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Subprograma de Psicologia Social e da Personalidade

Religião e Individuação: fenomenologia do desenvolvimento humano

através da direção espiritual.

Elismar Alves dos Santos

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Universidade Católica de Goiás

Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia Subprograma de Psicologia Social e da Personalidade

Religião e Individuação: fenomenologia do desenvolvimento humano

através da direção espiritual.

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Psicologia da Universidade Católica de Goiás, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Psicologia.

Orientação: Prof. Dr. Saturnino Pesquero Ramón.

Goiânia, junho de 2006.

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S237r Santos, Elismar Alves dos.

Religião e individuação : fenomenologia do desenvolvimento humano através da direção espiritual / Elismar Alves dos Santos. - 2006.

112 f.

Dissertação (mestrado) – Universidade Católica de Goiás, Subprograma de Psicologia Social e da Personalidade, 2006. “Orientador: Prof. Dr. Saturnino Pesquero Ramón”. 1. Religião. 2. Individuação. 3. Direção espiritual. 4.

Fenomenologia – interpretação. I. Título.

CDU: 24 165.62

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DISSERTAÇÃO DO MESTRADO EM PSICOLOGIA DEFENDIDA EM 19 DE JULHO DE 2006. E CONSIDERADA

APROVADO PELA BANCA EXAMINADORA

1) Dr. Saturnino Pesquero Ramón / UCG (Presidente)

2) Dr. Rodolfo Petrelli / UCG (Membro)

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Universidade Católica de Goiás

Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia Subprograma de Psicologia Social e da Personalidade

Goiânia, junho de 2006.

Dissertação apresentada conforme os ditames da nova normalização desta instituição, composta de:

* Uma descrição das principais teses existentes sobre o tema abordado, levantadas na revisão bibliográfica realizada para fundamentação teórica e metodológica do trabalho.

* Um artigo teórico empírico sobre o tema estudado.

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RESUMO

Religião e Individuação: fenomenologia do desenvolvimento humano através da direção espiritual

Religion end individuation: phenomenology of human developement trough the spritual direction.

Resumo: O presente trabalho, de natureza teórico-empírica, sobre o poder subjetivante da direção espirtual, tem como objetivo resgatar a dimensão psicológica humanizante dessa milenar prática religiosa Cristã-Católica. O método usado para explorar os significados humanizadores propiciados através dessa técnica e vivenciados pelos quatros sujeitos pesquisador, é o qualitativo de base fenomenológica. Os resultados apontam a eficácia dessa prática religiosa no campo do desenvolvimento e ajustamento humano, assim como assinalam seu efeito para a vivência de uma religiosidade mais solidamente humana.

Palavras chaves: Direção espiritual; individuação; método qualitativo-fenomenológico; interpretação fenomenológica.

Abstract: The current work, theorical-empirical, about the subjective power of spiritual direction attemps to rescue the humanizing psychological dimension of this old and actual Catholic-Cristian religious practice. The techinique used to explore the humanizer meanings experienced by the four searched subjects, is qualitative with phenomenological background. The results point to the efficacy of this religious practice en the fiel of the human adjustment and development, as well as stress its effects to the experience of a religiosity that is more solid and human. Key-words:Spiritual direction; individuation; qualitative method-phenomenological; phenomenological interpretation.

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O saber recolhido na

revisão bibliográfica

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SUMÁRIO

Introdução...1

I-O saber sobre o fenômeno religioso...2

1.1. Na área da psicologia da religião psicoanalítica...2

1.2. Na área da psicologia da religião analítica...20

1.3. Na área dos estudos fenomenológicos da vivência religiosa:... 25

1.3.1. James: a experiência religiosa como vivência existencial radical... 25

1.3.2. Otto: o numinoso na experiência religiosa...31

1.3.3. Eliade: a pré-disposição conatural da experiência religiosa...33

1.4. Na área da sociologia da religião: ...36

1.4.1. Durkheim: a religiosidade como fenômeno grupal...36

1.4.2. Max Weber: religiosidade e ética...39

1.5. A doutrina junguiana sobre a dimensão religiosa da individuação:...44

1.5.1: Deus como arquétipo do inconsciente coletivo...44

1.5.2: O Self e individuação...53

II-O saber sobre os aspectos estudados nas concepções de direção espiritual:...62

2.1. Histórico da direção espiritual...64

2.2. A direção espiritual como proposta de integração pessoal ...65

2.3.Direção espiritual e Self espiritual ...66

2.4. A relação interpessoal na direção espiritual ...68

2.5. O papel da direção espiritual no desenvolvimento da dimensão espiritual da existência ...70

III-O saber sobre a metodologia da pesquisa qualitativa de base fenomenológica ...78

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IV-O saber sobre a normalização para publicação de trabalho técnico-científicos ...81

V-Referências...82

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INTRODUÇÃO:

A revisão bibliográfica realizada foi direcionada para um levantamento, o mais exaustivo possível, do saber existente nestes quatro eixos temáticos complementares a serviço da fundamentação teórica, metodológica e normativa científica de nosso trabalho:

1- Saber sobre o fenômeno religioso

2- Saber sobre as concepções de direção espiritual

3- Saber sobre a metodologia da pesquisa qualitativa de base fenomenológica 4- Saber sobre a normalização para publicação de um trabalho técnico

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I-O saber sobre o fenômeno religioso:

1.1. Na área da psicologia da religião psicoanalítica:

Estudos mostram que a religião vem ao longo dos tempos proporcionando discussões acerca de seu papel na vida das pessoas. Segundo Neto (2003) a religião, enquanto fenômeno, tem proporcionado vários benefícios para a existência humana: a religião é importante para o tratamento de dependência de álcool e drogas. O movimento internacional dos alcoólicos anônimos surgiu motivado por uma experiência religiosa; a religião ajuda no controle social, desencorajando desvios, delinqüência e comportamentos autodestrutivos, sucesso acadêmico, harmonia familiar, comunicação entre pais e filhos, etc.

Para ele, uma outra consideração favorável em relação ao papel da religião nas relações consiste no fato do efeito benéfico desta prática quando esta consegue despertar no indivíduo o desejo de perdoar a si mesmo e aos outros. Neto (2003) adverte ainda que: “A variável religiosa, por sua enorme influência na vida das pessoas, precisa ser levada em consideração na compreensão dos problemas, no entendimento epistemológico do paciente, na formulação de suas histórias e narrativas.” (p.300).

Segundo este estudioso, nem todos conseguem ver a religião como uma vivência importante para a saúde humana. Os principais argumentos dos que afirmam que a religião é prejudicial à saúde consiste em afirmar que a vivência da mesma gera, por exemplo, níveis patológicos de culpa, interfere no pensamento racional e crítico. Por outro lado, o argumento dos que defende o valor da importância da religião para a saúde psíquica consiste, pois, em afirmar que esta vivência favorece nas pessoas uma sensação

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de poder e controle, através da associação com uma força onipotente e fornece soluções para uma grande variedade de conflitos emocionais e situacionais.

Vergote (2001) explica que sempre, na história das religiões, existiram pessoas que procuravam a prática religiosa com o objetivo de restabelecer a cura diante de alguma enfermidade. O Xamã, por exemplo, representava esta figura responsável em conferir a cura. Ribeiro (2004) e Lopez (2001) ao explicarem a ligação entre religião e psicologia lembram que o homem deve ser visto na condição de um ente que carrega dentro de si o instinto da divindade; portanto, portador de uma pré-disposição conatural para a experiência religiosa.

Layang (2004) explica que a religião se apresenta como um mecanismo que reforça valores, entre os quais, a vida após a morte. Uma outra contribuição da vivência da religião, em seu dizer, consiste na mudança de comportamentos traduzidos em atitudes novas por parte dos indivíduos. É pertinente a reflexão de Lopez (2001) acerca deste tema quando diz: “é possível trabalhar no campo da psicologia e da religião estabelecendo pontes que permitam aproximar as duas áreas mantendo o rigor científico exigido pela primeira e o sentido de mistério que caracteriza a segunda?”. (p.60).

