem iden-tificar parte do que se fala, isto é, não apanham detalhes de tudo que é dito.

Fez-se uma coleta de dados, através de gravações em vídeo de alguns falantes do yorubá, na Nigéria, em dezembro de 2007. Por essa época, havia um jovem do Benin, falante de nagô, que frequentava cursos de português na Universidade Obafemi Awolowo, que também teve a sua fala registrada. Em certa ocasião, posto a contar um fato em nagô para outros jovens falantes de outros dialetos da língua, não foi compreendido. Assim, é possível dizer que a comunicação entre um nagô e outro falante qualquer de yorubá só se torna possível se a sua faixa etária for acima de trinta anos. Pois os mais jovens não são mais habilitados a fazê-lo, em função do empobrecimento do conheci-mento do idioma nativo e a sua consequente substituição pelo inglês de um lado ou francês do outro. Entretanto, a convivência desse jovem nagô com a população fê-lo acessar o dialeto local muito rapidamente. Isso prova que apesar das diferenças dialetais, é muito fácil para um falante de yorubá com-preender qualquer outro dialeto à medida que for convivendo com ele.

A visão estereotipada que os outros falantes têm é a de que esta é uma variedade impura, pois o falante de nagô mistura sua língua. Isso ficou muito evidente, no vídeo, também gravado pela mesma ocasião, em que o entrevistador fala para a entrevistada para não falar nagô, ela compreende a mensagem, apesar de estar falando ifé, misturando-o com inglês, confira-se: (1) INF.: bot my parents. “both my parents”. ‘ambos os meus pais’.

DOC.: ma s anago5. ‘não fale nagô’.

INF.: baba mi ati iya mi mejeji. ‘meu pai e minha mãe ambos’.

5 Não foram postos os acentos tonais, porque a transcrição ainda se encontra em

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O usuário da língua tem as suas convicções a respeito da sua variante e também das demais. Fica, entretanto, cíclica a explanação de que todas as línguas sofrem alterações provenientes de outras línguas, quer por emprésti-mo do falante nativo, quer por reconstrução ocasionada por aprendizagem de idioma por adultos. Assim, durante o processo de colonização e consequente expansão de Ilê-Ifé, o dialeto local sofreu alterações, provavelmente por ter-se misturado com idiomas locais. Dessa forma, dialetos, cuja distância da cidade de Ilê-Ifé pode ser coberta por duas horas percorridas por carro, são quase incompreensíveis aos falantes quanto o nagô, que, nas atuais circuns-tâncias, fica em outro país.

A Nigéria, indubitavelmente, possui outros dados a serem explorados. Dessa forma, Oyetade (1995) reportou que uma contribuição essencial para a distinção dos dialetos nigerianos foi feita por Adetugbo, em 1967, utilizan-do-se da socio-história e de evidências linguísticas. Tal classificação foi estabelecida da seguinte forma: (i) dialetos do noroeste (oyó, oxum, ibadã, e norte de Egba); (ii) dialetos do sudeste (ondô, owó, ijebu e okitipupa); e (iii) dialetos da área central (ifé, ijexá e ekiti).

Os falantes, por sua vez, apontam muito mais detalhes de distinções dialetais. É evidente a necessidade de averiguar-se o que ocorre neste caso, com apuro científico. Feita a ressalva, é interessante notar a complexidade da divisão em yorubá aos ouvidos de seus falantes. Ondô é o estado com maior divisão dialetal perceptível por falantes nativos, são eles akure, owó, idanre, ikalé, ilaje, ilé-oluji e ifon, além disso, é aí que se encontra a língua do grupo akokóide, o akoko. O estado de Oxum, como já dito, tem três dialetos: ifé, ijexá e oyó. No Estado de Oyó, cuja capital, em nossos dias, é Ibadan, exis-tem os dialetos oyó, ibadã e ogbomoxó. Em Ekiti o dialeto exis-tem nome idêntico ao local, além desses, seguem-se outros dialetos como o de ilorin, kabba, egba, ijebu, egun e awori, já as duas outras línguas independentes, que per-tencem ao segmento yorubóide, são itsekiri e igala. Confira o Quadro 1, a seguir.

