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A hermenêutica filosófica como condição de possibilidade de interpretação da posse como direito real

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GRANDE DO SUL

ROBERTO REIS

A HERMENÊUTICA FILOSÓFICA COMO CONDIÇÃO DE POSSIBILIDADE DE INTERPRETAÇÃO DA POSSE COMO DIREITO REAL

Santa Rosa (RS) 2013

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ROBERTO REIS

A HERMENÊUTICA FILOSÓFICA COMO CONDIÇÃO DE POSSIBILIDADE DE INTERPRETAÇÃO DA POSSE COMO DIREITO REAL

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Curso - TC.

UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS- Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientador: Dr. Doglas Cesar Lucas

Santa Rosa (RS) 2013

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Dedico este trabalho aos meus pais, pela confiança a mim depositada durante toda esta jornada.

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais Gilberto Vicente Reis e Rosani Reis, que são a minha maior motivação nos estudos, pois para eles quero mostrar meu crescimento e desenvolvimento acadêmico-profissional, uma vez que sempre me incentivaram com apoio e confiança em todas as minhas escolhas na vida.

Ao meu orientador, Doglas Cesar Lucas, que me auxiliou neste trabalho, me guiando pelos caminhos do conhecimento, uma vez que é um grande conhecedor da temática abordada.

Ao amigo Adalberto Narciso Hommerding, que disponibilizou todo o material de estudo para que este trabalho pudesse ser realizado, bem como compartilhou seu amplo e reconhecido conhecimento no assunto durante todo este ano de 2013, o que foi essencial para a compreensão da temática.

Ao amigo Marcelo Cacinotti Costa, que também me auxiliou com esta monografia, compartilhando seus estudos realizados para o doutoramento em hermenêutica.

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“Quem quiser adaptar adequadamente o sentido de uma lei tem de conhecer também o seu conteúdo de sentido originário.” Hans-Georg Gadamer

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RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso faz uma análise dos estudos filosóficos de Martin Heidegger e de Hans-Georg Gadamer acerca da interpretação/compreensão de textos, apontando como estes estudos podem servir como condição de possibilidade da hermenêutica jurídica. Analisa a diferença entre hermenêutica clássica e hermenêutica filosófica. Aborda o processo hermenêutico de interpretação/compreensão. Faz uma breve análise dos direitos reais no direito brasileiro, apontando como o direito brasileiro tem tratado os direitos reais e quais são estes direitos. Trata da discussão doutrinária acerca natureza jurídica da posse. Finaliza concluindo que o processo hermenêutico-filosófico pode contribuir para que o operador do direito possa compreender e aplicar os direitos reais.

Palavras-Chave: Interpretação. Compreensão. Aplicação. Hermenêutica filosófica. Direitos reais. Posse.

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ABSTRACT

This study course conclusion analyzes the philosophical studies of Martin Heidegger and Hans-Georg Gadamer on the interpretation / understanding texts, pointing out how these studies can serve as a condition of possibility of legal hermeneutics. Analyzes the difference between classical and philosophical hermeneutics. Approaches the hermeneutic process of interpretation / understanding. A brief analysis of real rights in Brazilian law, pointing to Brazilian law has treated the material rights and what those rights. It's doctrinal discussion about legal ownership. Terminates concluding that the philosophical-hermeneutic process can contribute to the operator the right to undestand and apply the rights in rem.

Keywords: Interpretation. Understanding. Application. Philosophical hermeneutics.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...8

1 A HERMENÊUTICA FILOSÓFICA FUNDADA NO PENSAMENTO DE MARTIN HEIDEGGER E HANS-GEORG GADAMER ...10

1.1 A diferença entre hermenêutica clássica e hermenêutica jurídica ...10

1.2 A pré-compreensão e a compreensão como forma de desvelar o ente do ser ...11

1.3 A linguagem como a “casa do Ser”...15

1.4 O problema hermenêutico da aplicação, com base no estudo de Hans-Georg Gadamer e o problema da compreensão...16

1.5 O significado paradigmático da hermenêutica jurídica ...18

2 O ESTADO D’ARTE DA DOGMÁTICA JURÍDICA BRASILEIRA NO QUE DIZ RESPEITO AOS DIREITOS REAIS...21

2.1 Como a dogmática tem visto os institutos dos direitos reais...21

2.1.1 Posse: direito ou fato...23

2.1.2 O artigo 1.225 do Código Civil como numerus clausus...26

3 O QUE A HERMENÊUTICA FILOSÓFICA TEM A DIZER AOS OPERADORES DO DIREITO NO QUE DIZ RESPEITO À COMPREENSÃO/APLICAÇÃO DOS DIREITOS REAIS ...28

3.1 Posse tanto é fato como direito ...28

3.2 O artigo 1.225 do Código Civil não deve ser lido como numerus clausus ..32

CONCLUSÃO ...36

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho pretende demonstrar como a hermenêutica filosófica pode servir como ferramenta de compreensão do texto (lei), ou seja, como condição de possibilidade da interpretação dos direitos reais.

Levando em consideração que, em decorrência da limitação dos direitos reais, não há – ou não se tem visto - uma “interpretação” do texto, mas, sim, a mera “reprodução” das palavras do legislador, restringindo-se, o julgador, em considerar como direito real apenas as hipóteses permitidas ou amparadas por lei, há que se buscar o fundamento para poder atribuir sentido ao texto para assim dar efetividade ao ato interpretativo.

Para a realização deste trabalho foram efetuadas pesquisas bibliográficas, tendo por base textos doutrinários, artigos de periódicos consolidados, jurisprudências dos tribunais de justiça brasileiros e textos legais do ordenamento jurídico pátrio, analisando também como a dogmática brasileira tem tratado dos institutos dos direitos reais.

Inicialmente, no primeiro capítulo, foi feita uma abordagem dos traços fundamentais da experiência hermenêutica com base na hermenêutica filosófica de Hans-Georg Gadamer, influenciada pela filosofia hermenêutica de Martin Heidegger.

No segundo capítulo é analisado como a doutrina e a jurisprudência vem tratando dos direitos reais, em especial o problema de serem numerus clausus; ou seja, qual o “estado d’arte” – o que está a ser feito atualmente no campo de estudo - da interpretação sobre os direitos reais no Brasil.

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No terceiro e último capítulo é demonstrado como a hermenêutica filosófica pode contribuir como condição de possibilidade para a hermenêutica jurídica dos direitos reais, apontando para a insuficiência das concepções que tratam os direitos reais como numerus clausus.

A partir desse estudo se verifica como a hermenêutica filosófica pode servir como ferramenta de compreensão do texto, ou seja, como condição de possibilidade de interpretação dos direitos reais, uma vez que existem diversas situações caracterizadoras de direitos reais, embora não contempladas pela lei civil. Daí a necessidade de uma hermenêutica que reconheça a presença desses direitos reais não contemplados na lei e sua eficácia de direito real.

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1 A HERMENÊUTICA FILOSÓFICA FUNDADA NO PENSAMENTO DE MARTIN HEIDEGGER E HANS-GEORG GADAMER

No presente capítulo será demonstrado como o pensamento dos filósofos Martin Heidegger e Hans-Georg Gadamer pode ser utilizado como base de compreensão do texto jurídico, possibilitando a hermenêutica jurídica.

A necessidade de compreender o texto jurídico, levando-se em conta que compreender é interpretar e hermenêutica é compreensão, também será analisada, a fim de que seja possível buscar o fundamento para atribuir sentido ao texto jurídico, no intuito de que seja dada efetividade ao ato interpretativo.

