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Obreiros podem falar de seus conflitos?

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Academic year: 2021

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O breiros Podem Falar de Seus Conflitos?

Edson E. Streck Günter K. F. Wehrmann

I — Introdução

Na so cie d a d e c a p ita lis ta a g e n te tem qu e ser in te lig e n te , fo rte , " v iv o " , para te r e m p re g o , lucrar, " s u b ir na v id a " e p a ra te r sucesso. Pro­ b le m a s e c o n flito s co m o d e s e m p re g o , in se g u ra n ça e c o n ô m ic a , in a ce ssib i­ lid a d e ao e n sin o s u p e rio r para a g ra n d e m a io ria da p o p u la ç ã o são s ile n ­ ciados ou m in im iz a d o s . De p ro b le m a s e c o n flito s nã o se p o d e fa la r, a não ser q u e já e ste ja m superados. Essa m e n ta lid a d e de lu cro e sucesso in flu e n c ia ta m b é m a ig re ja q u e está in se rid a nessa so cie d a d e . Conse­ q ü e n te m e n te , não é de se a d m ira r qu e ta m b é m na ig re ja é d ifíc il fa la r por e x e m p lo , de c o n flito s e n tre o b re iro s. Esse p ro b le m a é a g ra v a d o , o n ­ de se a d o ta um a te o lo g ia q u e n ã o co n sid e ra o fa to de a in d a nã o estarm os no céu ( " te o lo g ia d a g ló r ia " ) .

C om o lu te ra n o s, p o ré m , sabem os q u e a g e n te é a c e ito , ju s tific a ­ do, por Deus, antes de m ais n a d a , p e la g raça e fé . Sabem os q u e a c a m i­ n h a d a do p o vo de Deus a co n te ce sob a cruz ( " te o lo g ia da c ru z "). Podem os fa la r, p o rta n to , dos nossos insucessos, p ro b le m a s e co n flito s . O b re iro s / as da ig re ja passam g ra n d e p a rte de seu te m p o , e scutand o os c o n flito s de seus p a ro q u ia n o s ; eles m esm os, p o ré m , m uitas vezes, não têm com q u e m fa la r de seus p ró p rio s c o n flito s. Por isso q u e re m o s usar este espa­ ço, para fa la r de c o n flito s de o b re iro s /a s . A tra vé s de um c o n fro n to b íb lic o -te o ló g ic o , p re te n d e m o s e n c o n tra r pistas e perspectivas, ta lv e z nem ta n to para superar os c o n flito s , mas m u ito antes m ais para c o n v iv e r e crescer com eles. Pois a c a m in h a d a é sob a cruz.

Lem bram os qu e o "m in is té rio da re c o n c ilia ç ã o " (2 Co 5.18), em nossa re a lid a d e , se d e sd o b ra nos m in is té rio s c a te q u é tic o /e d u c a c io n a l, d ia c o n a l e p astoral. Em bora todos os o b re iro s eclesiásticos e n fre n te m

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co n flito s se m e lh a n te s, n ã o se p o d e ig n o ra r qu e cada um desses m in is té ­ rios e x p e rim e n ta c o n flito s específicos. Torna-se necessário, p o rta n to , d e lim ita rm o -n o s , e n fo c a n d o a p e n a s o / a o b r e ir o /a p a s to r/a .

Com essa escolha n ã o p re te n d e m o s d iz e r q u e o m in is té rio pasto­ ra l s e ja m a is im p o r t a n t e q u e os m in is t é r io s d ia c o n a l e c a te q u é tic o /e d u c a c io n a l. Pelo c o n trá rio , sabem os d e d ific u ld a d e s qu e e sse s/a s o b re iro s /a s e n fre n ta m ju s ta m e n te p o r causa d e nós p a sto re s/a s, q u e , m u ita s m u ita s vezes, a b s o lu tiz a m o s o m in is té rio pasto­ ra l, ig n o ra n d o ou pou co v a lo riz a n d o os dem a is. O m a io r p ro b le m a na ig re ja ta lv e z sejam os nós p a sto re s/a s, a tu a n d o em p a ró q u ia ou em fu n ­ ções e speciais (ta m b é m na Escola S u p e rio r de T e o lo g ia !). V am os nos a te r, neste estudo, e x c lu s iv a m e n te aos nossos c o n flito s , d e ix a n d o e n tre ­ ver, cá e lá nas e n tre lin h a s , as d e m a is relações.

