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O sistema de precedentes obrigatórios do novo código de processo civil e seus reflexos no livre convencimento motivado do julgador

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Academic year: 2021

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PEDRO BARACIOL CASSEL

O SISTEMA DE PRECEDENTES OBRIGATÓRIOS DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E SEUS REFLEXOS NO LIVRE CONVENCIMENTO

MOTIVADO DO JULGADOR

Ijuí (RS) 2017

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PEDRO BARACIOL CASSEL

O SISTEMA DE PRECEDENTES OBRIGATÓRIOS DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E SEUS REFLEXOS NO LIVRE CONVENCIMENTO

MOTIVADO DO JULGADOR

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Curso - TCC.

UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS- Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientador: MSc. Antônio Augusto Marchionatti Avancini

Ijuí (RS) 2017

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Dedico este trabalho à minha família, pelo incentivo, apoio e confiança em mim depositados durante toda a minha jornada.

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AGRADECIMENTOS

À minha família, que sempre esteve presente e me incentivou com apoio e confiança nas batalhas da vida, celebrando comigo as vitórias, ajudando-me a levantar nas derrotas e me ensinando que os desafios são as molas propulsoras para a evolução e o desenvolvimento.

Ao meu orientador Antônio Augusto Marchionatti Avancini, com quem eu tive o privilégio de conviver e contar com sua dedicação e disponibilidade, guiando-me pelos caminhos do conhecimento.

À minha namorada, que dividiu comigo praticamente todos os momentos necessários à confecção deste trabalho, apoiando-me com ternura interminável ou simplesmente me fazendo companhia com sua presença alentadora.

Aos meus amigos de fé, sempre presentes nos momentos bons e ruins, e compreensivos diante de minhas ausências.

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“o direito deve ser um ativo promotor de mudança social tanto no domínio material como no da cultura e das mentalidades.” Boaventura de Sousa Santos

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RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso faz uma análise dos principais institutos trazidos pelo sistema de precedentes judiciais obrigatórios do Novo Código de Processo Civil, bem como sua influência no princípio do livre convencimento motivado do julgador. Aborda a busca incessante pela segurança jurídica através da constituição de uma jurisprudência uniforme, estável, íntegra e coerente, a fim de proporcionar tranqüilidade e confiança nos jurisdicionados, bem como garantir o tratamento isonômico e igualitário nos julgamentos do Poder Judiciário. Analisa a atuação técnica dos magistrados pautada pelo livre convencimento motivado, bem como pela obrigatoriedade de fundamentação de toda e qualquer decisão judicial. Discorre acerca das possibilidades de afastamento e superação dos precedentes judiciais. Por fim, examina os impactos que a impositividade da aplicação dos precedentes obrigatórios provoca na liberdade e autonomia decisória dos julgadores.

Palavras-Chave: Fundamentação das decisões judiciais. Livre convencimento motivado. Precedentes judiciais obrigatórios. Sistema de Precedentes.

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This conclusion of course work is an analysis of the main institutes brought by the system of mandatory judicial precedents of the new Code of Civil Procedure, as well as its influence on the principle of the free conviction convinced of the judge. It approaches the unceasing pursuit of legal certainty by establishing uniform, stable, complete and consistent jurisprudence in order to provide tranquility and confidence in the jurisdicionals, as well as ensuring isonomic and equitable treatment in judgments. It analyzes the technical performance of magistrates guided by free motivated conviction, as well as by the obligation to state the reasons for any and all judicial decisions. It discusses the possibilities of removal and overcoming of judicial precedents. Finally, it examines the impact that the imposability of the application of mandatory precedents causes in the freedom and decision-making autonomy of the judges.

Keywords: Free motivated conviction. Mandatory legal precedents. Substantiation of judicial decisions. System of Precedents.

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SUMÁRIO

1 A APLICAÇÃO DOS PRECEDENTES OBRIGATÓRIOS NO DIREITO

PROCESSUAL CIVIL BRASILEIRO ... 11

1.1 Aproximação entre as tradições jurídicas da Common Law e da Civil Law ... 11

1.2 Precedentes judiciais e a busca pela segurança jurídica ... 15

1.3 A aplicação impositiva dos precedentes judiciais no direito brasileiro ... 20

2 O PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO ... 26

2.1 Livre convencimento motivado à luz do Novo Código de Processo Civil ... 26

2.2 Distinção do livre convencimento na apreciação das prova e na liberdade de fundamentação das decisões ... 33

2.3 Da livre apreciação da prova à fundamentação das decisões ... 37

3 REFLEXOS DA APLICAÇÃO DOS PRECEDENTES OBRIGATÓRIOS NO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO DO JULGADOR ... 43

3.1 A limitação da liberdade de convencimento motivado no sistema de precedentes .... 43

3.2 A possibilidade de afastamento do precedente ... 49

3.3 A superação do precedente ... 55

CONCLUSÃO ... 64

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho apresenta uma reflexão acerca da influência do sistema de precedentes do novo Código de Processo Civil no livre convencimento motivado do julgador. Através da análise dos principais institutos trazidos pelo sistema de precedentes vinculantes, isto é, com força de aplicação obrigatória, buscamos compreender como deverá se dar a atuação do julgador diante do impacto em sua liberdade decisória.

Para a realização deste trabalho efetuamos pesquisas bibliográficas e por meio eletrônico, a fim de enriquecer a coleta de informações e permitir um aprofundamento no estudo do sistema de precedentes judiciais trazido pelo novo Código de Processo Civil e seus impactos na atividade judicial.

Inicialmente, no primeiro capítulo, abordamos alguns pontos acerca das aproximações ocorridas entre as tradições jurídicas da civil law e da common law, diante da nova obrigatoriedade de aplicação de precedentes vinculantes, estes oriundos da escola da common law. Explorando a busca pela promoção da segurança jurídica, analisamos a impositividade de aplicação de precedentes judiciais no direito brasileiro, a qual concede mais poder às decisões judiciais tomadas em casos paradigmáticos, como forma de garantir a uniformidade da jurisprudência e a estabilidade, a integridade e a coerência do ordenamento jurídico como um todo.

No segundo capítulo analisamos mais profundamente a atuação dos julgadores ante a necessidade de julgamento de casos concretos que se lhe apresentem, explorando o exercício do livre convencimento motivado e seus limites. Primeiramente, buscamos nos posicionar acerca da polêmica trazida pela subtração do adjetivo “livre” da expressão “livre

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convencimento motivado”, o que vem proporcionando intensos debates acerca de uma possível abolição da liberdade decisória dos julgadores. Analisamos, então, a imprescindibilidade de fundamentação de toda e qualquer decisão judicial, de forma que a aplicação do direito deve ser detalhadamente explicada, motivada, a fim de garantir a atuação neutra, imparcial e transparente dos órgãos jurisdicionais.

A partir desse estudo, verificamos que, inegavelmente, o livre convencimento motivado do julgador foi profundamente atingido diante da obrigatoriedade de aplicação de precedentes judiciais firmados por tribunais superiores. Por outro lado, porém, isso não significa um ponto negativo. Pelo contrário, a impositividade dos precedentes proporciona tranqüilidade e confiança aos jurisdicionados, os quais pautam sua conduta com base no direito vigente.

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1 A APLICAÇÃO DOS PRECEDENTES NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL BRASILEIRO

O direito brasileiro, filiado à escola da civil law, de origem na tradição romano-germânica, considera a lei como fonte primária do ordenamento jurídico, de forma que a jurisdição brasileira se orienta pela aplicação do direito escrito, positivado, não reconhecendo ao juiz o poder de criar o direito, mas somente o de interpretar e aplicar a lei.

