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Um diálogo entre a judicialização e o poder executivo nas ações de medicamentos em face da dignidade da pessoa humana

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Academic year: 2021

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

ALESSANDRA BORGMANN BOFF

UM DIÁLOGO ENTRE A JUDICIALIZAÇÃO E O PODER EXECUTIVO NAS AÇÕES DE MEDICAMENTOS EM FACE DA DIGNIDADE DA

PESSOA HUMANA

Ijuí (RS) 2017

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ALESSANDRA BORGMANN BOFF

UM DIÁLOGO ENTRE A JUDICIALIZAÇÃO E O PODER EXECUTIVO NAS AÇÕES DE MEDICAMENTOS EM FACE DA DIGNIDADE DA

PESSOA HUMANA

Monografia final apresentada ao curso de Graduação em Direito, objetivando a aprovação no componente curricular Monografia.

UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientadora: Me. Eloísa Nair de Andrade Argerich

Ijuí (RS) 2017

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edico este trabalho a todos que, de uma forma ou de outra, me auxiliaram e me apoiaram durante esta jornada acadêmica.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por estar sempre presente na minha vida, me concedendo sabedoria para fazer as escolhas certas.

À minha família, em especial ao meu marido, Gerson, e ao meu filho, João Vítor, que sempre estiveram presentes, me incentivando e apoiando para que eu concluísse esta jornada com êxito.

À minha amiga e colega Franciele Kronbauer Barcelos (in memoriam), que me incentivou a iniciar o curso de Direito e com quem dividi angústias, sonhos e muitas caronas durante esta trajetória acadêmica.

E, por último, mas não menos importante, à minha orientadora mestre Eloísa Nair de Andrade Argerich, pela sua competência, disponibilidade e dedicação na orientação deste estudo.

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“O homem acredita mais com os olhos do que com os ouvidos. Por isso longo é o caminho através de regras e normas, curto e eficaz através do exemplo”.

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RESUMO

O presente estudo aborda a judicialização do Poder Executivo nas ações que visam a concessão de medicamentos a pessoas necessitadas em face da dignidade da pessoa humana. Dessa forma, faz uma breve análise da divisão dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário quanto às suas autonomias funcional, administrativa e financeira, bem como às atribuições que cabem a cada um para verificar se está havendo quebra do princípio da separação dos poderes entre o Judiciário e o Executivo nas demandas de medicamentos. Para tanto, são conceituados os direitos fundamentais sociais e analisada a efetivação do direito à saúde e os argumentos constitucionais utilizados pelos magistrados do TJ/RS para a efetivação desse direito nas demandas judiciais, de forma a conceituar e dimensionar a dignidade da pessoa humana. Por fim, examina-se o número de ações de concessão de medicamentos e de valores bloqueados nas contas do Estado do RS em razão de decisões judiciais, comparando-os com os valores destinados à saúde. Destaca-se, ainda, o posicionamento do Poder Judiciário na judicialização da saúde como forma de assegurar esse direito positivado pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Palavras-chave: Poderes. Direito Fundamental Social. Dignidade da pessoa humana. Judicialização. Saúde.

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ABSTRACT

The present monographic research work deals with the dialogue between the judiciary and the Executive Branch in the actions of medicines in the face of the dignity of the human person, making a brief analysis of the division of the Executive, Legislative and Judiciary Powers regarding their functional, administrative and financial autonomies As to the attributions that fit each one to verify if it is with a breach of the principle of the separation of the powers between the Judiciary and the Executive in the demands of medicines. For that, conceptualization of fundamental social rights, an analysis of the realization of the right to health and the constitutive arguments for the judges of the TJ/RS is analyzed for a realization of the right to juridical requirements for the conceptualization and dimensioning of the dignity of the human person. Finally, the number of drug actions and blocked amounts in RS State accounts is examined by reason of the judgment. Comparing with the values destined to health and the position of the Judiciary in the justice of health as a way of guaranteeing this positive right By the Federal Constitution of 1988.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 8

1 DIVISÃO DOS PODERES NO REGIME FEDERATIVO BRASILEIRO ... 10

1.1 Origem do Princípio de Separação dos Poderes ... 10

1.2 A separação dos Poderes no regime constitucional brasileiro ... 12

1.3 Poder Executivo, Legislativo e Judiciário ... 14

1.3.1 Autonomia funcional, administrativa e financeira ... 18

2 UM DIÁLOGO ENTRE A JUDICIALIZAÇÃO E O PODER EXECUTIVO NAS AÇÕES DE MEDICAMENTOS EM FACE DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ... 20

2.1 Conceito e características dos direitos fundamentais sociais... 20

2.2 A efetivação e a judicialização do direito à saúde ... 24

2.2.1 Argumentos constitucionais utilizados pelos magistrados do TJ/RS para a efetivação do direito à saúde ... 28

2.3 Conceito e dimensões da dignidade da pessoa humana ... 31

3 ANÁLISE DOS VALORES BLOQUEADOS NAS CONTAS DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL EM RAZÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS PARA ASSEGURAR O DIREITO À SAÚDE NOS ANOS DE 2014 A 2016 ... 36

3.1 Valores destinados à saúde no orçamento do Estado do Rio Grande do Sul nos anos de 2014 a 2016 ... 39

3.2 Valores bloqueados nas contas do Estado do Rio Grande do Sul nos anos de 2014 a 2016 por determinações judiciais para o fornecimento de medicamentos ... 41

3.3 Posicionamento do Poder Judiciário na judicialização do direito à saúde ... 42

CONCLUSÃO ... 46

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INTRODUÇÃO

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF/88) conferiu aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário autonomia funcional, administrativa e financeira, bem como identificou as atribuições que cabem a cada um deles.

No presente estudo aborda-se a dimensão da divisão dos Poderes quanto a tais autonomias, que são asseguradas pelo art. 2˚ da Carta Maior, bem como as suas atividades típicas e atípicas. Esses aspectos são de suma importância para o desenvolvimento deste estudo, que pretende verificar se está havendo a quebra do princípio da separação dos poderes entre o Judiciário e o Executivo nas demandas de medicamentos.

Com relação ao objetivo geral, destaca-se que a pesquisa é do tipo exploratória, pois utiliza no seu delineamento a coleta de dados em fontes bibliográficas disponíveis em meios físicos e na rede de computadores. Utiliza, também, o método de abordagem hipotético-dedutivo, com seleção de bibliografia e documentos afins à temática e em meios físicos e na Internet, interdisciplinares, capazes e suficientes para construir um referencial teórico coerente sobre o tema em estudo. Dessa forma, visa responder o problema proposto, corroborando ou refutando as hipóteses levantadas a fim de atingir os objetivos propostos.

Esta pesquisa foi desenvolvida em três capítulos. O primeiro apresenta a divisão dos Poderes no regime federativo brasileiro, especialmente quanto a sua autonomia funcional, administrativa e financeira, asseguradas no art. 2˚ da Carta Maior, bem como as suas atividades típicas e atípicas. Tais informações irão proporcionar uma correta conclusão desta pesquisa, a fim de saber se está havendo a quebra do princípio da separação dos Poderes entre o Judiciário e o Executivo nas demandas de medicamentos.

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Destaca-se, também, a origem da separação dos Poderes, em especial no regime constitucional brasileiro, a fim de compreender as atividades típicas e atípicas de cada um dos Poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – instituídas pela CF/88.

No segundo capítulo busca-se desenvolver aspectos referentes às características dos direitos fundamentais sociais, a fim de demonstrar que o diálogo entre o Poder Executivo e o Poder Judiciário, no que diz respeito às ações de medicamentos, ocorre de forma unilateral. As decisões dos Magistrados e dos Tribunais Superiores são impostas de maneira que o primeiro apenas cumpre o determinado em razão das dimensões da dignidade da pessoa humana.