1.1 A diferença entre a hermenêutica clássica e a hermenêutica filosófica

A hermenêutica filosófica não é a hermenêutica clássica. A hermenêutica clássica é entendida como “técnica”. A hermenêutica filosófica não é técnica. Ela propõe uma compreensão que nos compromete a partir de nossa historicidade e que permite desvelar os sentidos não como um ato de busca, mas apenas como um “acontecer da verdade”1.

A hermenêutica filosófica, portanto, não aponta regras ou métodos para conduzir o processo de interpretação. Mas é uma maneira de “ser-no-mundo", é a historicidade que faz o homem compreender-se, compreender aos demais homens e compreender as coisas tal como elas se apresentam a ele. Da mesma maneira que não existe um método para se estar no mundo, não existe método para compreendê-lo. Apenas a historicidade, a tradição que envolve o homem é capaz de definir um horizonte de compreensão, um horizonte que não pode ser possuído, que

1

Ao introduzir o Dasein, em seu pensamento Heidegger elabora um novo conceito “de ser que não está mais ligado aos entes de maneira objetivista, mas que surge no ser-aí como o sentido do ser. É desse ser que podemos afirmar que foi esquecido na metafísica, e somente um conceito de ser ligado ao ser-aí, que é um nível de ente que se articula fora da metafísica, é capaz de constituir o ponto de partida da superação da metafísica”. STEIN, Ernildo. Pensar é pensar a diferença. Filosofia e conhecimento empírico. Ijuí: UNIJUÍ, 2002, p. 150. No mesmo sentido, fazendo excelente síntese acerca da hermenêutica filosófica e da sua importância para a compreensão do Direito: LUCAS, Doglas Cesar. Hermenêutica filosófica e os limites do acontecer do direito numa cultura jurídica aprisionada pelo “procedimentalismo metodológico”. In: LUCAS, Doglas Cesar; SPAREMBERGER, Raquel (org.). Olhares hermenêuticos sobre o direito: em busca de sentido para os caminhos do jurista. Ijuí: UNIJUÍ, 2006.

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não pode ser objetificado, pois está desde sempre pré-definindo em relação a existência e a maneira do homem ser no mundo (STEIN, s.d., p. 265).

Essa virada hermenêutica floresce a partir da contribuição do pensamento de Martin Heidegger e de Hans-Georg Gadamer. É o que veremos a seguir.

1.2 A pré-compreensão e a compreensão como forma de desvelar o ente do ser

Hans-Georg Gadamer realiza um estudo acerca da descoberta de Martin Heidegger sobre a pré-estrutura da compreensão.

Gadamer (1999, p. 401-402), explicando o início do processo de compreensão, diz que

Toda interpretação correta tem que proteger-se contra a arbitrariedade da ocorrência de “felizes idéias”(sic) e contra a limitação dos hábitos imperceptíveis do pensar, e orientar sua vista “às coisas elas mesmas” (que para os filósofos são textos com sentido, que também tratam, por sua vez, de coisas). Esse deixar-se determinar assim pela própria coisa, evidentemente, não é para o intérprete uma decisão “heróica”(sic), tomada de uma vez por todas, mas verdadeiramente “a tarefa primeira, constante e última”. Pois o que importa é manter a vista atenta à coisa, através de todos os desvios a que se vê constantemente submetido o intérprete em virtude das idéias(sic) que lhe ocorram. Quem quiser compreender um texto realiza sempre um projetar. Tão logo apareça um primeiro sentido no texto, o intérprete prelineia um sentido do todo.

Gadamer (1999, p. 402) leciona que ao compreender um texto, elaborando o projeto do seu sentido – nascimento e projeção de uma ideia -, este, por sua vez, pode sofrer uma revisão no momento que os outros “projetos” se colocam lado a lado, construindo conceitos prévios que poderão ser substituídos por outros mais adequados, ou seja, reprojetando a ideia anteriormente criada.

Portanto, para se compreender deve-se sempre estar receptivo para as alteridades do texto, com o fim de confrontar a verdade do texto com as suas próprias opiniões prévias, sendo que estas podem ser chamadas de antecipações de sentido (GADAMER, 1999, p. 405).

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Assim, “Justamente todo esse constante reprojetar, que perfaz o movimento de sentido do compreender e do interpretar, é o que constitui o processo que Heidegger descreve”, que é o processo de pré-estrutura da compreensão (GADAMER, 1999, p. 402).

Existe, pois, uma pré-compreensão que possibilita que se desvele, ou seja, fazer com que seja revelado o sentido de uma questão a partir de uma história, da linguagem, dos fatos. Ou seja, há uma pré-compreensão das coisas, que antecipa a nossa compreensão da realidade, daquilo que tem sido até este momento e que se pode projetar, que não é estável ou definido, é mutável e nos ajuda a conhecer a realidade, e é isto que a hermenêutica chama de “ser”.

Ainda, ressalta o autor que

Quem procura compreender está exposto a erros de opiniões prévias, as quais não se confirmam nas próprias coisas. Elaborar os projetos corretos e adequados às coisas, que como projetos são antecipações que apenas devem ser confirmadas “nas coisas”, tal é a tarefa constante da compreensão. (GADAMER, 1999, p. 402, grifo nosso).

Diante disso, o filósofo Ernildo Stein argumenta que “[...] Por isso diz Heidegger que o homem se compreende quando compreende o ser [...]” (STEIN, 1996, p 57), pois a compreensão é algo que está sempre presente quando nos movimentamos no mundo, pois temos uma compreensão que faz parte de nós mesmos, dizendo que “[...] Somos no mundo como compreensão. E a compreensão é uma característica nossa como ser humano.” (STEIN, 1996, p. 30). Portanto, o compreender para Heidegger é parte da condição humana, haja vista que o ser humano somente se constitui pela compreensão.

Ainda, falando da compreensão no ponto de vista de Heidegger, Ernildo Stein (1996, p. 60) fala que

[...] O compreender sempre é, ao mesmo tempo, algo que se pode explicitar na linguagem que manifesta algo, mas o compreender também é algo que faz parte do modo de

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ser-no-mundo. Então o compreender para Heidegger está ligado tanto ao universo cognitivo que se ocupa com as coisas no mundo e faz parte do universo cognitivo que fala sobre o mundo. O compreender faz parte do universo das ciências e faz parte do universo da filosofia [...]

Assim, levando-se em consideração que para Heidegger “[...] o compreender só é possível na medida em que o homem é um mundo”, e o modo ser-no-mundo como condição humana se ocupa com análise dos objetos dentro do ser-no-mundo, ou seja, se ocupa em interrogar sobre o mundo. Mas sendo alguém que está no mundo e fala sobre o mundo, o modo-ser-no-mundo descreve condições de possibilidade dos objetos ou conhecimento dos objetos (STEIN, 1996, p. 60).

Portanto, assim diz Stein (1996, p. 77), concluindo o que entende por compreensão, que

[...] O compreender não é mais apenas uma intelecção de um novo sentido do texto, o compreender é um compreender que faz parte do ser humano como um existencial. Portanto, o modo de ser no mundo é o modo de compreender, e o ser no mundo é um compreender e interpretar. O ser-no-mundo é um já sempre saber virar-se no mundo, é dar conta de si mesmo no mundo. Esse dar conta profundo é o compreender, portanto, o compreender existencial, que inclui em si a ideia da hermenêutica filosófica.