Sobre o saber teórico levantado na área da psicologia da religião psicoanalítica sabe-se que a psicanálise sistematizou como base um método de conhecimento acerca do comportamento mental humano que verdadeiramente revolucionou o conceito de pessoa ao longo dos tempos. A psicanálise freudiana impôs limites à autonomia plena da consciência na vida do ser humano. Apresentando a teoria de que existe um sistema inconsciente, ela apresenta um novo meio de se fazer ciência. Esse novo meio de se fazer ciência é o de se aprofundar no desconhecido, investigar coisas que todos pensavam ser algo banal ou natural e ver que na vida dos seres humanos existem fatores predominantes que marcam profundamente a pessoa fazendo com que ela seja

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influenciada e, muitas vezes, conduzida por experiências marcantes e, às vezes, traumáticas que surgiram no decorrer de sua vida.

Uma das críticas que se faz à psicanálise consiste no fato dela considerar o indivíduo refém de seu passado, crítica esta feita, de maneira mais substanciosa por Rogers (1961/2001). Mas, é pertinente observar que as determinações das dimensões do universo psíquico inconsciente defendido pela psicanálise até certo ponto, vêm explicando alguns comportamentos tanto da vida psíquica dita normal, como também da patológica.

A história reza que depois dos escritos de Freud (1907/1996), sobretudo, algumas experiências religiosas, passaram a ser questionadas por esta ter sido comparada com a neurose obsessiva compulsiva defendida pelo pai da psicanálise. É certo, portanto, que o referido autor escreveu explicando que a vivência religiosa se equipara a um núcleo de infantilismo e alienação. Uma olhada panorâmica nos escritos de Freud (1927/1996); (1931/1996); (1939/1996); (1907/1996); (1927/1996); (1920/1996); (1913/1996) os quais serão estudados de maneira mais cautelosa logo abaixo, nos apresentam que a vivência religiosa, traduzida como experiência religiosa, se apresenta como uma dimensão que mantém uma relação com o surgimento e o desenvolvimento da fantasia infantil e, por que não dizer também uma ligação com determinadas estruturas neuróticas. No entanto, é bom lembrar que Freud não toma a religião como objeto de estudo, apenas tece comentários em alguns escritos acerca da religião diante da conduta humana.

A pesquisa focará com mais precisão a concepção junguiana acerca do impacto da religião na vida humana. No entanto, é sabido que são muitas as diferenças entre Freud e Jung sobre o impacto da religião diante da conduta humana. Jung (1971/1988) acredita que a religião personifica as dimensões mais profundas da psique humana. Por

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outro lado, Freud (1907/1996) vê na religião algumas semelhanças com a neurose obsessiva compulsiva; ao passo que Jung (1971/1988) acredita que a ausência da vivência religiosa poderá causar neurose.

Uma das possíveis causas da separação dos referidos autores parece ter sido o fato de Jung (1971/1988) não ter aceitado, como causa determinante dos comportamentos “anormais”, o fato de a neurose residir na experiência sexual. Para Jung (1961/2003) Freud (1907/1996) procurou sistematizar uma teoria em que, seus conflitos pessoais com a sexualidade e a religião, não foram resolvidos. Acerca disto Palmer (2001) diz que Jung não vê com bons olhos o desejo de Freud fazer do comportamento sexual um dogma. Devido à complexidade do assunto, faz-se necessário analisar os referidos autores de forma distinta, no que se refere ao conceito de religião, como também o impacto da mesma diante da conduta dos indivíduos.

Falar de psicanálise é antes de tudo falar de clínica. Toda a experiência do pai da psicanálise está, todavia, alicerçada com a realidade clínica, enquanto lugar que indica o caminho que leva o outro a dialogar com a realidade do desconhecido, portanto, não há uma dissociabilidade entre psicanálise e clínica. É pertinente neste sentido a afirmação de Schuler (2003) quando recorda que as “demandas da clínica levaram Freud a refletir sobre a religião” (p.11). Para Freud (1907/1996) a vida pré-religiosa, por exemplo, cria compulsões neuróticas, como já foi mencionado. Ele considera a religião, contudo, como uma vivência negativa para a saúde humana.

Freud (1927/1996) em O Mal-Estar da civilização explica que o instinto, por meio de suas formas e dos princípios que o estruturam despertou-lhe preocupações. Isto é perceptível quando no fim desta obra o pai da psicanálise chegou a falar de instinto de vida ou Eros e de instinto de morte ou Thanatos. É, portanto, neste contexto que ele explica: o instinto de vida se expressa, por exemplo, no amor, criatividade e na

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construtividade. Por outro lado, o instinto de morte tem a sua expressão por meio do ódio e da destruição. O último instinto é poderoso, porque o homem é agressivo [homo

homini lupus]. Ele não condena a civilização, mas faz uma condenação às repressões

responsáveis em gerar angústia e até mesmo a morte. É, todavia, neste contexto de desamparo e de sofrimento que ele insere a sua discussão sobre a religião.

As pessoas ao se depararem com o sofrimento que a vida oferece, em seu dizer, são obrigadas a criarem uma pretensa esperança, para a vivência de um tempo melhor. Assim ele explica: “A vida, tal como a encontramos, é árdua demais para nós; proporciona-nos muitos sofrimento, decepções e tarefas impossíveis”. (p.83). É diante deste contexto de desamparo que ele enfatiza que a solução para todo este sofrimento, encontra sua solução na religião. A religião é responsável em conferir esperança para as pessoas onde há tristeza. A religião é a responsável em apresentar soluções que nenhuma outra esfera da sociedade será capaz de oferecer. Portanto, a maneira para o indivíduo se livrar do sofrimento e alcançar a felicidade está na vivência da religião, assegura Freud (1927/1996).

A religião é, para ele, nesta referida obra uma, vivência que encontra relação com a figura do pai. Esta relação feita por ele entre o pai biológico e o Divino será explicada de maneira mais detalhada em outra obra sua mencionada neste trabalho. Ele não vê na religião uma vivência vinculada à experiência do indivíduo, mas indica algumas semelhanças entre as práticas religiosas e o comportamento de indivíduos com a neurose obsessiva, que será explicada também de maneira mais detalhada logo abaixo. O que difere a religião da neurose obsessiva, em seu dizer é que, a neurose é uma vivência individual, ao contrário da religião que é uma prática universal.

Porém, três anos após a publicação de O Mal-Estar da civilização Freud (1931/1996) publica O Futuro de uma Ilusão. Aqui ele procura explicar que a religião

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faz parte das experiências infantis. A criança geralmente cria em sua consciência uma imagem muito perfeita e angelical sobre a figura do pai. Os pais são seres perfeitos que nunca erram e, além do mais, tem como tarefa crucial estabelecer proteção aos filhos, sobretudo, o pai. Ao mesmo tempo em que os pais concedem segurança, os mesmos também podem punir. Diante do medo e da insegurança, os filhos sentem-se seguros; porque estão sob a proteção dos pais.

Com o passar do tempo, esta figura do pai vai deixando de existir na vida das crianças e elas passam a perceber que os pais são seres fracos, assim como elas. O sentimento acerca desta proteção deixa de existir. É preciso, portanto, segundo Freud (1931/1996) projetar algo equivalente à figura do pai. Este ser equivalente que, por sua vez é um ser celeste, é tudo o que os pais não são.

A maneira como este pai celeste age varia: ora pune, ora perdoa. É diante deste processo que ocorre ao longo da vida dos indivíduos que Freud (1931/1996) vê a religião como uma ilusão. “Avaliar o valor de verdade das doutrinas religiosas não se acha no escopo da presente investigação. Basta-nos que as tenhamos reconhecidas como sendo, em sua natureza psicológica, ilusão”. (p.41). A ilusão da qual ele está falando significa alguma coisa que seja verdadeira; sendo que nem sempre é verdade, mas é melhor acreditar que seja verdadeira, ora favorável ou desfavorável. Cultivar um sentimento de ilusão, não é um erro, diz Slavutzky (2003) porque imaginar é preciso. Esta mesma concepção é encontrada também em Zilboorg (1969).