Discorre-se, ainda, sobre a efetivação do direito à saúde a partir da fundamentalidade dos direitos sociais, os quais são estendidos a todas as pessoas que acorrem ao Poder Judiciário no sentido de assegurar seus direitos humanos fundamentais e, no caso, o direito à saúde.

Não se pode, também, deixar de mencionar a dignidade da pessoa humana, pois essa faz parte do ordenamento jurídico constitucional como um princípio fundamental de alta carga valorativa, depreendido a partir dos valores consignados nos direitos fundamentais como cláusulas pétreas.

Nesse rol, estuda-se o conceito e as características dos Direitos Sociais Fundamentais para, assim, verificar como ocorre o diálogo entre a judicialização e o Poder Executivo nas ações de medicamentos em face da dignidade da pessoa humana.

No terceiro e último capítulo faz-se uma breve exposição dos valores destinados à saúde no Estado do Rio Grande do Sul, bem como os valores bloqueados nas contas do Estado com vistas ao cumprimento de ordem judicial e o posicionamento do Judiciário na judicialização da saúde.

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1 DIVISÃO DOS PODERES NO REGIME FEDERATIVO BRASILEIRO

Passa-se a apresentar, inicialmente, a origem do princípio da separação dos Poderes, com base na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF/88), que conferiu autonomia funcional, administrativa e financeira aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

Em um segundo momento, trata-se dessa separação de Poderes, e a forma como cada Poder atua funcional, administrativa e financeiramente. Com isso, será possível verificar se está havendo quebra do princípio da separação dos poderes entre o Judiciário e o Executivo nas demandas de medicamentos.

1.1 Origem do Princípio de Separação dos Poderes

Anterior à formação das civilizações e do Império Greco-Romano, o mundo estava dividido em pequenos povos que frequentemente lutavam entre si. Devido às constantes ameaças, os gregos e romanos estavam sempre em estado de prontidão para a guerra, facilitando a concentração do poder nas mãos do governador ou imperador (ARISTÓTELES, 2002).

Com o surgimento do Cristianismo, que pregava uma concepção igualitária da sociedade, o Império Romano sentiu-se ameaçado, e incorporou a Igreja ao Estado, controlando, assim, a sua expansão. Durante a Idade Média, a Igreja serviu aos interesses do Estado e exerceu o seu papel, conformando os mais pobres, que eram explorados pelos senhores feudais (BONAVIDES, 1998).

Durante o Renascimento, a Igreja viu o seu poder enfraquecer devido à diminuição das guerras, e já não havia mais necessidade de um poder centralizado. A existência de um lugar de participação mais ampla da sociedade causou a descentralização do poder, levando à reação da burguesia, que tomou o poder e derrubou o Antigo Regime (BONAVIDES, 1998).

Foi neste contexto, e por intermédio da obra de Montesquieu, que houve a separação dos Poderes, que se incorporaram ao constitucionalismo a fim de assegurar a liberdade dos indivíduos. Posteriormente, no século XIX, essa separação foi adaptada a novas concepções, objetivando, também, aumentar a eficiência do Estado (MONTESQUIEU, 2008).

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Célebres autores, como Locke, Aristóteles e Platão, em clássicas obras, discorreram sobre a separação dos Poderes, contribuindo com aquele que é hoje um dos princípios basilares da ordem jurídica. Atribui-se, contudo, a Montesquieu, a consagração da tripartição de poderes com as devidas repartições de atribuições que, em sua obra “O Espírito das Leis” incluiu o Poder Judiciário entre os fundamentais do Estado. Segundo palavras de André Ramos Tavares, (2006, p. 859), “a ideia que prevaleceu foi a de que a Separação dos Poderes, como doutrina política, teve sua origem na obra de Montesquieu.”

Esta posição também é a de Pedro Lenza (2012, p. 481), para quem “muito tempo depois, a teoria de Aristóteles seria ‘aprimorada’ pela visão precursora do Estado liberal burguês desenvolvida por Montesquieu em seu O espírito das leis.”

Segundo Baron de Charles de Secondat Montesquieu (1987, p. 165), “Para que não se possa abusar do poder, é preciso que, pela disposição das coisas, o poder pare o poder.” (O Espírito das Leis). O autor leciona que “Estaria tudo perdido se um mesmo homem, ou um mesmo corpo de principais ou de nobres, ou do povo, exercesse estes três poderes: o de fazer as leis; o de executar as resoluções públicas; e o de julgar os crimes ou as demandas dos particulares.”

A separação dos poderes, para Montesquieu (1987, p. 172), corresponde à divisão dos Poderes em três esferas, quais sejam: o Poder Legislativo; o Executivo e o Poder Judiciário. Ao primeiro corresponderia o poder de fazer as leis; ao segundo a prerrogativa de julgar as demandas e conflitos entre particulares; e ao terceiro a aplicação das leis e resoluções geradas pelo segundo, bem como resolução das “ações prontas”, devendo “sempre se ater ao que está disposto na lei.”

Nesse diapasão, Montesquieu (1987, p. 173) aduz que:

A ideia de que o poder deve ser controlado pelo próprio poder pressupõe que as atitudes dos atores envolvidos no palco de decisões sejam interligadas, com uma clara divisão nas competências de cada um deles, e uma interdependência que garanta uma gestão compartilhada e homogênea. Dessa forma, as ações do Executivo, Legislativo e do Judiciário devem ser, em tese, autônomas e complementares. O obstáculo à atuação legítima de qualquer um dos entes deve pressupor um abuso de seu poder institucional, sendo válido aos demais, portanto, a interferência para buscar um retorno ao status quo ante.

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Necessário se faz um mecanismo eficiente que impeça o poder exercido sem limites, sendo necessária a separação dos poderes para que ele seja descentralizado, podendo, assim, alcançar uma forma de governo ideal. Foi a partir dessa premissa que o autor (Montesquieu) criou o sistema de pesos e contrapesos (também conhecido por check and balances1) para fragmentar e controlar os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

1.2 A separação dos Poderes no regime constitucional brasileiro

A separação dos poderes está prevista como cláusula pétrea no art. 2º da CF/88, não podendo, em qualquer hipótese, ter a sua aplicabilidade afastada: “Art. 2º: São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.” (BRASIL, 1988).

Com isto, houve a repartição das funções estatais entre os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, prevendo prerrogativas e imunidades para quem as bem exercesse. Também, foram criados mecanismos de controles recíprocos, sempre visando à garantia de perpetuidade do Estado Democrático de Direito.

O Poder Estatal é uno e indivisível. A chamada “separação dos Poderes” é, na verdade, a distribuição das “funções estatais” entre os órgãos autônomos e independentes, com a finalidade de proteger a liberdade individual frente à autoridade estatal.

Necessário ressaltar que cada um dos chamados Poderes possui uma função predominante (funções típicas) que o caracteriza como detentor de uma parcela da soberania estatal, além de outras funções previstas no texto constitucional (funções atípicas). Acerca desse assunto assevera Lenza (2012, p. 482):

[...] além do exercício de funções típicas (predominantes), inerentes e ínsitas à sua natureza, cada órgão exerce outras duas funções atípicas (de natureza típica dos outros dois órgãos). Assim, o Legislativo, por exemplo, além de exercer uma função típica, inerente à sua natureza, exerce uma função atípica de natureza executiva e outra função atípica de natureza jurisdicional.

1 “Check and balances é a essência do mecanismo da separação dos poderes proposta por Montesquieu no período

da Revolução Francesa. Através desse sistema, um Poder do Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário) está apto a conter os abusos do outro de forma que se equilibrem. Por exemplo: o Judiciário, ao declarar a inconstitucionalidade de uma Lei, é um freio ao ato do Legislativo, que poderia conter uma arbitrariedade. O contrapeso é que todos os poderes têm funções distintas, de forma que um “não manda” mais do que outro. Eles são harmônicos e independentes.” (BONAVIDES, 1998, p. 138).