E todo esse processo é tratado pela hermenêutica como “círculo hermenêutico”, pois a compreensão ocorre, por assim dizer, de modo circular, circularidade que afasta qualquer ideia de começo e fim e situa tudo no presente. Isso significa, conforme leciona Custódio Luís Silva de Almeida (2002, p. 24), que “[...] o passado e o futuro estão sempre presentes como horizontes do presente, como possibilidades de compreensão. Antes de entender o passado ou vislumbrar o futuro, compreender é uma vivência do presente, que requer conhecimento de que o envolve; assim, a partir do presente o passado se desvela e o futuro se antecipa.”

Ernildo Stein (1996, p. 19) argumenta que

[...] A interpretação é hermenêutica, é compreensão, portanto, o fato de nós não termos simplesmente o acesso aos objetos

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via significado, mas via significado num mundo histórico determinado, numa cultura determinada, faz com que a estrutura lógica nunca dê conta inteira do conhecimento, de que não podemos dar conta pela análise lógica de todo o processo do conhecimento. Ao lado da forma lógica dos processos cognitivos precisamos colocar a interpretação [...]

Trazendo essa lição para o contexto jurídico, há que se dizer que se deve dar atenção à necessidade da compreensão e interpretação da norma, (re)projetando o seu sentido, no intuito de dar a devida aplicação do texto às diversas situações fáticas existentes no mundo da vida - textos com sentido.

Nesse sentido, Gadamer (1999, p. 444) expõe que “[...] a compreensão não é nunca um comportamento somente reprodutivo, mas é, por sua vez, sempre produtivo.”

Por isso, o aplicador do direito deve estar atento ao sentido primeiro da norma e sua atual validade, uma vez que deve ver o direito após utilizar do processo interpretativo-compreensivo da norma para, após, aplicá-la.

Para tanto, “[...] faz sentido que o intérprete não se dirija aos textos diretamente, a partir da opinião prévia que lhe subjaz, mas que examine tais opiniões quanto à sua legitimação, isto é, quanto à sua origem e validez.” (GADAMER, 1999, p. 403).

O operador do direito, assim, deve estar receptivo ao que lhe é submetido à apreciação, lançando mão da pré-compreensão que detém para projetar o sentido ao fato e aplica-lo observando a sua validez no campo jurídico.

Portanto, a receptividade quanto ao sentido do texto deve ser a tarefa primeira, constante e última, a fim de que seja interpretado, compreendido e aplicado ao fato o sentido daí reproduzido.

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1.3 A linguagem como a “casa do ser”

A hermenêutica fala do mundo por meio da linguagem e vamos falar da linguagem “[...] enquanto ela é o mundo sobre o qual falamos. Então é o tratamento filosófico da linguagem que está em questão quando falarmos das questões da hermenêutica, ou da hermenêutica filosófica.” (STEIN, 1996, p .14).

Ernildo Stein ressalta que a filosofia tem de manter o estilo argumentativo, “[...] portanto, ela tem que poder dar as razões que a levam a fazer tais afirmações do ponto de vista dos conteúdos e do ponto de vista do discurso, da linguagem.” (STEIN, 1996, p. 13).

A filosofia, como ensina Stein, não trata de objetos “[...] mas trata do modo como os objetos se dão, trata das condições de possibilidade.” (STEIN, 1996, 21), dizendo ainda que

A filosofia enquanto filosofia hermenêutica procura uma base para os processos cognitivos humanos que se dão na linguagem e diz que existe, desde cedo, um processo comum a todos os seres humanos que lhes permite se comunicarem através de uma linguagem, através dos discursos chamados assertóricos, dos discursos que trabalha com enunciados e que esta condição de possibilidade vem da compreensão, de uma compreensão determinada. Essa compreensão faz parte do modo de ser do homem. E ela é dada como estrutura prévia de sentido. (STEIN, 1996, p. 33).

Ainda, Heidegger reconhece a linguagem como condição de possibilidade de estar no mundo e de compreendê-lo; concebendo, portanto, a linguagem como uma abertura para o mundo (HEIDEGGER, 2000, p. 220).

Assim, conforme ensina Lenio Luiz Streck, a linguagem é mais do uma condição de possibilidade, “[...] é constituinte e constituidora do saber, e, portanto, do nosso modo-de-ser-no-mundo, que implica as condições de possibilidade que temos para compreender e agir.” (STRECK, 2001, 193).

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Streck (2001, p. 193) explica que Martin Heidegger afirmou que “[...] como o compreender só é possível se o homem é um ser-no-mundo, nosso acesso a esse mundo só é possível pela linguagem.”

Conclui Streck, portanto, dizendo que a linguagem é a casa do ser e “[...] se a linguagem é a casa do ser, então é a nossa morada, porque somos ser-no-mundo; nossa compreensão do mundo é, sempre, linguisticamente interpretada. Enquanto lugar do evento do ser, a linguagem é aquele acontecimento originariamente único, no qual o mundo se abre para nós.” (STRECK, 2001, p. 193).

1.4 O problema hermenêutico da aplicação, com base no estudo de Hans-Georg Gadamer acerca do problema da compreensão

Explicando que a compreensão está interligada com a interpretação, Gadamer afirma que “A interpretação não é um ato posterior e oportunamente complementar à compreensão, porém, compreender é sempre interpretar, e, por conseguinte, a interpretação é a forma explícita da compreensão.” (GADAMER, 1999, p. 459).

Porém, Gadamer ensina que “[...] a fusão interna da compreensão e da interpretação trouxe como consequência a completa desconexão do terceiro momento da problemática da hermenêutica, o da aplicação, do contexto da hermenêutica.” (GADAMER, 1999, p. 459).

Oliveira (2006, p. 59) ensina que

A racionalidade hermenêutica estrutura-se através da compreensão surgida da relação entre sujeito e objeto, ou entre teoria e prática, possibilitada pela interpretação. O processo do interpretar e do compreender reintroduz no ato de conhecimento a consideração do momento da aplicatio, da experiência, da atividade prática. Interpretação, compreensão e aplicação constituem, deste modo, os elementos fundamentais para uma abordagem hermenêutica do direito.

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[...] considerando como um processo unitário não somente a compreensão e interpretação, mas também a aplicação […] a aplicação é um momento do processo hermenêutico, tão essencial e integrante como a compreensão e a interpretação.

Portanto, o texto “tem de ser compreendido em cada instante, isto é, em cada situação concreta de uma maneira nova e distinta. Aqui, compreender é sempre também aplicar.” (GADAMER, 1999, p. 461). Por isso se entende como um único processo.

Dando clareza ao seu ponto de vista, Gadamer (1999, p. 461) expõe que

[...] é constitutiva a tensão que existe entre o texto proposto – da lei ou da revelação – por um lado, e o sentido que alcança sua aplicação ao instante concreto da interpretação, no juízo ou na prédica, por outro. Uma lei não quer ser entendida historicamente. A interpretação deve concretizá-la em sua validez jurídica.

Desta forma, pode ser dito que não basta apenas utilizar-se da compreensão e da intepretação como ferramenta hermenêutica-filosófica, devendo sempre estar presente a aplicação como última - e não menos importante – “ferramenta” do processo hermenêutico, haja vista que “[...] um saber geral que não saiba aplicar-se à situação concreta permanece sem sentido, e até ameaça obscurecer as exigências concretas que emanam de uma determinada situação.” (GADAMER, 1999, p. 466).

E nas palavras de Gadamer, “[...] a aplicação não é uma parte última e eventual do fenômeno da compreensão, mas que o determina desde o princípio e no seu todo.” (GADAMER, 1999, p. 481).