Segundo Davi (2003) a religião foi assinalada por Freud no âmbito da ilusão. Compreendendo ilusão, não como um erro, mas como algo que não precisa ser confirmado. Uma vez que o homem deposita suas esperanças em um ser superior, tudo o que causa desagrado a ele teria uma solução. Ele salienta que uma das críticas mais fortes da psicanálise em relação à religião está no fato de atribuir ao indivíduo uma

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vivência pautada no desamparo quando criança, a qual prolonga-se na vida adulta, em relação a Deus. Em seu dizer esta ânsia do indivíduo por Deus está associada à figura do pai; à necessidade de pai. Para Freud (1931/1996) como já dito, a religião era uma ilusão perigosa, porque a maneira como ela age na vida do indivíduo, leva o mesmo a não dar crédito à ciência, ou até mesmo substituir a ciência pela religião.

A reflexão de Freud sobre o papel da religião na vida do ser humano, não ocorre somente por estes escritos. Freud (1907/1996) publica um artigo intitulado: Atos

Obsessivos e práticas religiosas. Neste artigo, ele procura explicar que há uma

semelhança entre os atos obsessivos e a prática devocional. Esta semelhança em seu dizer está no fato de não existir distinção entre as pessoas que praticam atos obsessivos ou cerimoniais. Todos esses comportamentos, em seu dizer, fazem parte de uma mesma classe, em que se enquadra: “pensamentos obsessivos; idéias obsessivas e impulsos obsessivos”. (p.109).

Esta classe, em sua compreensão, somada, resulta no que ele chama de neurose

obsessiva. O indivíduo neurótico para ele é incapaz de renunciar a esta classe de

comportamentos. Em outras palavras, a pessoa não consegue se afastar deste ritual e quando o faz é incomodada pela ansiedade.

Os atos obsessivos têm sua origem nos comportamentos cerimoniais. É daí que resultam os comportamentos obsessivos. No que tange à relação entre atos obsessivos e prática religiosa, Freud (1907/1996) assegura que a semelhança se encontra nos escrúpulos conscientes da consciência; nas proibições e nas minúcias em que são executados os comportamentos. Para ele, a neurose obsessiva pode ser comparada a

uma religião particular.

Pode-se dizer que neste artigo Freud (1907/1996) apresenta algumas considerações as quais se remetem a explicar a etiologia da neurose e, nesta explicação,

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ele faz uma ligação da neurose com a prática religiosa. È neste sentido que ele diz que o indivíduo piedoso ao executar o seu cerimonial, o faz sem saber o seu significado. Para o crente, os motivos que justificam a executar as práticas religiosas, são desconhecidos ou estão representadas na consciência.

Para Freud (1907/1996) o papel do cerimonial tem como finalidade estabelecer “um ato de defesa ou de segurança, uma medida protetora.” (p.114). Diz também que existe no indivíduo neurótico uma “repressão” de um impulso instintual e um componente de instinto sexual. Nesse sentido, os atos cerimoniais e obsessivos surgem como uma proteção contra a tentação e uma prevenção a um mal que poderá ocorrer.

Ele acredita que existe um sentimento de culpa nos neuróticos obsessivos. Nos indivíduos religiosos isto corresponde às práticas devotas, tais como orações

invocações, etc. Esses comportamentos, no entender de Freud (1907/1996), são

realizados no sentido de expressar por meio desses gestos uma medida que leva a uma defesa pessoal. A religião para ele, tem em sua base o sentido da repressão na renúncia, vinculada ao que ele chama de instintuais. Assim sendo, ele diz que a religião é

retroativa, no sentido de estabelecer este vínculo com os valores morais. Para ele, os

atos de penitência estão relacionados com a neurose obsessiva; porque aí está implícito o sentimento de recaídas, sobretudo, nos indivíduos piedosos.

Desta maneira, a correlação que Freud (1907/1996) faz entre neurose obsessiva e religião consiste em entender que a “...neurose como uma religiosidade individual e a religião como uma neurose obsessiva universal”. (p.116). Uma segunda correlação consiste em dizer que na neurose o processo é de caráter sexual; enquanto na religião o caráter é de uma origem egoísta.

Freud (1927-1931/1996) publica um segundo artigo, com o título de Uma

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conhecimento de uma entrevista sua concedida a um jornalista teuto-americano publicada nos Estados Unidos, ficou preocupado com a indiferença de Freud quando perguntado acerca da realidade após a morte; quando a resposta de Freud foi: “Não penso no assunto”. (p.175).

O médico envia-lhe uma carta, na qual relata como se deu seu processo de conversão dizendo que antes deste processo ter ocorrido em sua vida, ele apresentava dificuldades para crer em Deus e, pensava também que a doutrina do Cristianismo já havia sido objeto de dúvidas para ele. Parte desta carta enviada a Freud dizia:

Certa tarde, ao atravessar a sala de dissecação, minha atenção foi atraída por uma velhinha de rosto suave que estava sendo conduzida para uma mesa de dessecação. Essa mulher de rosto suave me causou tal impressão que um pensamento atravessou minha mente: ‘Não existe Deus; se existisse, não permitiria que essa pobre velhinha fosse levada a sala de dessecação... (p.175).

Freud (1927-931/1996) procura responder a carta de uma maneira humorada. Diz que a experiência de ver a velhinha morta fez-lhe recordar da mãe e, aí, o motivo do sentimento de inquietação diante do fato. Assinala que “A visão de um cadáver de mulher, nu ou a ponto de ser despido, recordou ao jovem sua mãe”. (p.177). Em seu dizer, este ato despertou nele um desejo pela mãe em decorrência do complexo de Édipo. Freud (1927-1931/1996) associa este episódio de Deus com a figura do pai desse médico, enfatizando que essas duas idéias ‘pai’ e ‘Deus’ não haviam ainda se separado de sua vida. Freud (1927-1931/1996) compara o episódio a uma psicose alucinatória: “...escutaram-se vozes interiores que enunciaram advertências contra a resistência a Deus”. (p.177). Portanto, Freud vê com ressalvas esse processo de conversão, dizendo que esta “conversão se ligou a um evento determinado e específico”. (p.177).

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Por outro lado, em Totem e Tabu, Freud (1913/1996) explica que o totemismo é a expressão compulsiva e inconsciente do indivíduo. O totemismo foi definido por ele, como uma instituição social e religiosa que existiu há muito tempo; mas que hoje este sistema foi substituído por formas mais novas.

Por isso, ele escolheu estudar a tribo dos aborígines da Austrália, por ter práticas arcaicas em suas relações sociais. Freud (1913/1996) observa que nesta tribo seus membros não mantinham relações sexuais incestuosas. Nestas tribos havia sempre a presença de um Totem. O Totem, ora se apresenta como um animal inofensível, ora se apresenta como animal perigoso, ameaçador e temido. É também o espírito guardião da tribo que envia para os seus membros oráculos.

O interesse de Freud (1913/1996) pelo estudo do totemismo está no fato de: “E chegamos agora, por fim, à característica do sistema totêmico que atraiu o interesse dos psicanalistas. Em quase todos os lugares em que encontramos totens, encontramos também uma lei contra as relações sexuais entre pessoas do mesmo totem e, consequentemente, contra o seu casamento. (p.23)”.

Freud (1913/1996), portanto, percebe que o totemismo é um sistema que ocupa o lugar da religião entre certos povos primitivos da Austrália e da África e, prevê a base de sua formação social. Por isso, existem duas leis básicas do totemismo: não matar o animal totêmico e evitar relações sexuais com membros do clã totêmico do sexo oposto. Portanto, o totemismo leva a criação de tabu “...que as proibições do tabu devem ser compreendidas como conseqüências de uma ambivalência emocional” (p.79). Para Freud (1913/1996) o tabu não pertence à esfera da neurose, dito de outra forma, o tabu não é uma neurose, mas uma instituição social.

