SÍLVIA TREVISAN KNEBEL
A APLICAÇÃO DOS PRINCIPIOS NAS DECISÕES JUDICIAIS
IJUÍ (RS)
2011
SÍLVIA TREVISAN KNEBEL
A APLICAÇÃO DOS PRINCIPIOS NAS DECISÕES JUDICIAIS
Monografia
final
do
Curso
de
Graduação em Direito objetivando a
aprovação no componente curricular
Monografia.
UNIJUÍ
– Universidade Regional do
Noroeste do Estado do Rio Grande do
Sul.
DCJS
– Departamento de Ciências
Jurídicas e Sociais.
Orientadora: MSc. Anna Paula Bagetti Zeifert
IJUÍ (RS)
2011
AGRADECIMENTOS
A Deus por me conceder a dádiva
de ter saúde para realizar todos os
meus objetivos.
Aos
meus
pais,
pela
vida,
motivação,
incentivo,
força
e,
principalmente, pela fé depositada em
mim.
A minha orientadora Anna Paula
Bagetti Zeifert, pela sua dedicação,
paciência e disponibilidade.
A todos que colaboraram de uma
maneira ou outra durante a elaboração
deste trabalho, muito obrigada!
“Ame a todos, confie em poucos. Não seja
injusto com ninguém.”
RESUMO
O presente trabalho de pesquisa monográfica analisa a aplicação dos
princípios nas decisões judiciais. Primeiramente verifica-se a palavra principio, sua
conceituação, normatividade dentro do ordenamento jurídico, e a diferenciação
entre princípios e regras. Em outro momento analisam-se as funções dos
princípios, como função fundamentadora, orientadora da interpretação e como
fonte subsidiaria. Num segundo momento, estuda-se a necessidade de
fundamentação das decisões judiciais, partindo-se de uma evolução histórica até a
sua função política como instrumento de controle judicial. Logo após, tratar-se-á
do principio da proporcionalidade como instrumento de decisão judicial, sua
utilização no Poder Legislativo e no Poder Judiciário. Por fim, após pesquisa
jurisprudencial, mostrar-se-á uma analise critica do comportamento da
jurisprudência brasileira em relação ao principio da motivação das decisões.
Palavras-Chave:
Direito
Constitucional.
Principio.
Fundamentação.
Proporcionalidade.
ABSTRACT
The present research monograph examines the application of the principles
in judicial decisions. First there is the word principle, concept, its normativity within
the legal framework, and the distinction between principles and rules. Another time
we analyze the functions of the principles, as a function reasoned interpretation
and guiding the subsidiary as a source. Secondly, we study the need for
justification of judicial decisions, starting from a historical development to its
political function as an instrument of judicial review. Soon after that it will be the
principle of proportionality as an instrument of judicial decision, its use in the
Legislature and the Judiciary. Finally, after a survey of case law, it will show a
critical analysis of the behavior of the Brazilian case law in relation to the principle
reasons for decisions.
Keywords: Constitutional Law. First. Rationale. Proportionality.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ... 09
1 OS PRINCIPIOS NO ORDENAMENTO JURIDICO ... 11
1.1
l
Conceito de Princípio ... 11
1.2 Normatividade dos Princípios ... 13
1.3 Principios X Regras... 17
1.4 Funções dos Princípios ... 18
1.4.1 Função Fundamentadora ... 18
1.4.2 Função Orientadora da Fundamentação ... 19
1.4.3 Função de Fonte Subsidiaria ... 21
2 A APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS NAS DECISÕES JUDICIAIS ... 23
2.1 A necessidade de motivação e fundamentação das decisões judiciais . 25
2.2 O Princípio da Proporcionalidade como instrumento de decisão
judicial: a lógica do razoável ... 29
2.3 Análise da aplicação dos princípios nas decisões judiciais: A
jurisprudência Brasileira ... 33
CONCLUSÃO ... 44
INTRODUÇÃO
O presente trabalho monográfico de conclusão de curso objetiva verificar a
aplicação dos princípios nas decisões judiciais e examinar como se comporta a
jurisprudência brasileira diante da temática.
O tema proposto tem como problema a ser abordado o limite para a
interpretação judicial dos princípios e a sua aplicação nas decisões judiciais, a
necessidade de um limite a vontade do julgador. Objetivando analisar como o
aplicador do direito faz uso dos princípios nas suas decisões, analisando assim, o
conceito de principio, sua normatividade e sua função no ordenamento jurídico
pátrio; identificar as diferenças apontadas pela doutrina entre princípios e regras;
verificar como ocorre a aplicação dos princípios nas decisões judiciais; estudar a
aplicação do principio da proporcionalidade como um instrumento para as
decisões judiciais; investigar como se comporta a jurisprudência brasileira ao fazer
uso dos princípios.
O presente trabalho será dividido em dois capítulos, no primeiro será
estudado o conceito de principio e sua normatividade a multidimensionalidade do
sentido da palavra principio dando enfoque para a esfera jurídica far-se-á também
a importante e já superada distinção entre princípios e regras e suas funções, o
reconhecimento da majoração e superioridade dos princípios na pirâmide
normativa. Ainda no primeiro capítulo serão abordadas as funções dos princípios,
função fundamentadora, orientadora da interpretação e por fim a já ultrapassada
função subsidiaria dos princípios.
No segundo capítulo abordar-se-á a necessidade de fundamentação das
decisões judiciais pelo operador do direito, não só pela técnica processual, mas
também como meio de controle judicial, a utilização do princípio da
proporcionalidade este que é de suma importância na proteção e garantia de
direitos fundamentais descritos na Constituição. Por fim, após uma pesquisa
jurisprudencial, analisar-se-á como vem se comportando a jurisprudência brasileira
no quesito motivação das decisões, tendo em vista a crescente utilização dos
princípios, principalmente o da dignidade da pessoa humana, como motivação e
fundamentações das jurisprudências dos tribunais superiores.
A metodologia utilizada no presente trabalho será do tipo exploratório,
utilizando-se no seu delineamento a coleta de dados em fontes bibliográficas e
jurisprudenciais disponíveis em meios físicos e na rede de computadores.
1. OS PRINCÍPIOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO
Ordenamento jurídico é a denominação atribuída a disposição
hierárquica do conjunto ou complexo de normas jurídicas dentro de um sistema
normativo. Para Norberto Bobbio (1996) as normas jurídicas nunca existem
isoladamente, mas sempre em um contexto de normas com relações
particulares entre si e a este contexto de normas é o que costumamos chamar
de ordenamento.
1.1 Conceito de princípio
A palavra princípio possui inúmeros significados como bem demonstra o
já consagrado dicionário Aurélio Buarque de Holanda (1995, p. 529, grifo
nosso), onde fica definido que:
Princípio. S. m. 1. Momento ou local ou trecho em que algo tem
origem; começo. 2. Causa primária. 3. Elemento predominante na constituição de um corpo orgânico. 4. Preceito, regra, lei. 5. P.ext. Base; germe.