Por outro lado, a busca constante pela uniformização da jurisprudência, orientada pelo princípio da segurança jurídica, abriu cada vez mais espaço para a utilização dos precedentes judiciais, instituto típico da escola da common law, como fonte do direito. Com o advento do Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105 de 2015), o sistema de precedentes ganhou ainda mais força, contando com dispositivos que impõem, inclusive, sua aplicação obrigatória.

Compreender como se dá a aplicação dos precedentes no direito processual civil brasileiro, diante das inovações trazidas pelo CPC de 2015, é de fundamental importância para entender o funcionamento do ordenamento jurídico como um todo, bem como identificar os limites ao poder jurisdicional dos órgãos judiciários. Para tanto, em um primeiro momento, analisaremos como se dá a aproximação entre as tradições jurídicas da civil law e da common law no direito brasileiro.

1.1 Aproximação entre as tradições jurídicas da common law e da civil law

Como dito, o direito brasileiro segue a tradição romano-germânica da civil law, em que a lei escrita é a maior referência. A existência do sistema legalista no Brasil encontra sua maior afirmação no artigo 5º, inciso II da Constituição Federal de 1988, o qual estabelece que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, consolidando o princípio da legalidade como instrumento norteador da harmonia social e da atividade jurisdicional. Essa é a principal característica da tradição jurídica da civil law, na qual as raízes do direito brasileiro estão firmadas.

A produção do direito, nos sistemas da civil law, é realizada através de procedimentos próprios do Poder Legislativo, de forma que “no Direito brasileiro, a rigor, a fonte jurídica

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formal é o processo legislativo, que compreende a elaboração de leis” (STRECK, 1995, p. 82). Porém, a primazia pela fonte escrita do direito nos países de tradição romano-germânica, como o Brasil, não afasta a incidência de outras fontes, como explica Lenio Streck (1995, p. 70):

Como nos países filiados ao sistema romano-germânico vigora o Direito escrito, a lei é considerada a fonte primordial, quase exclusiva, do Direito. A função dos juristas passa a ser a de, em sua tarefa interpretativa, descobrir a “vontade” e o “espírito do legislador”. Porém, se sabe que a soberania absoluta da lei não passa de uma ficção. O costume, a jurisprudência, a doutrina e os princípios gerais do Direito fazem parte do que se chama modernamente de fontes do Direito.

Afastando a ilusão de uma rigidez formal acerca das fontes do direito, Streck demonstra que a utilização da jurisprudência, da doutrina e dos princípios gerais do direito são exemplos da inexistência do que chama de soberania absoluta da lei, mesmo no sistema da civil law. Ou seja, além de utilizar a lei escrita, positivada, o julgador, ao prolatar uma decisão ao caso sub judice, também utiliza outras fontes do direito.

Elpídio Donizetti (2015, p. 04) destaca as diferenças básicas entre os sistemas da common law e da civil law:

O sistema do common law, também conhecido como sistema anglo-saxão, distingue-se do civil law especialmente em razão das fontes do Direito. Como dito, no civil law o ordenamento consubstancia-se principalmente em leis, abrangendo os atos normativos em geral, como decretos, resoluções, medidas provisórias etc. No sistema anglo-saxão os juízes e tribunais se espelham principalmente nos costumes e, com base no direito consuetudinário, julgam o caso concreto, cuja decisão, por sua vez, poderá constituir-se em precedente para julgamento de casos futuros.

Essencialmente, portanto, a característica preponderantemente contrastante entre os dois sistemas é a utilização das fontes na aplicação do direito. Enquanto na civil law prevalece o direito positivado, escrito, representado por leis, decretos, resoluções, medidas provisórias, etc, na common law o direito é aplicado principalmente com base nos costumes, e as decisões anteriores se tornam referências para julgamentos de casos futuros. Essas decisões paradigmáticas se constituem nos chamados precedentes judiciais.

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Maurício Ramires (2010, p. 65) utiliza os exemplos do direito inglês e do direito norte-americano, oriundos da tradição anglo-saxônica, para contrapor os elementos definidores das duas tradições jurídicas:

De qualquer forma, com ou sem constituição e leis escritas, o ponto fulcral dos direitos inglês e norte-americano (e dos demais sistemas de direito que pertencem à mesma família) continua sendo a doctrine of stare decisis. Este é o seu elemento definidor, que o distingue da tradição romano-germânica. Na civil law, as regras jurídicas sempre foram procuradas em um corpo de normas preestabelecidas: antigamente, o Corpus Juris Civilis de Justiniano; depois, os códigos; hoje, as constituições e todo o conjunto de leis infraconstitucionais. Na common law (e também na equity law, que nisso não se distingue), a obrigação é a de respeitar as regras estabelecidas pelos juízes em decisões passadas. (grifos do autor)

Explicando, acerca da doctrine of stare decisis, Ramires (2010, p. 65) esclarece que “a expressão stare decisis é uma redução da frase latina „stare decisis et non quieta movere‟, que se pode traduzir por „ficar como foi decidido e não mexer no que está quieto.‟” Assim, tal doutrina representa a ideia de que as coisas devem permanecer da forma como foram decididas pelos juízes no passado.

Analisando as transformações ocorridas no direito contemporâneo, Daniel Mitidiero (2015, p. 01) defende a ideia da ocorrência de uma recíproca aproximação entre as tradições da civil law e da common law. Nas palavras do jurista,

De um lado, a tradição do common law cada vez mais trabalha com o direito legislado, fenômeno que já levou a doutrina a identificar a statutorification do common Law e se perguntar a respeito de qual o lugar do common law em uma época em que cada vez mais vige o statutorylaw. De outro, a tradição de civil law cada vez mais se preocupa em assegurar a vigência do princípio da liberdade e da igualdade de todos perante o direito trabalhando com uma noção dinâmica do princípio da segurança jurídica, o que postula a necessidade de acompanharmos não só o trabalho do legislador, mas também as decisões dos tribunais, em especial das Cortes Supremas, como expressão do direito vigente. (grifos do autor)

Em outras palavras, Mitidiero aponta para a existência de um sincretismo entre as duas tradições jurídicas, que fundem elementos entre si, de forma que a expressão do direito vigente, até mesmo no âmbito da civil law, se encontra nas decisões dos tribunais superiores. O posicionamento é compartilhado por Elpídio Donizetti (2015, p. 04), que explica o fenômeno a partir de fatores culturais, sociais, políticos e econômicos:

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Em que pese a lei ainda ser considerada como fonte primária do Direito, não é possível conceber um Estado exclusivamente legalista. Seja porque a sociedade passa por constantes modificações (culturais, sociais, políticas, econômicas etc.) que não são acompanhadas pelo legislador, seja porque este nunca será capaz de prever solução para todas as situações concretas e futuras submetidas à apreciação judicial, não se pode admitir um ordenamento dissociado de qualquer interpretação jurisdicional. Igualmente não se pode negar a segurança jurídica proporcionada pelo ordenamento previamente estabelecido (positivismo jurídico). Essas as razões por que os dois sistemas se aproximam. Os países de cultura anglo saxônica cada vez mais legislam por intermédio da lei e, em contrapartida, os países de tradição germano-românica estabelecem a força obrigatória dos precedentes judiciais. Assim sendo, apesar da preponderância do direito positivado em leis, decretos, resoluções, medidas provisórias e outros textos normativos, existe espaço, no sistema da civil law, para a utilização dos precedentes judiciais. A diferença, conforme leciona Elpídio Donizetti (2015, p. 05),

[...] é que, no Civil Law, de regra, o precedente tem a função de orientar a interpretação da lei, mas necessariamente não obriga o julgador a adotar o mesmo fundamento da decisão anteriormente proferida e que tenha como pano de fundo situação jurídica semelhante.