Como em qualquer outra língua natural, há em yorubá as mais diver-sas variações. Há algo de indicador dialetal, ou seja, que não comporta uma distinção social. Esse é o caso do dialeto oyó na expressão de Modaquequé, em que um tom alto, que deveria ser acionado após um tom baixo, é substi-tuído por um tom baixo. Isso ocorre tanto no nível lexical como no frasal. Por outro lado, os estereótipos são aqueles que dão sinais das diferenças dialetais e são, geralmente, estigmatizados. Isso se dá independentemente do grau de urbanismo em que se encontra o dialeto, como é o caso do ibadã, qualquer falante aponta o traço que o distingue dos outros dialetos, trata-se da substi-tuição de [] por [s]. O estereótipo também é marca do dialeto de oyó, no que diz respeito à nasalização. Segue pelo mesmo caminho a marca do ijexá, isto é, o uso inicial de [u] em vocábulos cuja vogal no dialeto padrão é [i] (e.g.

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ulé/ilé, ‘casa’). Os marcadores sociais, porém, são os mais instigadores e carecem de explicações científicas. Alguns já foram desvendados, como é o caso da supressão do fonema retroflexo [ ] intervocálico, nos dialetos de oyó e ibadã. Esse traço linguístico está relacionado à faixa etária mais elevada e ao baixo nível de escolaridade. Segundo Oyetade (1995), a elisão de con-soante é um traço normal na língua. Ele sustenta que as concon-soantes / / e /d/ são as que estão sujeitas ao fenômeno.

Quadro 1 – Divisões das línguas defóides

Isso, porém, ocorre com outros segmentos fonológicos. Algo que é facilmente detectável. Na catalogação de alguns exemplos dos dialetos, da coleta que se fez, é possível perceber que o falante de akure procede dessa maneira na expressão de saudação EpElE, produzindo-a como EpEE6.

Supres-são evidente de /l/ que, em outros contextos, pode ser o alofone de /n/ e nunca de / /.

6 No dialeto ifé, por exemplo, há substituição da primeira sílaba por //, assim a

expressão passa a ser  l. É preciso que se estude qual é o alcance do som // na língua, pois ele exerce uma diversidade de função, nos diferentes níveis linguísticos; trata-se de um verdadeiro curinga quando existe substituição de som.

Yorubóides Akokóide

Dialetos do yorubá Línguas

Akure (Nigéria) Kabba (Nigéria) Itsekiri (Nigéria) Akoko (Nigéria)

Idanre (Nigéria) Egba (Nigéria) Igala (Nigéria)

Ifé (Nigéria) Ijebu (Nigéria)

Ijexá (Nigéria) Egun (Nigéria)

Ikalé (Nigéria) Awori (Nigéria)

Ilejá (Nigéria) Owó (Nigéria)

Ilê-Oluji (Nigéria) Ondô (Nigéria)

Ifon (Nigéria) Aguna (Benin)

Ibadan (Nigéria) Ica (Benin)

Oyó (Nigéria) Idaxa (Benin)

Lagos (Nigéria) Ifé (Benin)

Ogbomoxô (Nigéria) Ije (Benin)

Ekiti (Nigéria) Mokole (Benin)

Ilorin (Nigéria) Nagô (Benin)

Okitipupa (Nigéria) Ulukwumi (Nigéria)

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Pelo mesmo caminho da elisão, um falante de uma modalidade de oyó, na zona rural de Ifé, diz oobá, por yorubá. Vê-se a queda das consoantes /y/ e //, acompanhada da assimilação do segmento vocálico /u/. Nos mais vari-ados dialetos, o vocábulo para nome é oruk, mas o falante de nagô corrigiu-se, quando estava prestes a dizê-lo dessa forma, produzindo então k. Como foi instruído a usar somente o dialeto nagô, talvez ele tenha querido apresen-tar o que mais sente de especificidade dialetal. Percebe-se que houve aí uma alternância vocálica, seguida de uma assimilação, não se pode conjecturar, porém, quando se deu a queda destas consoantes, muito menos se houve registro dessa forma nos registros orais da Bahia. Esse não é o único caso de alteração entre as vogais anteriores e posteriores, no nagô atual. Assim, en-quanto os dialetos nigerianos utilizam pup, que exerce a função de intensi-ficação, o nagô atual apresenta pip.