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Cabe ressaltar que na contemporaneidade não existe a rigidez formal da organização dos Poderes, arquitetada por Montesquieu, em 1787, já sugerida por Aristóteles, Locke e Rousseau, e positivada em todas as atuais constituições do mundo. Percebe-se claramente que os poderes constituídos do Estado brasileiro estão alicerçados na especialização quanto ao exercício de suas funções, em que cada um cumpre uma delas de forma típica, e as demais de forma atípica, muitas vezes ultrapassando os limites estabelecidos pelo texto constitucional, principalmente quando se verifica a existência de lacunas e de omissão do Legislativo ou do Executivo (BONAVIDES, 2010).

Nesse sentido, Paulo Bonavides (2010, p. 558) destaca que, “onde houver, pois, lesões à liberdade e ao estado de direito, aí, sempre haverá lugar para invocar-se a tutela do princípio e conjurar prospere ofensas aos valores que ele representa na ordem jurídica.”

Com efeito, o princípio da separação de Poderes denota a imprescindibilidade da estreita colaboração entre os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, mesmo que a Constituição Federal estabeleça a independência funcional, administrativa e financeira a cada um deles.

De tudo isso é possível inferir que a independência determinada no texto constitucional significa que cada um dos Poderes pode agir independentemente sem, no entanto, depender de autorização dos demais, desde que cumprindo, substancialmente, as competências, as regras de funcionamento e organização constitucionais e legais.

Quanto à harmonia entre os Poderes, verifica-se que esta possui uma importância ímpar no sistema constitucional, “[...] primeiramente pelas normas de cortesia, pelo trato recíproco às prerrogativas e faculdades a que mutuamente todos têm direito [...].” (BONAVIDES, 2010, p. 558).

Cumpre assinalar que os três Poderes que compõem o aparato governamental brasileiro nem sempre realizam suas funções com independência absoluta, visto que há um sistema de “freios e contrapesos” que visa “[...] à busca do equilíbrio necessário à realização do bem da coletividade e indispensável para evitar o arbítrio e o desmando de um em detrimento do outro especialmente dos governados.” (SILVA, 2003, p. 110).

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Esse sistema tem como elemento caracterizador o princípio da harmonia entre os Poderes, que deve estar presente em todas as ações desenvolvidas pelos órgãos que compõem esta estrutura, visando a colaboração e controle recíproco, evitando a usurpação de atribuições, bem como a interferência desnecessária e desautorizada pela Constituição para, assim, assegurar direitos e garantias fundamentais (SILVA, 2003).

Desta forma, a primeira questão que se levanta diz respeito às atribuições estabelecidas pela CF/88 aos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário , bem como a autonomia funcional, administrativa e financeira.

1.3 Poder Executivo, Legislativo e Judiciário

É importante anotar que a União possui órgãos próprios para a sua organização, que garantem a divisão dos Poderes em funções distintas, conforme já mencionado no art. 2º da CF/88, denominados de Poder Legislativo, Executivo e Judiciário, os quais possuem atividades e competências definidas. Segundo Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco (2012, p. 890), “muito embora tais Poderes possam agregar atividades e competências facilmente definidas, todos possuem um feixe de atribuições comuns, unificadas pela ideia e pela formação de administração pública, que permeia todo o Estado.”

Na verdade, se está afirmando que as atividades administrativas desenvolvidas por cada um dos Poderes supracitados estão vinculadas às atribuições consignadas nos arts. 44, 76 e 922 da CF/88, respectivamente, para o exercício de suas funções típicas e predominantes inerentes a sua natureza (BRASIL, 1988).

Sustentam Mendes e Branco (2012, p. 890) que “esta atividade administrativa, comum aos três poderes, é regida por um conjunto de normas que dão sustentação à administração pública e estruturam este sistema positivo infraconstitucional, aplicável ao âmbito de qualquer dos três poderes.”

2 Art. 44. O Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara dos Deputados e do

Senado Federal

Art. 76. O Poder Executivo é exercido pelo Presidente da República, auxiliado pelos Ministros de Estado. Art. 92. São órgãos do Poder Judiciário: [...].

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É possível identificar no texto constitucional a divisão das atribuições de cada um dos poderes da União, cabendo destacar que não se desenvolverá de forma exaustiva tal assunto, haja vista que se pretende enfocar, principalmente, a interferência do Poder Judiciário na garantia dos direitos fundamentais.

Deve-se levar em conta, na distribuição de atribuições, a forma como cada um dos Poderes da União está estruturada. Primeiramente, destaca-se o Poder Legislativo, conforme ordem descritiva e sequencial do art. 2º da CF/88.

Assim, pode-se afirmar que na distribuição das funções entre os Poderes da República, ao Poder Legislativo cabe precipuamente a função de legislar e fiscalizar. Esta é a função típica do Poder Legislativo, porém, de modo atípico, também pode exercer a função de administrar e julgar, conforme prescrito nos arts. 51 e 52 da CF/88.

Nesse sentido, observam Mendes e Branco (2012, p. 911), que:

[...] O Poder Legislativo, porém, de modo não típico, também exerce funções de administrar (ao prover cargos da sua estrutura ou atuar o poder de polícia, p. ex.) e de julgar (o Senado processa e julga, por crimes de responsabilidade, o Presidente da República e o Vice-Presidente da República, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes das três Forças Armadas, nos crimes de mesma natureza conexos com os praticados pelo Chefe do Executivo; também processa e julga, por crime de responsabilidade, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros dos Conselhos Nacionais da Justiça e do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União).

Ressalta-se a necessidade de analisar não só as funções do Poder Legislativo, mas a sua estrutura no âmbito federal, estadual, distrital e municipal, para melhor compreender o significado da estrutura funcional deste Poder. Assim, pode-se afirmar que no Brasil vigora o bicameralismo federal, no âmbito da União, e o unicameralismo no âmbito estadual, distrital e municipal.

Neste contexto, José Afonso da Silva (2003, p. 507) argumenta que:

É da tradição constitucional brasileira a organização do Poder Legislativo em dois ramos, sistema denominado bicameralismo, que vem desde o Império, salvo as limitações contidas nas Constituições de 1934 e 1937, que tenderam para o unicameralismo, sistema segundo o qual o Poder Legislativo é exercido por uma única câmara.

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Interessante referir que além da estrutura organizacional do Poder Legislativo, os trabalhos são realizados pelo Congresso Nacional, bicameral, como já mencionado anteriormente, composto por duas Casas Legislativas, quais sejam, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal, que desenvolvem seus trabalhos ao longo da legislatura, num período de quatro anos de duração do mandato. Esse tema, contudo, não é relevante para o estudo ora proposto, por isso aborda-se a seguir aspectos relevantes dos Poderes Executivo e Judiciário para, posteriormente, desenvolver a autonomia funcional, administrativa e financeira.

No exercício das funções delegadas pela CF/88, o Poder Executivo constitui-se num órgão constitucional que tem por função típica a prática de atos de chefia de Estado, de governo e de administração, e atipicamente legisla, por exemplo, via medida provisória, e julga no caso do contencioso administrativo (multa de trânsito) (LENZA, 2012).

No que diz respeito ao Poder Executivo, Mendes (2012, p. 968) afirma que a ele cabem:

[...] atividades diversas e variadas que envolvem atos típicos da Chefia do Estado (relações com Estados estrangeiros, celebração de tratados), e atos concernentes à Chefia do governo e da administração em geral, como a fixação das diretrizes políticas da administração e a disciplina das atividades administrativas (direção superior da Administração Federal), a iniciativa de projetos de lei e edição de medidas provisórias, a expedição de regulamentos para execução das leis etc. (CF, art. 84), a iniciativa quanto ao planejamento e controle orçamentários, bem como sobre o controle de despesas (CF, arts. 163-169) e a direção das Forças Armadas.