A existência da aproximação entre os sistemas da common law e da civil law é uma observação freqüente nas análises dos processualistas brasileiros, sendo inclusive tal fenômeno objeto de preocupação por parte de Lenio Streck (1995, p. 71), o qual explica que

[...] o Direito encontra-se nos países de família romano-germânica não só nas regras de Direito, como são formuladas pelo legislador, mas também na interpretação que os juízes fazem dessa fórmula. É permitido indagar-se se tal afirmativa não destrói o alcance da asserção, segundo a qual a regra de Direito é concebida com um sentido abstrato e validade erga omnes. Não se regressará a uma concepção muito próxima daquela que coloca a regra de Direito no nível das espécies submetidas à jurisprudência? Não se estará aproximando, perigosamente, a civil law da common law?

Embora não seja a pretensão (e nem teria como ser) deste trabalho responder aos questionamentos do eminente jurista, tal ponderação ressalta a importância de se compreender as transformações que esta aproximação entre as tradições jurídicas promove no direito brasileiro, como forma de entender o sistema processual como um todo. Compreender o sistema de precedentes judiciais trazidos pelo Novo Código de Processo Civil é um passo nesse sentido.

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1.2 Precedentes judiciais e a busca pela segurança jurídica

Na esteira do pensamento desenvolvido até aqui, surge a necessidade de entendermos os objetivos da aplicação dos precedentes judiciais no direito processual civil brasileiro. Ao conceituar o precedente, em sentido lato, Fredie Didier Jr. (2017, p. 505) o define como “a decisão judicial tomada à luz de um caso concreto, cujo elemento normativo pode servir como diretriz para julgamentos posteriores de casos análogos.”

Tal sentido guarda correlação direta com os institutos criados para uniformizar a jurisprudência dos tribunais superiores e manter o controle político sobre a atividade jurisdicional. Lenio Streck (1995, p. 99) explica:

A necessidade de atingir maior segurança nas decisões e evitar desperdício de atividade jurisprudencial perante casos semelhantes muitas vezes repetidos, além de – e fundamentalmente – manter o controle político sobre a atividade jurisdicional, levou, em vários países, à adoção de mecanismos visando à uniformização da jurisprudência. Esses procedimentos permitem chegar a modos uniformes de decidir, além de evitar oscilações na interpretação das leis.

Comparando a busca da segurança jurídica pelos sistemas da civil law e da common law, Marinoni (2009, p. 12) explica a instrumentalização do sistema de precedentes:

A segurança e a previsibilidade obviamente são valores almejados por ambos os sistemas. Mas, supôs-se no civil law que tais valores seriam realizados por meio da lei e da sua estrita aplicação pelos juízes, enquanto que, no common law, por nunca ter existido dúvida de que os juízes interpretam a lei e, por isto, podem proferir decisões diferentes, enxergou-se na força vinculante dos precedentes o instrumento capaz de garantir a segurança e a previsibilidade de que a sociedade precisa para desenvolver-se. O art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal de 1988, prevê que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”, conferindo “a garantia de que nenhum ato normativo do Estado atingirá situações consolidadas no passado” (DIDIER JR; BRAGA; OLIVEIRA, 2017, p. 535). O respeito ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada, além de garantir a estabilidade a situações jurídicas do passado, busca também assegurar o tratamento igualitário do Estado no presente. Mais do que isso, ao garantir segurança e isonomia, o Estado molda a conduta dos indivíduos inseridos na sociedade. Nesse sentido:

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O indivíduo, muitas vezes, termina por pautar a sua conduta presente com base num comportamento adotado por outro indivíduo ou, o que mais nos interessa aqui, pelo Estado. Dentro dessa dimensão pública, é natural que as soluções dadas pelo Poder Judiciário às situações que lhe são postas para análise sejam levadas em consideração pelo indivíduo para moldar a sua conduta presente. Isso se vivifica ainda mais quando se observa a importância que os precedentes judiciais vêm ganhando em nosso ordenamento. Ao conferir-lhes os mais diversos efeitos jurídicos, o legislador brasileiro visa a garantir certa previsibilidade quanto à atuação do Estado-juiz. (grifo do autor) (DIDIER JR; BRAGA; OLIVEIRA, 2017, p. 535)

Assim sendo, podemos dizer que um dos objetivos do respeito aos precedentes judiciais é promover a harmonia e a pacificação social, através da confiança dos jurisdicionados no Estado regulador. A criação e manutenção desta confiança, portanto, depende diretamente da atuação do Poder Judiciário.

O respeito aos precedentes garante ao jurisdicionado a segurança de que a conduta por ele adotada com base na jurisprudência já consolidada não será juridicamente qualificada de modo distinto do que se vem fazendo; a uniformidade da jurisprudência garante ao jurisdicionado um modelo seguro de conduta presente, na medida em que resolve as divergências existentes acerca da tese jurídica aplicável a situações de fato semelhantes. (DIDIER JR; BRAGA; OLIVEIRA, 2017, p. 536)

Daniel Amorim Assumpção Neves (2015, p. 461) acrescenta:

A harmonização dos julgados é essencial para um Estado Democrático de Direito. Tratar as mesmas situações fáticas com a mesma solução jurídica preserva o princípio da isonomia. Além do que a segurança no posicionamento das cortes evita discussões longas e inúteis, além de permitir que todos se comportem conforme o Direito.

A observação de Neves traz um novo elemento não citado até o presente momento: a celeridade. Ao harmonizar os julgados e estabelecer uma mesma solução jurídica, os Tribunais evitam novas discussões acerca das mesmas teses jurídicas. Fixando um entendimento aplicável a casos semelhantes, a discussão somente será feita uma única vez (ou algumas vezes), servindo aquela decisão como solução prévia para os casos posteriores, sem necessidade de novas discussões a respeito da matéria. Novamente, o objetivo maior a ser alcançado é a segurança jurídica, de forma célere e respeitando o devido processo legal.

O princípio da segurança jurídica está previsto em praticamente todas as Constituições ocidentais, de forma explícita ou implícita, buscando a justiça pretendida, a igualdade e a

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isonomia nas decisões judiciais que solucionam os diversos conflitos apresentados ao Poder Judiciário (DALLEFI e LEMOS, s.d., p. 04).

A importância da segurança no ordenamento jurídico brasileiro vem exposta logo no Preâmbulo da Constituição Federal de 1988, em que os constituintes originários se reuniram para “instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos [...]”. Trata-se, portanto, de um dos pilares básicos do nosso Estado Democrático de Direito.

Ainda, podemos encontrar tal princípio no corpo do texto constitucional, também no artigo 5º, caput, o qual garante aos “brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...].” Dessa forma, a atuação jurisdicional que despreza a segurança jurídica na aplicação da norma atenta não só contra os princípios constitucionais que sustentam todo o ordenamento jurídico, mas contra a própria estrutura do Estado Democrático de Direito, que assegura a segurança jurídica em virtude da vinculação com a garantia dos direitos fundamentais (DALLEFI e LEMOS, s.d., p. 05).

Para José Rogério Cruz e Tucci (2016, p. 448),

[...] a jurisprudência consolidada garante a igualdade dos cidadãos perante a distribuição da justiça, porque situações análogas devem ser julgadas do mesmo modo, sobretudo no Brasil, em que há grande número de tribunais. O tratamento desigual é forte indício de injustiça em pelo menos um dos casos. Do princípio da segurança jurídica advém a necessidade de uniformização da jurisprudência, de modo a criar o mencionado sentimento de confiança nos indivíduos acerca da correção de sua própria conduta. Além disso, tal princípio impõe aos tribunais “o dever de uniformizar a jurisprudência, evitando a propagação de teses jurídicas díspares acerca de situações de fato semelhantes” (DIDIER JR; BRAGA; OLIVEIRA, 2017, p. 535). Assim, ao mesmo tempo em que cria padrões de comportamentos sociais aceitáveis, estabelece padrões para os próprios tribunais de justiça.