Já o uso do pronome mi em função de sujeito (mo), por sua vez, é uma peculiaridade do dialeto de Lagos. É possível que esse seja um caso de elipse da vogal inicial do pronome de forma plena emi, e não o uso de pronome objeto como querem as explicações leigas.

Pelo exposto, pode-se ver que há muito que deve ser avaliado pelos linguistas sobre o yorubá. É preciso enfatizar ainda que a língua estandardizada é o melhor meio para comunicação entre eles, pois, em alguns casos, os dia-letos não são totalmente eficientes na intercompreensão, algo que é válido para os dialetos falados em todo o território yorubáfono. E isso se deve muito mais ao modo como o yorubá se expandiu sobre as populações autóctones – no período de colonização feita pelos filhos de Oduduwa –, principalmente no sudeste da região yorubá, onde se encontra a maior diversidade de diale-tos da língua, do que pelas vicissitudes promovidas a posteriori, como no caso do nagô.

Por último, fica registrado algo que pode alimentar a discussão sobre a distinção entre o que é dialeto e o que é considerado língua autônoma, no que diz respeito ao yorubá. Aliás, o que se vê alhures tem uma repetição local, pois já se sabe que essa matéria é meramente uma questão política, uma vez que, no caso da língua itsekiri, por exemplo, as semelhanças com os dialetos impressionam.

2.3 O yorubá contemporâneo

É surpreendente notar que o yorubá, apesar de ser uma das três lín-guas majoritárias na Nigéria – juntamente com o haussá e o igbo –, apresen-ta-se com a possibilidade de extinção em até 150 anos, segundo o que relata o pesquisador da universidade Bayero, de Kano, o Professor Munzali Jibril (2006). Ele conta que isso não é uma exclusividade do Yorubá, nem das duas

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outras línguas majoritárias do seu país; o problema está assolando a África como um todo, à exceção da Etiópia e da Somália, que possuem política educacional em língua autóctone.

Para ele, a extinção das línguas africanas dá-se, primeiramente, com o glotocídio das línguas minoritárias e dos dialetos das línguas majoritárias (cf. o exemplo (1) supra), fenômeno que se espera concluir dentro de cinquenta anos. Em seguida, as línguas majoritárias perderão espaço para as línguas dos colonizadores.

No caso do yorubá, ainda segundo Jibril, os dialetos já sofrem muitos abalos provenientes da situação político-econômica, pois muitas pessoas já não sabem falar os dialetos rurais dos pais ou dos avós. Esse fenômeno ocor-re principalmente nas classes sociais mais abastadas, nas quais os pais apenas usam o inglês como língua de comunicação com seus filhos.

O que a observação empírica tem mostrado é o fato de que os falantes preferem utilizar a língua majoritária, no caso, o yorubá standard, para se comunicar com falantes de outras variedades, em detrimento do uso de seu dialeto. Na coleta de amostra de alguns dos dialetos do yorubá, de que se falou na seção 2.2, revelou-se que todos os informantes fazem alternância códica tanto com o dialeto padrão do yorubá quanto com o inglês, indepen-dentemente de serem moradores da zona rural ou da urbana. Há às vezes impossibilidades de não se utilizar o inglês, como no caso dos números, uma vez que o sistema yorubá, que é muito complexo, vem sendo agilmente aban-donado, apenas alguns números podem ainda ser ouvidos nas feiras livres da Nigéria yorubáfona.

Na recolha dos depoimentos para a amostra, foi solicitado aos falantes que se ativessem aos seus dialetos nativos o máximo que pudessem, sem uti-lizar outra língua. Ainda com esse apelo, os falantes não conseguiram polici-ar-se: acessaram o dialeto standard ou o inglês.

Diante disso, é possível dizer que o mesmo ocorre no Benin, pois o jovem falante de nagô acabou tendo uma fluência muito mais baixa do que o esperado, para que o dialeto não sofresse a interferência do francês durante a gravação de seu depoimento. Em meio a essa realidade em que se encontram as línguas autóctones da África, exige-se que haja, além das medidas profilácticas prescritas por Jibril (2006) (como o uso das línguas na instrução formal), pro-fissionais nativos interessados no estudo da variação das línguas locais, para que ainda sejam possíveis estudos comparativos intra e extralinguísticos.