Porem, o que realmente de fato seria um princípio (excluindo o
significado do termo), ou exemplos deles, já seria uma resposta mais complexa
de dar. O fato é que os princípios fazem parte do cotidiano, desde sempre,
para não dizer: “Desde o principio”. É importante ressaltar que, é muito difícil
saber verdadeiramente o que é princípio, o que se sabe é que ele é utilizado
em diversas áreas e contextos, como, Religião, Sociologia, Ciência, Filosofia e
Direito, diante deste conceito multifacetário de principio e de sua abstração.
Em uma definição mais jurídica define Roque Antônio Carrazza (2002,
p.33):
[...] princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do direito e, por isso mesmo, vincula, de modo
inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam.
Apesar de abstratos, os princípios são questões ideológicas essenciais,
das quais devem emergir todas as demais regras que compõem o
ordenamento jurídico. São vigentes em inúmeras dimensões, e por serem
gerais agem como célula principal presente em todas as decisões. Esse caráter
mandamental e definidor de diretrizes, é essencial na conceituação de
princípios quando se faz referencia a eles no âmbito jurídico, como define
Celso Antonio Bandeira de Mello (1980, p. 230):
Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhe o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.
Discorrendo sobre o referido tema Ferreira Filho apud George
Marmelstein Lima (2010, p. 2):
Os juristas empregam o termo „princípio‟ em três sentidos de alcance diferente. Num primeiro, seriam „supernormas‟, ou seja, normas (gerais ou generalíssimas) que exprimem valores e que por isso, são ponto de referência, modelo, para regras que as desdobram. No segundo, seriam standards, que se imporiam para o estabelecimento de normas específicas - ou seja, as disposições que preordenem o conteúdo da regra legal. No último, seriam generalizações, obtidas por indução a partir das normas vigentes sobre determinada ou determinadas matérias. Nos dois primeiros sentidos, pois, o termo tem uma conotação prescritiva; no derradeiro, a conotação é descritiva: trata-se de uma „abstração por indução.
No presente estágio de evolução da Teoria Geral do Direito, sobretudo
do Direito Constitucional, é importante assinalar, a despeito da
multi-dimensionalidade do sentido da palavra principio.
Nesse sentido, os princípios jurídicos, vistos por qualquer ângulo pelo
operador do direito, caracterizam-se por possuírem um grau máximo de
juridicidade, vale dizer, uma normatividade potencializada e predominante.
“Tanto uma constelação de princípios quanto uma regra positivamente
estabelecida podem impor uma obrigação legal”, na sugestiva passagem de
Ronald Dworkin apud George Marmelstein Lima (2010, p.3).
Assim sendo, no entender de Mello (1980, p.230)
Violar um principio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um especifico mandamento obrigatório, mas a todo um sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do sistema atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais.
Um princípio nada mais é do que uma base de sustentação, uma seta
que indica ao operador do direito como ele deve agir e interpretar o sistema
como um todo de maneira a concretizar os valores em busca de uma harmonia,
que é a função social do Direito.
1.2 Normatividade dos princípios
O Direito tem como meio de expressão as normas, que compreendem
regras e princípios, esses por sua vez, são a espécie do gênero norma. Os
princípios têm como características, normatividade, imperatividade, eficácia,
precedência (superioridade) material e abstração. (ROTHENBURG, 2003).
A respeito de sua normatividade, Paulo Bonavides (1998, p.255) faz a
seguinte análise:
Tudo quanto escrevemos fartamente acerca dos princípios, em busca de sua normatividade, a mais alta de todo o sistema, porquanto quem os decepa arranca as raízes da árvore jurídica, se resume no seguinte: não há distinção entre princípios e normas, os princípios são dotados de normatividade, as normas compreendem regras e princípios, a distinção relevante não é, como nos primórdios da doutrina, entre princípios e normas, mas entre regras e princípios, sendo as normas o gênero, e as regras e os princípios a espécie. Daqui já se caminha para o passo final da incursão teórica: a demonstração do reconhecimento da superioridade e hegemonia dos princípios na pirâmide normativa; supremacia que não é unicamente formal, mas sobretudo material, e apenas possível na medida em que os princípios são compreendidos e equiparados e até mesmo confundidos com os valores, sendo, na ordem constitucional dos
ordenamentos jurídicos, a expressão mais alta da normatividade que fundamenta a organização do poder.
Para Norberto Bobbio (1996) com a majoração da importância que os
princípios passaram a ter, o ordenamento jurídico ganhou dimensões de
sistema normativo, necessitando, portanto, de uma interpretação estrutural, por
que nele não podem coexistir normas incompatíveis, que de alguma forma
coloquem em risco coerência e a unidade do todo.
Por essa razão, é necessário compreender a idéia de sistema jurídico,
mais precisamente a idéia de coerência e unidade. Para tanto, importante
trazer para análise os dizeres de Tércio Sampaio Ferraz Júnior (1976, p.129),
que bem expõem tais questões:
o conceito de sistema, no Direito, está ligado ao de totalidade jurídica. No conceito de sistema está, porém, implícita a noção de limite. Falando-se em sistema jurídico surge assim a necessidade de se precisar o que pertence ao seu âmbito, bem como se determinar as relações entre sistema jurídico e aquilo a que ele se refiria, embora não fazendo parte de seu âmbito, e aquilo a que ele não se refira de modo algum.
Sendo o Direito um Sistema, é importante interpretá-lo e aplicá-lo como
um todo, afim de não gerar incoerências jurídicas. Permitindo uma análise
desse sistema normativo, necessariamente ter-se-á que identificar cada um de
seus elementos e apresentar a correspondente função, para efeitos de sua
interpretação e aplicação.
No tocante a interpretação do direito, pode-se dizer que o conhecimento
jurídico brasileira está baseado no modelo romano-germânico, adotando um
direito escrito e posto pelo Estado. Isso, “torna verdadeira e segura as relações
sociais é, sem dúvida, a aplicação correta dos critérios de interpretação da
norma, afastando qualquer imposição que não esteja ligada ao direito estatal.”
Nesse sentido, é possível dizer que
“a interpretação permite que a norma
jurídica seja concebida em todas as suas dimensões, possibilitando seu
completo estudo.” (ZEIFERT, 2003, p.177).
Interpretar é explicar, esclarecer; dar o significado do vocábulo, atitude ou gesto; reproduzir por outras palavras um pensamento exteriorizado; mostrar o sentido verdadeiro de uma expressão; extrair, de frase, sentença ou norma, tudo o que na mesma se contém.
Ao aplicar uma norma estamos conhecendo sua essência para melhor
aplicá-la. Assim sendo, “a aplicação faz parte do processo hermenêutico. É tão
fundamental para a efetivação desse quanto o é o compreender e o interpretar
a norma.” (ZEIFERT, 2003, p.180).
Todas essas informações devem ser consideradas para o bom intérprete
e aplicador do direto ao trabalhar com princípios, tendo em vista, que os
mesmos, não possuem uma definição explicita, estão em constante
aperfeiçoamento tendo por base a realidade social.
1.3 Princípios x regras
Faz-se importante nesse tópico a diferenciação existente entre princípios
e regras, cabe ressaltar no primeiro momento que, na atual conceituação pós –
positivista, tanto regras como princípios são espécies do gênero norma jurídica.