Podemos vislumbrar tal imposição de forma mais cristalina a partir da leitura do artigo 926, do Código de Processo Civil, o qual dispõe que “Os tribunais devem uniformizar sua

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jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”. Ainda, os parágrafos 1º e 2º, do mesmo artigo, afirmam: “na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante” e “ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação”.

Nesse contexto, Luiz Guilherme Marinoni (2015, p. 01) observa que a função das Cortes Superiores é a de definir o sentido do direito:

Quer isso dizer que as Cortes de civil law não devem continuar a ser vistas como Cortes de correção. Ao decidir, o STJ agrega conteúdo à ordem jurídica vinculante, que deixa, assim, de constituir sinônimo de ordem legislada. Por consequência, a "decisão" da Corte passa a orientar a vida em sociedade e a regular os casos futuros. Se a Corte reconstrói o produto do Legislativo para atribuir sentido ao direito, a igualdade, a liberdade e a segurança jurídica apenas não serão violadas se o precedente instituído for respeitado pelos juízes e tribunais inferiores, de modo que a obrigação de respeito é tão somente consequência da função contemporânea da Corte. Assim, “ao preservar a estabilidade, orientando-se pelo precedente judicial em situações sucessivas assemelhadas, os tribunais contribuem, a um só tempo, para a certeza do direito e para a proteção da confiança na escolha do caminho trilhado pela decisão judicial.” (CRUZ E TUCCI, 2016, p. 448).

Para Eduardo Cambi e Mateus Vargas Fogaça (2016, p. 337) a adoção de um sistema de precedentes como fonte do direito tem raízes na superação do regime ditatorial e na abertura nacional à democracia.

Com a universalização e a democratização do acesso à justiça, a partir da Constituição Federal de 1988, houve explosão de litigiosidade, antes reprimida pelo regime ditatorial, com a conseqüente judicialização maciça dos conflitos. Para assegurar maior racionalidade e efetividade ao sistema processual, bem como ampliar os níveis de confiança e segurança jurídicas, a adoção de um sistema de precedentes surge como uma importante alternativa.

Nesse contexto, a valorização da aplicação dos precedentes judiciais tem sido incentivada por diversas alterações legislativas voltadas à estabilização do direito brasileiro. As principais e mais recentes estão contidas no Novo Código de Processo Civil, Lei nº 13.105/2015.

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Analisando o artigo 926, do CPC, acima transcrito, Marinoni, Arenhart e Mitidiero (2016, p. 989), realçam os princípios da liberdade e da igualdade como pilares da segurança jurídica:

Os precedentes das Cortes Supremas e a jurisprudência vinculante das Cortes de Justiça (oriundas do julgamento dos incidentes de resolução de demandas repetitivas e de assunção de competência) devem promover a segurança jurídica e ser coerentes. A segurança jurídica não é um fim em si mesmo: a interpretação judicial do direito deve ser segura (cognoscível, estável e confiável) a fim de que seja possível a cabal realização dos princípios da liberdade e da igualdade.

Na mesma linha impositiva, o artigo 927 do CPC determina que os juízes e os tribunais observem: I – as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II - os enunciados de súmula vinculante; III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; IV os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

Podemos observar, a teor do disposto nos artigos acima colacionados, a impositividade da aplicação dos precedentes. Não se trata de faculdade dos juízes e dos tribunais em aceitar tais decisões como conselhos ou recomendações, mas de dever legal de observância obrigatória, não podendo julgar em desacordo com tais decisões. Tal característica provém do próprio objetivo dos precedentes judiciais, que é “o fortalecimento da jurisprudência dos tribunais superiores e, ainda mais importante, a garantia da uniformidade vertical (de cima para baixo) e horizontal (dentro do mesmo tribunal) dos entendimentos sedimentados.” (NEVES, 2015, p. 461).

Sintetizando a importância da adoção de um forte sistema de precedentes, Cambi e Fogaça (2016, p. 339) argumentam:

O fortalecimento dos precedentes judiciais desempenha papel importante na preservação dos valores constitucionais da segurança jurídica e da isonomia entre os jurisdicionados. O sistema de precedentes promove estabilidade ao ordenamento jurídico, afasta a ocorrência da jurisprudência lotérica e evita a ocorrência de julgamentos contraditórios, em prejuízo dos jurisdicionados.

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Na mesma linha de raciocínio, Rodrigo Altenburg Odebrecht Curi Gismondi (2015, p. 161) exalta a necessidade de respeito aos precedentes judiciais:

Em sistema nos quais os juízes possuem amplos poderes de interpretação e aplicação normativa (p. ex., em virtude do controle difuso de constitucionalidade e do próprio iura novit curia, que permite ao juiz a definição das normas jurídicas aplicáveis ao caso, a despeito de sua alegação pelas partes), o respeito aos precedentes é essencial à preservação da segurança jurídica e da paz social.

Aqui está um dos pontos fulcrais que permeia o espírito do presente trabalho: compreendermos a aplicação dos precedentes judiciais como forma de alcançar a segurança jurídica, proporcionando confiança aos jurisdicionados.

Para o cidadão, encontrar segurança jurídica significa ter o direito à tranqüilidade e à estabilidade na relação jurídica, as quais não podem ser modificadas sem critérios minimamente calculáveis, a ponto de a imprevisibilidade o deixar inseguro e instável quanto ao seu presente, futuro e passado. (CAMBI e FOGAÇA, 2016, p. 340)

Ou seja, a promoção da segurança jurídica é parte da função apaziguadora do Estado. Para tanto, faz-se necessária a observação do sistema de precedentes, na medida em que “a tutela da segurança jurídica está diretamente relacionada à integridade e correta interpretação e aplicação do sistema de precedentes judiciais.” (GISMONDI, 2015, p. 163).

Nesse cenário, faz-se necessário analisarmos as inovações trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015, no que se refere à valorização dos precedentes como fonte do Direito, principalmente em relação à obrigatoriedade de aplicação destes precedentes com a finalidade de promover a segurança jurídica, para que posteriormente se analise os reflexos desta opção legislativa no princípio do livre convencimento motivado do julgador, escopo do presente trabalho.

1.3 Precedentes com força de aplicação obrigatória no direito brasileiro

Com o objetivo de aprimorar o sistema processual brasileiro, inibir decisões arbitrárias e assegurar maior efetividade às garantias constitucionais da segurança jurídica, o Código de Processo Civil de 2015 apresentou um sistema de precedentes judiciais com aplicação em maior grau de obrigatoriedade.

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Em que pese tal valorização tenha se dado de maneira significativa, devemos prestar atenção, porém, para o fato de que nem toda decisão gera um precedente, bem como de que nem todo precedente possui força de aplicação obrigatória. Fredie Didier Jr. (2017, p. 518) explica:

A eficácia jurídica de um precedente variará conforme as disposições de um determinado direito positivo. No direito brasileiro, os precedentes judiciais têm aptidão para produzir diversos efeitos jurídicos, que não se excluem. É possível e até comum que um mesmo precedente produza mais de um tipo de efeito.

Prossegue o autor enumerando possibilidades de efeitos jurídicos que um precedente pode ter no Brasil: vinculante/obrigatório, persuasivo, obstativo da revisão de decisões, autorizante, rescindente/deseficacizante e de revisão da sentença (DIDIER, 2017, p. 518).