A fim de q u e o e s tilo se to rn e m ais flu e n te , não fa la re m o s em p a s to r/a , mas só em pastor, s o lic ita n d o q u e as co le g a s pastoras não se sintam m a rg in a liz a d a s , mas in c lu íd a s e v a lo riz a d a s co m o o b re ira s com um a c o n trib u iç ã o im p o rta n te a d a r na ta re fa d e h u m a n iz a ç ã o e v a n g é lic a do re la c io n a m e n to e n tre pasto re s/a s.

II — Sintom as e Causas de Conflitos entre Pastores

1. A justificação por graça também vale para o pastor?

Ponto de sta ca d o na p re g a ç ã o de pastores lu te ra n o s é a ju s tific a ­ ção p e la graça de Deus. Com base neste p rin c íp io lu te ra n o , c o n d e n a m as obras com o m e io q u e g a ra n te a salvação. Sabem q u e a ju s tific a ç ã o n ã o é d e c o rrê n c ia a p e n a s do e sforço p ró p rio . A firm a m q u e não é por m é rito p ró p rio q u e as pessoas a lc a n ç a rã o a graça de Deus.

"F a ça o q u e eu d ig o , nã o o q u e eu fa ç o " . Este d ita d o a p lic a -s e a um g ra n d e n ú m e ro de pastores. Pregam qu e a ju s tific a ç ã o se d á p e la graça de Deus. V iv e m , e n tre ta n to , a ju s tific a ç ã o por obras. C om o é ra ro ve r um pastor sem a a a g e n d a em q u e e le m arca seus com prom issos! São poucos os pastores q u e têm datas vagas em seu c a le n d á rio . Lotadas estão m uitas d e suas noites: q u a n d o nã o se e n c o n tra m re u n id o s com grupos da co m u ­ n id a d e , tra n ca m -se em seus escritórios. E nas n oites q u e o tra b a lh o re n d e m ais, já q u e te le fo n e e c a m p a in h a soam com m enos fre q ü ê n c ia . Há pas­ tores q u e m e d e m seu tra b a lh o p e la som a de q u ilô m e tro s rodados, p e lo n ú m e ro de grupos q u e d irig e m (JE, OASE e outros), p e lo v o lu m e d e c u l­ tos e casam entos q u e to m a m seu fim d e sem ana. As estatísticas, q u a n d o

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re ch e a d a s de núm eros, são a te sta d o de seu esforço, de seu e sp írito de d o a ç ã o , de sua p ro d u çã o .

Há situações em qu e a c o m u n id a d e , a través d e seus m em bros, pressiona o pastor a p ro d u zir. S o cie d a d e , ig re ja , c o m u n id a d e fa z e m d e ­ le a im a g e m de um a pessoa p ra tic a m e n te p e rfe ita . V ê e m -n o com o m o l­ de e p a d rã o de co n d u ta . C o lo c a m -n o num círcu lo vicio so de a tiv id a d e s . Se o pastor q u e b ra r esta ro tin a p o d e , por um la d o , c a rre g a r consigo o s e n tim e n to d e q u e está fa z e n d o po u co p e la c o m u n id a d e : e fic a de "c o n s c iê n c ia s u ja ", in c lu sive nas horas d estinad as ao seu descanso. A q u e b ra da ro tin a p o d e , po r o u tro la d o , p ro v o c a r sua re je iç ã o por parte da c o m u n id a d e : q u e m é p a g o para tra b a lh a r — e nã o re n d e o s u fic ie n te — corre o risco de ser m al visto, de ser ju lg a d o co m o p reguiçoso .