E como a compreensão, conforme já salientado, está umbilicalmente ligada com a interpretação em um ato filosófico, poder-se-ia dizer que

[...] o intérprete não pretende outra coisa que compreender esse geral, o texto, isto é, compreender o que diz a tradição e o que faz o sentido e o significado do texto. E para compreender isso ele não deve querer ignorar a si mesmo e a situação hermenêutica concreta, na qual se encontra. Está obrigado a relacionar o texto com essa situação, se é que quer entender algo nele.” (GADAMER, 1999, p. 481-482).

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Por isso, “O compreender deve ser pensado menos como uma ação da subjetividade do que como um retroceder que penetra em um acontecer da tradição.” (GADAMER, 1999, p. 435).

Neste sentido, pode-se dizer que o operador do direito deve pensar no sentido da norma quando foi criada, depois na sua finalidade, e, após, perceber se esta ainda possui “validade” e “eficácia” no ordenamento jurídico atual.

Outrossim, acerca da tradição, Gadamer (1999, p. 443-444) sustenta que

Cada época tem de entender um texto transmitido de uma maneira peculiar, pois o texto forma parte do todo da tradição, na qual cada época tem um interesse pautado na coisa e onde também ela procura compreender-se a si mesma. O verdadeiro sentido de um texto, tal como este se apresenta ao seu intérprete, não depende do aspecto puramente ocasional que representam o autor e seu público originário. […] esse sentido está sempre determinado também pela situação histórica do intérprete, e, por consequência, por todo processo objetivo histórico.

Tratando do fenômeno da tradição no estudo hermenêutico-filosófico, Gadamer diz que “[...] a distância de tempo em sua produtividade hermenêutica só pôde ser pensada a partir da mudança de rumo ontológico que Heidegger deu à compreensão como um 'existencial'.” (GADAMER, 1999, p. 445).

Portanto, a tarefa da interpretação está em concretizar a lei em cada caso, isto é, na sua aplicação.

1.5 O significado paradigmático da hermenêutica jurídica

Hermenêutica é interpretação, interpretação é compreensão, uma vez que a interpretação está interligada com a compreensão, e como o processo interpretativo-compreensivo não pode se desligar da aplicação, pois assim não teria eficácia, pode-se dizer que o processo hermenêutico jurídico – por aqui se falar em hermenêutica no campo do direito – deve ser feito com base na interpretação e, após este processo, aplicar o que foi compreendido.

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A hermenêutica jurídica “[...] é uma medida auxiliar da práxis jurídica e inclina-se a sanar certas deficiências e casos excepcionais no sistema da dogmática jurídica.” (GADAMER, 1999, p. 482).

Lenio Luiz Streck (2001, p. 208), tendo como base o estudo de Hans-Georg Gadamer, afirma que este autor contribuiu para a hermenêutica jurídica, ensinando que não é possível existir um saber apenas reprodutivo do Direito, visto que é uma “ficção” o ponto de vista de que é possível o intérprete se equiparar ao pensamento do leitor originário.

Para Streck (2001, p. 208), a interpretação da lei é uma tarefa criativa e não reprodutiva, explicando que

Os diversos princípios que deve aplicar, por exemplo, o da analogia, ou o de suprir as lacunas da lei, ou em último extremo o princípio produtivo implicado na mesma sentença, isto é, dependente do caso jurídico concreto, não representam somente problemas metodológicos, senão que entram a fundo na matéria jurídica mesma. (STRECK, 2001, p. 208).

Diante disso, o que se pode concluir é que a hermenêutica jurídica não pode empregar como padrão de interpretação o “princípio subjetivo da ideia e intenção originárias do legislador” quando da criação da norma, ou seja, não pode apenas reproduzi-la, mas, sim, aplicá-la no real sentido do texto em sua atual situação fática, sem, contudo, fugir da base legal e dos princípios.

Streck (2001, p. 211) completa formando a conclusão de que

O intérprete compreende o conteúdo da norma a partir de uma pré-compreensão, que é a que vai lhe permitir contemplar a norma desde certas expectativas, fazer uma idéia(sic) do conjunto e perfilar um primeiro projeto, ainda necessitado de comprovação, correção e revisão através da progressiva aproximação à coisa por parte dos projetos em cada caso revisados, com o que a unidade de sentido fica claramente fixada. Dada esta presença do pré-juízo em toda compreensão, trata-se não se limitar a executar as antecipações da pré-compreensão, sendo, pelo contrário, consciente das mesmas e explicando-as, respondendo assim ao primeiro comando de toda interpretação: proteger-se contra o arbítrio das idéias(sic)

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e a estreiteza dos hábitos de pensar imperceptíveis e dirigir o olhar ‘para as coisas mesmas’.

É verdade que o julgador conhece a lei em si, mas sua eficácia normativa tem que ser determinada ao caso ao qual será aplicada.

Ademais, como diz Gadamer, “Quem quiser adaptar adequadamente o sentido de uma lei tem de conhecer também o seu conteúdo de sentido originário.” (GADAMER, 1999, p. 484).

Assim, para o julgador determinar com certeza o conteúdo da norma, ele deve “[...] admitir que as circunstâncias foram sendo mudadas e que, por conseguinte, tem que determinar de novo a função normativa da lei.” (GADAMER, 1999, p. 485).

Portanto, a hermenêutica – aqui se falando no campo jurídico -, é o compreender, no qual há, como já referido, uma interpretação umbilicalmente interligada. Onde há interpretação, há divergências. A hermenêutica-jurídica-filosófica, porém, entendida como um modo-de-ser-no-mundo, aponta caminhos para atribuir sentido aos textos e contextos a que se vê submetido o intérprete.

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2 O ESTADO D’ARTE DA DOGMÁTICA JURÍDICA BRASILEIRA NO QUE DIZ RESPEITO AOS DIREITOS REAIS

Neste capítulo será analisado como a doutrina e a jurisprudência vem tratando dos direitos reais, em especial ao tratar a posse como fato ou direito e o problema de os direitos reais serem numerus clausus, ou seja, o que está a ser feito atualmente no campo de estudo acerca da interpretação sobre os direitos reais no Brasil.

2.1 Como a dogmática tem visto os institutos dos direitos reais

Os direitos reais estão colocados em nosso ordenamento jurídico vigente no Livro III, do Código Civil, sob título denominado “Do direito das Coisas”.

O vocábulo reais decorre de res, que significa coisa, por isso nada impede que se utilize tanto a expressão direito das coisas como direito reais, conforme leciona Silvio de Salvo Venosa, sendo que ora iremos falar em direitos reais, ora em direito das coisas (VENOSA, 2010, p. 21).

O significativo doutrinador, Pontes de Miranda, afirma que “[...] O direito real tem como conteúdo a coisa, de modo que a prestação da parte contrária (e.g., de quem tem de restituir a coisa) apenas é conseqüência do direito.” (MIRANDA, 1983, p. 05). Por isso, o autor leciona que os direitos reais são direitos absolutos, ensinando que direitos absolutos são aqueles que possuem subjetividade passiva total, ou seja, a relação jurídica a que correspondem os direitos reais é entre o titular do direito e todos, é um direito que obriga qualquer pessoa, qualquer sujeito passivo. Porém, nem todos os direitos absolutos são direitos reais, explicando que não são direitos absolutos sobre as coisas (MIRANDA, 1983, p. 05-06).