Descreve-se, assim, de forma sucinta, as funções desempenhadas pelo Poder Executivo, que visam o cumprimento do estabelecido nos arts. 76 a 84 da CF/88. É indiscutível, contudo, o importante papel que o Poder Executivo realiza no âmbito da estrutura nacional, muitas vezes com preponderância (arbitrária) sobre os demais Poderes, mediante a utilização demasiada de medidas provisórias e nomeação de ministros para o Supremo Tribunal Federal. E, embora as relações devam ser harmoniosas, na prática, isso muitas vezes não ocorre.

Mendes (2012, p. 970) sustenta esta afirmação quando assevera que:

O exercício das atribuições do Poder Executivo há de fazer-se em harmonia com os demais Poderes. Compete ao Legislativo, dentre outras relevantes, o exercício da atividade legiferante. Ao Judiciário incumbe as atividades jurisdicionais, dentre as quais relacionadas ao controle de legitimidade dos atos de administração.

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Não há como negar, dentro deste raciocínio, que o Poder Executivo, no sistema federativo, tem um significado de fundamental importância, tanto que o exercício dessa função se dá pelo sistema de governo adotado pela CF/88, presidencialista, previsto no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), art. 2º da CF/88. Nas lições de Silva (2003, p. 539), “esse sistema foi influenciado pela tradição do direito constitucional pátrio, desde o período republicano, instituído em 1891, vivenciado durante toda a República, com exceção do período de 1961 a 1963 (parlamentarismo).”

Em decorrência do sistema federativo, destaca-se a necessidade de tratar do terceiro Poder do Estado atribuído à União – o Poder Judiciário, que a CF/88 organiza nos arts. 92 e 126. Não é difícil entender a função jurisdicional ou simplesmente jurisdição, na qual o Poder Judiciário tem por função compor os conflitos de interesse em cada caso concreto. Não se pode, contudo, deixar de mencionar que o Poder Judiciário, além da função típica inerente à sua natureza, exerce, também, funções atípicas relacionadas ao conteúdo legislativo e executivo, consolidando os grandes princípios da organização política em um verdadeiro Estado Democrático de Direito.

Neste sentido, consigna Alexandre de Moraes (2012, p. 522), que “não se consegue conceituar o verdadeiro Estado democrático de direito sem a existência de um poder judiciário autônomo e independente para que exerça sua função de guardião das leis [...].” Daí a importância das garantias asseguradas pela própria CF/88 referentes à vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos.

Um aspecto que merece discussão e que dá margem a atritos entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário diz respeito às modificações introduzidas recentemente pela Emenda Constitucional n° 45/2004, conhecida como a Reforma do Judiciário, que trata da organização administrativa federal, bem como do controle administrativo efetuado pelo Conselho Nacional de Justiça, com vistas a regular e controlar as atividades desenvolvidas por todos os Poderes da União. A isto chama-se “judicialização” dos atos praticados pelos demais órgãos visando, na maioria das vezes, à proteção dos direitos e garantias fundamentais, como, por exemplo, o acesso à saúde.

Uma rápida observação é necessária, haja vista que enquanto o Poder Judiciário adentra às funções do demais Poderes, não se percebe investidas e enfrentamentos dos Poderes

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Legislativo e Executivo no órgão judiciário, especialmente em razão de sua independência que aos outros também é deferida pelo texto constitucional. Por razões diversas, porém, estas não serão abordadas neste estudo, pois não cumprem plenamente as suas funções, abrindo espaço para o desequilíbrio do sistema de freios e contrapesos3.

Nessa linha de entendimento, Moraes (2012, p. 522) assegura que:

Assim, é preciso um órgão independente e imparcial para velar pela observância da Constituição e garantir a ordem na estrutura governamental, mantendo nos seus papéis tanto o Poder Federal como as autoridades dos Estados Federados, além de consagrar a regra de que a Constituição limita os poderes dos órgãos da soberania.

Constata-se que a independência e a imparcialidade do Poder Judiciário constituem um direito fundamental dos cidadãos, portanto, apresenta-se a seguir alguns aspectos relacionados à autonomia funcional, administrativa e financeira para demonstrar que os três Poderes gozam de prerrogativas inerentes a suas atribuições.

1.3.1 Autonomia funcional, administrativa e financeira

A CF/88 atribuiu independência funcional, administrativa e financeira aos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, devendo cada um atuar dentro de sua parcela de competência. Esta afirmativa é sustentada por Lenza (2012, p. 484), para quem “[...] os ‘Poderes’ (órgãos) independentes entre si, cada qual atuando dentro de sua parcela de competência constitucionalmente estabelecida e assegurada quando da manifestação do poder constituinte originário.” Deste modo, cada Poder deverá exercer as atribuições que a Carta Magna lhe atribuiu, não podendo delegá-las a outro Poder em razão do princípio da indelegabilidade de atribuições.

Neste diapasão, Silva (2003, p. 126) expõe que a separação dos Poderes,

3 “O filósofo iluminista utiliza-se das ideias desses pensadores e, com isso, explica, amplia e sistematiza a divisão

de poderes. Ele acreditava que para afastar governos absolutistas e evitar a produção de normas tirânicas, seria fundamental estabelecer autonomia e limites de cada poder. Com isto, cria-se a ideia de que só o poder controla o poder, por isso, o sistema de freios e contrapesos, onde cada poder é autônomo e deve exercer determinada função, porém, este poder deve ser controlado pelos outros poderes, sendo então independentes e harmônicos entre si.” (LOCKE apud MONTESQUIEU, 2008, p. 35).

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[...] não impede que, além de sua função típica (preponderante), cada um dos Poderes exerça atipicamente (de forma secundária) funções aparentemente atribuídas com exclusividade a outro”, como exceção, uma vez que a regra é a da indelegabilidade da tripartição das funções. Isto só foi possível devido à teoria dos freios e contrapesos desenvolvida por Montesquieu em seu livro “O espírito das leis”.

Em regra, as atribuições de um órgão não poderão ser delegadas a outro, “trata-se do princípio da indelegabilidade de atribuições. Um órgão só poderá exercer atribuições de outro [...] quando houver expressa previsão (e aí surgem as funções atípicas)”.

Dessa forma, infere-se que qualquer um dos Poderes da União exerce as funções típicas que lhes compete a CF/88, e atípicas, quando necessário, uma vez que tanto o Legislativo, o Executivo ou o Judiciário, adentram em funções que não lhes foram atribuídas por força do texto constitucional e isso não significa invasão de atribuições.

Pretende-se, portanto, demonstrar que na atualidade se está presenciando uma ingerência do Poder Judiciário nas ações do Poder Executivo, uma verdadeira judicialização das ações desenvolvidas pelo Executivo, tema que será abordado no segundo capítulo desta pesquisa.

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2 UM DIÁLOGO ENTRE A JUDICIALIZAÇÃO E O PODER EXECUTIVO NAS AÇÕES DE MEDICAMENTOS EM FACE DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Considerando que na República Federativa do Brasil há divisão de atribuições entre os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, é imprescindível esclarecer que na seara dos diretos fundamentais, esse último exerce uma função fundamental, uma vez que assegura a preservação das garantias constitucionais, notadamente na área dos direitos sociais.

Neste capítulo objetiva-se desenvolver aspectos referentes às características dos direitos fundamentais sociais com a finalidade de demonstrar que o diálogo entre o Poder Executivo e o Poder Judiciário, no que diz respeito às ações de medicamentos, ocorre de forma unilateral, pois as decisões dos magistrados e dos Tribunais Superiores são impostas de maneira que o primeiro apenas cumpre o determinado em razão das dimensões da dignidade da pessoa humana.