É sabido que o Direito se manifesta através de normas, e que as normas se
manifestam por meio de regras e princípios
Por Luiz Roberto Barroso (2009, p.155):
É importante assinalar, logo de inicio, que já se encontra superada a distinção que outrora se fazia entre norma e principio. A dogmática moderna avaliza o entendimento, de que as normas jurídicas, em geral, e as normas constitucionais, em particular, podem ser enquadradas em duas categorias diversas: as normas princípio e as normas disposição. As normas disposição, também referidas como regras, tem eficácia restrita as situações especificas as quais se dirigem. Já as normas principio, ou simplesmente princípios, tem normalmente, maior teor de abstração e uma finalidade mais destacada destro do sistema.
Os princípios, assim como as regras, exercem funções de norma,
porem, os princípios são vigentes em inúmeras dimensões, por serem gerais,
agem como célula principal presente em todas as decisões. Já as regras,
partem de situações imaginarias, e assim, regulam direta ou indiretamente tais
situações que se enquadram nas proposições por elas descritas.
As regras cuidam de casos concretos, pode-se citar como exemplo: O
inquérito policial destina-se a apurar a infração penal e sua autoria
– CPP, art.
4º. Os princípios norteiam uma multiplicidade de situações. O princípio da
presunção de inocência, por exemplo, cuida da forma de tratamento do
acusado bem como de uma série de regras probatórias (o ônus da prova cabe
a quem faz a alegação, a responsabilidade do acusado só pode ser
comprovada constitucional legal e judicialmente etc.). (GOMES, 2005)
No entanto, essa conclusão em relação à diferenciação entre princípios
e regras não é fácil de chegar, alguns doutrinadores sugerem critérios para
essa distinção, é o caso de Dworkin, que tem como critérios a generalidade;
determinabilidade dos casos de aplicação; formas de surgimento; caráter
explicito do seu conteúdo axiológico e importância para ordem jurídica.
Também, segundo o referido autor,
as regras são aplicadas na base do “tudo
ou nada”, ou seja, se tal regra não se aplica ao caso em tela, então ele é
totalmente afastado para a aplicação de outra, que por sua vez incide no caso.
(CARVALHO, 2010).
Conforme fica evidente após algumas análises, regras e princípios
convivem pacíficamente no ordenamento, ou seja:
A teoria dos princípios não importa no abandono das regras ou do direito legislado. Para que possa satisfazer adequadamente à demanda por segurança e por justiça, o ordenamento jurídico deverá ter suas normas distribuídas, de forma equilibrada, entre princípios e regras. (BARROSO, 2006, p. 33).
Canotilho (2002) leva em conta algumas diferenças entre os princípios e
as regras, como por exemplo: As regras possuem pouca abstração e são
passiveis de aplicação direta, são imperativas (incidem ou não, são válidas ou
não), possuem uma convivência antinômica, se relacionam através da exclusão
mútua e possuem os critérios das antinomias aparentes para a solução de
conflitos, enquanto os princípios com maior grau de abstração são mais vagos
e indeterminados, outro ponto é o caráter de fundamentabilidade, tendo os
princípios uma natureza estruturante e fundamental no ordenamento jurídico.
Já as normas-princípios impõem um mandado de otimização (gradação);
possuem uma convivência conflitual; coexistem e o critério para a solução de
possíveis conflitos é o princípio da ponderação, (CARVALHO, 2010). Nesse
sentido:
Se dois princípios colidem – o que ocorre, por exemplo, quando algo é proibido de acordo com um princípio e de acordo com outro permitido – um dos princípios terá que ceder. Isso não significa, contudo, nem que o princípio cedente deva ser declarado inválido, nem que nele deverá ser introduzida uma cláusula de exceção. Na verdade, o que ocorre é que um dos princípios tem precedência em face do outro sob determinadas condições. Sob outras condições, a questão da precedência pode ser resolvida de forma oposta. (ALEXY, 2008, p. 93).
Com relação à colisão, pode-se dizer que: quando duas regras colidem,
fala-se em “Conflito”, que é resolvido facilmente com a interpretação clássica, a
lei especial derrota a lei geral, a lei posterior afasta a anterior, lei superior
derrota lei inferior e etc. Quando falamos em princípios, entre eles pode haver
“colisão”, não conflito, pois não se excluem, eles incidem no caso concreto, as
vezes concomitantemente dois deles ou mais. (GOMES, 2005)
A colisão de princípios faz parte da lógica de um sistema dialético, por
tanto, não incidem na ótica do “tudo ou nada” de validade ou invalidade. Tendo
em vista o caso concreto, necessário se faz então, que o aplicador do direito se
utilize do princípio da ponderação, demonstrando o fundamento racional da sua
escolha.
1.4 Funções dos princípios
São várias as funções dos princípios no direito em geral, fato que lhes
dá o título de “multifuncionais”, entretanto pode-se apontar três importantes
funções: a) função fundamentadora; b) função orientadora da interpretação; c)
função subsidiária.
Juntos dessas três funções já citadas existem outras muito relevantes,
como a de classificar de forma jurídica a real organização social a qual se
referem, orientando os operadores há que posições tomarem diante da
realidade, para a sua regulamentação, afim de não contrastar com os valores
relativos ao principio. Referente aos princípios constitucionais (inseridos na
constituição) cabe ressaltar a função de revogar normas anteriores a ela e de
invalidar as incompatíveis criadas posteriormente a sua promulgação. (LIMA,
2001).
1.4.1 Função fundamentadora
A função fundamentadora dos princípios nada mais é do que outras
normas jurídicas encontrarem fundamento e validade em algum princípio, ou
em mais de um. Quando o legislador normatiza uma realidade social, ele
sempre a faz fundamentando-a em um princípio.
Desta forma os princípios embasam decisões políticas fundamentais
tomadas pelos constituintes e expressam os valores superiores que inspiram a
criação ou reorganização do Estado, ficando os alicerces e traçando as linhas
mestras das instituições, dando-lhes o impulso vital inicial. (BARROSO, 1998)
Nas palavras de Bonavides (1998, p. 265):
“[...] são qualitativamente a
viga mestra do sistema, o esteio da legitimidade constitucional, o penhor da
constitucionalidade das regras de uma constituição.”
Sendo assim, os princípios são idéias básicas, que servem de
embasamento para o direito positivo, desempenhando uma função
fundamentadora, expressando os valores superiores que inspiram a criação do
ordenamento jurídico. Configuram, assim, os alicerces ou vigas-mestras do
sistema normativo. Irradiando-se sobre diferentes regras, os princípios jurídicos
compõe-lhes o espírito e servem de critério para sua exata compreensão e
inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema
normativo, no que lhe confere a tônica e o sentido harmônico. (SOARES,
2010)
Neste tocante cabe ressaltar que os princípios não servem apenas de
base para o legislador, mas para todos aqueles que compõem a sociedade
política, como administradores e juízes, pois agem como fundamentos
vinculantes de conduta.
1.4.2 Função orientadora da interpretação
Como já dito anteriormente, os princípios são importantíssimos para a
concretização da justiça, eles são a mira do operador do direito, devem ser a
base a ser seguida nas decisões tomadas pelos operadores, dando o norte
para o interprete do Direito.