Há, por o u tro la d o , a pressão q u e o p ró p rio pastor e xe rce sobre si. Isto oco rre q u a n d o e le sente a n ecessida de de a u to ju s tific a ç ã o . Por um a série de m o tivo s (em g e ra l inconscien tes ou ve la d o s), o pastor vê-se com o " m á r t ir " . Sente-se v ítim a dos desejos da c o m u n id a d e . A g e com o um jo ­ g u e te , sem fo rç a para lib e rta r-se do fa rd o qu e e le m esm o ca rre g a sobre si ou q u e a c o m u n id a d e c a rre g a sobre e le . Sente-se be m , em certos m o ­ m entos, neste p a p e l de s o fre d o r. Enum era a q u a n tid a d e de ta re fa s que fa z e tem p e la fre n te . A p o n ta , com certo o rg u lh o , as m udanças q u e p ro ­ vocou, as confusões q u e a p ro n to u , as proezas de qu e fo i capaz, os co n ­ flito s q u e causou. N ã o é n o va a a firm a ç ã o : o pastor v a le ta n to qu a n to s c o n flito s p rovoca. Trata-se, nestes casos e sob este â n g u lo , de um fa ls o m a rtírio .

O a tiv is m o qu e m arca a v id a de m u ito s pastores traz sérias conse­ qüência s. A lé m d e a tin g ire m o p ró p rio pastor, a lc a n ç a m ta m b é m sua fa ­ m ília e, de um a fo rm a ou o u tra , espelha -se na c o m u n id a d e . P roblem as psicossom áticos e stress nã o são m ais n o v id a d e e n tre pastores. As vezes a p o n ta d o s com o causa do a tiv is m o , outras vezes com o e fe ito d e le , sur­ gem outros p ro b le m a s : d e s in te g ra ç ã o in d iv id u a l ou fa m ilia r, fru stra çã o no tra b a lh o , p e rd a (?) da fé , p ro fu n d o s e n tim e n to de v a z io ... Há q u e m a firm a qu e a s u p e ra tiv id a d e de um pastor é p ro p o rc io n a l ao g ra u de p ro ­ ble m a s qu e e le c a rre g a . Esta a firm a ç ã o e v id e n te m e n te não se a ju sta a todos os casos, mas não é de to d o d e sca rtá ve l.

2. Plantar é preciso. Colher não é preciso?

O v o lu m e d e tra b a lh o q u e se a g ig a n ta à fre n te do pastor, to m a n ­ do co n ta d e le , m u ita s vezes n ã o p e rm ite q u e e le p a re : p a ra re fle tir, des­ cansar, re fa z e r pla n o s e estratégias, reabastece r-se . A tira -s e to d o ao tra ­

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b a lh o , na ânsia de to rn a r o m u n d o m ais justo e de ver as pessoas m e lh o r e n c a m in h a d a s . Vê num e x tre m o o R eino de Deus com o m e ta a a lca n ça r. No o u tro e x tre m o p e rce b e a e n o rm e co rru p çã o em q u e o m u n d o se e n ­ contra e da q u a l é u rg e n te afastar-se. Nesta pressão lança-se ao tra b a ­ lho. C orre: e se cansa. A n d a de re u n iã o em re u n iã o : e p ra tic a m e n te não vê s u rg ir fru to do seu tra b a lh o . A g ita -s e : e pou co se a lte ra a o re d o r. Fala: e poucos o u ve m . O q u e e le te n ta a lc a n ç a r em meses e anos de c o rre ­

rias, o q u e tenta d iz e r em d ezena s de p rédicas, um sim ples c a p itu lo de um a n o v e la de te le v is ã o consegu e d e s m o ro n a r em m inutos. E d ifíc il e n ­ te n d e r e a d m itir q u e é tra n s itó rio o q u e co m o seres h u m a n o s fazem os, por m e lh o re s q u e sejam as intençõe s q u e tem os com o m o tiv a ç ã o p a ra a luta. Neste co n te xto c o m p re n d e -se m e lh o r a ânsia qu e a lg u n s pastores m a n ife s ta m (em casos e xtre m o s, b e ira a um a obsessão): te n ta m deses­ p e ra d a m e n te d e ix a r m a rca d a sua passagem p e la c o m u n id a d e po r um a série de construções. E d ifíc il c o n v iv e r com o fa to de qu e o im p o rta n te é sem ear e p la n ta r. Q uem se m e ia gosta de ve r a b ro ta çã o . Q uem p la n ta q u e r ve r as flo re s e os frutos. Esta necessidade básica do ser h u m a n o não se a p lic a ao p astorado : é in e re n te à sua fu n ç ã o p la n ta r, em p rim e iro lu ­ g a r, para outros p o rv e n tu ra c o lh e re m .