3. Traços linguísticos congruentes com o português brasileiro

A pretensão de generalizar a comparação entre o yorubá e o PB funda-menta-se no fato de a Bahia ter exportado os seus escravos durante o período

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de intensificação do tráfico interno para diversas regiões brasileiras, como já foi dito. Assim, a base do PB estava seriamente fundamentada com a contri-buição dos falantes africanos de origem yorubá ou de línguas tipologicamen-te análogas. Além disso, as baianas mercadejantipologicamen-tes eram figuras de destaque, inclusive no Rio de Janeiro (Verger, 1987), as quais devem ter sido outro canal de divulgação da língua portuguesa da forma como era falada na Bahia. Os dados sobre o pronome nulo e a negativa injuntiva não debatem em que nível isso se encontra na fala dos brasileiros, pois essa não é a meta deste trabalho. O proposto é apenas comparar dados que se coadunam entre o PB e o yorubá.

3.1 Uso de pronome nulo em yorubá

Diferentemente da idéia que se faz sobre as línguas africanas, há lín-guas que possuem uso de pronomes nulos. O yorubá é uma língua pro-drop que tanto tem sujeitos nulos quanto objetos. A terceira pessoa do singular é particularmente especial, em razão de não apresentar um pronome lexicalizado. A sua realização na função de sujeito é dada pela vogal o, a qual só é utilizada para que o tom alto, que marca a fronteira entre o sujeito e o verbo, repouse. Nas sentenças negativas, ele é nulo. Já o complemento verbal de terceira pes-soa é apenas uma extensão da vogal do verbo monossilábico7. Há aí uma

alternância entre os tons: quando os verbos têm uma vogal com tom alto, o objeto é a mesma vogal com o tom de repouso; mas se os verbos apresenta-rem vogal baixa ou no tom de repouso o objeto terá a mesma vogal comtemplada com o tom alto.

Primeiro, vejam-se os exemplos8 para que se possa ilustrar como uma

estrutura pode ter um verbo seriado ou uma sentença complexa: (2) Olú gbé àga wá. ‘Olu trouxe a cadeira’

(3) Olú kò gbé àga wá. ‘Olu não trouxe a cadeira’

(4) Olú gbé àga, (ùgbç@n) kò wá ‘Olu pegou a cadeira, mas não veio’ Nota-se em (2) que o verbo wá é uma das partes de um só sistema verbal, que empresta ao verbo gbé (pegar, segurar) o aspecto de movimento

7 Os verbos com mais de uma sílaba têm complemento de terceira pessoa

preenchi-do por um pronome cuja forma é idêntica ao pronome possessivo.

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em direção ao locutor, alterando o sentido original do primeiro verbo para trazer. Por outro lado, a estrutura seguinte em (3) dá a idéia de que o ele-mento negativo nessa estrutura só é permitido antes do primeiro verbo e não do segundo. Entretanto, no caso seguinte em (4), se houver a necessidade de negar a vinda do sujeito, existe a autorização para se aplicar a negação ao segundo verbo, o qual se torna autônomo, a presença do coordenador, no caso, é facultativa. Percebe-se aqui que se trata do uso de dois verbos autôno-mos, que mantêm os seus valores semânticos originais. Para este trabalho, o importante é chamar atenção para o fato de que o segundo verbo não apre-senta sujeito. No geral, a negação em Yorubá elimina o pronome sujeito de terceira pessoa do singular da sentença. Não há necessidade de separação por tom alto entre o sujeito e o verbo.