Assim, para Barroso (1998, p.141), os princípios funcionam como
[...] ponto de partida do interprete há que ser sempre os princípios constitucionais, que são o conjunto de normas que espelham a ideologia da Constituição, seus postulados básicos e seus fins. Dito de forma sumaria, os princípios constitucionais são as normas eleitas pelo constituinte com fundamentos ou qualificações essenciais da ordem jurídica que institui.
De nada adianta para o aplicador do Direito saber diferenciar regra de
principio, se não souber suas reais funções, e de que forma utilizá-los
corretamente. Assim, verifica-se a importância dos princípios nas decisões
judiciais, observá-los e aplicá-los de maneira correta é fundamental para os
operadores do direito, visto que, são eles os pilares fortificadores do sistema
normativo, "são qualitativamente a viga mestra do sistema, o esteio da
legitimidade constitucional, o penhor da constitucionalidade das regras de uma
constituição.” (BONAVIDES, 1998, p.265).
Pode-se
acrescentar,
ainda,
que
os
princípios
diminuem
a
discricionariedade jurisdicional e vinculam o legislador (ROTHENBURG, 2003).
Mas não é só.
De forma ampla “[...] os princípios exercem função
importantíssima dentro do ordenamento jurídico-positivo, já que orientam,
condicionam e iluminam a interpretação das normas jurídicas em geral, aí
incluídos os próprios mandamentos constitucionais.” (SIQUEIRA JUNIOR apud
FAZOLI, 2007, p.18).
O ponto de partida do interprete a de ser sempre os princípios constitucionais, que são o conjunto de normas que espelham a ideologia da constituição, seus postulados básicos e seus fins. Dito de forma sumaria, os princípios constitucionais são as normas eleitas pelo constituinte como fundamentos ou qualificações essenciais da ordem jurídica que institui. A atividade de interpretação da constituição deve começar pela identificação dos princípios maior que rege o tema a ser apreciado, descendo do mais genérico ao mais especifico, até chegar a formulação da regra concreta que vai reger a espécie. (BARROSO, 2009, p. 155)
No que tange a função orientadora da interpretação dos princípios,
assim como já referido anteriormente, ela representa o ponto de partida para a
criação de uma nova norma, e se é o ponto de partida para a criação de uma
norma, porque não o ponto de chegada para a sua interpretação? Interpretar
uma norma com base em princípios, nada mais é do que dar sentido a ela, hoje
em dia é cada vez mais comum encontrarmos decisões cada vez mais
fundamentadas apenas em princípios.
Conforme aduz Fazoli (2007, p.13 - 14):
Os princípios são, pois, neste momento de incertezas e transformações, o estado da arte na interpretação evolutiva, a única capaz de dar vida ao direito. E eles (os princípios) estão aí espalhados por todo o ordenamento jurídico. A Constituição está cheia deles, já que é Lei Fundamental a "ambiência natural dos
princípios" (Willis Guerra Filho). Cabe a nós "descobri-los" e utilizá-los de forma adequada e satisfatória. Parafraseando J. J. CALMON DE PASSOS, diríamos que, assim como os mandamentos de Deus de nada valem para os que não têm fé, de nada valem os princípios constitucionais para os que não têm a consciência de sua potencialidade.
Em se tratando aplicação direta dos princípios, fica claro que não é
preciso à existência de uma regra para a aplicação de um princípio, e que se
pode aplica - lós de forma direta ao caso concreto julgado. Hoje é fundamental
para a concretização da justiça a aplicação dos princípios de forma direta pelo
operador do direito.
1.4.3 Função de fonte subsidiária
Tradicionalmente, costumava-se dizer que os princípios são fontes
subsidiarias, preenchendo as lacunas do sistema jurídico, na hipótese de
ausência de lei aplicável a uma determinada situação, servindo como elemento
integrador. Entretanto, diante do que já foi visto a respeito da normatividade
dos princípios jurídicos, pode-se constatar que estes perdem o caráter
supletivo, passando a impor uma utilização obrigatória.
A doutrina considera, atualmente, a função subsidiaria como
ultrapassada, nas palavras de Bonavides (1998, p. 254):
de antiga fonte subsidiária em terceiro grau nos Códigos, os princípios gerais, desde as derradeiras Constituições da segunda metade deste século, se tornaram fonte primária de normatividade, corporificando do mesmo passo na ordem jurídica os valores supremos ao redor dos quais gravitam os direitos, as garantias e as competências de uma sociedade constitucional
De fato a função subsidiaria encontra-se ultrapassada, tendo em vista a
força vinculante dos princípios, a partir da Constituição, sendo eles observados
incondicionalmente. Sendo assim, quando houver conflito entre regra e
principio, é certo que este ultima devera ser aplicado.
Diante do caráter incondicional dos princípios dentro do ordenamento,
tendo sempre observadas suas funções e sua aplicação ora servindo de
maneira subsidiaria e ora como fundamento principal, observa-se sejam eles
fundamentais em uma sociedade constitucional e democrática como a
Brasileira, necessários tanto como fonte de direito como também para a
manutenção de uma técnica processual justa que garanta lisura aos resultados.
Um exemplo de tal necessidade é o principio da fundamentação como
garantia processual o qual se aborda no próximo capitulo assim como a
presença do principio da proporcionalidade na confecção das leis ordinárias e
sua aplicação nas decisões.
2. A APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS NAS DECISÕES JUDICIAIS
Em face da obrigatoriedade da fundamentação das decisões judiciais,
próprias de um Estado de Direito, e principalmente com o advento da CF/88
que estabeleceu no art. 93, IX a obrigatoriedade da publicidade nas decisões
judiciais, devendo todos obediência a lei, inclusive o próprio juiz, fica evidente
a aplicação de um silogismo Jurídico. Essa técnica de aplicação da lei em que
não há liberdade para o juiz tomar decisões contrarias a ela, gera o que a
doutrina chama de jurisprudência mecânica. Discorrendo sobre o tema Rogério
Borba da Silva (2009, p. 7):
O que se busca é o cumprimento da vontade do povo, por meio de um sistema da sua aplicação de maneira perfeita e correta, pelo Juiz, que está manifestada na lei. Como conseqüência deste processo, o legislador adquire o monopólio da produção jurídica, sendo o direito igualado a lei, que por sua vez significa o ordenamento jurídico, conferindo unidade, coerência e completude ao Estado. È o que se chama de fetichismo legal, onde a lei é tida como perfeita, prevendo todas as situações da vida, servindo de instrumento de controle social.
Para Bobbio (1996, p. 223), o que fez com que o Direito tivesse num
primeiro momento essas idéias formalistas foi o positivismo filosófico
[...] fruto de uma crença exacerbada no poder do conhecimento científico. Sua importação para o Direito resultou no positivismo jurídico, na pretensão de criar-se uma ciência jurídica, com características análogas às ciências exatas e naturais. A busca de objetividade científica, com ênfase na realidade observável e não na especulação filosófica, apartou o Direito da moral e dos valores transcendentes. Direito é norma, ato emanado do Estado com caráter imperativo e força coativa. A ciência do Direito, como todas as demais, deve fundar-se em juízos de fato, que visam ao conhecimento da realidade, e não em juízos de valor, que representam uma tomada de posição diante da realidade. Não é no âmbito do Direito que se deve travar a discussão acerca de questões como legitimidade e justiça.