Discorre-se, também, sobre a efetivação do direito à saúde a partir da fundamentalidade dos direitos sociais, estendidos a todas as pessoas que acorrem ao Poder Judiciário no sentido de assegurar seus direitos humanos fundamentais e, no caso, o direito à saúde.

Por outro lado, não há como deixar de trabalhar a dignidade da pessoa humana, pois ela faz parte do ordenamento jurídico constitucional como um princípio fundamental de alta carga valorativa que pode ser depreendido a partir dos valores consignados nos direitos fundamentais, que são cláusulas pétreas.

Desta forma, aborda-se a seguir, o conceito e as características dos Direitos Sociais Fundamentais para, assim, verificar como ocorre o diálogo entre a judicialização e o Poder Executivo nas ações de medicamentos face à dignidade da pessoa humana.

2.1 Conceito e características dos direitos fundamentais sociais

Os direitos sociais foram conquistados ao longo dos séculos, especialmente a partir do século XIX, com a Revolução Industrial, e no decorrer do século XX, com as manifestações sociais e trabalhistas (SCHWARTZ, 2001).

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Outorgada em 05 de outubro de 1988, a CF/88, denominada “Constituição Cidadã”4, se tornou símbolo do projeto de uma nova sociedade brasileira, livre, justa e solidária, alicerçada no princípio da dignidade da pessoa humana (CARLINI, 2014).

A Carta Magna, em seu art. 6º, proclamou como direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação (incluídas pela Emenda Constitucional n° 64, de 04 de fevereiro de 2010), o trabalho, a moradia (este incluído pela Emenda Constitucional n° 26, de 14 de fevereiro de 2000), o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados (BRASIL, 1988, grifo nosso).

O legislador elencou os direitos sociais no Capítulo II do Título II da CF/88, tratando desses direitos, aos quais inclui o direito à saúde, como direitos fundamentais. Esse também foi o posicionamento do Supremo Tribunal Federal no acórdão que julgou o Recurso Extraordinário 271.286/RS, no voto do Relator Ministro Celso de Mello, que afirma que o direito à saúde é um direito fundamental do homem (STF, 2000).

O que são, porém, os direitos fundamentais sociais? Nas palavras de Liton Lanes Pilau Sobrinho (2003, p 58), “os direitos fundamentais são os direitos que o homem obtém pelo simples fato de ter nascido, ou seja, são-lhe inatos e estendem-se a todos os indivíduos numa ordem universal, razão pela qual podem ser denominados de direitos naturais.”

Na mesma linha de pensamento, Luigi Ferrajoli (apud PILAU SOBRINHO, 2003, p. 58) classifica os direitos sociais de diferentes formas:

Son ‘derechos fundamentales’ todos aquellos subjetivos que corresponden universalmente a ‘todos’ los seres humanos en cuanto dotados del status de personas, de cuidadanos e personas con capacidade de obrar; entendiendo por ‘derecho subjetivo’ cualquier expectativa positiva (de prestaciones) o negativa (de no usufruir lesiones) adscrita a un sujeito por una norma jurídica; y por ‘status’ la condición de un sujeto, prevista asimismo por una norma jurídica positiva, como presupuesto de su idoneidad para ser titular de situaciones jurídicas y/o autor de los actos que son ejercicio de ésta.

4 Constituição Cidadã: “Quando a Constituição foi entregue pelos parlamentares à sociedade brasileira, em 5 de

outubro, foi quase impossível que não recebesse o apelido de “Constituição Cidadã”, assim chamada pelo próprio Ulysses Guimarães devido à grande quantidade de leis voltadas à área social. O deputado Ulysses, que chefiou os trabalhos, destacou-se pela capacidade de articulação entre os diferentes partidos e tendências ideológicas que disputavam espaço na Constituinte.” (Arquivo da Câmara dos Deputados, 1988). (EDUCACIONAL, 2017).

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É imprescindível esclarecer, contudo, que os direitos e garantias fundamentais estão interligados com o princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez que não se pode negar que aqueles exigem uma contraprestação do Estado para a sua efetivação e concretização por meio de política públicas voltadas à proteção dos cidadãos (PILAU SOBRINHO, 2003).

O autor supracitado afirma ainda que “[...] os direitos fundamentais têm uma relação direta com a garantia dos encargos estatais universalmente reconhecidos [...].” (PILAU SOBRINHO, 2003, p. 63).

Ingo Wolfgang Sarlet (2012, p. 323) conceitua direitos fundamentais como

[...] todas as posições jurídicas concernentes às pessoas (naturais ou jurídicas, consideradas na perspectiva individual ou transindividual) que, do ponto de vista do direito constitucional positivo, foram, expressa ou implicitamente, integradas à constituição e retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes constituídos, bem como todas as posições jurídicas que, por seu conteúdo e significado, possam lhes ser equiparadas, tendo, ou não, assento na constituição formal [...].

Se, portanto, os direitos fundamentais forem considerados como posições jurídicas que são reconhecidas e garantidas no direito positivo de determinado Estado, a saúde precisa ser identificada conceitualmente para a compreensão dos direitos sociais fundamentais.

Neste sentido, Pilau Sobrinho (2003, p. 124), utilizando-se do preâmbulo da Organização Mundial da Saúde (OMS), de 1948, assim dispõe: “Saúde é o completo bem estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doenças ou outros agravos.”

A saúde, porém, não pode ser analisada desconectada da dignidade humana, pois refere-se não apenas à promoção do bem estar da pessoa nos aspectos físico, social, cultural, econômico, mas também à ausência de enfermidade. Neste rumo, a conceituação utilizada por Laurell (1997, p. 86 apud ALMEIDA FILHO; JUCÁ, 2002, p. 880) vem ao encontro do exposto, quando identifica que

[...] a saúde é vista como ‘necessidade humana’, cuja satisfação associa-se imediatamente a um conjunto de condições, bens e serviços que permitem o desenvolvimento individual e coletivo de capacidades e potencialidades, conformes ao nível de recursos sociais existentes e aos padrões culturais de cada contexto específico.

(24)

Na verdade, o conceito de saúde não é estático, sendo necessário superar a visão existente até então, que impõe um modelo que prescreve medicações e não trata as demais questões que a envolvem.

Pode-se, então, perceber que na CF/88 a saúde parte de um conceito histórico, político, social e jurídico, uma vez que assevera no art. 196, caput, que: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

Neste diapasão, o direito à saúde passa ser entendido como um direito social fundamental, individual de todo o cidadão, pois visa o seu completo bem estar físico e mental, ficando, portanto, o Estado obrigado a promover e prevenir a saúde de todos.

Não se pode deixar de mencionar que a saúde é um direito humano inscrito na Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH), de 1948, que no art. XXV estabelece:

1. Todo o homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda de meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.

Esta conceituação ressalta que além de assegurar o bem estar do homem, a saúde também envolve a preocupação com a alimentação, vestuário, e que o Estado tem o dever de prestar serviços essenciais para a sua promoção.

A CF/88 possui um papel muito importante no direito à saúde no Brasil, visto que, de acordo com o texto vigente, o Estado tem a responsabilidade de promover o seu acesso a todos, uma vez que é um direito universal que pertence não apenas aos brasileiros aqui radicados, mas também aos estrangeiros, refugiados, enfim, a todos que necessitarem, podendo utilizar os serviços de saúde de forma gratuita.

É inegável que o texto constitucional, no seu art. 6° – Dos Direito Sociais – elenca a saúde como um direito fundamental e, desta forma, é autoaplicável, porém, a efetivação do direito à saúde, na maioria das vezes, exige a intervenção do Poder Judiciário.

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2.2 A efetivação e a judicialização do direito à saúde

Como já mencionado anteriormente, o preâmbulo da Constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS), de 26 de julho de 1946, órgão da Organização das Nações Unidas (ONU), refere que “a saúde é o completo bem estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doenças.” (CARLINI, 2014, p. 35, grifo do autor).