Em um outro momento, Freud (1913/1996) diz que: “Poder-se-ia sustentar que um caso de histeria é a caricatura de uma obra de arte, que uma neurose obsessiva é a

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caricatura de uma religião e que um delírio paranóico é a caricatura de um sistema filosófico”. (p.85). Nota-se, que ele diz que não chega a ser uma neurose, mas é compreendido por ele, como pertencente a padrões que se igualam à neurose e aos delírios paranóicos.

Em Totem e Tabu, Freud (1913/1996) procura explicar em que consiste o animismo. Ensina que o animismo é uma expressão viva para mostrar a relação do homem com o Transcendente. Sendo que na fase animista, o indivíduo atribui a onipotência a si mesmo. Por outro lado, na fase religiosa transferem-na para os deuses. Portanto, ele diz que a fase animista está relacionada com a fase narcisista; a fase religiosa, por sua vez, está relacionada com a fase da escolha do objeto. É por isso, em seu dizer, que as crianças escolhem os pais como o primeiro objeto de relação.

Contudo, pode-se dizer que o totemismo foi comumente organizado como um sistema primitivo, tanto na ótica da religião, como da sociedade. Como sistema de religião, ensina que precisa existir uma união mística do selvagem com o seu totem; como sistema de sociedade, compreende as relações que os homens e as mulheres do mesmo totem mantêm uns com os outros e com os membros de outros grupos totêmicos. “O totemismo, assim, constitui tanto uma religião como um sistema social. Em seu aspecto religioso, consiste nas relações de respeito e proteção mútua entre um homem e o seu totem. No aspecto social, consiste nas relações dos integrantes do clã uns com os outros e com os homens de outros clãs. (p.112)”.

Freud (1913/1996) assinala que a origem dos padrões sociais e morais, como também da religião, têm sua origem nesse período totêmico. Uma vez que o animal passa a ser protegido por uma lei do clã, ninguém, portanto, poderá transgredir esta lei, porque todo totem é a expressão viva de uma reencarnação; por isso, a proibição se estende também para a não prática de relação sexual entre os membros do mesmo clã.

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Tornou-se, portanto, tabu a lei que protege o animal totêmico. A segunda lei corrobora uma norma que efetiva a proibição do incesto.

Vale lembrar ainda, que Freud (1920/1996) por meio de um outro escrito intitulado: Além do Princípio de Prazer Psicologia de grupo e outros trabalhos, explica que a Igreja e o Exército são classificados como grupos artificiais. Artificiais, porque, segundo ele, existe uma força externa a qual é destinada a criar condições para evitar uma possível desagregação dentro desses dois grupos.

Esta força externa evita, por exemplo, as alterações internas nas estruturas que solidificam o grupo. Na Igreja e no Exército segundo ele, prevalece a ilusão “... de que há um cabeça-na Igreja Católica: Cristo; num Exército, o comandante-chefe-que ama todos os indivíduos do grupo com amor igual”. (p.105-106). Assim, a Igreja e o Exército, na condição de instituições de massa, teriam um papel despersonalizador ao criarem a falsa ilusão da proteção de um guia comum e da igualdade fraterna de seus membros.

Por fim, o último trabalho referente à religião de Freud (1939/1996) Moisés e o

Monoteísmo, retrata Freud inseguro ao que vem sendo afirmado ao longo deste trabalho:

reduzir a religião a uma neurose obsessiva. Nesta obra, ele procura responder uma pergunta que com certeza o acompanhou por muito tempo: quem são os judeus? Levado por esta pergunta, ele faz um estudo sobre a origem desse povo, a qual é também a sua, ou seja, sua origem e educação semita. É neste contexto que ele traz à baila a figura de Moisés.

Freud (1939/1996) enfatiza que Moisés não era um judeu, mas um aristocrata em que a lenda se encarregou de fazê-lo judeu; mas na verdade ele era um egípcio que se serve da religião egípcia, a qual estava fadada a se extinguir, sobretudo, com o declínio do faraó Amenhateo IV [Arinaton] ele vê nesta religião uma nova possibilidade de

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transmitir para esse povo a imagem de um novo deus. De politeísta passa a ser monoteísta.

Segundo Freud (1939/1996) Moisés introduz na cultura desse novo povo, organizado por ele, um costume que era antigo no Egito: a circuncisão. Por meio da circuncisão, Moisés transmite para esse novo povo a idéia de aliança com Deus. Desse sentimento de pertença, nasce uma concepção ética e religiosa muito forte no meio desse povo, como de fato, a raça escolhida, ou eleita.

A circuncisão, no dizer de Freud (1939/1996) foi adotada por Moisés para mostrar que era “... preciso submeter-se à vontade do pai, mesmo que esta lhe impusesse o mais penoso sacrifício” (p.136). Assim sendo Freud (1939/1996) enfatiza que todo esse processo de libertação do Egito foi organizado por Moisés, no sentido de convencer o povo de que Javé o havia enviado para libertar o povo, no entanto, se Moisés tivesse retirado esse lado místico de seu projeto ficaria puramente o seu lado humano, sendo que isto não seria suficiente para conquistar a confiança de um povo, enfatiza Freud (1939/1996).

Portanto, como ficou demonstrado, Freud (1907/1996) apresenta algumas considerações acerca da religião a qual apresenta algumas correlações com a neurose obsessiva. Os rituais, a seu ver, demonstram que estas práticas podem ser comparadas aos comportamentos de indivíduos neuróticos. Diferentemente da concepção de Jung (1971/1988) sobre o impacto da religião na vida das pessoas, como já assinalado, Freud (1907/1996) não vê com “bons olhos” as conseqüências da vivência da religião diante da conduta humana.

Fromm (1956/2000) assim como Freud, até certo ponto (1907/1996) ensina que as pessoas precisam se esforçar para superar a compreensão infantil acerca de Deus, muitas vezes transmitida pelas religiões. Fromm (1956/2000) identifica dois aspectos da

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religião. O patriarcal e o matriarcal. No primeiro prevalece o desejo de amar a Deus como um pai; esse pai ora é rigoroso e pune; ora recompensa, em relação aos atos realizados pelo indivíduo, mas mesmo assim, ele irá lhe escolher como seu filho favorito. Já no aspecto matriarcal prevalece um amor a Deus como se fosse um amor de mãe. Não importa a condição vivenciada pelo indivíduo; o amor nesta perspectiva é incondicional, não há punição, porque o indivíduo se sente como o filho mais importante, isto é, acolhido e compreendido.

Neste sentido, Fromm (1956/2000) explica que há uma crença dominante na religião: a concepção acerca de Deus criada pelas pessoas. Esta concepção é determinante na relação do indivíduo com Deus por meio de uma religião, isto porque, mesmo sendo adulto, o indivíduo, às vezes se comporta como uma criança em relação a Deus.

Vê no Transcendente um pai que socorre e que olha para ele, que também tem o direito e o dever de castigar quando prevalece a desobediência, isto é, quando este pai lhe recompensa com seu amor sente-se feliz. A crítica dele é no sentido de dizer que a maioria das pessoas não superou esse estágio infantil e, esta concepção acaba prevalecendo como forma dominante da religião.

Fromm (1987) identifica dois princípios constitutivos na maneira do indivíduo crer. O sentido do ter, e o modo de ser. A fé no sentido do ter significa uma espécie de posse diante de uma realidade, em que não é possível ter provas racionais. Em outras palavras, a fé no modo ter leva o indivíduo a manter a relação com Deus como se este fosse um ídolo. E, em seu dizer, Deus na condição de ídolo, tem como função anular no indivíduo suas possibilidades de crescimento. Isto é, tendo Deus como ídolo, a pessoa poderá fazer dele o que bem entender, tanto para o bem, como para o mal.

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A fé no modo ter funciona como uma “muleta” para os que querem andar e viver na pura certeza; porém, uma vez que este modelo de fé não leva o indivíduo a procurar as respostas acerca das contradições da vida por si mesmo. Pode-se viver, por exemplo, no comodismo assinala Fromm (1987).

Por outro lado, no modo de ser, a fé, segundo Fromm (1987) está, necessariamente, ligada a uma atitude. “Acaso não devemos ter fé em outros seres, naqueles a quem amamos, e fé em nós mesmos?” (p.58). No modo de ser, a fé desperta no indivíduo o sentimento da sua importância perante a sociedade. Tem como meta levá-lo a tomar consciência da importância do seu protagonismo frente à própria vida.