Silvio de Salvo Venosa (2010, p. 22), explicando e exemplificando o absolutismo dos direitos reais, sustenta que

[...] O titular do direito real, portanto, impõe-se perante o terceiro, porque na realidade se opõe ou apõe seu direito de

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forma absoluta. Em apertada síntese, podemos sustentar que o absolutismo do direito materializa-se em seu exercício. É elemento estranho sua origem. Daí por que o detentor da coisa deve restituir o bem ao dono, pouco importando que o tenha adquirido de boa ou má-fé, por ser esse aspecto irrelevante ao proprietário. Ele tem direito à coisa porque é dono, apenas isso. Basta provar a propriedade. Nesse aspecto reside o absolutismo do direito real.

Dito isso, importante voltar a falar do conteúdo/objeto do direito das coisas, sendo que Pontes de Miranda ensina que “Os direitos que têm por objeto bem corpóreo, ou incorpóreo, que seja ‘coisa’, são direitos reais; daí dizerem-se direitos sôbre(sic) coisa.” (MIRANDA, 1983, p. 06).

A doutrina define o objeto dos direitos reais aquilo que pode ser apropriado, que são os bens que podem participar das relações jurídicas e podem integrar patrimônio, juridicamente considerados (VENOSA, 2010, p. 02). Silvio de Salvo Venosa diz que “[...] o objeto do direito pode recair sobre coisas corpóreas ou incorpóreas, como um imóvel, no primeiro caso, e os produtos do intelecto (direitos de autor, de invenção, por exemplo), no segundo” (VENOSA, 2010, p. 04).

Portanto, Venosa entende que o direito das coisas trata do direito subjetivo que está entre a pessoa e as coisas e é dessa relação de senhoridade, de poder, de titularidade, de dominus, que o estudo dos direitos reais deve se ocupar (VENOSA, 2010, p. 03-04).

Silvio de Salvo Venosa (2010, p. 04) ainda sustenta que

[...] o direito de propriedade, o mais amplo, o ápice do direito patrimonial, e os demais direitos reais, de menor extensão. Todos esses direitos, em seu maior ou menor âmbito, decorrentes de modalidade de direito subjetivo, dizem-se erga omnes, ou seja, devem ser respeitados por todos, perante todos.

Concluindo a visão dogmática do tema, pode ser dito que “Os direitos reais regulam as relações jurídicas relativas às coisas apropriáveis pelos sujeitos de direito.” (VENOSA, 2010, p. 04).

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2.1.1 Posse: fato ou direito

Atualmente, a doutrina tradicional diz que a posse é uma relação de fato entre a pessoa e a coisa, podendo dizer ser um estado de fato protegido pelo direito. Porém, a doutrina diverge em qualificar a posse como apenas fato ou como direito (VENOSA, 2010, p. 28).

Para Venosa (2010, p. 29), a posse é fundamento de um direito e é “[...] conteúdo de exteriorização do exercício da maioria dos direitos reais.” (VENOSA, 2010. 39).

Porém, para conceituar a posse e poder falar se ela é fato ou direito, é importante fazer uma análise das teorias que caracterizam este conceito, quais sejam: a teoria subjetivista e a teoria objetivista.

Venosa, explicando a teoria subjetivista de Friedrich Carl von Savigny, ensina que

[...] a posse supõe a existência de dois elementos essenciais: corpus e animus. O corpus é o elemento físico, sem o qual não existe posse. Em sua forma mais típica, compreende a possibilidade de ter contato direto e físico com a coisa. O que verdadeiramente caracteriza o corpus é a possibilidade de fazer o que se queira com ela, impedindo qualquer interferência estranha. No entanto, para que alguém seja verdadeiramente considerado possuidor, é necessário que tenha a intenção de possuir a coisa. Trata-se do elemento subjetivo. Se alguém detém a coisa sabendo-a pertencer a outrem, não há animus, não existindo posse. Na teoria de Savigny, é o animus que distingue o possuidor do simples detentor. O elemento exterior, o corpus, não permite essa distinção, pois aos olhos de terceiros tanto o possuidor, como o detentor, têm relação aparentemente idêntica a coisa. (VENOSA, 2010, p. 40).

Portanto, segundo Savigny, somente existe posse quando presente relação de contato entre o sujeito e a coisa (corpus) e quando há vontade deste em exercer poder de fato sobre a coisa possuída, com ânimo de dono (animus ou animus domini). E o corpus (elemento material) acarreta em relação de fato, sendo que o animus (elemento intelectual) isoladamente acarreta simples detenção.

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Assim, no ponto de vista de Savigny, a posse é um fato, considerada em si mesma, e, considerando os efeitos que produz, também é um direito. Pois o contato entre a pessoa e a coisa (elemento material), juntamente com a vontade de ter a coisa como dono (elemento intelectual), coloca no mesmo caminho o lado fático e o lado jurídico da posse. Isto é, a posse é fato, mas seus efeitos são jurídicos.

Já a teoria objetivista de Jhering diz que o que importa é o destino econômico da coisa, sendo que, fazendo referência a esta teoria, Maria Helena Diniz (2002, p. 37) fala que

[...] qualquer pessoa é capaz de reconhecer a posse pela forma econômica de sua relação exterior com a pessoa [...]

A posse é a exteriorização ou visibilidade do domínio, ou seja, a relação exterior intencional, existente, normalmente, entre o proprietário e sua coisa.

Francisco Cardozo Oliveira, também tratando da teoria objetivista, ensina que Rudolf von Jhering “Na tentativa de desqualificar o animus domini como elemento da posse [...] fez a crítica da teoria de Savigny afirmando que a posse é a exterioridade, a visibilidade de propriedade.” (OLIVEIRA, 2006, 87).

Então, para Jhering basta a presença do corpus para que seja caracterizada a posse, considerando que o “[...] Possuidor comporta-se como faria o proprietário. O animus está integrado no conceito de corpus.” (VENOSA, 2010, p. 40). E Venosa (2010, p. 49) ainda diz que “[...] Quem de fora divisa o possuidor, não o distingue do proprietário. A exterioridade revela a posse, embora no íntimo o possuidor possa ser também proprietário.”

Jhering sustenta sua teoria dizendo que o corpus não existe sem o animus e vice-versa, haja vista que os dois nascem ao mesmo tempo pela incorporação da vontade na relação com a coisa, citando, como exemplo, que o corpus está com o animus assim como a palavra está com o pensamento, pois na palavra incorpora-se o pensamento, que até então era puramente inteiro. Assim, no corpus está incorporada à vontade, o animus, que até então era interno, conforme ensinamento de Arnaldo Rizzardo (2009, p. 25).

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Ainda o mesmo autor leciona dizendo que, segundo Jhering, a posse é um direito e não apenas um fato, pois constituiu um interesse protegido juridicamente (RIZZARDO, 2009, p. 22) e completa:

[...] se a posse, como tal, não estivesse juridicamente protegida, não seria mais que simples relação de fato. Todavia, ao longo da História verificamos sempre a proteção à posse. Isto lhe empresta, portanto, o irrecusável caráter de relação jurídica. E relação jurídica é sinônimo de direito. (RIZZARDO, 2009, p. 22).

Para concluir, Francisco Cardozo Oliveira fala que “[...] A posse é reconhecida fato relevante para o direito na proporção em que o ato de apropriação da coisa que a caracteriza possa ser equiparado ao que poderia praticado pelo proprietário.” (OLIVEIRA, 2006, p. 89).

Portanto, a teoria objetivista, além de considerar a posse como um direito, constrói o conceito de posse a partir de elementos do conceito de propriedade (OLIVEIRA, 2006, p. 89-90).