José Rogério Cruz e Tutti (2016, p. 456), acerca da eficácia do precedente, observa:

[...] a dimensão da eficácia deriva do grau de influência que o precedente exerce sobre a futura decisão em um caso análogo, ou ainda da técnica instituída pela legislação, quanto à sua respectiva eficácia (vinculante ou simplesmente persuasiva).

No presente trabalho, pretendemos analisar os reflexos da aplicação impositiva dos precedentes no livre convencimento motivado do julgador, razão pela qual não nos aprofundaremos no plano da eficácia jurídica dos precedentes judiciais, limitando a análise acerca dos precedentes com força de aplicação obrigatória, visto que são estes que influenciarão diretamente no poder de decisão dos julgadores.

Para compreendermos a possibilidade de eficácia obrigatória dos precedentes judiciais, é necessário, primeiramente, conhecer seus elementos constitutivos fundamentais: a ratio decidendi e o obiter dictum.

O efeito vinculante de um precedente advém da chamada ratio decidendi, expressão que pode ser traduzida como “razão de decidir”. “A ratio é o fundamento normativo da solução de um caso; necessariamente, será uma regra. Não por acaso, a norma do precedente é aplicável por subsunção.” (DIDIER, 2017, p. 516). Assim, não é o precedente em si que possui a eficácia obrigatória ou persuasiva, mas a sua ratio decidendi, que é o elemento central da composição da decisão que gera o precedente.

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Destarte, a identificação da ratio decidendi de um precedente é fundamental para a aplicação do mesmo em casos posteriores. Na definição de Fredie Didier Jr. (2017, p. 506) a ratio decidendi “são os fundamentos jurídicos que sustentam a decisão; a opção hermenêutica adotada na sentença, sem a qual a decisão não teria sido proferida como foi.” O tipo de eficácia que terá o precedente judicial depende dos fundamentos jurídicos que embasam sua decisão, os quais devem ser analisados pelo julgador quando de sua aplicação (ou não) aos casos posteriores.

Complementando a explicação, Daniel Mitidiero (2015, p. 04) afirma que:

Os precedentes não são equivalentes às decisões judiciais. Eles são razões generalizáveis que podem ser identificadas a partir das decisões judiciais. O precedente é formado a partir da decisão judicial. E porque tem como matéria-prima a decisão, o precedente trabalha essencialmente sobre fatos jurídicos relevantes que compõem o caso examinado pela jurisdição e que determinaram a prolação da decisão da maneira como foi prolatada. Os precedentes são razões generalizáveis que podem ser extraídas da justificação das decisões. Por essa razão, operam necessariamente dentro da moldura dos casos dos quais decorrem. (grifos do autor)

Como já observamos, o Código de Processo Civil de 2015, em seu artigo 927, atribuiu força de precedentes obrigatórios às súmulas (incisos II e IV), aos acórdãos em recursos repetitivos e assunção de competência (inciso III), e às orientações de plenário ou órgão especial (incisos I e V). No entanto, apesar da impositividade prevista neste artigo, nem todos os casos resolvidos nas hipóteses acima terão efeito vinculante e obrigatório, nem todas as decisões possuem vocação para ser tornar precedente, como explica Mitidiero (2015, p. 04):

Os precedentes, porém, não são exclusivamente formais e quantitativos – inclusive muitas vezes sequer são quantitativos. São também materiais e qualitativos. Por essa razão, por exemplo, acaso um julgamento de recursos repetitivos não contenha razões determinantes e suficientes claramente identificáveis, não formará precedente, nada obstante oriundo da forma indicada pelo novo Código. O mesmo vale para as súmulas e para os julgamentos mediante incidente de assunção de competência. Daí que os arts. 926 e 927 fornecem apenas pistas – algumas delas falsas – a respeito de como os precedentes devem ser tratados na ordem jurídica brasileira. (grifos do autor).

Além da “moldura”, para ter o caráter obrigatório o precedente deve conter razões determinantes e suficientes claramente identificáveis, de forma que se possa utilizar das

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mesmas razões para a resolução de casos com a mesma moldura que o caso paradigmático foi resolvido.

A análise de Mitidiero (2015, p.05) vem ao encontro da explicação de Fredie Didier Jr (2017, p. 518), no sentido de que são as razões (ratio decidendi) que formarão o precedente, e não a forma prevista na legislação. Apenas observar os enunciados e acórdãos proferidos pelos tribunais não se mostra suficiente. É preciso verificar as rationes decidendi, que podem ser extraídas da justificação interpretativa desses acórdãos.

Nem toda decisão judicial é um precedente e nem todo material exposto na justificação tem força vinculante. A aplicação de precedentes, portanto, obviamente não dispensa a interpretação do significado do caso e das razões empregadas para sua solução, o que exige juízes sensíveis e atentos às particularidades dos casos e capazes de empreender sofisticados processos de apreensão e universalização de razões e comparação entre casos. Vale dizer: um papel nada autômato e certamente decisivo para promoção da tutela dos direitos. (MITIDIERO, 2015, p. 05).

Vinícius Silva Lemos (2015, p. 139) salienta, ainda, a necessidade de discussão acerca da matéria como requisito para a formação da ratio decidendi e, consequentemente, do precedente:

Somente pode ser considerada ratio decidendi, para fins de um precedente, o que foi efetivamente discutido para a formação da fundamentação daquela decisão. Em modo contrário, sem uma argüição e discussão, ou ainda, decisão sobre a matéria, esta não há como ser parte da ratio decidendi. Apresenta-se, então, um novo desafio não só para os juízes, mas para os operadores do direito em geral, os quais precisam dominar o conhecimento acerca do sistema de precedentes do processo civil brasileiro a fim de solucionar de forma correta os litígios que se apresentam. A identificação da ratio decidendi de um precedente exige uma metodologia de análise do relatório da decisão judicial paradigmática, a fim de se desvendar o panorama fático do caso julgado e extrair os argumentos decisivos para a solução do caso, bem como verificar se aquela decisão pode ser aplicada como solução aos casos sob julgamento.

Não podemos confundir, entretanto, a ratio decidendi com a própria fundamentação da decisão, visto que não se tratam de sinônimos. “A fundamentação – e o raciocínio judiciário que nela tem lugar -”, explica Mitidiero (2015, p. 05), “diz com o caso particular. A ratio decidendi refere-se à unidade do direito”.

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No mesmo sentido, Lemos (2015, p. 139), diferencia os elementos da sentença que dizem respeito ao caso concreto, dos elementos que podem ser utilizados como precedente, extraindo-se a ratio decidendi daquela decisão:

A parte dispositiva, a decisão em si, a ordem judicial importa para as partes do processo, já as razões de decidir – ratio decidendi – importam para a utilização como precedente, numa transcendência ao próprio julgado, como uma formatação basilar para outras decisões futuras que se identificarão com os fatos constantes na limitação feita pelas razões da decisão.

Na medida em que uma decisão judicial é composta de fundamentação jurídica da qual se pode extrair a ratio decidendi, verificamos a existência de outros elementos constitutivos que não são preponderantes para a decisão. É o que a doutrina chama de obiter dictum:

Nem tudo que está na justificação é aproveitado para formação do precedente. Existem várias proposições que não são necessárias para solução de qualquer questão do caso. Nessa hipótese, todo esse material judicial deve ser qualificado como obiter dictum – literalmente, dito de passagem, pelo caminho (saying by the way). Obiter dictum é aquilo que é dito durante um julgamento ou consta em uma decisão sem referência ao caso ou que concerne ao caso, mas não constitui proposição necessária para sua solução. (MITIDIERO, 2015, p. 06) (grifos do autor)

Da interpretação do material da fundamentação de uma decisão judicial com o objetivo de extrair a ratio decidendi, faz-se necessário o exercício de identificação do obiter dictum. Ramires (2010, p. 68) diferencia os elementos do precedente com caráter vinculante do dictum:

[...] nem todo o conteúdo da opinion constitui um precedente: apenas o seu holding. O holding é o que foi discutido, argüido e efetivamente decidido no caso anterior, enquanto que o dictum é o que se afirma na decisão, mas que não é decisivo (necessário) para o deslinde da questão. Apenas o holding pode ser vinculante (binding) para os casos futuros, pois ele representa o que foi realmente estabelecido. O dictum é o que é tido como meramente circunstancial em dado caso.