Quanto ao papel da religião na vida de alguém, Fromm (1987) acredita:

... que impulsos ‘religiosos’ contribuem com a energia necessária para motivar homens e mulheres na realização de drástica mudança social e que, portanto, uma nova sociedade só pode ser ensejada se profunda transformação no coração humano-se um novo objeto de devoção tomar o lugar do atualmente existente. (p.135).

Mas é bom lembrar que, o sentido de “religião” empregado por Fromm (1987) não designa, propriamente dito, um sistema que tenha ligação profunda com Deus, mas expressa qualquer sistema “... enquanto [ou com algum sistema religioso”]. (p.136). Quanto ao conteúdo especifico dessa “religião”, ele ensina que este nada tem a apresentar. Então, a “religião” nesta ótica, uma vez que não demonstra um conteúdo específico corre o risco de ser destrutiva, ou construtiva, pautada na dominação, como também na solidariedade e no amor.

A atitude religiosa em Fromm (1987), portanto, tem uma estreita ligação com a estrutura de caráter. “Assim sendo, nossa atitude religiosa pode ser considerada um aspecto de nossa estrutura de caráter, visto que somos aquilo ao que nos dedicamos, e

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aquilo a que nos dedicamos é o que motiva a nossa conduta”. (p.137). Continua: “A necessidade religiosa é parte integrante das condições básicas da existência da espécie humana”. (p.137).

Para Fromm (1987) a estrutura humana carece de determinação instintiva. Uma vez, porém, que o cérebro é o responsável em levar o homem a ponderar suas alternativas, por isso, ele precisa de um objeto devocional, um ponto de apoio que possa ajudá-lo. São, portanto, a estrutura socioeconômica, e a estrutura de caráter como também a estrutura religiosa as responsáveis pela criação desse objeto devocional e, as três ao mesmo tempo, são inseparáveis do comportamento humano. “Se o sistema religioso não corresponde ao caráter social vigente, se ele entra em conflito com a prática da vida social, não passa de uma ideologia. Temos que penetrar além dele para ter a real estrutura religiosa. (p.140)”.

Porém, Fromm (1987) faz uma advertência: “... é preciso haver ideologia religiosa a fim de manter a disciplina, visto que a sua perda representa ameaça à ordem”. (p.144). Todavia, o desafio que ele lança é no sentido de que as pessoas precisam tomar consciência acerca de sua maneira de crer. Crer para ele, portanto, não significa seguir ideologias religiosas, mas desenvolver, de maneira transparente a capacidade de amar.

Fromm (1987) identifica, portanto, dois modelos de “religião”. A “Religião Industrial” e a “Religião Cibernética”. A “Religião Industrial” tem sua origem com a Reforma protestante encabeçada por Lutero, onde este procura eliminar o elemento maternal que era transmitido pela religião por meio da Igreja Católica. Ele oferece, portanto, um elemento novo, chamado por ele de Patriarcal.

Segundo Fromm (1987) a Europa bebeu desse novo jeito de ser religioso. Não mais, evidentemente, por meio do matriarcal, mas pelo modelo patriarcal. A essência

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deste modelo patriarcal está alicerçada no caráter “social e a submissão à autoridade patriarcal, sendo o trabalho o único modo de obter amor e aprovação”. (p.146). Lembrando que logo adiante serão apresentadas as concepções de Weber (1904/2004) acerca da ética protestante, o que poderá facilitar o entendimento acerca das argüições feitas por Fromm (1987).

O conceito de “Sagrado” apresentado pela “Religião Industrial” nada mais é do que o trabalho, a propriedade, o lucro e o poder, assinalam Fromm (1987). Portanto, o modelo de “Religião Cibernética” está, por sua vez, relacionado com o “Caráter Mercantil”. Este modelo não visa outra coisa senão, tratar as pessoas como mercadorias, não como valor de uso, mas valor de troca. Então, cada um procura vender a própria personalidade para se dar bem, por exemplo. O “Caráter Mercantil”, não oferece nenhum tipo de reflexão que possa proporcionar o auto-conhecimento filosófico ou religioso, mas desperta no indivíduo o sentimento somente de auto-realização.

Neste modelo, segundo Fromm (1987) interessa, sim, ao indivíduo, sempre procurar adaptar-se para que a sua personalidade seja reconhecida pela sociedade e pelo mercado. A “Religião Cibernética” está ligada a este caráter mercantil. Ela trás em sua roupagem uma dimensão que camufla, mas na verdade, não passa de uma religião pagã, mesmo as pessoas não tendo consciência disto. “A ‘religião cibernética’ de caráter mercantil corresponde à estrutura total de caráter. Oculta por trás da fachada do agnosticismo ou do cristianismo está uma religião inteiramente pagã, embora as pessoas não estejam conscientes disto. (p.152)”.

Desta forma, Fromm (1956/2000) explica que para chamar uma religião de humanística, esta deve estimular componentes básicos como o amor construtivo, despido de apetites excessivos, sem submissão ou dominação para verdadeiramente criar no indivíduo uma vivência madura na relação com o Divino.

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Por fim, esta primeira parte do trabalho dedicado à psicologia psicoanalítica em que foram apresentadas as principais argüições, ora de Freud, ora de Fromm no que diz respeito à religião, teve como finalidade mostrar que mesmo dentro da psicanálise existem visões diferentes sobre o significado da religião para a conduta humana. Fromm (1956/2000; 1987) como ficou evidenciado enfatiza a importância da vivência da religião para se viver bem. Como já anunciado no início, Jung (1971/1988) diferentemente de Freud (1907/1996) defende a idéia de que a religião é sem dúvida alguma uma forte aliada no combate ao sofrimento humano.

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1.2. Na área da psicologia da religião analítica:

C.G.Jung (1875-1961) se tornou conhecido por meio de seus escritos na área da psiquiatria. Aproximou-se de Freud, mas foi uma aproximação passageira. Ao se afastar de Freud, ele apresenta um sistema novo de idéias psicológicas que ele mesmo chamou de Psicologia analítica. Por meio deste novo método de investigação acerca da psique, o pai da psicologia analítica apresenta dois conceitos que revolucionaram o estudo psicológico do comportamento humano: Inconsciente pessoal e Inconsciente coletivo. Para ele, o inconsciente pessoal (1971/2005) é formado fundamentalmente de vivências complexas, enquanto o inconsciente coletivo (1971/1986) é formado por meio de arquétipos.

O inconsciente coletivo, em seu dizer, é hereditário; explicação esta que será feita com mais precisão na parte do estudo de [Deus como arquétipo do inconsciente coletivo]. No entanto, é chamado de hereditário (1971/1986) porque apresenta ser idêntico em todas as culturas e civilizações constituindo, assim, um substrato psíquico comum, presente em todos os seres humanos. O arquétipo, fala Jung (1961/2003), são esquemas de comportamentos instintivos responsáveis pelas reações psíquicas, presentes, sobretudo, nas mitologias e nas tradições religiosas.

É neste contexto que gostaria de inserir, por exemplo, a concepção de religião para Jung (1971/1988) como já lembrado. A religião é para ele um fator determinante na vida dos indivíduos, porque “... além de ser um fenômeno sociológico ou histórico, é também um assunto importante para grande número de indivíduos”. (p.1). Quanto à definição ele diz: “Religião é-como diz o vocábulo latino religare-uma acurada e conscienciosa observação daquilo que Rudolf Otto acertadamente chamou de

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‘numinoso’, isto é, uma existência ou um efeito dinâmico não causados por um ato arbitrário, mas sua vítima do seu criador. (p.30)”.