O positivismo jurídico afastava conceitos dúbios como o de “bom-senso”
e se utilizava apenas de normas oriundas da racionalidade humana, a fim de
garantir a segurança jurídica nas relações sociais, ou seja, para a mesma ação
com certeza haveria a mesma conseqüência.
Este sistema funcionou bem durante um longo período, porem foi
modificado com o passar dos anos, um fato de relevância mundial que expôs a
fragilidade deste sistema é o holocausto, que nos narra Silva (2009, p.8, grifo
do autor):
Ocorre que um fato de escala mundial expôs os perigos desta exacerbação, que foi o holocausto ocorrido na segunda guerra mundial, onde o Estado Alemão matou milhões de pessoas, em especial judeus. Derrotados, o alto-oficialato foi submetido a julgamento, onde, como matéria de defesa, aqueles oficiais argumentaram que estavam cumprindo o disposto na constituição
alemã, que autorizava expressamente a morte de não arianos,
sendo a idéia fundamental do positivismo jurídico a previsão expressa em lei. Este argumento não prosperou, tendo sido os oficiais condenados, mas expôs a fragilidade do referido sistema, que permitiu a adoção de normas absolutamente contrárias aos ideais dos direitos fundamentais.
No entendimento de Ana Paula Barcelos e Luís Alberto Barroso (2003,
p.9):
A superação histórica do jusnaturalismo e o fracasso político do positivismo abriram caminho para um conjunto amplo e ainda inacabado de reflexões acerca do Direito, sua função social e sua interpretação. O pós-positivismo é a designação provisória e genérica de um ideário difuso, no qual se incluem a definição das relações entre valores, princípios e regras, aspectos da chamada nova hermenêutica constitucional, e a teoria dos direitos fundamentais, edificada sobre o fundamento da dignidade humana. A valorização dos princípios, sua incorporação, explícita ou implícita, pelos textos constitucionais e o reconhecimento pela ordem jurídica de sua normatividade fazem parte desse ambiente de reaproximação entre Direito e Ética.
Neste momento teve o surgimento do pós-positivismo, sistema que
permitia que os princípios de direito influenciassem no processo meramente
silogístico, evitando decisões mecânicas e buscando decisões mais justas,
dando liberdade ao magistrado na busca de uma decisão mais correta e não
apenas submissa a um dispositivo legal. (SILVA, 2009)
Porem, a utilização dos princípios deve atender aos postulados da
Teoria da Argumentação para evitar decisões pessoais. Em primeiro lugar é
preciso que a argumentação jurídica seja normativa, ou seja, mesmo que os
princípios estejam implícitos “é preciso que se demonstre racionalmente a sua
aceitação como representação dos valores e finalidades que pretendem
atender.” (OLIVEIRA, 2010, p. 3).
Discorrendo sobre isso Barcelos e Barroso (2003, p. 16) salientam que:
Princípios – e, com crescente adesão na doutrina, também as regras – são ponderados, à vista do caso concreto. E, na determinação de seu sentido e na escolha dos comportamentos que realizarão os fins previstos, deverá o intérprete demonstrar o fundamento racional que legitima sua atuação.
Em segundo lugar é preciso que esses princípios sejam universalizáveis,
ou seja, que se demonstre sua empregabilidade em situações distintas que
exijam a defesa dos mesmos componentes teleológicos e axiológicos.
(OLIVEIRA, 2010, p. 03)
Em terceiro lugar é indispensável que a aplicação dos princípios
invocados concretize os postulados de coerência e completude do
ordenamento jurídico, demonstrando que tal decisão esta amparada pelos
demais princípios do ordenamento, tendo em vista a complementaridade
característica entre eles. (OLIVEIRA, 2010)
Diante disto observa-se o quanto é importante e se faz necessária a
fundamentação do juiz nas suas decisões, garantia esta prevista na
Constituição, para evitar decisões arbitrárias, sejam essas decisões baseadas
em um principio a qual se faz necessária uma fundamentação que atenda aos
postulados da teoria da argumentação.
Para além de respeitar o caráter jurídico da argumentação, é necessário
que os critérios adotados possam ser transformados em regra geral,
observando o Princípio da Isonomia.
A necessidade de fundamentação das decisões judiciais é garantia
constitucional prevista no art. 93, IX da CF. Dispositivo que é fruto histórico da
transmigração das Ordenações Filipinas, essas que vigoraram no Brasil após a
colonização portuguesa.
[...] o constituinte pátrio introduz na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 93, inciso IX, o princípio fundamentação das decisões judiciais, como forma de vincular o magistrado a uma técnica desenvolvida a produzir decisões justas e corretas, de acordo com os valores sociais vigentes, através da argumentação jurídica existente na decisão judicial, verificando-se adiante o seu conteúdo e sua aplicação (SILVA, 2009, p.09)
Posterior a independência política do Brasil em 1822, por força do
decreto 20 de outubro de 1823 as Ordenações Filipinas continuaram a vigorar,
em seu Livro III, Título LXVI, parágrafo 7º primeira parte impunha o seguinte
(BARD, 2010, p.1, grifo do autor):
E para as partes saberem se lhes convém apellar, ou aggravar das sentenças deffinitivas, ou vir com embargos a ellas, e os Juízes da mór alçada entenderem melhor os fundamentos, por que os Juízes inferiores se movem a condenar, ou absolver, mandamos que todos nossos Desembargadores, e quaesquer outros Julgadores, ora sejam Letrados, ora não sejam, declarem specificamente em suas
sentenças diffinitivas, assim na primeira instancia, como no caso da appellação, ou aggravo ou revista, as causas, em que se fundaram a condenar, ou absolver, ou a confirmar, ou revogar.
Em 25 de Novembro de 1850 o dever de motivar as decisões foi previsto
no art. 232 do regulamento nº 737, que dispunha:
Art. 232 – A sentença deve ser clara, sumariando o juiz o pedido e a contestação com os fundamentos respectivos, motivando com
precisão o seu julgado, e declarando sob sua responsabilidade a lei, uso ou estylo em que se funda. (BARD, 2010, p.2)
Já na fase republicana em 1891 a Constituição consagrou a dualidade
processual, atribuindo divisão de competência legislativa sobre matéria
processual entre União e Estados. Fazendo com que os Estados membros
fizessem constar em seus Códigos de Processo o dever de motivação das
decisões judiciais. (BADR, 2010)
Após este período a Constituição de 1937 restabeleceu a unidade
legislativa (art. 16, XVI) e estava presente do Código de Processo Civil de 1939
o princípio da motivação das decisões judiciais nos artigos 118 e 280:
Art. 118. O juiz indicará na sentença ou despacho os fatos e as circunstâncias que motivaram o seu convencimento.
Art. 280. A sentença, que deverá ser clara e precisa, conterá: I – [...]