A partir desse conceito, o Estado assume papel de destaque no cenário da saúde e a vontade política passa a ser instrumento de inaplicabilidade do conceito da OMS, uma vez que as verbas públicas correm o risco de não serem suficientes para a consecução do pretendido completo bem estar físico, social e mental.

Para efeitos de aplicação do art. 196 da CF/1988, a saúde pode ser conceituada como:

[...] um processo sistêmico que objetiva a prevenção e cura de doenças, ao mesmo tempo que visa a melhor qualidade de vida possível, tendo como instrumento de aferição a realidade de cada indivíduo e pressuposto de efetivação a possibilidade de esse mesmo indivíduo ter acesso aos meios indispensáveis ao seu estado de bem estar. (SCHWARTZ, 2001, p. 43).

A efetivação do direito à saúde foi positivada no Brasil com a promulgação da denominada Constituição Cidadã, de 1988, ou seja, 40 anos após a Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 10 de dezembro de 1948. Isso é confirmado no art. 196 da CF/88: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

É incontestável o atraso constitucional brasileiro no que se refere à eleição do direito à saúde como princípio constitucional e elemento de cidadania dos brasileiros. Silva (2003, p. 121) afirma que “é espantoso como um bem extraordinariamente relevante à vida humana só agora é elevado à condição de direito fundamental do homem.”

O direito à saúde está previsto em diversos dispositivos da atual Carta Magna. Tratam do tema os arts. 5°, 6°, 7°, 21, 22, 23, 24, 30, 127, 129, 133, 134, 170, 182, 184, 194, 195, 197, 198, 199, 200, 216, 218, 220, 225, 227 e 230, que não serão explorados neste estudo, mas que dão a ideia dos avanços ocorridos desde 1988, muito embora a efetivação dependa da intervenção do Poder Judiciário (BRASIL, 1988).

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Segundo Gilmar Antonio Bedin (2002, p. 71), o direito à saúde é garantido por outras declarações de direitos. A Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, art. XI, e a Carta Social Europeia, Parte I, item 11, e Parte II, art. 11, corroboram a importância do direito à saúde na busca por uma justiça social aplicável universalmente.

A CF/88, em seu art. 1°, estabelece que o Brasil é um Estado Democrático de Direito, numa tentativa de:

[...] conjugar o ideal democrático de Direito, não como uma aposição de conceitos, mas sob um conteúdo próprio onde estão presentes as garantias jurídicas e a preocupação social. Tudo constituindo um novo conjunto onde a preocupação básica é a transformação do status quo (MORAIS apud SCHWARTZ, 2001, p. 49-50, grifo do autor).

Infere-se, portanto, que é tarefa fundamental do Estado Democrático de Direito “superar as desigualdades sociais e regionais e instaurar um regime democrático que realize a justiça social.” (SILVA, 2011, p. 123).

Com isso, o Brasil, está obrigado a realizar mudanças no sentido de garantir que a saúde seja efetivamente aplicada e que seja ela um real instrumento de justiça social. Então, se faz necessário enfatizar que os direitos fundamentais nas lições de Ingo Wolfgang Sarlet (2009, p. 321) nada mais são do que “[...] posições jurídicas reconhecidas e protegidas na perspectiva do direito constitucional interno dos Estados [...].”

Neste cenário, José Joaquim Gomes Canotilho (2002, p. 509) aponta para “[...] a especial dignidade e protecção (sic) dos direitos num sentido formal e num sentido material [...]”, o que denota a existência de diferenciação entre direitos e garantias fundamentais, tema que não se desenvolve nesta pesquisa.

Pode-se consignar que a Carta Magna é um instrumento normativo que visa uma nova ordem econômica e social, e que estipula objetivos e programas que deverão ser efetivamente concretizados pelo Estado, bem como pela sociedade em geral.

Segundo Sebastião de Barros Tojal (apud SCHWARTZ, 2001, p. 51), referindo-se ao direito à saúde

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[...] está, pois, o Estado juridicamente obrigado a exercer as ações e serviços de saúde visando à construção de uma nova ordem social, cujos objetivos, repita-se, são o bem estar e a justiça sociais, pois a Constituição lhe dirige impositivamente essas tarefas.

O direito à saúde, por ser um direito fundamental, é um direito autoaplicável e de aplicabilidade imediata, que decorre expressamente do texto constitucional. Com isso, não há como se colocar em dúvida o direito à saúde e também a resposta do Judiciário, o qual deve tomar medidas que assegurem a efetividade desse direito fundamental.

Destaca-se, contudo, que esse não foi o entendimento, primeiramente, aplicado pelo Judiciário, entendendo o Superior Tribunal de Justiça que o direito à saúde não era um direito fundamental, conferindo valor programático às normas do art. 196 da Carta Magna (SCHWARTZ, 2001).

Felizmente, esse posicionamento foi desconstruído no julgamento do Recurso Extraordinário 271.286-RS pelo Supremo Tribunal Federal, no voto do Relator Ministro Celso de Mello, que recusou terminantemente o caráter programático do art. 196 da Lei Maior, entendendo que o maior prejudicado nessa hermenêutica seria justamente aquele que conferiu ao Estado poderes para representá-lo e tratar de seus interesses: o povo. Diz o acórdão:

O caráter programático de regra inscrito no art. 196 da Carta Política – que tem por destinatário todos os entes políticos que compõem, no plano institucional a organização federativa do Estado brasileiro – não pode converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas neles depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seus impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. (STF. Supremo Tribunal Federal. RE 271286 AgR, Relator(a): Min. Celso de Mello, Segunda Turma, julgado em 12/09/2000, Acórdão Eletrônico DJ 24-11-2000 PP-00101 Ement.Vol-02013-07 PP-01409).

Essa posição não poderia ser diferente quando se trata do órgão superior máximo do Poder Judiciário brasileiro, pois no que tange aos direitos sociais, “a doutrina mais consequente [...], vem refutando essa tese, e reconhece neles a natureza de direitos fundamentais, ao lado dos direitos individuais, políticos e do direito à nacionalidade.” (SILVA, 2003, p. 151).

A proteção da saúde, em obediência às características cidadã e democrática da CF/88, pode ser exercida das mais variadas formas. Para Cruz (apud SCWARTZ, 2001, p. 122),

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[...] o controle social sobre as ações e servidores de saúde pode ser exercido de diferentes maneiras; todavia, é necessário compreender que esse é um processo de interesse coletivo, no qual cada um deverá cumprir a sua parte em benefício do bem comum. A mobilização popular é o instrumento maior de alcance de controle social. No caso específico da saúde, o controle social efetiva-se tanto por meio dos órgãos encarregados das garantias individuais e coletivas, como por instrumentos legais.

Interessante observar que a não efetivação do direito à saúde assegura ao cidadão a possibilidade de recorrer ao Poder Judiciário para ter a sua demanda concretizada. Assim, são inúmeros os institutos jurídicos para a efetivação do direito à saúde, tanto na forma individual como coletiva: direito de petição, habeas corpus, mandado de segurança individual e coletivo, mandado de injunção individual e coletivo, habeas data, ação popular, ação civil pública, Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, além da possível utilização do Código de Defesa do Consumidor, demonstrando a importância que o legislador conferiu aos direitos individuais e fundamentais, no caso, o direito à saúde (SCHWARTZ, 2001).

Por outro lado, cumpre enfatizar que existe um tensionamento na relação entre a efetividade do direito à saúde pelo Poder Judiciário e a sociedade civil, pois essa ainda não tomou consciência da importância de lutar por seus direitos, exigindo a concretização do direito fundamental à saúde assegurado constitucionalmente (CARLINI, 2014).