Jung (1971/1988) ao definir o termo religião, não está preocupado com os credos e rituais das religiões, mas as experiências religiosas originais que decorrem por meio do indivíduo em relação à prática religiosa. A religião para ele não precisa ter seu apoio na tradição e nem na fé, mas sua verdadeira origem encontra-se nos arquétipos; por isso, ele entende que religare expressa a essência da religião. Segundo Palmer (2001) se a experiência religiosa é uma experiência numinosa, isto requer dizer, então, que esta experiência é ativada por um arquétipo o qual é um númeno. Númeno no sentido de possuir um valor mais elevado, por se tratar de uma revelação.

Ulanov (2002) explica que uma vez que o homem não consegue responder: quem é Deus objetivamente? é possível falar de Deus somente por meio da experiência pessoal ou através das experiências de outras pessoas. Por isso, o inconsciente não é em si Deus; mas pode ser visto como o meio pelo qual Deus fala. Dado a esta complexidade, ele ensina que Jung tematiza, portanto, que religio e religare significam, portanto, unir a experiência individual ao domínio comum da tradição religiosa. Para ele, a religião ensina que é preciso, na condição de indivíduos, fazer experiência com o luminoso, porque esta relação estabelece um processo de transcendência.

Seminério (1998), outro estudioso de Jung, afirma que ele não se propõe a avaliar o lado racional da crença. Dito de outra forma, ele não está preocupado em explicar porque o homem crê em Deus, mas tenta demonstrar como é Deus na psique humana. Para Dyer (2003) Jung não está preocupado em responder se Deus existe ou não. A temática levantada por ele está na imagem que as pessoas têm acerca de Deus. A sua psicologia, não entra na questão teológica sobre a natureza de Deus, mas como esta imagem se tornou um arquétipo universal.

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Quanto à religião, Jung (1971/1988) encontra nesta experiência um valor substancial para a vida do ser humano. Este valor não está relacionado com o conteúdo apresentado pela religião, mas sim, na maneira como o indivíduo a vivencia. Jung (1971/2004), quando fala da relação dialética que há entre a pessoa do terapeuta e a pessoa do paciente, enfatiza que o psicoterapeuta precisa, se de fato deseja realizar um trabalho o qual visa conhecer profundamente o indivíduo, deve tomar conhecimento, além da biografia pessoal do paciente, procurar saber também das experiências espirituais que norteiam a existência desse paciente; porque são informações que ajudam no processo de conhecimento do indivíduo.

É sabido que Jung (1971/2004) ao tomar conhecimento do valor da religião na vida das pessoas, expressa claramente a sua admiração e o seu respeito pela Igreja Católica. Em seu dizer, ela tem em seus rituais muito a contribuir com o processo de crescimento das pessoas, sobretudo, por meio do sacramento da confissão, que é uma prática de trabalhar alicerçada no acompanhamento personalizado. Ele vê neste ritual uma oportunidade concedida ao indivíduo, no sentido de nortear o crescimento levando o mesmo ao processo de individuação, conceito este que será mais bem explicado mais adiante.

Então, uma vez que Jung (1971/2004) postula o valor da religião para o crescimento humano, ao que ele chamou de individuação, ele faz um alerta para o cuidado que os médicos e psicoterapeutas precisam ter, no sentido de despertar o crescimento espiritual e individual em seus pacientes, quando esses apresentam uma inclinação para a vivência espiritual.

Jung (1971/2004), como vem sendo dito, atribui um valor substancial ao papel da confissão para a existência humana; por isso, o tratamento analítico da alma é de responsabilidade daquele que ministra o sacramento da confissão. Cabe, portanto, ao

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diretor espiritual ensinar aos indivíduos a não esconderem suas sombras que existem na estrutura psíquica, mas criar consciência de que a sombra, conceito este que significa o que é repreendido pelo indivíduo em seu comportamento, ou seja, censurado e rejeitado na vida do indivíduo. O desafio do confessor, como também do diretor espiritual consiste, pois, em lembrar ao indivíduo que: “O lado sombrio também pertence à minha totalidade, e ao tomar consciência da minha sombra, consigo lembrar-me de novo de que sou um ser humano como os demais”. (p.57).

Segundo Sudbrack (2001) a religião, na visão de Jung, tem como fator determinante provocar no indivíduo um encontro de auto-realização. Com isto, não se pode dizer que Jung precisa ser visto somente como “...um psicólogo religioso no sentido do cristianismo”. (p.21) visto que o objetivo de Jung seria o de levar o aspecto da experiência religiosa a autoconsciência que leva a realização do indivíduo. Este processo é chamado por Jung de individuação.

Jung (1961/2003) enfatiza que a finalidade da religião consiste em ajudar o homem a manter a saúde espiritual. Segundo Amaro (1996) o mérito, em relação à ligação da psicologia e da religião está no fato de haver reconhecido como conteúdos presentes no homem os arquétipos, como também as representações coletivas que fazem parte da vivência de uma religião.

Para ele, Jung ensina que o homem cria de forma espontânea as imagens de cunho religioso. Religião, portanto, para ele é relação. Relação que por sua vez pode ser voluntária ou involuntária, porque se trata de um processo psíquico. E esta força psíquica Jung chama de Deus. É preciso dizer que Deus para Jung (1971/1988) corresponde a uma concepção da imagem que o indivíduo cria acerca de Deus.

É bom recordar mais uma vez que Jung (1961/2003) enfatiza que a religião proporciona o crescimento humano. Em seu dizer, assim como a terapia leva ao

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processo de individuação, a religião também proporciona um amadurecimento humano. A este processo ele chama de individuação. Freud (1907/1996) ao rejeitar a religião rejeitou também o conceito de consciente coletivo, fala Palmer (2001) o qual permite às pessoas encontrar significados para continuar vivendo. Jung (1971/1988) como ficou demonstrado constrói uma visão de religião mais vivencial, diferentemente de Freud (1907/1996; 1913/1996). Logo adiante será apresentada a compreensão de Jung acerca da direção espiritual, e a ligação da mesma com a religião.

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1.3. Na área dos estudos fenomenológicos da vivência religiosa

1.3.1. James: a experiência religiosa como vivência existencial radical:

Segundo Holanda (2004) a fenomenologia preocupa-se com o aspecto da vivência. O fenômeno religioso é uma vivência, visto que esta vivência está pautada em um significado. Filoramo e Prandi (2003), quando explicam a origem das escolas que estudam a fenomenologia religiosa, dizem que esta procura num primeiro momento fazer uma análise descritiva e sistemática dos fenômenos religiosos, no sentido de compreender o que se passa com o sujeito da experiência.

Para Oliveira (2003) no que tange às contribuições da fenomenologia da religião, ressalta que sua contribuição está voltada para a observância do fenômeno religioso. Sobressai, portanto, o aspecto da singularidade e particularidade na vivência do fenômeno. Num segundo aspecto reverenciado por ela consiste em afirmar que “... a experiência religiosa permeia todos os fenômenos religiosos, e por isso, é nela que se devem fundar os estudos”. (p.37). Em seu dizer, a fenomenologia tem como objetivo descrever acerca da experiência vivida e compreender as manifestações desta experiência.

No que se refere às contribuições da fenomenologia para o presente trabalho, vale sublinhar que Merleau-Ponty (1945/1999) edificou suas reflexões na ótica do existencial, isto é, conduziu seu pensamento para a reflexão da existência, concebida como ato sobre o mundo, como movimento pelo qual o homem está nas coisas e se engaja numa situação física e social. Assim, ele lembra que essa “existência” é evidentemente concreta e encarnada num corpo. Pelo corpo o indivíduo torna-se um ser do mundo. É, todavia, por intermédio do corpo que a consciência se dirige para as coisas, por isso, ele acentua que o homem percebe o mundo por intermédio do corpo.

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Dado ao valor, portanto, da reflexão da fenomenologia como uma possibilidade de pensar sobre o vivido, o fenômeno religioso, no que é de interesse da psicologia, poderá ser compreendido somente quando os sujeitos que vivenciam a experiência religiosa, comunicarem o significado desta vivência. James (1902/1991; 1896/2001) Otto (1917/1985) e Eliade (1957/2001; 1963/2004) nos apresentam o significado desta experiência vivida.