II – os fundamentos de facto e de direito; III - [...]
Parágrafo único. O relatório mencionará o nome das partes, o pedido e o resumo dos respectivos fundamentos. (BARD, 2010, p.2)
Já no Código de Processo Civil vigente está presente em vários artigos a
regra que impõem à fundamentação as decisões judiciais, vejamos:
Art. 131. O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe
formam o convencimento. (grifamos)
Art. 165. As sentenças e acórdãos serão proferidos com observância do disposto no art. 458; as demais decisões serão fundamentadas,
ainda que de modo conciso. (grifamos)
Art. 458. São requisitos essenciais da sentença: I – [...]
II – os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito. (grifamos)
O princípio em tela foi alçado, de forma expressa, ao status de garantia constitucional pela Constituição de 1988, no art. 93, IX, in verbis:
Art. 93 [...]
IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de
nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a
presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente estes. (BARD, 2010, p.3)
Embora
em
diversos
dispositivos
conste
a necessidade
de
fundamentação das decisões, não há uma definição clara e precisa de quais
parâmetros devem ser considerados para classificar uma decisão como
fundamentada ou não.
O principio da fundamentação das decisões judiciais é uma garantia
processual de que as partes serão ouvidas e terão suas provas e argumentos
apreciados. Além disso, da às partes oportunidade para que identifiquem os
motivos que levaram o juiz a julgar daquela forma, decisão essa que pode ser
aceita pelas partes, ou então contestada.
Sob o aspecto da técnica processual Eid Bard (2010, p.1) decorre:
No passado, a exemplo do que previam as Ordenações Filipinas, a obrigatoriedade da motivação das decisões judiciais era vista como mero instrumento técnico processual, ou seja, permitia às partes avaliarem a conveniência de recorrer e permitia aos juízes das instâncias superiores compreender melhor os fundamentos da sentença recorrida. Nesse sentido, a fundamentação da sentença permite às partes identificar precisamente quais os motivos que levaram o juiz a julgar daquela forma, para decidir se vale à pena ou não recorrer.
Para Silva (2009, p. 2) a função da fundamentação das decisões
judiciais não é apenas de caráter técnico processual e sim de caráter político
Hoje já se afirma que a função da fundamentação das decisões judiciais é política, posto que possibilita um controle externo das decisões judiciais, ou seja , a fundamentação das decisões não é mais direcionada apenas às partes e ao juiz que venha eventualmente, analisar um recurso, mas à sociedade como um todo.
No entendimento de Silva (2009, p. 02) existem decisões que tutelam
direitos fundamentais, mas não são bem fundamentadas, também ocorrem
decisões que contrariam as provas no processo, “contrariando a exigência
constitucional de fundamentação das decisões, em especial, a questão da
relação entre motivação e prova e a busca pela verdade no processo.”
A construção das decisões judiciais ocorre com base na teoria do
ordenamento jurídico, composta por três elementos: Unidade, coerência e
completude. Unidade é uma norma fundamental construída pelo poder
legislativo, este que é eleito pelo povo, que teria o poder de determinar a norma
jurídica a ser aplicada pelo juiz.
A coerência busca evitar fatos com teses contraditórias buscando
critérios a serem utilizados na identificação e solução. Já a completude busca a
previsão de normas que possam solucionar todos os fatos da vida. (SILVA,
2009)
Uma questão relevante levantada pela doutrina é a utilização dos
direitos fundamentais nas relações privadas, como na liberdade contratual, no
plano horizontal, que por causa de sua posição hierárquica acabariam por
resolver todos os casos, porem segundo os julgadores esse fato acabaria por
vulgarizar os direitos fundamentais, sendo assim, eles não podem ser
invocados em qualquer caso. Quando houver igualdade entre as partes deve o
julgador utilizar a lei ordinária, só se aplicando aos casos limites os direitos
fundamentais.
2.2 O Princípio da Proporcionalidade como instrumento de decisão
judicial: a lógica do razoável
O princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade como é muitas
vezes chamado, não esta expresso na Constituição, mas vem sendo
reiteradamente utilizado desde 1993, onde foi utilizado como argumento
jurídico no primeiro acórdão a respeito de controle de constitucionalidade.
Desta forma o principio da proporcionalidade é utilizado como instrumento na
proteção e garantia de direitos fundamentais descritos na constituição e tem
seus fundamentos baseados no devido processo legal e na justiça. (SAMPAIO;
SOUZA, 2011,)
Cabe aqui fazer uma pequena distinção entre princípio da
proporcionalidade e principio da razoabilidade, ambos são instrumentos de
limitação do poder estatal, “a razoabilidade se refere à legitimidade da escolha
dos fins em nome dos quais o Estado atuará, e a proporcionalidade verifica se
os meios são necessários, adequados e proporcionais aos fins já
escolhidos.”
(ARAUJO, 2011, p. 3)
Ainda nas palavras de Araújo (2011, p.3):
O Estado deve justificar racionalmente sua atuação, enquadrando-a no conjunto de regras e princípios albergados pela Constituição, com
imprescindível derivação do princípio do devido processo, pois o reconhecimento de uma inconstitucionalidade, baseado no princípio da razoabilidade, não necessariamente será fundado em outro dispositivo constitucional
O princípio da proporcionalidade teve seu surgimento junto com a
filosofia do direito. Com o intuito de controlar o poder coativo do monarca
(poder de policia) limitando – os com relação aos fins desejados e o os meios
empregados. (ARAUJO, 2011).
Para Barcelos e Barroso (2003, p. 33):
Trata-se de um valioso instrumento de proteção dos direitos fundamentais e do interesse público, por permitir o controle da discricionariedade dos atos do Poder Público e por funcionar como a medida com que uma norma deve ser interpretada no caso concreto para a melhor realização do fim constitucional nela embutido ou decorrente do sistema.
Conforme Bonavides apud (SAMPAIO; SOUZA, 2011, p.15)
[...] Infere-se que o princípio da proporcionalidade é utilizado com crescente assiduidade para aferição da constitucionalidade dos atos do Estado, como instrumento de proteção dos direitos fundamentais.
A proporcionalidade se apresenta como uma das idéias fundantes da
Constituição de 1988, como complemento ao principio da reserva legal (Art. 5º,
II. CF). Com essa afirmação de Bonavides pode-se dizer que as ações do
poder publico devem atender a lei formal, que deverá ter como parâmetro a
proporcionalidade, pois o legislador não está livre de limites quando elabora as
normas.
O princípio da proporcionalidade insere-se na estrutura normativa da Constituição, junto aos demais princípios gerais norteadores da interpretação das regras constitucionais e infra-constitucionais. Uma vez que uma visão sistemática da Constituição permite-nos auferir sua existência de forma implícita, deverá guiar o magistrado na interpretação e o legislador na elaboração de normas hierarquicamente inferiores, não obstante não se encontrar explicitamente delineado. (apud SAMPAIO; SOUZA, 2011, p.16).