Didier Jr. (2017, p. 508) define o obiter dictum como uma colocação ou opinião jurídica adicional, paralela e dispensável para a fundamentação e conclusão da decisão, podendo representar um suporte ainda que não essencial e prescindível para a construção da motivação e do raciocínio ali exposto.

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Assim sendo, resta clara a característica periférica da argumentação contida no obiter dictum, que pode ser inútil ou irrelevante para o julgamento do caso e formação da ratio decidendi. No entanto, pode trazer importantes sinais acerca dos posicionamentos do tribunal a respeito de possíveis discussões jurídicas e debates no futuro. Nesse sentido:

O obiter dictum tem uma evidente função de sinalização. Uma discussão paralela que não tem muito valor para aquele processo, mas que pode direcionar futuramente um posicionamento de outra matéria. Não serve para este processo que se decidiu, contudo seu conteúdo é importante. (LEMOS, 2015, p. 140).

Verificamos, portanto, a existência de decisões que podem ou não formar precedentes, bem como a possibilidade de eficácia obrigatória ou não dos precedentes. Da aplicação de precedentes com eficácia obrigatória, aqueles dos quais o julgador não pode fugir quando do julgamento de um caso, surge a dúvida quanto aos seus reflexos no livre convencimento motivado: até que ponto o julgador pode livremente exercer seu convencimento motivado, se deve respeitar as decisões formadoras de precedentes obrigatórios? Para responder a tal questionamento, primeiro precisamos compreender as premissas básicas do princípio do livre convencimento motivado. É o que buscaremos na segunda parte do presente trabalho.

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2 O PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO

Analisados alguns elementos constitutivos do sistema de precedentes judiciais obrigatórios, utilizado no direito brasileiro a partir do Novo Código de Processo Civil, passamos, neste ponto, a explorar o sistema de valoração da prova pelo juiz, orientado pelo princípio do livre convencimento motivado ou persuasão racional.

O sistema de valoração de provas do Código de Processo Civil permite que o julgador atribua às provas produzidas no processo o valor que entender que elas mereçam, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, desde que posteriormente explique sua decisão, ou seja, fundamente-a juridicamente. As provas não possuem um valor predeterminado por alguma norma geral, devendo ser valoradas livremente pelo julgador de forma a justificar a sua decisão. Vejamos, então, como tal sistema atua, a partir das alterações trazidas pelo Novo Código de Processo Civil.

2.1 Livre convencimento motivado à luz do Novo Código de Processo Civil

Antes de adentrarmos na análise das particularidades do sistema de valoração da prova, faz-se necessário comentar a alteração ocorrida na expressão “livre convencimento motivado”, cujo adjetivo “livre” foi retirado do texto legal do Código de Processo Civil de 2015, suscitando intensa discussão entre os doutrinadores acerca da permanência ou não do princípio do livre convencimento motivado. Segundo Didier Jr (2017, p. 118), a alteração no texto do CPC/2015 “não é por acaso. A valoração da prova pelo juiz não é livre: há uma série de limitações, conforme examinado. Além disso, o adjetivo “livre” era mal compreendido, como se o juiz pudesse valorar a prova como bem entendesse”.

Mesmo com a alteração expressa no texto do diploma processual, há aqueles que defendem a manutenção do princípio que exprime o “livre” convencimento do juiz, contanto que motivado. É o caso, por exemplo, de Fernando da Fonseca Gajardoni (2015, p. 02), o qual argumenta que:

O fato de não mais haver no sistema uma norma expressa indicativa de ser livre o juiz para, mediante fundamentação idônea, apreciar a prova, não significa que o princípio secular do direito brasileiro deixou de existir. E não deixou por uma razão absolutamente simples: o princípio do livre

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convencimento motivado jamais foi concebido como método de (não) aplicação da lei; como alforria para o juiz julgar o processo como bem entendesse; como se o ordenamento jurídico não fosse o limite. Foi concebido, sim, como antídoto eficaz e necessário para combater os sistemas da prova legal e do livre convencimento puro, suprimidos do ordenamento jurídico brasileiro, como regra geral, desde os tempos coloniais.

Gajardoni explica que “a afirmação de que não há mais no Brasil o sistema do livre convencimento motivado parte de um manifesto erro de premissa” (2015, p. 03), visto que existem apenas outros dois sistemas principais de valoração da prova no Direito, além do livre convencimento motivado: o sistema da prova legal ou tarifada, em que a lei já pré-concebe o valor da prova, vedando ao julgador a valoração da prova conforme critérios próprios; e o sistema do livre convencimento puro, em que o julgador tem total liberdade para apreciar a valorar a prova, não havendo sequer necessidade de expor os motivos que lhe formaram o convencimento, como ocorre, por exemplo, nos julgamentos do Tribunal do Júri (2015, p. 02).

Assim sendo, para Gajardoni (2015, p. 03)

Se a adoção dos modelos do livre convencimento puro e da prova legal é excepcional no sistema pátrio – inclusive no CPC/2015 (vide art. 406) –, só sobeja como regra geral de valoração da prova no país o superior modelo do livre convencimento motivado, tal como consta, aliás, expressamente da recente redação do art. 155 do CPP (dada pela Lei nº 11.690, de 2008). A fim de atestar a veracidade de seu posicionamento, Gajardoni (2015, p. 03) utiliza como exemplo os artigos 371 e 372 do CPC de 2015, os quais, segundo o autor,

[...] comprovam a afirmação de que subsiste a liberdade de valoração da prova no CPC/2015, ao indicar que o juiz apreciará a prova atribuindo-lhe o valor que entender adequado (isso não é livremente?), devendo, contudo, indicar as razões da formação do seu convencimento.

Com efeito, o artigo 372 do CPC disciplina que “O juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório”. O artigo 371, por sua vez, dispõe que: “O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento”.

Em concordância com Gajardoni, os autores Ronaldo João Roth e Sylvia Helena Ono (2016, p. 65) argumentam que

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[...] não obstante a supressão da redação legal no CPC anterior, o instituto do livre convencimento do juiz permanece hospedado no novo CPC, pois, o juiz, como se viu, irá decidir de forma vinculada à prova que – sendo controversa – o levará a, de forma lógica, escolher a melhor prova, calcada na verdade, para sua decisão.

A fim de provocar a reflexão e fortalecer a ideia da permanência do livre convencimento motivado no CPC/2015, Roth e Ono (2016, p. 65) utilizam um exemplo prático:

[...] ora, se o autor buscando uma decisão constitutiva alega uma assertiva, produzindo prova nesse sentido, e o réu, discordando do direito pleiteado, produz prova em contrário, ambos tentando influenciar o Juiz na busca da verdade objetiva e o Juiz se convence da alegação e das razões de uma das partes, esse exercício já evidencia a inequívoca existência do sistema do livre convencimento do Juiz para decidir perante o novo CPC.