3. O que leva pastores à disputa?

O uve-se com certa fre q ü ê n c ia a a firm a ç ã o : "s e há um s in d ica to q u e ja m a is vai fu n c io n a r, é o de p a s to re s !" O utras frases in d ic a m na m esm a d ire ç ã o : "e s ta é um a ig re ja de p a s to re s "; " e m re u n iã o de pasto­ res tem m u ito ca c iq u e prá pouco ín d io " ... Palavras com o estas re v e la m um p ro b le m a g ra v e , q u e m arcou a ig re ja desde a c a m in h a d a de Jesus com seus discípulos, perpassan do sua h istó ria ao lo n g o dos tem pos: a d isp u ta p elos m e lh o re s lugares, a luta p e lo po d e r. Esta a m b iç ã o perse­ g u e o ser h u m a n o e a p resenta -se co m o te n ta çã o aos discípulos de Cristo, in c lu sive aos pastores. Em certos m om e n to s, so b re tu d o n a q u e le s em q u e se to m a m decisões e se d isp u ta m vagas, a " p o lític a e c le s iá s tic a " é in e v i­ tá v e l. N ão há necessida de de c la s s ific á -la n e g a tiv a m e n te , co m o se fosse a lg o tã o som ente p e rn icio so . Ela se to rn a p e rig o sa e pe g a jo sa q u a n d o os interesses do to d o , com base no E vangelh o, sucum bem aos interesses de poucos, q u a n d o o co rre m disputas em q u e a m a n ia de g ra n d e z a e a a rro ­ g â n c ia se re v e la m m a io re s qu e o senso de h u m ild a d e . D uvidosa torna-se a a titu d e de a lg u é m q u e a p lic a os dons q u e lhe fo ra m co n fia d o s em b e ­ n e fíc io p ró p rio , ao invés d e co lo cá -lo s a serviço.

Na h istó ria e na v id a de co m u n id a d e s percebe-se a e x istê n cia de pastores qu e assum em um a postura d ita to ria l em re la ç ã o a m em bros e a

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colegas. A lg u n s o fa z e m po r ín d o le , por fa lta de segurança , p e la e d u c a ç ã o /fo rm a ç ã o q u e re c e b e ra m , até m esm o por co n vicçã o . Tornam - se a u to ritá rio s . O fa to de h a ve r, por e x e m p lo , no C o n c ílio G e ra l da IECLB a tu a lm e n te m ais le ig o s d o qu e pastores, a in d a não é g a ra n tia de q u e os le ig o s este ja m de fa to p a rtic ip a n d o de fo rm a p ro p o rc io n a l das re fle x õ e s e decisões. E fo rte , e n tre pastores, a te n d ê n c ia de d e te rm in a r posições, de in flu e n c ia r decisões. A a firm a ç ã o a se g u ir é ta x a d a por a lg u n s com o sendo de m au gosto; fo i d ita o rig in a lm e n te fo ra d e nosso co n te x to b ra si­ le iro , mas tem a lg o a d iz e r ta m b é m a nós, pastores no Brasil: "p a s to re s são co m o esterco: a m o n to a d o s num ú nico lu g a r, c h e ira m m al e não ser­ vem p a ra n a d a ; mas, e sp a lh a d o s p e la la v o u ra e m isturados ao chão, p o s s ib ilita m q u e a te rra p ro d u za bons fru to s ". A firm a ç õ e s s e m e lh a n te s a essa nã o surgem a o acaso. N ão c o n d e n a m , apenas.

Com q u e in te n ç ã o d e fe n d e m o s nossas posições te o ló g ica s? Q ue p re te n d e m o s ao c o m b a te r id é ia s e teses de outros pastores ou grupos? Estamos, q u a n d o tal o co rre , n o rte a d o s p e la busca com um d o qu e é m e ­ lh o r para a ig re ja , para a h u m a n id a d e ?