O princípio da proporcionalidade tem, portanto, papel indispensável na consecução de um dos principais objetivos do Estado brasileiro, qual seja, “reduzir as desigualdades sociais e regionais”, consoante letra do artigo 3o., III, de nossa magna Carta. A proporcionalidade é,
por conseguinte, idéia ínsita à concepção de estado democrático de Direito (CRFB/88, artigo 1o., caput). (SAMPAIO; SOUZA, 2011, p.17).
É clara a presença do principio da proporcionalidade na elaboração de
normas, como por exemplo: No direito penal, artigo 5º, XLVI, caput, onde
garante a individualização das penas, ou seja, será proporcional ao ato
cometido pelo réu, já no âmbito dos direitos e garantias individuais prevê do
Artigo 5º inciso V o direito de resposta proporcional ao agravo.
Também encontra-se o princípio da proporcionalidade imposto de
maneira implícita em relação aos direito sociais, como por exemplo, o valor do
piso salarial deva ser compatível à espécie de trabalho realizado (artigo 7º, V).
É importante ressaltar que o princípio da proporcionalidade é um
principio geral do direito, que norteia a hermenêutica da Constituição em sua
totalidade. Portanto, a inobservância ou lesão a princípio é uma grave
inconstitucionalidade, “uma vez que sem principio não há ordem constitucional
e sem ordem constitucional não há democracia nem estado de direito”.
(BONAVIDES apud SAMPAIO; SOUZA, 2011, p. 18)
Portanto, o princípio da proporcionalidade é direito positivo e garantia de respeito aos direitos fundamentais, fluindo do espírito do §2o. do artigo 5o., o qual, consoante palavras do eminente professor Paulo Bonavides, “abrange a parte não-escrita ou não expressa dos direitos e garantias da Constituição, a saber, aqueles direitos e garantias cujo fundamento decorre da natureza do regime, da essência impostergável do Estado de Direito e dos princípios que este consagra e que fazem inviolável da unidade da Constituição (SAMPAIO; SOUZA, 2011, p. 18 -19)
Assim sendo, cabe Ação Direta de Inconstitucionalidade por ofensa ao
princípio da proporcionalidade, seja por ação ou omissão do Poder Público,
conforme salientam Carlos Affonso Pereia da Souza e Patrícia Regina Pinheiro
Sampaio (2011, p. 8)
[...] mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental.” ADIn
no. 1458 - Medida Cautelar - Rel. Min. Celso de Mello, em 23/05/1996.
Para a doutrina é majoritária a divisão do Principio da proporcionalidade
em
três
subprincipios,
quais
sejam:
adequação,
necessidade
e
proporcionalidade em sentido estrito.
A adequação refere-se à compatibilidade que deva ter entre o fim
pretendido com o uso de determinada norma e o instrumento empregado para
sua satisfação, já a necessidade trata do uso de medida menos nociva a fim de
chegar ao mesmo resultado (necessidade/vedação do excesso), para Sampaio
e Souza (2011, p.14) o subprincípio da necessidade pode ser traduzido em
quatro vertentes:
exigibilidade material (a restrição é indispensável), espacial (o âmbito de atuação deve ser limitado), temporal (a medida coativa do poder público não deve ser perpétua) e pessoal (restringir o conjunto de pessoas que deverão ter seus interesser sacrificados)
E por ultimo tem-se o principio da proporcionalidade em sentido estrito,
referente a valoração, tendo em vista que muitas vezes para garantir um direito
é preciso restringir outro, o que é aceitável juridicamente após um juízo de
valor
onde
conclua-se
que
determinada
norma
possui
conteúdo
valorativamente superior ao restringido.
Além dos três requisitos intrínsecos acima mencionados, pode-se elencar ainda, como pressupostos do princípio da proporcionalidade, a legalidade e a justificação teleológica, e como requisitos extrínsecos para sua aplicação, a verificação da judicialidade (o órgão de onde emana a decisão judicial deve ser competente e respeitar as hipóteses de limitação previstas pela norma) e da motivação. (MORAES apud SAMPAIO; SOUZA, 2011, p. 15).
Cabe ressaltar que geralmente as constituições elencam muitos
propósitos e princípios, porem são sucintas quanto aos meios a serem
utilizados para esses fins, diante disto desde cedo a doutrina entendeu “que se
uma Constituição define um determinado fim a ser alcançado ela também lhe
defere os meios, daí a importância da interpretação extensiva para a
hermenêutica constitucional.” (SAMPAIO; SOUZA, 2011, p. 15).
Também se ligam ao principio da proporcionalidade regendo sua
aplicação, o principio da cidadania (artigo 1º, II), principio da dignidade da
pessoa humana (artigo 1º, III) e o principio republicano (artigo 1º caput) e as
garantias e direitos individuas presentes no art. 5º, todos podem ser usados
como proteção dos direitos individuais podendo, evocados pelo particular
sempre que se sentir ameaçado ou sofrer lesão decorrente de ilegalidade ou
abuso de poder.
Considerando que todo homem possui uma esfera intangível de direitos
inerentes a sua existência, a Constituição garante que sejam todos tratados de
maneira equitativa, tentando adequar a lei as necessidades e peculiaridades de
cada um, em uma busca alem da simples igualdade formal.
2.3 ANÁLISE DA APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS NAS DECISÕES
JUDICIAIS: A JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA
A partir da Constituição Federal de 1988 a Jurisprudência brasileira vem
crescentemente se servido da teoria dos princípios como fundamento para
decisões. A dignidade da pessoa humana vem sendo usada cada vez mais
como fundamento jurídico nas decisões juntamente com a razoabilidade
quando a colisão de princípios e regras.
Pode- se observar que a centralidade dos princípios chegou às
jurisprudências dos tribunais superiores, onde já esta evidente que a dignidade
da pessoa humana é um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito e
que deve iluminar a interpretação da lei ordinária.
Para o desenvolvimento de uma análise mais concreta sobre a
aplicação dos princípios nas decisões judiciais, escolheu-se duas
jurisprudências que tiveram grande repercussão, dividindo opiniões e
suscitando debates.
Em decisão recente o Supremo Tribunal Federal, através da Ação Direta
de Inconstitucionalidade (ADI 4277), reconheceu-se a união homoafetiva e
tornou-se obrigatório no Brasil o reconhecimento como união estável, da
mesma forma que ocorre com casais heterossexuais, contrariando o conteúdo
do artigo 1.723 do Código Civil, o qual não reconhecia a união de pessoas do
mesmo sexo como entidade familiar.
EMENTA 1. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO
FUNDAMENTAL (ADPF). PERDA PARCIAL DE OBJETO.
RECEBIMENTO, NA PARTE REMANESCENTE, COMO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. UNIÃO HOMOAFETIVA E
SEU RECONHECIMENTO COMO INSTITUTO JURÍDICO.
CONVERGÊNCIA DE OBJETOS ENTRE AÇÕES DE NATUREZA
ABSTRATA. JULGAMENTO CONJUNTO. Encampação dos
fundamentos da ADPF nº 132-RJ pela ADI nº 4.277-DF, com a finalidade de conferir “interpretação conforme à Constituição” ao art. 1.723 do Código Civil. Atendimento das condições da ação. 2. PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO DAS PESSOAS EM RAZÃO DO SEXO, SEJA NO PLANO DA DICOTOMIA HOMEM/MULHER (GÊNERO), SEJA NO PLANO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL DE CADA QUAL DELES. A PROIBIÇÃO DO PRECONCEITO COMO
CAPÍTULO DO CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL.