Para Roth e Ono (2016, p. 66) a supressão, no CPC/2015, do advérbio “livremente”, que estava expresso no CPC/1973,

[...] se de um lado serve de argumento para sustentar a tese de que o novo Codex aboliu o livre convencimento, por outro lado, deixa inequívoco que o

convencimento do Juiz ocorrerá diante de uma escolha, livre, para decidir, diante das provas dos autos, independentemente do sujeito que as produziu, sem prejuízo, todavia, da devida motivação e fundamentação de sua decisão. (grifo dos autores)

Rebatendo a tese formulada por Gajardoni, Lúcio Delfino e Ziel Ferreira Lopes (2015, p. 04) se filiam ao entendimento antagônico, defendendo, inclusive, que o livre convencimento motivado não deve ser apenas combatido, mas destruído. Os autores argumentam que a doutrina brasileira

[...] já despertou para a premente necessidade de revisitar a temática segundo outros ângulos. Compreendeu que a tradicional maneira como é tratada – a partir dos três modelos históricos de valoração das provas: íntima convicção, prova legal e persuasão racional – desdenha aquilo que sobressai como mais relevante em uma democracia: a discussão sobre mecanismos concretos de controle do convencimento judicial. (DELFINO e LOPES, 2015, p. 02). Os autores refutam, portanto, o argumento utilizado por Gajardoni acerca do “manifesto erro de premissa”, defendendo a superação dos três modelos de valoração de provas no intuito de buscar novos caminhos democráticos para o controle do convencimento judicial. Posto isso, posicionam-se a favor de uma mudança no comportamento do julgador diante das modificações normativas trazidas pelo novo CPC:

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A verdade é que o “princípio” do livre convencimento motivado não se sustenta em um sistema normativo como o novo CPC, que aposta suas fichas no contraditório como garantia de influência e não surpresa e, por isso, alimenta esforços para se ajustar ao paradigma da intersubjetividade, em que o processo é encarado como um locus normativamente condutor de uma comunidade de trabalho na qual todos os sujeitos processuais atuam em viés interdependente e auxiliar, com responsabilidade na construção e efetivação dos provimentos judiciais. O que se quer do juiz não é que se torne simples estátua na proa do navio (ou um robô), em recuo ao liberalismo processual, mas sim que assuma definitivamente sua responsabilidade política. Suas pré-compreensões, seu pensar individual ou sua consciência não interessam aos jurisdicionados. (grifos dos autores) (DELFINO e LOPES, 2015, p. 04) No mesmo sentido que Delfino e Lopes, Guilherme Valle Brum refuta os argumentos trazidos por Gajardoni, afirmando que

[...] também em relação à análise da prova, o magistrado está adstrito ao dever de respeito à coerência e à integridade do Direito, positivado pelo Novo Código de Processo Civil (artigo 926), o que afasta qualquer convencimento livre, ainda que motivado. Claro, pois de nada adianta exigirmos que o convencimento deve ser motivado, se ele for livre, discricionário. Mesmo motivado, permanecerá insindicável. Insisto, portanto, na necessidade de que o convencimento quanto à prova e quanto ao Direito (admitindo, por hipótese apenas, que sejam cindíveis) respeite a coerência e a integridade do Direito, no sentido que a tradição (autêntica) dá a esses standards (a qual, por óbvio, não os resume a um mero “respeito aos precedentes”).

Contextualizando histórica e politicamente as alterações ocorridas em nosso país, Brum enfatiza que, com a abertura política ocorrida após o fim da ditadura militar e a promulgação da Constituição Federal de 1988,

[...] não parece mais possível sustentarmos que a carga de poder embutida em todo ato judicial possa ser livre, discricionária. Há balizas democraticamente (im)postas para tanto (coerência, integridade e isonomia são apenas algumas delas). Oskar von Bülow e a Escola do Direito Livre, que apostavam em um protagonismo judicial quase ilimitado, tiveram sua importância e sua vez. O “livre convencimento”, ainda que motivado, insere-se nessa tradição, a qual insere-se tornou, porém, inautêntica, insere-sendo dever do intérprete abandoná-la. O Código de Processo Civil de 2015 fez a sua parte. Quanto a nós, entoemos finalmente o réquiem.

Um dos grandes defensores do abandono do livre convencimento motivado, e considerado por muitos o verdadeiro mentor da supressão do adjetivo “livre”, Lenio Luiz Streck (2015, p.04) afirma que, além da alteração expressa no texto legal, é necessário fazer uso da interpretação histórica da legislação para se compreender que o livre convencimento motivado não persiste no CPC/2015:

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[...] todas as expressões que tratavam do LC foram expungidas do NCPC. O LC passou a ser um apátrida gnosiológico. Assim, se alguém quiser invocar a tese de que “mesmo sem constar no NCPC, o juiz tem, sim, LC”, invoco eu uma coisa prosaica, que se aprende no primeiro ano até mesmo na Faculdade do Balão Mágico: a da interpretação histórica (...). Mormente se algo é expungido da lei. (grifo do autor)

O autor critica com veemência a sistemática do livre convencimento motivado, a qual, segundo ele, permite o sentimento de liberdade absoluta dos julgadores em suas decisões, na medida em que, mesmo com a obrigação de motivar, autoriza o juiz a escolher discricionariamente a decisão conforme sua convicção. “De que adianta motivar o consequente se deixo livre o antecedente?”, provoca Streck (2015, p. 05).

Desta maneira, Streck (2015, p. 05) defende com todas as forças que o Novo Código de Processo Civil abandonou de vez o livre convencimento motivado:

Tenho convicção de que um dos pontos centrais a favor do novo CPC é o abandono do LC. Simbolicamente isso representa o desejo de mudar. Da perspectiva normativa do princípio que exige a fundamentação das decisões,

o juiz não tem a opção para se convencer por qualquer motivo, uma espécie

de discricionariedade em sentido fraco que seja; ele deve explicitar com base em que razões, que devem ser intersubjetivamente sustentáveis, ele decidiu desta e não daquela maneira (...) (grifos do autor).

Durante a elaboração do projeto de lei no Congresso Nacional, Lenio Streck empreendeu verdadeira batalha a favor da abolição do livre convencimento motivado do Novo Código de Processo Civil. O autor explica sua motivação da seguinte maneira:

Se alguém me perguntar por que lutei tanto contra o livre convencimento,

respondo com as vozes de milhares de advogados, que são surpreendidos

diariamente com os “livres convencimentos”, “livres apreciações” e “julgamentos conforme as consciências”. Peço que a comunidade jurídica

me apoie e me acompanhe nessa cruzada. Não quero nada mais do que os

juízes julguem de acordo com o direito (...) (grifos do autor). (STRECK, 2015, p. 06)

Além de Gajardoni, Roth e Ono, Daniel Amorim Assumpção Neves também defende a permanência da liberdade no convencimento motivado do julgador, apesar da alteração no texto do diploma processual.

Não concordo com a parcela doutrinária que vem defendendo que o Novo CPC teria afastado de nosso direito o sistema do livre convencimento motivado. O princípio continua entre nós (...). Há certa confusão nesse

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entendimento porque o sistema de livre convencimento motivado tradicionalmente é vinculado à parte fática da decisão, de forma que as novas exigências de fundamentação quanto à parte jurídica não têm aptidão para alterar o sistema de valoração de provas adotado por nosso sistema processual. (NEVES, 2016, p. 268).

Em relação às alterações trazidas pelo Novo Código de Processo Civil, as quais levaram boa parte da doutrina a defender a não mais existência do livre convencimento motivado, Neves (2015, p. 05) observa que

(...) por mais exigências que se criem para modelar a fundamentação – ou motivação – do juiz em suas decisões, nunca se afastará o caráter pessoal de sua decisão, salvo na aplicação dos julgamentos dos tribunais com eficácia vinculante. E mesmo aqui se não for caso de superação do entendimento ou distinção do caso. Por mais requisitos que a lei crie para condicionar o juiz à vontade do Direito ao fundamentar sua decisão e não à sua vontade pessoal, o elemento humano na interpretação do Direito nunca poderá ser afastado das decisões judiciais.