A história da psicologia recorda, sobretudo, com Schultz e Schultz (1992) a relevância das contribuições de William James para a psicologia moderna. É sabido que este pensador faz da mente um instrumento dinâmico e funcional para a adaptação do indivíduo em seu ambiente social e cultural. Para ele, por exemplo, a vida psíquica é caracterizada pelo finalismo o qual se expressa como energia seletiva como ato elementar das experiências das sensações. O que interessa é saber que James, como propugnam os mencionados historiadores, fez da mente um instrumento de adaptação ao ambiente ampliando, assim, seu objeto de estudo da psicologia.

As contribuições de William James para o presente trabalho, visam, contudo, observar suas concepções feitas sobre a análise sistematizada por ele em duas importantes obras acerca da religião: As Variedades da Experiência Religiosa-Um

Estudo sobre a natureza humana, e A Vontade de Crer. Nestas duas obras, as quais

serão analisadas separadamente, o referido autor apresenta uma rica fenomenologia da experiência religiosa.

Começando pela primeira, a compreensão da vivência da religião para James (1902/1991) passa pela dimensão dos sentimentos. A vida religiosa, em seu dizer, tem um objetivo claro e importante: esta experiência favorece ao homem realizar um contato aparentemente invisível o qual é responsável em mudar sua vida. Para ele, o Sagrado é quem confere esta mudança “radical” na vida do indivíduo, por meio dos sentimentos.

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O fato de o homem reagir diante da própria existência demonstra um atributo religioso. Contudo, a religião, em seu dizer significa qualquer “reação total à vida” (p.34) é uma religião.

A religião, por conseguinte, como agora lhes peço arbitrariamente que a aceitem, significará para nós os sentimentos, atos e experiências de indivíduos em sua solidão, na medida em que se sintam relacionados com o que quer que possam considerar o divino. (p.31-32) [Continua dizendo]: A religião, seja ela qual for, é a reação total de um homem à vida; portanto, porque não dizer, que qualquer reação total à vida é uma religião?. (p.34).

James (1902/1991) enfatiza que a experiência religiosa precisa ser vista em duas dimensões: coletiva e institucional. Ele procura separar religião coletiva de religião institucional. A primeira seria a experiência pessoal em meio ao coletivo; por isso diz: “...a palavra ‘religião’não significa nenhum princípio ou essência singular, mas é antes um nome coletivo” (p.29). Quanto a institucional enfatiza: “De um lado, fica a religião institucional, de outro a religião pessoal... um ramo da religião visa mais à divindade, o outro, ao homem”. (p.30). A dimensão institucional esta associada com a divindade. No âmbito da religião coletiva pode-se dizer que, ele a inclui a importância, por exemplo, da experiência mística. O estado místico para ele é o momento mais importante da vivência religiosa; porque esta experiência, em seu dizer, tem como finalidade ampliar o campo perceptivo do homem, levando o mesmo a estabelecer contatos com realidades desconhecidas de seu campo perceptivo.

É aqui, contudo, que James (1902/1991) passa da descrição para à experiência mística, por isso, que esta obra mencionada apresenta os ditames de uma experiência religiosa traduzidas por meio de uma fenomenologia descritiva acerca da experiência

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religiosa. A religião, por exemplo, para James (1902/1991) está relacionada também com a conversão. A conversão é para ele qualquer mudança que ocorre na esfera do religioso. São mudanças que logo deixam o plano periférico para alcançar o núcleo central, a vida. Neste sentido, a religião e a psicologia acreditam em forças aparentemente fora do indivíduo consciente. O indivíduo religioso para ele geralmente compromete sua fé os seus dias e o seu destino, descobrindo-se como alguém portador de garantias, como também repleto de possibilidades novas em seu campo perceptivo.

A religião para ele não precisa, necessariamente, ter alguma ligação com alguma instituição. Em seu dizer, existem pessoas que vêem à religião como uma função pessoal e individual; ao passo que existem também pessoas que vêem na religião algo como um produto institucional. É necessário observar que a religião para ele consiste numa prática, em que os sentimentos são os principais meios de se viver esta experiência religiosa. A religião é, então, uma vivência “privada e individualista” podendo até mesmo ultrapassar os conceitos e definições acerca de seu verdadeiro significado.

Quanto à utilidade da religião, ele ensina que cabe ao indivíduo atribuir em seu próprio existir o sentido de seu significado. É somente assim que o homem será possível constatar se de fato, a verdade que existe nela enquanto vivência e utilidade.

Diz Piazza (1976):

Segundo W. James, a experiência religiosa é um sentimento de harmonia íntima, pela qual o homem tem consciência de participar e de colaborar com uma potência maior em obras de amor, de concórdia e de paz. É uma exaltação da vida como força criadora, em harmonia com o mundo dos homens e com o Cosmo. Com diz São Paulo: ‘Tudo posso naquele que me conforta’. (p.59).

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Portanto, James (1902/1991) atribui à natureza humana a capacidade de entrar em comunhão direta com o divino por um sentimento de singular intensidade, a isto ele denominou de experiência religiosa.

A segunda obra de James (1896/2001) que retrata o aspecto vivencial da religião é a Vontade de Crer. Ao tratar a questão da religião nesta obra, ele procura também refletir acerca do ato de crer do indivíduo. Sua reflexão nesta obra mencionada, pode-se dizer que fica mais restrita ao modo de crer do homem e, não tanto à compreensão do que vem a ser religião. Dado a isto, ele postula uma relação entre ciência e religião. O cientista sempre aposta em sua hipótese, assim o diz. Em seu dizer o cientista demonstra um sentimento de esperança, mesmo sabendo dos inconvenientes que estão sujeitos a ocorrer diante de uma hipótese, mas mesmo assim acredita. A religião para ele é também uma hipótese viva presente na vida das pessoas.

Para ele geralmente a fé do homem é uma fé fundamentada ou voltada na fé do outro. A relação social nas quais muitas vezes o indivíduo se encontra o leva a crer; mas este crer, às vezes, existe porque o outro crê. O desafio, portanto, da religião está em proporcionar ao indivíduo uma reflexão em sua maneira de crer. Em seu dizer, o outro deve crer, não porque eu creio, mas porque fazer experiência de Deus na existência é algo particular de cada pessoa independente do outro, isto porque “...um princípio espiritual permanente está em todos”. (p.29).

Na dimensão do crer, James (1896/2001) ensina que depende da ação pessoal, isto é, a fé precisa estar voltada para a vontade de crer. Em outras palavras, para crer é preciso ter vontade. “O aspecto mais perfeito e mais eterno do universo é representado, em nossas religiões, por uma forma pessoal. O universo não é mais um Isso para nós se somos religiosos, mas um Tu; e porque qualquer relação que possa ser possível de pessoa para pessoa poderia ser possível aqui”. (p.45).

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Para o indivíduo que crer, a religião leva o mesmo a crescer por meio da relação afetiva. A relação deixa de ser um mero Isso para atingir a dimensão de Tu. Ter fé para ele não significa que: “Fé é quando você acredita em alguma coisa que sabe que não é verdade”. (p.47). Mas em seu dizer, para crer é preciso acreditar por meio de opções vivas “... e opções vivas jamais parecem absurdas para aquele que as considera”. (p.47-48).

Cabe, portanto, a verdadeira religião, a qual ele chama de religião profética apresentar meios que possam despertar nas pessoas sinais que venham demonstrar interesse; porque crer é uma experiência pessoal e singular na vida de cada pessoa. A relevância deste estudioso para o presente trabalho, visa, contudo, em observar que ele estuda os aspectos afetivo-transcedentes da experiência religiosa, atribuindo à natureza humana a capacidade de re-ligar-se com o Divino por meio de uma comunhão direta e mediatizada.