Evidencia-se, dessa forma, a importância que assume o Poder Judiciário quando da ineficiência do Estado em dar efetividade aos direitos fundamentais, entre os quais, o direito à saúde. Neste sentido, Lênio Luiz Streck (2003, p.128) esclarece que “o Judiciário pode servir como via de resistência as investidas dos Poderes Executivo e Legislativo, que representem retrocesso social ou a ineficácia dos direitos individuais ou sociais”, consagrados pela CF/88.

A respeito do papel do Judiciário para assegurar que o Estado cumpra com o seu dever constitucional de promoção da saúde para todos, sublinha-se que não há mais controvérsia entre os operadores do Direito e magistrados em todos os graus de jurisdição de que a Constituição Federal deve ser cumprida em sua integralidade no que tange aos direitos fundamentais.

Angélica Carlini (2014, p. 111) confirma o exposto no sentido de que

[...] no âmbito dos direitos fundamentais, ainda que pela via judicial, a Constituição Federal deve ser integramente aplicada”, pois segundo a referida autora “há uma sensação generalizada de que a esfera do político esgotou ou se mostrou incapaz de efetivar os direitos previstos no texto constitucional.

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Em decorrência disso, portanto, há uma judicialização das demandas na área da saúde, na qual o posicionamento dos magistrados do Estado do Rio Grande do Sul é unânime no sentido de efetivar o direito à saúde, principalmente nas demandas por medicamentos, cumprindo o fundamento da dignidade da pessoa humana, assegurando o mínimo existencial.

Destaca-se que a posição adotada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul com relação ao fornecimento de medicamentos é no sentido de deferir os pedidos, independentemente de seus valores, em razão do direito fundamental à saúde.

2.2.1 Argumentos constitucionais utilizados pelos magistrados do TJ/RS para a efetivação do direito à saúde

Objetiva-se discutir brevemente os argumentos constitucionais utilizados pelos magistrados do TJ/RS que defendem a efetividade dos direitos sociais quando das decisões nas ações de medicamentos que já vêm de longa data. Colaciona-se, assim, alguns julgados do TJ/RS, os quais serão analisados para demonstrar que as decisões são reiteradas e recorrentes no sentido de dar efetividade ao direito social à saúde.

O acórdão a seguir, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Agravo de Instrumento n° 70045460201, tendo como Relator Jorge Maraschin dos Santos, julgado em 06/10/2011, trata do pedido de fornecimento de medicamento de baixo custo.

Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO MONOCRÁTICA.

DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. Medicamentos: Paracetamol e Trandrifan. Enfermidade: Paraplegia (CID 10 G 82.3). Custo mensal: R$ 40,50. DIREITO À SAÚDE. O direito à vida e à saúde é garantia expressa na Constituição Federal. A assistência à saúde é direito público subjetivo, independentemente de contribuição. Todos têm direito subjetivo à saúde, podendo exigi-lo do Estado (gênero), visto que a saúde é direito do cidadão e dever dos Poderes Públicos

e da sociedade. RESPONSABILIDADE. ENTES FEDERADOS.

COMPETÊNCIA COMUM. SOLIDARIEDADE. A competência comum dos entes federados de prestação à saúde não se afasta pela descentralização dos serviços e das ações do Sistema Único de Saúde, bem como pelas listas de medicamentos especiais e excepcionais, já que se impõe ao Poder Público realizar todas medidas necessárias à preservação da garantia constitucional à saúde. LISTA. RESTRIÇÃO. DESCABIMENTO. MEDICAMENTO INDICADO. FORNECIMENTO. Descabe restringir a responsabilidade do Poder Público ao fornecimento dos medicamentos presentes nas listas do SUS, já que implicaria verdadeira mitigação da garantia constitucional do direito à vida e à saúde, devendo, portanto, ser prestados os medicamentos indispensáveis à preservação do mínimo existencial. AGRAVO DE

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INSTRUMENTO PROVIDO. (Agravo de Instrumento nº 70045460201, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Maraschin dos Santos, Julgado em 06/10/2011).

O primeiro fundamento utilizado refere-se ao art. 196 da CF/88, ressaltando que a saúde é direito do cidadão e dever dos Poderes Públicos e da sociedade. Argumenta, ainda, o referido relator que

A competência comum dos entes federados de prestação à saúde não se afasta pela descentralização dos serviços e das ações do Sistema Único de Saúde, bem como pelas listas de medicamentos especiais e excepcionais, já que se impõe ao Poder Público realizar todas as medidas necessárias à preservação da garantia constitucional à saúde. (SANTOS, 2011).

Em seguida, o acordão sustenta que não interessa se o medicamento solicitado faz parte da lista do Sistema Único de Saúde (SUS), pois o que interessa é dar uma resposta ao cidadão que se vê desassistido em seu direito à saúde e tem subtraído o mínimo existencial para sobreviver.

O segundo acórdão, também do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Agravo de Instrumento n° 70072708076, tendo como Relatora Denise Oliveira Cezar, Julgado em 27/04/2017 trata do pedido de fornecimento de medicamento de alto custo.

Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PÚBLICO NÃO

ESPECIFICADO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. ACESSO À SAÚDE. PROTEÇÃO SUFICIENTE. O acesso à saúde é direito fundamental e as políticas públicas que o concretizam devem gerar proteção suficiente ao direito garantido, sendo passíveis de revisão judicial, sem que isso implique ofensa aos princípios da divisão de poderes, da reserva do possível ou da isonomia e impessoalidade. Caso concreto em que foi comprovada a necessidade de uso da medicação, bem como sua indicação ao tratamento da patologia que acomete a parte autora. DEFERIMENTO DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. VIABILIDADE. Uma vez demonstrada a probabilidade do direito e o perigo de dano, afigura-se possível a concessão da antecipação dos efeitos da tutela, com o fornecimento imediato do fármaco. ALTO CUSTO DA MEDICAÇÃO. FATOR QUE NÃO EXIME O ESTADO DA RESPONSABILIDADE POR SEU FORNECIMENTO. Considerando comprovada a carência financeira da parte autora e descabida a alegação de insuficiência de previsão orçamentária do Estado, já que o direito à vida deve prevalecer sobre regras de natureza formal, não deve ser afastada do réu a incumbência de fornecer o medicamento de alto custo. RECURSO DESPROVIDO. (Agravo de Instrumento nº 70072708076, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relatora: Denise Oliveira Cezar, Julgado em 27/04/2017).

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De igual modo, a eminente relatora reforça o disposto nos arts. 6° e 196 da CF/88 quanto ao direito fundamental do acesso à saúde, que contêm força normativa para atribuir direitos subjetivos à pessoa que necessita de medicamentos, exames ou procedimentos para a promoção, proteção e recuperação de sua saúde. Ademais, é dever do Estado instituir políticas públicas que sejam suficientes e eficazes para a promoção, proteção e recuperação de saúde da pessoa.

Quanto à intervenção do Poder Judiciário para assegurar o direito fundamental à saúde, a relatora Denise Oliveira Cezar assevera que “nos casos em que a política pública se demonstra insuficiente ou ineficaz aos seus fins, é possível a sua revisão judicial com a concessão de medicação, exame ou procedimento não previsto.” (CEZAR, 2017).

Com relação ao valor do medicamento, a relatora sustenta que “não há como falar em insuficiência de previsão orçamentária, uma vez que o direito à vida deve prevalecer sobre regras de natureza formal.” (CEZAR, 2017).

O terceiro acórdão colacionado foi proferido pelo relator Marco Aurélio Heinz, da Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no Agravo de Instrumento n° 70072598790, no dia 22 de março de 2017, e diz respeito à necessidade de comprovação da hipossuficiência da parte que requer o fornecimento de medicamento pelo Estado.