Todas as regras, porém, não conseguem explicar a razão por que em algumas sentenças os pronomes simplesmente desaparecem. Trata-se da re-gra de justaposição com a supressão de pronomes. Isto é, os falantes optam por preenchimento vazio do sujeito e/ou do objeto, como nos exemplos a seguir:

(5) Ó lç ra ilá. ‘Ele foi e comprou quiabo’ / ‘Ele foi comprar quiabo’ (6) Ó ra ilá jE. ‘Ele comprou quiabo e comeu’ / ‘Ele comprou quiabo para

comer’

Nota-se que a posição de sujeito no primeiro verbo de ambos os exemplos (lç e ra, respectivamente) é preenchida pela vogal de tom alto o, mas o segundo verbo não é favorecido com a mesma regra. Existe ali o apagamento do sujeito. Acrescenta-se ainda que para o verbo lç não existe complemento, por razões óbvias. Enquanto para o verbo ra existe o preenchimento com o complemento ilá. Este último verbo, no exemplo (6) tem preenchimento de sujeito, como também de objeto, por isso permite que o próximo verbo jE suprima tanto o sujeito quanto o objeto, que são recuperáveis no contexto. Em caso de haver qualquer ambiguidade, o falante separa as duas sentenças, preenchendo cada uma das posições. Talvez tenha sido essa regra que facultou o apagamento do pronome objeto nas sentenças simples.

Por outro lado, se houver uma necessidade de mudança de objeto, este deverá ser expresso, pois não se pode recuperar no discurso. Além disso, se esse objeto coincidir com o sujeito do próximo verbo, simplesmente não se expressa. Como no exemplo infra:

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Questionados sobre a possibilidade de se acrescentar um pronome su-jeito para o último verbo do exemplo (7), os falantes disseram que a sentença fica inaceitável. Esta é uma construção perfeitamente espalhada pelo território brasileiro, utilizada pela maioria da população na forma mais distensa.

Voltando ao complemento, o que a práxis mostra é que os falantes do dialeto standard do yorubá simplesmente não alongam a vogal do verbo, por diversas vezes, deixando o espaço do complemento sem material audível, tal fato é, portanto, um fenômeno variável. Isto se constitui um ponto de coinci-dência entre o yorubá e o PB atual, no que se refere a incicoinci-dência de objetos nulos. Segundo Pagotto (1996), no PB a supressão do clítico tem que ver com o traço de concordância, quanto mais sutil for o refinamento gramatical na natureza do pronome, maior o seu perecimento. Para Kato, no entanto, o problema reside no fato de o pronome ter um traço hierárquico referencial com característica de não-argumento, assim a chance de supressão é maior do que quando o pronome tem uma faceta [+humano], sendo assim [+referencial], caso em que o pronome teria a sua forma explicitada. O que se defende aqui é a transferência de valores gramaticais de adultos falantes de pelos menos uma língua africana na Bahia para o PB vernáculo. Se a inclusão desse traço africano se deu no nível estrutural ou semântico é algo que carece de mais análise empírica, mas nenhuma das duas hipóteses substitui a abor-dagem da interação humana e os valores sócio-históricos presentes no perío-do da formação perío-do PB no Brasil colônia.

Por outro lado, esse fenômeno não pode ser avaliado sem se levar em consideração outro grupo linguístico, durante o período colonial. Não é se-gredo dizer que as línguas bântu são caracterizadas como um mesmo grupo familiar, principalmente, por apresentar uma série de prefixos aos nomes e aos verbos. É possível que os falantes de línguas bântu tenham colaborado com a fixação do pronome objeto na posição proclítica (Enedino dos Santos, 2008), pois nessas línguas o posicionamento dos pronomes dá-se basica-mente aí. Assim, há uso de pronomes absolutos (substitutos de sintagmas nominais) na função de sujeito, em posição pré-verbal, ao mesmo tempo em que há o pronome prefixado ao verbo com a mesma função. Em seguida, coloca-se como infixo o pronome em função de complemento verbal.

Essa sinopse permite entrever que os escravos de origem bântu tinham em suas línguas maternas um padrão de colocação pronominal que pode ter favorecido o enrijecimento da próclise no PB, diagnosticado por Pagotto (1996), mas a generalização do apagamento do pronome objeto vai ocorrer no início do século XIX (Nunes, 1996). Segundo Nunes, tal mudança foi acarretada pela alteração do direcionamento da cliticização fonológica, quando o PB passou a apresentar uma estratégia de cliticização da esquerda para a direita, diferenciando-se do português antigo e do PE. Cyrino (1997) traz a discussão para uma questão de opção ocasionada por um traço semântico.