Sobre a posse, observa-se claramente que nosso ordenamento adotou a corrente objetiva de Jhering, ao dispor em seu artigo 1.196 do Código Civil que

Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.

Então, nosso ordenamento jurídico, ao definir o que é possuidor - quem detém a posse -, indiretamente definiu o que é a posse, que é o exercício de fato sobre determinada coisa por meio de algum dos poderes da propriedade, seja o uso, gozo ou disposição, conforme ensinamentos de Arnoldo Wald (1995, p. 54). Ou seja, o possuidor detém a posse quando se manifesta como proprietário, e, também, quando manifesta seu interesse econômico na coisa.

Portanto, conforme pôde ser visto neste capítulo, não há como se falar em posse sem falar nas teorias da Savigny e Jhering.

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2.1.2 O artigo 1.225 do Código Civil como numerus clausus

No Brasil, os direitos reais são tratados como numerus clausus, sendo que o Código Civil em vigência dispõe em seu artigo 1.225 o seguinte

Art. 1.225. São direitos reais: I - a propriedade; II - a superfície; III - as servidões; IV - o usufruto; V - o uso; VI - a habitação;

VII - o direito do promitente comprador do imóvel; VIII - o penhor;

IX - a hipoteca; X - a anticrese.

XI - a concessão de uso especial para fins de moradia XII - a concessão de direito real de uso.

Como pode ser observado, o artigo descreve um rol dos direitos reais assim intitulados pelo legislador, e são eles em número fechado, ou seja, numerus clausus. E também assim o fazia o Código Civil brasileiro do ano de 1916 em seu art. 674, sendo que os códigos alemão, suíço e italiano também adotam esta forma expressa de direitos reais (VENOSA, 2010, p. 25).

Pontes de Miranda (1983, p. 7) diz que o número de direito reais é fechado, clauso, porque não se podem criar outros direitos reais sem lei. Assim, apenas o legislador pode atribuir o caráter de direito real para alguma situação.

Venosa (2010, p. 26) ensina que

O direito real impõe restrições aos membros da sociedade, e não é de se admitir que a vontade privada possa ampliá-las e agravá-las. Isso somente será possível onde e quando a lei entender oportuno e conveniente.

Portanto, os direitos reais, por se tratar de matéria que trata das necessidades coletivas, não podem ter origem apenas na vontade das partes, considerando que a tipicidade de direito real resulta tão-somente da lei (VENOSA, 2010, p. 25-26).

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Venosa (2010, 26) ainda diz que “[...] São de ordem pública as normas definidoras dos direitos reais e da respectiva amplitude de seu conteúdo.” E a partir disso, conclui-se que não pode o interesse particular sobrepor o interesse público no que diz respeito aos direitos reais, a fim de que sejam satisfeitas as necessidades coletivas.

O direito real possibilita que o titular exerça o seu poder sobre determinado objeto, sendo que o bem protegido é exterior à pessoa do titular do direito, portanto, o bem protegido recai sobre todos os outros homens, haja vista que o objeto dos direitos reais não está na personalidade do titular, mas numa coisa (WALD, 1995, p. 24).

Desta forma, o que se entende hoje é que não se pode admitir que qualquer sujeito crie algum direito real, seja, por exemplo, por meio de contrato, pois assim se estaria possibilitando aos particulares que exerçam poder sobre determinado objeto, recaindo tal situação meramente obrigacional contra um sujeito passivo indeterminado e amplo, sem que estes particulares sequer fossem titulares de um direito real sobre a coisa. Essa é a razão da taxatividade existente em nosso ordenamento jurídico no que diz respeito aos direitos reais, ou seja, há uma limitação imposta pela lei, impossibilitando ampliação senão pela própria lei.

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3 O QUE A HERMENÊUTICA FILOSÓFICA TEM A DIZER AOS OPERADORES DO DIREITO NO QUE DIZ RESPEITO À COMPREENSÃO/APLICAÇÃO DOS DIREITOS REAIS

Neste capítulo será demonstrado como a hermenêutica filosófica pode contribuir como condição de possibilidade para a compreensão/aplicação dos direitos reais, ou seja, para uma hermenêutica jurídica dos direitos reais.

Será apontando como a posse se mostra como uma situação tanto de fato como de direito, sendo inadequado falar de posse como fato ou apenas como direito, considerando ser uma situação de fato que gera direito, e, portanto, deve ser vista nestes dois aspectos.

Além disso, este capítulo irá apontar para a insuficiência das concepções que tratam os direitos reais como numerus clausus, pois há situações caracterizadoras de direito real que não são assim tratadas pelo ordenamento jurídico e pelo operador de direito.

3.1 Posse tanto é fato como direito

Conforme já foi explicado no ponto “2.1.1 Posse: fato ou direito”, a posse no direito brasileiro é considerada uma relação de fato entre a pessoa e a coisa, sendo esta situação fática protegida pelo direito. Mas aqui está a pergunta: posse é fato ou direito? Ou seria ao mesmo tempo fato e direito?

Venosa (2010, p. 28), ignorando a discussão, diz que

[...] a nós parece mais acertado afirmar que a posse trata de estado de aparência juridicamente relevante, ou seja, estado de fato protegido pelo direito. Se o Direito protege a posse como tal, desaparece a razão prática, que tanto incomoda os doutrinadores, em qualificar a posse como simples fato ou como direito.

Ocorre que a discussão existe e ainda se encontra presente na doutrina, sendo abordada pela maioridade dos pensadores do direito civil.

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Pois bem. A hermenêutica filosófica, como forma de compreensão, interpretação e aplicação – três processos hermenêuticos internamente ligados e que não devem ser distintos, conforme raciocínio de Gadamer -, pode ser utilizada como construção de conhecimento e de busca do alcance da norma, sendo que aqui trabalhará o fenômeno posse.

Assim, pode-se dizer que a hermenêutica filosófica serve como contribuição para que o operador do direito (intérprete) possa compreender o direito por meio do processo hermenêutico apresentado por Gadamer, auxiliando, então, ao conhecimento do direito apresentado ao intérprete.

Dito isso, iniciamos este ponto ressaltando uma frase de Francisco Cardozo Oliveira que diz que “O acesso hermenêutico ao direito, apoiado nos postulados da hermenêutica filosófica, conduz a novo patamar de racionalidade que influencia a técnica da interpretação e o modo de conhecer e de compreender o direito.” (OLIVEIRA, 2006, p. 214).

A hermenêutica está para criticar o dogmatismo, visando abstrair conceituações, as quais deixaram de enfrentar os problemas relativos à concretização do direito, resgatando o elo entre teoria e prática para identificar os limites e as possibilidades do direito (OLIVEIRA, 2006, p. 214).

Francisco Cardoso Oliveira (2006, p. 234-235) explica muito bem aonde queremos chegar ao falar da compreensão hermenêutica da posse, pontuando que

A compreensão hermenêutica da posse e do direito de propriedade, na realidade social e jurídica brasileira, não deve sustentar-se no abandono sistemático dos conceitos de posse e de propriedade construídos ao longo da história, ou mesmo na desconsideração da concepção normativa da propriedade e da posse. É relevante para a hermenêutica demonstrar as limitações das premissas normativas e conceituais para tratar dos fenômenos da posse e da propriedade no Brasil.