Neves (2015, p. 10) argumenta, ainda, que mesmo no contexto do Código de Processo Civil de 1973, o julgador não possuía liberdade absoluta em suas decisões, na medida em que suas decisões só seriam legítimas se estivessem em conformidade com o Direito.

Analisando o disposto no artigo 489, do CPC, Neves (2015, p. 06) reflete sobre a expectativa criada por parte da doutrina em relação ao dispositivo, “como se ele fosse capaz de retirar do juiz qualquer possibilidade de decidir conforme seu entendimento pessoal”. O referido artigo trouxe expressamente os elementos essenciais da sentença, bem como, em seu §1º, hipóteses em que a decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, não se considera fundamentada. São elas:

I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

Segundo Neves (2015, p. 06), na falsa expectativa criada pela doutrina com a supressão do adjetivo “livre”, o julgador

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[...] estaria tão condicionado em sua fundamentação pelas novas regras que sua opinião pessoal seria sufocada por elas e finalmente teríamos atingido um patamar de perfeição da atividade jurisdicional: retirar qualquer traço pessoal das decisões judiciais. Algo como tornar o Direito uma ciência exata...

Notadamente, a retirada do adjetivo “livre” da expressão “livre convencimento motivado” ocorreu de forma proposital, com o claro objetivo de combater a arbitrariedade e discricionariedade das decisões judiciais, nas quais os julgadores se utilizavam da pretensa liberdade conferida pelo princípio para decidir livremente conforme sua convicção, independentemente de motivação suficiente e adequada, como se não devessem satisfação a ninguém.

Em que pese a mudança no campo sintático-semântico da expressão e o evidente recado dado aos julgadores, seguiremos, para fins de elaboração do presente trabalho, a corrente doutrinária que defende a permanência do livre convencimento motivado, sem nos aprofundar muito na polêmica, visto que, apesar de importante, não se trata do objeto principal deste estudo. Entendemos que permanece, na prática, o dever de fundamentação das decisões judiciais e a possibilidade de valoração das provas pelo juiz, conforme sua convicção, como sempre foi. A discussão, portanto, se dá no âmbito filosófico-hermenêutico, que pouco acrescenta para as pretensões do presente trabalho.

Adotaremos tal posição com o simples intuito de viabilizar a análise pretendida nestas páginas, mas também entendendo que, em ambos os posicionamentos doutrinários, o julgador poderá valorar a prova conforme sua convicção, desde que justifique, motive, fundamente juridicamente tal valoração e convencimento. O livre convencimento motivado não significa, nem nunca significou, neste código ou no anterior, o poder discricionário do julgador de decidir conforme sua íntima convicção (como ocorre no Tribunal do Júri, por exemplo). Sempre foi seu dever fundamentar as decisões, e sempre pôde valorar a prova conforme sua convicção, de forma que, na prática, pouco mudou.

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2.2 Distinção do livre convencimento motivado na apreciação das provas e na liberdade de fundamentação da decisão judicial

Como vimos, nosso ordenamento jurídico adotou o sistema da livre apreciação das provas e o do livre convencimento motivado do julgador. Há que se perceber, ainda, como se dá a incidência do princípio do livre convencimento motivado na apreciação das provas e na liberdade de fundamentação da decisão judicial, visto que uma situação se refere à análise do conjunto probatório produzido no processo, enquanto outra diz respeito à aplicação do direito ao quadro fático apresentado.

Marinoni, Arenhardt e Mitidiero (2016, p. 576) apontam que “na fundamentação o juiz deve analisar o problema jurídico posto pelas partes para sua apreciação. Refere o Código, a esse propósito, que tem o juiz de analisar as questões de fato e de direito (art. 489, II, CPC).” Ou seja, para que seja aplicado o direito, devem ser analisadas todas as questões fáticas apresentadas, a fim de que se esclareça qual a melhor solução jurídica para o caso concreto.

As questões fáticas, por sua vez, devem ser trazidas à presença do julgador através dos diversos tipos de provas admitidos em nosso ordenamento jurídico. Diante das variadas provas produzidas no processo, o julgador é livre para apreciá-las e valorá-las conforme sua convicção, atribuindo pesos diferentes para provas diferentes, de acordo com o conjunto probatório apresentado. Tal valoração, no entanto, apesar de livre, não é discricionária, tendo em vista que deve ser fundamentadamente motivada, ou seja, o julgador tem a obrigação legal de justificar juridicamente o porquê de sua decisão em atribuir valor maior ou menor à determinada prova.

Essa obrigação, porém, não afasta a liberdade que possui o julgador em acolher uma determinada prova com peso maior que outra de mesma natureza, conforme sua convicção. Utiliza-se como exemplo ilustrativo uma situação corriqueira no cotidiano forense em que o autor produz prova testemunhal a fim de comprovar certa circunstância, enquanto o réu produz outra prova testemunhal em sentido contrário. Caso o julgador se convença com a versão de uma das partes, estará efetuando a apreciação das provas amparado pelo seu livre convencimento. Nesse singelo exemplo, se observa o livre convencimento na apreciação da prova.

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O Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu da seguinte maneira:

1. A preferência do julgador por esta ou por aquela prova inserida no âmbito do seu livre convencimento motivado, não cabendo compelir o magistrado a acolher com primazia determinada prova, em detrimento de outras pretendidas pelas partes, se pela análise das provas em comunhão estiver convencido da verdade dos fatos. (STF – 1ª T. – RE 656820 ED/RJ – Rel. Min. Luiz Fux – J. 06.12.11).

No mesmo sentido, outro julgado:

IV – Ao juiz, na qualidade de destinatário da prova, compete analisá-la livremente, motivando seu convencimento, não havendo falar-se em má-apreciação se a fundamentação expendida na sentença encontra-se harmonizada do conjunto probatório coligido aos autos. (STF – 1ª T. – RE 665333 AgR/DF – Rel. Min. Luiz Fux – J. 20.03.12).

Roth e Ono (p. 09), analisando o procedimento judicial de livre apreciação das provas, observam:

Logo, como se vê, ao longo de todo o processo e, em especial, no julgamento, pondo fim à discussão judicial, surgirão várias situações que exigirão a decisão do Magistrado, decisão esta que não é aleatória, arbitrária, sem qualquer vínculo com o que existe nos autos, mas, pelo contrário, a decisão do Magistrado sempre estará calcada na prova dos autos, cabendo ao julgador extrair dali a sua convicção e decidir. Mas não é só. O Magistrado ainda deverá fundamentar a sua decisão, explicitando qual (ais) prova (s) se apegou, qual foi o raciocínio expendido, demonstrando de forma fática e jurídica, como chegou ao resultado decidido.

Assim sendo, a liberdade de apreciação e valoração das provas está intrinsecamente ligada às provas produzidas e existentes no processo sob julgamento. O julgador, em que pese ser livre para valorar as provas conforme sua convicção, está adstrito ao conjunto probatório dos autos. Não pode, portanto, utilizar-se de prova que não foi submetida ao crivo do contraditório das partes. Essa sistemática permite “um rigoroso controle do julgador porque o ordenamento jurídico não deixa, pois, um cheque em branco para o juiz na sua liberdade de decidir.” (ROTH e ONO, 2016, p. 63).

Nesse sentido, é a determinação do artigo 489, §1º, inciso III, do NCPC, que impõe ao juiz a proibição de invocar motivos genéricos, os quais poderiam justificar qualquer outra decisão (v.g. “confirma-se a decisão pelos seus próprios fundamentos”, “prova robusta”, “palavra da vítima” etc.), e que, ao serem usados, afastam a análise do caso concreto pelo julgador. (CAMBI e HELLMAN, 2016, p.654-655)

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