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1.3.2. Otto: o numinoso na experiência religiosa:

Assim como James (1902/1991; 1896/2001) procura ver na religião um despertar para a vivência dos sentimentos, não é diferente, da visão de Otto (1917/1985) o qual vê a religião como lugar, onde o Sagrado manifesta-se e se revela. De todos os trabalhos de Rudolf Otto (1869-1937) O Sagrado (1971) é hoje um clássico da fenomenologia da experiência religiosa. A religião, nesta referida obra em sua compreensão no que a caracteriza enquanto função consiste, pois, em desenvolver a predisposição ao conhecimento do Sagrado. O Sagrado, segundo Otto (1917/1985) não pode ser definido, nem ensinado, mas descrito por analogia ou metáfora. Desta forma, o objeto ao qual o numinoso se dirige é o Mysterium Tremendum. Ele se interessa pelo estudo dos sentimentos que surgem no homem mediante a experiência religiosa do numinoso.

Em seu dizer esta experiência ultrapassa o puramente particular; por isso, ele admite a existência de um universal religioso presente em todas as religiões. O numinoso precisa ser experienciado somente por um nível pré-reflexivel, isto é, pela intuição; sendo, portanto, capaz de ser tratado por meio dos predicados e não por meio de definições. Filoramo e Prandi (2003) ensinam que o Sagrado designa em Otto, o objeto da experiência religiosa e a disposição do indivíduo para captá-lo.

Assim sendo, Otto (1917/1985) ensina que o Sagrado não é possível ser apreendido por meio de definições porque existe aí um elemento não racional. Ele não apresenta um método conceitual no estudo da religião, mas descritivo. Para ele o numinoso pode se expressar por meio da música, da arquitetura e na poesia existentes nos hinos religiosos. É por isso, que o numinoso em sua compreensão é compreendido como a essência não-racional presente em todas as religiões. Para Otto (1917/1985) o

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cristianismo possui conceitos claros, ponderados e completos para falar do Divino, por exemplo, onipotência, vontade finalista, espírito, razão e etc. No entanto, ele adverte que mesmo tendo estes predicados, eles não podem exaurir a essência do Divino. Desta maneira, o que caracteriza em Otto (1917/1985) a verdadeira experiência religiosa é verdadeiramente o sentimento de ser criatura.

Seguindo, portanto, este seu pensamento pode-se afirmar que ele postula que a pessoa que tem experiência religiosa consegue perceber o Sagrado como Mysterium

Tremendum. Sendo, portanto, que o Divino manifesta-se como Mysterium Tremendum,

o mesmo não pode ser abarcado em sua totalidade; mas os vestígios do Mysterium

Tremendum podem ser encontrados por meio dos monumentos e edifícios religiosos. O Mysterium nesta ótica em seu dizer indica além do oculto, isto é, o não-manifesto. O Mysterium corresponde ao admirável; por isso, o homem religioso é um indivíduo que

carrega em seu ser um maravilhamento estupefato diante do mistério, o qual ele experiência como totalmente Outro.

A experiência religiosa, para Otto (1917/1985) ocorre em dois níveis: o momento da experiência propriamente dita [pré-reflexivo] e o momento chamado por ele de esquematização, onde os elementos da primeira experiência são racionalizados. A religião para ele é constituída através desta experiência. É por esta razão, que ele compreende que Mysterium significa o próprio objeto religioso, enquanto Tremendum representa o qualitativo direto do mistério.

Otto (1917/1985) enfatiza, portanto, o aspecto vivencial da religião, o qual passa pelos sentimentos, que leva à experiência do Sagrado. Para ele, o homem é visto como um ser que possui uma pré-disposição conatural para a vivência religiosa. Pode-se dizer que Otto (1917/1985) se interessa pelo estudo dos sentimentos que surgem no homem mediante a experiência religiosa do numinoso.

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1.3.3. Eliade: a pré-disposição conatural da experiência religiosa:

Este terceiro teórico da escola fenomenológica que estuda a religião, Eliade (1957/2001) acentua precisamente que “...as variedades da experiência religiosa do espaço” (p.58) sempre resguardou o espaço do Sagrado na história dos povos e civilizações. O homem, por ser um ser religioso deseja viver e habitar um “...cosmos puro e santo”. (p.61). Na ótica da percepção, assim diz ele, o homem religioso percebe que à medida que sua história vai se construindo, o Sagrado precisa ser apreendido. O cosmos se percebe como mundo, na medida em que se revela como Sagrado. O mundo se vê como mundo, ou o homem percebe o mundo de fato, como manifestação do Sagrado. O homem religioso consegue captar as manifestações do Sagrado no universo. É certo, portanto, observar que em seu pensamento ele assegura que ao falar do Sagrado é preciso também falar do profano. O profano em seu dizer não possui um significado particular na vida das pessoas. Por outro lado, o Sagrado é o responsável em conferir um caráter de significado particular é, por isso, que o Sagrado apresenta vários aspectos fenomenológicos, de acordo com as condições em que o homem se encontra em seu existir. Segundo Eliade (1957/2001) o homem religioso, no que tange ao papel da religião em sua vida, tem como finalidade “...assegurar-lhe a integridade”. (p.173), por isso, ele acentua que a vivência religiosa é, todavia, uma vivência conatural presente na história e nas variadas culturas ao longo dos séculos.

Ao falar da relação do homem com a religião ele fala também da implicação do mito na vida deste mesmo homem. Assim, Eliade (1963/2004) enfatiza que o mito significa: um tipo de invenção, fábula, ou seja, uma história que com o tempo passa a ser “verdadeira”. Mas, os mitos podem também significar, sobretudo, nos dias de hoje uma ficção ou uma ilusão, no sentido de uma realidade que não pode existir realmente.

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Em seu dizer, no atual momento, cabe aos mitos conferir ou fornecer os modelos para a conduta humana. Por isso, o mito precisa ser compreendido como um fenômeno puramente humano, isto é, como criação do espírito humano.

O mito, portanto, precisa ser compreendido como uma realidade cultural e complexa. O mito para ele sempre retrata: uma história sagrada; relata as façanhas dos entes sobrenaturais; falam de uma narrativa de uma criação; descrevem algumas dramáticas irrupções do sagrado; é o resultado de um homem mortal sexuado e cultural. Devido existir na gênese dos mitos estas realidades apresentadas, Eliade (1963/2004) diz que o mito sempre descreve uma “...história verdadeira”. (p.12) porque sempre se remete a uma realidade.

Faz-se necessário recordar que ele explica que os mitos trazem em sua essência a narrativa não somente do mundo, dos animais, plantas e do homem, mas também dos acontecimentos que resultou no que o homem é hoje; isto porque os entes sobrenaturais desenvolveram um comportamento pautado na atitude criadora. Por isso, viver a experiência dos mitos implica viver uma experiência religiosa. “Viver os mitos implica, pois, uma experiência verdadeiramente ‘religiosa’, pois ela se distingue da experiência da vida quotidiana”. (p.22).

Eliade (1963/2004) descreve a relação do ente sobrenatural com os mitos

cosmogônicos, que ao longo da história, os fatos foram desembocando sempre nesta

relação cosmogônica, no sentido de dar ênfase na mobilidade da origem, isto é, num certo momento as coisas começaram a existir [um passado mítico] relacionado também com um futuro. Desta maneira, viver a experiência dos mitos implica em viver uma experiência religiosa.

Vale lembrar que a importância de Eliade (1957/2001) para o estudo da fenomenológica da religião, está voltada ao que ele afirma em relação ao estudioso da

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religião que precisa buscar o sentido da experiência tal como foi vivida pelo sujeito da experiência. Ele atribui a esta realização o uso de um conceito clássico da fenomenologia: Epoché. A Epoché é responsável pela individualidade do Sagrado. A Epoché, portanto, em seu dizer, permite ao estudioso suspender o juízo perante o fenômeno para compreender o seu significado.

Portanto, a religião em sua compreensão precisa ser explicada como função de algo, não importa o que seja este algo, um aspecto da psique, da cultura, da sociedade ou outro qualquer. A fenomenologia da religião, contudo, procura compreender a vivência particular de cada indivíduo diante da prática religiosa. É certo, portanto, que Eliade (1957/2001; 1963/2004) estuda o homo religiosus, à mercê dos acontecimentos histórico-culturais; lembra ainda a utilidade do método fenomenológico, que através da epoché, possibilita ficar restrito ao saber religioso que dirige o comportamento de cada sujeito.

Referências

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