Por isso, pode ser dito que a hermenêutica – aqui filosófica, sendo que quando utilizarmos a palavra hermenêutica neste ponto sempre será de caráter

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filosófico - visa recuperar o existencial da compreensão ignorado pela abstração conceitual tanto utilizada no campo jurídico, demonstrando, também, que pode haver insuficiência no conceito, voltando-se, assim, para a concretude do mundo em que o texto (fato) e a norma (lei) se encontram e são aplicados.

Há que ser destacado, novamente, que a hermenêutica não é método ou procedimento, mas é uma maneira de ser-no-mundo, é a historicidade que faz o homem compreender-se, compreender aos demais homens e compreender as coisas tal como a ele se apresentam.

Assim, há que ser dito que o direito está em constante movimento no mundo da vida, pois a sociedade (homem), a qual o direito é aplicado, sofre alterações de caráter social e político ao passar do tempo, devendo o operador do direito acompanhar estas alterações, a fim de evitar o engessamento de seu conhecimento.

Por isso, o operador do direito, ora intérprete, deve estar atento à hermenêutica, por está sujeito às situações do mundo da vida que lhe são levadas a conhecimento, devendo aplicar o direito em compasso com as mudanças impulsionadas pela sociedade com relação às normas e sua validade. O direito, por ser conteúdo de normatização da sociedade, é, pois, um modo-ser-no-mundo.

Desta forma, a hermenêutica mostra que para o operador do direito compreender o que é a posse – campo do direito aqui escolhido -, deve entender que esta compreensão “[...] não ocorre apenas no bojo de uma formulação teorética, mas está atrelada a uma inserção do sujeito no mundo e, consequentemente, a um saber prático conectado ao saber teórico.” (OLIVEIRA, 2006, p. 239).

Pontes de Miranda já dizia há aproximadamente vinte anos que “[...] A posse é suporte fáctico(sic) que ainda não entrou no direito, ainda não é fato jurídico, por mais completo que esteja.” (MIRANDA, 1983, p. 56).

Desse modo, a posse desde o Código Civil de 1916 já se encontrava protegida pelo direito, tendo esta proteção sido mantida no Código Civil de 2002. Logo, a posse, historicamente, para a sociedade e para o direito, é uma situação

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fática com proteção jurídica, sendo que a hermenêutica filosófica de Gadamer aponta que para que haja uma compreensão do que está sendo interpretado, há que se ter atenção à historicidade do que é objeto de interpretação, para, então, projetar um horizonte de sentido e aplicar aquilo que foi interpretado no presente.

A norma contida no Código Civil em vigência, amparada pela teoria objetivista de Jhering, trata - e pode-se dizer, também, que a define - a posse como um exercício de fato do homem sobre a coisa por meio de algum dos poderes da propriedade.

Assim, o operador do direito, ao se deparar com a posse, já a conhece como uma situação fática, que está amparada por uma teoria objetivista, portanto, já possui uma pré-compreensão do que é a posse e como ela é tratada ao longo dos anos. Lançando mão desta pré-compreensão do que é a posse, surge ao aplicador do direito (posse) o horizonte desta pré-compreensão, ou seja, a compreensão do que é a posse, projetando o sentido da posse e, por fim, interpretando seu atual alcance jurídico. Daí aparece a pergunta do intérprete acerca da posse: é uma situação fática ou um direito?

Portanto, aqui se quer explicar que a hermenêutica não atribui à posse um conceito jurídico como sendo um fato ou um direito, mostra que o operador do direito tem que ter a ideia constante de que a posse é situação fática que está protegida pela legislação vigente (situação histórica), sendo uma relação jurídica, e por ser uma relação jurídica, é sinônimo de direito, embora ainda não seja tratada como direito real. Ou seja, a posse tanto é fato como direito.

O autor Marco Aurélio Bezerra de Melo reconhece que “[...] sob a ótica do sistema de proteção da posse regulamenta pela lei é possível concebê-la como um verdadeiro e próprio direito.” (MELO, 2011, p. 28).

Conclui-se este ponto com o pensamento de Rizzardo que fala que “[...] Sendo um direito, e tendo como objeto imediato a própria coisa possuída, deve a posse figurar no elenco das relações jurídicas sobre a coisa, isto é, no elenco dos direitos reais.” (RIZZARDO, 2009, p. 22).

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3.2 O artigo 1.225 do Código Civil não deve ser lido como numerus clausus

Como já foi apontado anteriormente, o artigo 1.225 do Código Civil é lido como um número fechado de situações que são reconhecidas como sendo direitos reais.

Este rol taxativo de direitos reais já se encontrava presente no Código Civil de 1.916, porém, sofreu algumas alterações, sendo que o atual Código Civil entende como direitos reais a propriedade, a superfície, as servidões, o usufruto, o uso, a habitação, o direito do promitente comprador do imóvel, o penhor, a hipoteca, a anticrese, a concessão de uso especial para fins de moradia e a concessão de direito real de uso.

Ricardo Aronne (2001, p. 134), ao falar da taxatividade do art. 1.225, explica que esta situação se dá em razão do

Profundo impacto social dos vínculos reais, por sua oponibilidade erga omnes por meio dos regimes de titularidades que vinculam todos os demais à abstenção, descabe que os titulares criem figuras diversas das concebidas no ordenamento – seja explícita, acervando seu caráter de direito real, ou implícita, dando-lhe as características da espécie, alcançável mediante interpretação -, pois não se lhe atribuem titularidades, restando inoponível aos demais.

Venosa – como já foi citado anteriormente – fala que o direito real impõe restrições aos membros da sociedade, sua oponibilidade é contra todos, sendo o sujeito passivo indeterminado, ou seja, a proteção jurídica dos direitos reais pode ser exercida contra toda e qualquer pessoa que praticar algum ato contra este direito.

E Wald (1995, p. 24) disse que o objeto dos direitos reais não está na personalidade do titular, mas numa coisa. Então, havendo proteção à coisa – juridicamente falando -, tem-se caracterizado um direito real (RIZZARDO, 2009, p. 22).

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Importante citar aqui os ensinamentos de Marco Aurélio Bezerra de Melo (2011, p. 27), que diz que “[...] todo fato com relevância jurídica é direito e todo direito nasce de um fato (ex facto ius oritur) [...]”.

Portanto, como já explicamos no ponto “3.1”, a posse – embora não se encontre no rol de direitos reais – tem proteção jurídica, e por ter esta proteção, é sinônimo de direito, direito sobre a coisa possuída, e como ensina Rizzardo, a posse deve ser elencada no rol de direitos reais.

Assim, tem-se que a posse exterioriza caráter de direito real, sendo que o operador do direito, ao se deparar com a posse, já tem, desde já, a pré-compreensão de que a posse é um fato que possui proteção jurídica. Assim, ao verificar se o possuidor da coisa exerce algum dos poderes inerentes a propriedade, está interpretando a situação posta em juízo, e verificando existir exercício de posse, compreende ser uma situação fática com proteção, que pode, no futuro, ser protegida juridicamente contra terceiros. Portanto, ao aplicar o direito à situação, ou seja, compreender/interpretar o caso que foi analisado, há que se estar atento ao caráter de direito atribuído a posse, pois o possuidor, exercendo algum dos poderes de propriedade, tem proteção jurídica.

Desta forma, a posse – exemplo aqui utilizado – é uma situação caracterizadora de direito, porém, não é assim tratada pelo ordenamento jurídico.

Aliás, Serpa Lopes (2001), citado por Marco Aurélio Bezerra de Melo (2011, p. 29), ensina que

A posse não foi contemplada expressamente como sendo um dos direitos reais. Isto, porém, não chega a ser um obstáculo, pois a questão do numerus clausus não influi no caso presente, se tivermos em vista que o princípio da hermeticidade dos direitos reais não exige uma norma legal expressa criando-os, isto é, que declare expressamente revestir-se do caráter de direito real uma determinada relação jurídica. É suficiente que os seus pressupostos coincidam com os de um direito real.