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Assim o objeto nulo não-específico ocorre também na variante européia, já o PB inaugurou uma expressão de objeto nulo em consequência de o seu ante-cedente ser um SN [-animado]. Como resultado de um número crescente de ocorrência de elipse de objetos nulos, desde o século XVI, as crianças passa-ram a assumi-lo como parâmetro na língua, entre os séculos XVII e XVIII.

Diferentemente das línguas bântu, em yorubá é possível encontrar sen-tenças perfeitamente aceitas pelos falantes nas quais os pronomes, que exer-cem funções de sujeito ou de objeto, sejam elididos. Esse fato é bastante instigador, uma vez que, ao considerar que as alterações sofridas no PB fala-do tenham vinfala-do da difusão promovida pelos escravos, muitos traços entre o PB e as línguas africanas presentes no período da escravidão são coinciden-tes.

3.2 A estrutura negativa injuntiva

Em Yorubá a negativa da sentença é expressa através das partículas negativas kò, máà/má e ì que devem ser antepostas ao verbo. A sentença pode ter uma outro elemento que comporta a função de reforço. O vocábulo de reforço rárá pode ser utilizado para negar perguntas, através de respostas negativas reduzidas ou não.

Na Nigéria existe uma expressão para indicar a discordância do falan-te com o seu infalan-terlocutor, trata-se de bk, que falan-tem um sentido próximo de não é assim. Porém, se a intenção é negar perguntas do tipo sim/não os falantes utilizam-se de rárá9.

A negação injuntiva difere da dupla negação (ou múltipla), na língua portuguesa, da seguinte forma: a negação múltipla é aquela em que dois ou mais elementos negativos se apresentam na mesma sentença, mas o sintagma verbal mantém apenas um elemento negativo; enquanto a negativa injuntiva contará com um elemento de reforço na posição pós-verbal, independente-mente do número de elementos negativos no corpo da sentença.

A negativa injuntiva no PB é geralmente feita através do emprego do elemento negativo não no final da sentença, quer se trate de uma coordena-ção ou de sentença encaixada.

9 Sobre o valor semântico de rárá Sachnine (1997: 241) diz:

“Rárá, mod. d’énon. · non, pás du tout.

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No PB, tal qual em espanhol (Schwegler, 1996), no que diz respeito à injunção da estrutura negativa, não há um vocábulo especial como no yorubá, usa-se o mesmo item lexical que serve para negar. No exemplo:

(8) Kò ra ilá rara. ‘Ele não comprou quiabo não’,

pode-se notar aquilo que se consideram marcas no PB dos povos de origem africana na recriação da negativa injuntiva, dos quais se tomou aqui o yorubá como exemplo ilustrativo.

4. Palavras de encerramento

Buscou-se mostrar que o yorubá é uma língua complexa, como todas as línguas naturais, que apresenta suas facetas dialetais, mas ainda assim mantém uma base de identidade entre si. Foi necessário fazer um apanhado histórico da língua na África, para que houvesse um pouco de luz sobre a variedade mais sobressalente da língua no Brasil, o nagô, e como se tornou importante o contato linguístico com o português, nos seguintes aspectos:

(i) Língua falada pela maioria da população escrava aportada na Bahia nos dois últimos séculos da escravidão;

(ii) Registro de forte influência sobre as demais nações africanas na Bahia;

(iii) Dispersão da língua portuguesa através da movimentação de es-cravos para o Centro-Sul do país, havendo uma redução de 500.000 para 180.000 escravos na Bahia.

Feito isso, mostraram-se aspectos da pesquisa sobre os traços especí-ficos do Yorubá, mas também apontaram-se estruturas congruentes entre as duas línguas, com a intenção de separar as estruturas morfossintáticas do PB que podem ter origem em línguas africanas e foram a ele incorporadas no período da escravidão, o qual coincide com o período da adaptação da língua à América. Para tanto se apresentaram dados da ordem léxico-semântica, mas deu-se preferência a aspectos morfossintáticos. Foi revelado que alguns dados são comuns também a outras línguas no mundo, por isso é preciso que a seleção do fenômeno para uma comparação deve estar atenta a esse fato, assim a intenção de localizar no português estruturas provenientes de línguas faladas por escravos pode não se sustentar.

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Recebido em: 22/03/2010 Aceito em: 05/05/2010

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