HOMENAGEM AO PLURALISMO COMO VALOR
SÓCIO-POLÍTICO-CULTURAL. LIBERDADE PARA DISPOR DA PRÓPRIA
SEXUALIDADE, INSERIDA NA CATEGORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO INDIVÍDUO, EXPRESSÃO QUE É DA AUTONOMIA DE VONTADE. DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA. CLÁUSULA PÉTREA. O sexo das pessoas, salvo disposição constitucional expressa ou implícita em sentido contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica. Proibição de preconceito, à luz do inciso IV do art. 3º da Constituição Federal, por colidir frontalmente com o objetivo constitucional de “promover o bem de todos”. Silêncio normativo da Carta Magna a respeito do concreto uso do sexo dos indivíduos como saque da kelseniana “norma geral negativa”, segundo a qual “o que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido”. Reconhecimento do direito à preferência sexual como direta emanação do princípio da “dignidade da pessoa humana”: direito a auto-estima no mais elevado ponto da consciência do indivíduo. Direito à busca da felicidade. Salto normativo da proibição do preconceito para a proclamação do direito à liberdade sexual. O concreto uso da sexualidade faz parte da autonomia da vontade das pessoas naturais. Empírico uso da
sexualidade nos planos da intimidade e da privacidade
constitucionalmente tuteladas. Autonomia da vontade. Cláusula pétrea. 3. TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA INSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE QUE A CONSTITUIÇÃO
FEDERAL NÃO EMPRESTA AO SUBSTANTIVO “FAMÍLIA” NENHUM SIGNIFICADO ORTODOXO OU DA PRÓPRIA TÉCNICA JURÍDICA. A FAMÍLIA COMO CATEGORIA SÓCIO-CULTURAL E PRINCÍPIO ESPIRITUAL. DIREITO SUBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. INTERPRETAÇÃO NÃO-REDUCIONISTA. O caput do art. 226 confere à família, base da sociedade, especial proteção do Estado. Ênfase constitucional à instituição da família. Família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão “família”, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Família como instituição privada que, voluntariamente constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma necessária relação tricotômica. Núcleo familiar que é o principal lócus institucional de concreção dos direitos fundamentais que a própria Constituição designa por “intimidade e vida privada” (inciso X do art. 5º). Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. Família como figura central ou continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil. Avanço da Constituição Federal de 1988 no plano dos costumes. Caminhada na direção do pluralismo como categoria sócio-político-cultural. Competência do Supremo Tribunal Federal para manter, interpretativamente, o Texto Magno na posse do seu fundamental atributo da coerência, o que passa pela eliminação de preconceito quanto à orientação sexual das pessoas. 4. UNIÃO ESTÁVEL. NORMAÇÃO CONSTITUCIONAL REFERIDA A HOMEM E MULHER, MAS APENAS PARA ESPECIAL
PROTEÇÃO DESTA ÚLTIMA. FOCADO PROPÓSITO
CONSTITUCIONAL DE ESTABELECER RELAÇÕES JURÍDICAS HORIZONTAIS OU SEM HIERARQUIA ENTRE AS DUAS
TIPOLOGIAS DO GÊNERO HUMANO. IDENTIDADE
CONSTITUCIONAL DOS CONCEITOS DE “ENTIDADE FAMILIAR” E “FAMÍLIA”. A referência constitucional à dualidade básica homem/mulher, no §3º do seu art. 226, deve-se ao centrado intuito de não se perder a menor oportunidade para favorecer relações jurídicas horizontais ou sem hierarquia no âmbito das sociedades domésticas. Reforço normativo a um mais eficiente combate à renitência patriarcal dos costumes brasileiros. Impossibilidade de uso da letra da Constituição para ressuscitar o art. 175 da Carta de 1967/1969. Não há como fazer rolar a cabeça do art. 226 no patíbulo do seu parágrafo terceiro. Dispositivo que, ao utilizar da terminologia “entidade familiar”, não pretendeu diferenciá-la da “família”. Inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico. Emprego do fraseado “entidade familiar” como sinônimo perfeito de família. A Constituição não interdita a formação de família por pessoas do mesmo sexo. Consagração do juízo de que não se proíbe nada a ninguém senão em face de um direito ou de proteção de um legítimo interesse de outrem, ou de toda a sociedade, o que não se dá na hipótese sub judice. Inexistência do direito dos indivíduos heteroafetivos à sua não-equiparação jurídica com os indivíduos homoafetivos. Aplicabilidade do §2º do art. 5º da Constituição Federal, a evidenciar que outros direitos e garantias, não expressamente listados na Constituição, emergem “do regime e dos princípios por ela adotados”, verbis: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do
regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. 5. DIVERGÊNCIAS LATERAIS QUANTO À FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO. Anotação de que os Ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cezar Peluso convergiram no particular entendimento da impossibilidade de ortodoxo enquadramento da união homoafetiva nas espécies de família constitucionalmente estabelecidas. Sem embargo, reconheceram a união entre parceiros do mesmo sexo como uma nova forma de entidade familiar. Matéria aberta à conformação legislativa, sem prejuízo do reconhecimento da imediata auto-aplicabilidade da Constituição. 6. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL EM CONFORMIDADE COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (TÉCNICA DA “INTERPRETAÇÃO CONFORME”). RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO FAMÍLIA. PROCEDÊNCIA DAS AÇÕES. Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de “interpretação conforme à Constituição”. Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva. (BRASIL, 2011, grifo nosso).
O Ministro relator, Ayres Britto, baseou seu voto no artigo 3º, inciso IV da
Constituição, o qual veda qualquer discriminação em virtude do sexo, cor e
raça, a depreciação da união estável homoafetiva contrariaria o princípio da
dignidade da pessoa humana e também feriria com preceitos fundamentais
como a igualdade e a liberdade da qual decorre a autonomia da vontade.
Já em 2008, o Supremo Tribunal Federal reconheceu no julgamento da Pet
3388 a legalidade da demarcação continua da reserva indígena Raposa Serra do
Sol, que foi demarcada em 2005 pela portaria nº 534, que instituiu que os
não-índios deixassem as terras no prazo de um ano, após tal portaria inúmeras ações
começaram a tramitar no poder judiciário contestando a demarcação. Um caso
notório de colisão dos princípios constitucionais, de um lado as prerrogativas
indígenas e do outro o direito à propriedade privada, o STF julgou tendo em vista o
principio da razoabilidade e o principio da fraternidade instituído pela Revolução
Francesa.
EMENTA: AÇÃO POPULAR. DEMARCAÇÃO DA TERRA INDÍGENA
RAPOSA SERRA DO SOL. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS NO PROCESSO ADMINISTRATIVO- DEMARCATÓRIO. OBSERVÂNCIA DOS ARTS. 231 E 232 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, BEM COMO DA LEI Nº 6.001/73 E SEUS DECRETOS REGULAMENTARES.