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Por isso, o que se quer mostrar aqui é que, por meio do processo hermenêutico filosófico, o operador do direito pode perceber que o rol taxativo do art. 1.225 do Código Civil não dá conta de elencar todas as situações fáticas do mundo da vida que são caracterizadoras de direito real, razão pela qual o artigo referido pode ser visto de outra maneira e não apenas como um número fechado de direitos reais, pois pode não estar contemplando todos os direitos reais assim considerados pelo direito brasileiro.

E Lenio Luiz Streck (2001, p. 206) leciona que

[...] O ato de interpretar implica uma produção de um novo texto, mediante a adição de sentido que o intérprete lhe dá. Essa adição de sentido decorre da consciência histórico-efetual no qual o intérprete está possuído. Isto porque há um caráter construtivista na história.

Hermeneuticamente falando do artigo 1.225 do Código Civil, ou seja, interpretando o artigo, não se tem como objetivo buscar uma “nova” visão deste, que surge a partir do ato de interpretar de cada operador do direito, mas, sim, há a possibilidade de se desvelar o seu significado que vem sendo sedimentado historicamente, que faz parte da tradição, cabendo ao intérprete projetar o futuro e apreender esta historicidade no presente, interligando todos os momentos em uma singularidade interpretativa.

Aliás, Oliveira (2006, p. 61) sustenta que

[...] O texto, portanto, nunca é definitivo, acabado. Aceitar a possibilidade teórica de um sentido acabado do texto legal equivale a negar à lei a qualidade de fonte reprodutora do tempo do justo e da juridicidade. A interpretação marcada pela particularidade dos valores da realidade fática não esgota as possibilidades do sentido do texto legal.

Este é o motivo pelo qual já salientamos que a interpretação é um modo-ser-no-mundo, pois está sempre em movimento.

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E outra coisa, o processo hermenêutico é diferente para cada pessoa (operador do direito), sendo que cada um compreenderá de uma maneira diferente, por isso dizemos que a hermenêutica pode ser uma condição de possibilidade de interpretação do direito, mostrando que, a nosso ver, a posse pode ser considerada fato e direito, com características de direito real, e, por isso, há a possibilidade de estender o rol de direitos reais assim consideradas pelo direito brasileiro.

Mas há que ser ressaltado que a interpretação – utilizando-se da hermenêutica filosófica – não é vazia, desprovida de sentido ou de uma base construtiva do sentido, pois ela se dá a partir de uma historicidade que envolve o intérprete.

A interpretação visa evitar a “preguiça de espírito” tanto encontrada no senso comum dos juristas, que estão despreocupadas com o caso concreto, utilizando sempre que possível o “feijão com arroz” ao aplicar o direito, razão pela qual importante demonstrar que a hermenêutica se preocupa como o “acontecer”, com o caso concreto, com o mundo vivido, e, portanto, busca revelar o sentido do texto, deixando de lado a preguiça do pensamento, da filosofia.

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CONCLUSÃO

A hermenêutica filosófica, ao contrário da hermenêutica clássica, não é um método ou técnica de compreensão, mas um existencial, uma compreensão que se dá a partir da historicidade que envolve o homem.

E se levando em consideração que a compreensão é um processo produtivo, deve o operador do direito estar atento a isso quando da interpretação/compreensão da norma (lei).

E como a interpretação é hermenêutica, e a hermenêutica se dá por meio da linguagem, iremos interpretar por meio da linguagem, que é a condição de possibilidade para a interpretação.

Assim, considerando que a interpretação é compreensão, e o processo interpretativo-compreensivo não pode estar desligado da aplicação, o intérprete deve aplicar aquilo que foi compreendido; porém, com atenção ao efetivo sentido da norma.

Desse modo, em decorrência da limitação dos direitos reais, não há – ou não se tem visto - uma “interpretação” do texto, mas, sim, a mera “reprodução” das palavras do legislador, restringindo-se o julgador em considerar como direito real apenas as hipóteses permitidas ou amparadas por lei.

A hermenêutica filosófica auxilia na busca do fundamento para poder atribuir sentido ao texto a fim de dar efetividade ao ato interpretativo.

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Desta forma, a hermenêutica filosófica pode servir como condição de possibilidade de interpretação dos direitos reais, uma vez que existem diversas situações caracterizadoras de direitos reais não contempladas pelo Código Civil.

A hermenêutica auxilia a demonstrar nos casos (sempre “práticos”) a presença desses direitos reais não contemplados na lei e sua eficácia de direito real.

Os direitos reais tratam das coisas corpóreas ou incorpóreas, dos bens (coisas) que podem ser apropriadas, que podem participar de relações jurídicas e podem integrar patrimônio, juridicamente consideradas. Tratam do direito subjetivo que existe entre a pessoa e as coisas, e dessa relação de domínio.

Como o direito real advém da relação entre a pessoa e a coisa, seu caráter é erga omnes, ou seja, deve ser respeitado por todos e pode ser defendido contra todos.

O título I do Livro III do Código Civil trata da posse, que é um campo dos direitos reais.

O direito brasileiro adotou a teoria objetiva de Jhering para caracterizar a posse, considerando possuidor – quem detém a posse – aquele que exterioriza algum dos poderes inerentes à propriedade, bem como demonstra seu interesse econômico na coisa.

Porém, embora a posse esteja prevista no livro que dispõe acerca dos direitos reais, não é considerada um direito real e diz respeito a uma relação de fato sobre a coisa, com proteção jurídica, inclusive não estando prevista no art. 1.225 do Código Civil.

E nosso ordenamento jurídico trata do art. 1.225 do Código Civil como numerus clausus, ou seja, um número fechado de situações consideradas pelo legislador como direito real, impossibilitando que o interesse particular amplie este rol limitado.

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Ocorre que, com base na hermenêutica filosófica, podemos interpretar a posse sendo tanto fato como direito, com caracterização de direito real.

Isso porque a hermenêutica filosófica de Hans-Georg Gadamer se manifesta pela ligação entre o agora e o passado, por meio do conhecimento da verdade do mundo vivido, ligado a história enquanto tradição.

Assim, o processo hermenêutico se dá pela pré-compreensão que já existe no intérprete, resultando numa fusão de horizontes do seu projeto de sentido, chegando, então, na interpretação/compreensão que, conforme Gadamer, caminha de mãos dadas com a aplicação.

Por isso, com base na hermenêutica filosófica, a posse, por ser considerada ao longo do tempo um fato (texto) amparado pelo direito (norma), com proteção jurídica, pode ser interpretada ao mesmo tempo como fato e direito, texto e norma. Ou seja, pode ser vista como um direito real.

Desta forma, pode ser dito que o texto (fato) jurídico não pode andar separado da norma, pois a norma existe no texto que a envolve.

E considerando essa condição de possibilidade estabelecida pela hermenêutica, ao tratar a posse tanto como fato e direito, com característica de direito real, há também a possibilidade de interpretação do artigo 1.225 do Código Civil, que estabelece todos os direitos reais assim entendidos pelo legislador, haja vista a interpretação advinda da hermenêutica que considera a posse como um direito real, o que possibilita a ampliação do número - que antes era fechado – de direitos reais, deixando de tratar aquele artigo como numerus clausus.

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REFERÊNCIAS

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