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. CONDIÇÃO ECONÔMICA DA PARTE AUTORA. HIPOSSUFICIÊNCIA NÃO COMPROVADA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REDUÇÃO. I. Não há que se falar em fornecimento de medicamentos, de forma gratuita, pelo Estado e/ou Município, uma vez que não demonstrada a falta de condições econômica da autora para pagar pelo fármaco necessário ao seu tratamento. Inteligência da Lei n° 9.908/93. II. Os honorários advocatícios devem ser reduzidos, atendidas as condicionantes do art. 85, §§ 2º e 8º, CPC/2015, principalmente a qualidade do ente sucumbente, a natureza e importância da causa, assim como o posicionamento desta Câmara. Apelo parcialmente provido. (Apelação Cível nº 70072598790, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio Heinz, Julgado em 22/03/2017).

O relator, após discorrer sobre o direito fundamental à saúde e sobre o dever do Estado de assegurá-lo a todos os cidadãos, aponta para a necessidade de o autor da demanda comprovar que ele não possui condições de adquirir o medicamento sem colocar em risco o seu próprio sustento e o de sua família, “embora a obrigação dos entes públicos na prestação da saúde a

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todos os cidadãos, para o fornecimento de medicamentos, necessária a comprovação da hipossuficiência.” A Lei n° 9.908/93 dispõe nesse sentido que:

Art. 1°. O Estado deve fornecer, de forma gratuita, medicamentos excepcionais para pessoas que não puderem prover as despesas com os

referidos medicamentos, sem privarem-se dos recursos indispensáveis ao próprio sustento e de sua família.

Parágrafo único. Consideram-se medicamentos excepcionais aqueles que devem ser usados com frequência e de forma permanente, sendo indispensáveis à vida do paciente.

Art. 2°. O beneficiário deverá comprovar a necessidade do uso de medicamentos excepcionais mediante atestado médico.

Parágrafo único - Além do disposto no “caput” deste artigo, o beneficiário

deverá comprovar por escrito e de forma documentada, os seus rendimentos, bem como os encargos próprios e de sua família, de forma que atestem sua condição de pobre.

Art. 3º. O beneficiário ficará obrigado a pagar as despesas com

medicamentos em qualquer tempo, desde que possa fazê-lo sem prejuízo do sustento próprio e de sua família. (GOVERNO DO ESTADO DO RIO

GRANDE DO SUL, 1993, grifos do autor).

Constata-se que “para o fornecimento de medicamentos gratuitamente pelos entes públicos impõe-se a demonstração da impossibilidade de aquisição por ausência de recursos financeiros do paciente e de sua família.” (GOUVÊA, 2017).

Embora seja unânime o posicionamento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul quanto ao direito à saúde ser um direito fundamental, subjetivo e positivado, devendo o Estado assegurá-lo a todos os cidadãos, observa-se, também, a sua preocupação em ser justo na medida de obrigar o ente federado ao fornecimento de medicamentos àqueles que não possuem condições financeiras para adquirir o medicamento sem colocar em risco o seu sustento e de sua família. Deste modo, atuam no sentido de não prejudicar aqueles que realmente necessitam, com base no fundamento da República, qual seja, a dignidade da pessoa humana.

2.3 Conceito e dimensões da dignidade da pessoa humana

Após análise dos julgados do TJ/RS que, em sua maioria, envolvem aspectos relacionados à dignidade da pessoa humana, propõe-se neste item apresentar o conceito e a dimensão da dignidade da pessoa humana sem, no entanto, esgotá-lo, a fim de que possa servir de referência para corroborar a fundamentalidade do direito social à saúde. Em outras palavras, não se pretende aprofundar as contribuições e influências do pensamento filosófico ocidental, mas sim desenvolver aspectos a partir do texto constitucional vigente.

(33)

A dignidade da pessoa humana constitui fundamento da República e do Estado Democrático de Direito por ela constituído, e só pode ser corretamente apreendida quando for observado que ela está intensamente impregnada de um valor historicamente construído (SARLET, 2012).

No Brasil, a dignidade da pessoa humana foi reconhecida como princípio fundamental no texto constitucional de 1988, de modo que deva ser assegurada pelo Estado. Para Mariana Filchtiner Figueiredo (2007, p. 52) “[...] pode-se compreender que a dignidade, como qualidade intrínseca de todo o ser humano, é irrenunciável e inalienável, qualificando-o como tal e dele não podendo ser destacada.”

Segundo palavras de Sarlet (2012, p. 44),

[...] há de ser compreendida como um conceito inclusivo, no sentido de que sua aceitação não significa privilegiar a espécie humana acima de outras espécies, mas sim, aceitar que do reconhecimento da dignidade da pessoa humana resultam obrigações para com outros seres e correspondentes deveres mínimos e análogos de proteção.

O autor vai além, afirmando que o homem, em virtude tão somente de sua condição humana e independentemente de qualquer outra circunstância, é titular de direitos que devem ser reconhecidos e respeitados por seus semelhantes e pelo Estado (SARLET, 2012).

A dignidade independe das circunstâncias concretas, pois é inerente a toda e qualquer pessoa humana, uma vez que todos, mesmo o maior dos criminosos, são iguais em dignidade, não podendo nunca ser objeto de desconsideração (SARLET, 2012).

Nesse sentido também é o disposto no art. 1° da Declaração Universal da ONU, de 1948: “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Dotados de razão e consciência, devem agir uns para com os outros em espírito e fraternidade.”

Günter Dürig (apud SARLET, 2012, p. 55), considerado um dos principais comentadores da Lei Fundamental da Alemanha da segunda metade do século XX, considera que a dignidade da pessoa humana consiste no fato de que cada ser humano é humano por força de seu espírito, que o distingue da natureza impessoal e que o capacita para, com base em sua própria decisão, “tornar-se consciente de si mesmo, de autodeterminar sua conduta, bem como de formatar a sua existência e o meio que o circunda.”

(34)

Gerson Marcos Morgado (2015) ressalta nesse sentido que:

No mundo contemporâneo, o conceito e a positivação da dignidade é um traço marcante, sobretudo, das Constituições de nações democráticas, principalmente após a edição da Declaração Internacional dos Direitos do Homem, em 1948, que instilou nos espíritos e na comunidade internacional a consciência universal da necessidade de reconhecimento da dignidade humana como valor absoluto e como pressuposto, inclusive, do Estado e da vida em sociedade.

O princípio da dignidade da pessoa humana assumiu relevância e se consolidou a partir da Segunda Guerra Mundial e, nesse cenário, surgiu um novo modelo ético-jurídico com a finalidade de tornar a sociedade mais justa e igualitária, respeitando a liberdade individual e o respeito à pessoa humana (BARROSO, 2010, p. 57).

No entendimento do jurista, a inserção da dignidade da pessoa humana no plano jurídico

[...] se dá graças a dois movimentos. Primeiramente, pelo surgimento de uma cultura positivista, que reaproximou o direito da filosofia moral e da filosofia política, e em outro plano, pela inclusão da pessoa humana em diferentes documentos internacionais e constituições de Estados democráticos. (BARROSO, 2010, p. 4).

O direito assume papel importante na tutela e na promoção da dignidade da pessoa humana, instituído pela Carta Magna em seu art. 1º, inc. III, que estabelece que a dignidade da pessoa humana é um princípio nuclear de observância obrigatória e seu conteúdo jurídico é fundamental para a concretização dos direitos fundamentais, portanto, irrenunciável (BRASIL, 1988).

É possível observar que o princípio da dignidade da pessoa humana foi sofrendo alterações juntamente com a evolução da sociedade, que passou a viver em comunidades e a ter que respeitar seu semelhante para, assim, manter uma convivência pacífica.

Nesse diapasão, Sarlet (2009, p. 16) assevera que:

[...] o reconhecimento e a proteção da dignidade da pessoa humana pelo Direito resulta justamente de toda uma evolução do pensamento humano a respeito do que significa este ser humano e de que é a compreensão do que é ser pessoa e de quais os valores que lhe são inerentes que acaba por influenciar ou mesmo determinar o modo pelo qual o Direito reconhece e protege esta dignidade.

Referências

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