4. O que leva pastores à acomodação?

Se por um la d o há sobre os o m b ro s de g ra n d e parte dos pastores um a carga q u e ultrapassa o te m p o e a fo rç a física de q u e d isp õ e m para d e sin cu m b ir-se d e la , por o u tro la d o há os q u e re a lm e n te são n e g lig e n te s no serviço. Falta de â n im o , de in ic ia tiv a , de d isposição , le v a m a q u e um ou o u tro pastor se a c o m o d e . Fazem, q u a n d o m u ito , o e s trita m e n te n e ­ cessário. A lg u n s ju lg a m e n c o n tra r base te o ló g ic a p a ra tal postura n u m a c o m p re e n sã o te n d e n cio sa do sa ce rd ó cio g e ra l de todos os crentes: " p o r qu e d e v e ria eu fa z e r o q u e c o m p e te a todos os m em bros?! N ão d e v e ca­ da um c o n trib u ir com os seus d o n s ? !" Torna-se d ifíc il o tra b a lh o em e q u i­ pe com pessoas qu e se n e g a m a assum ir com prom issos qu e ultrapassem o p re visto , o e sp e ra d o e os lim ite s g e o g rá fic o s . A su b stitu içã o e n tre c o le ­ gas torna-se p re c á ria . Em a lg u n s casos a o rig e m da a c o m o d a ç ã o está na in sa tisfa çã o p e la op çã o fe ita . Por c o n se g u in te o pastor n ã o se e n c o n tra no pastorado . N ão gosta do qu e faz. A o m esm o te m p o n ã o e n c o n tra co­ ra g e m s u fic ie n te p a ra ir a o e n c o n tro d e o u tro serviço qu e lhe dê prazer. S ofrem : e le , sua fa m ília , a c o m u n id a d e , a ig re ja .

A nos atrás um pro fe sso r d irig ia -s e a estudan tes da F aculdade de T e o lo g ia nestes term os: "V o c ê s nã o estão re s p e ita n d o o 3o m a n d a m e n ­ to! A o invés de descansarem 1 d ia po r sem ana e tra b a lh a re m em 6, v o ­ cês tra b a lh a m 1 d ia e descansam nos outros 6 ! " E um e x a g e ro . Em p ro ­ porções m en o re s é o q u e a co n te ce em a lg u n s casos no p astorado . O o u ­

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tro e x tre m o , p o ré m , ta m b é m se v e rific a , in c lu sive na v id a destes m es­ mos estudan tes q u e h o je são pastores: a lg u n s conse g u e m tra b a lh a r " d i ­ r e to " , sem d ia de descanso, sem d ia (que fossem h o ra s !) d e d ic a d o e x c lu ­ s iva m e n te ao c o n v ív io com a fa m ília , sem fé ria s re g u la re s , sem paradas p a ra m e d ita ç ã o e o ra çã o . N ão conse g u e m separar-se, nem m esm o nas fé ria s , de sua pasta de livros.

5. Cercado de pessoas, o pastor é um solitário

A s o lid ã o é um p e rig o q u e a m e a ç a c o n s ta n te m e n te o pastor. M u i­ tos e n co n tra m -se isolados em term os g e o g rá fic o s . Seus co le g a s m ais p ró ­ xim o s n ã o se e n c o n tra m tã o p ró x im o s com o g o sta ria m de tê-los. O utros, m esm o ro d e a d o s de co le g a s po r todos os lados, são co m o um a ilh a . E so­ fre m s o lid ã o , m esm o com viz in h o s a poucos q u ilô m e tro s e m in u to s de distâ n cia . N ão é esta a re a lid a d e do c o n v ív io e n tre pastores em Distritos Eclesiásticos d e n s a m e n te h a b ita d o s p o r m em b ro s e pastores? N ão é esta a sina de q u e m h a b ita no M o rro d o Espelho?

A q u e m confessar a c u lp a q u e pesa? a c u lp a qu e o p rim e ? A estru­ tu ra ecle siá stica nã o p e rm ite q u e a m a io ria co nheça seu Pastor R egiona l com o o pastor q u e "e s tá a í " p a ra os pastore.s e p a ra as co m u n id a d e s. As re u n iõ e s de pastores ou de o b re iro s em m u ito s Distritos Eclesiásticos e ins­ titu iç õ e s têm se tra n s fo rm a d o nu m e n c o n tro em qu e se d e b a te m ques­ tões a d m in is tra tiv a s , n ã o p e rm itin d o espaço p a ra re fle x ã o te o ló g ic a e nã o p e rm itin d o a m b ie n te p ro p íc io p a ra a " c u ra d 'a lm a s " e n tre colegas. O pastor, p o r d e fin iç ã o , é pastor p a ra os outros. Q u a n d o tem necessida­ de de te r o seu pastor, d ific ilm e n te o e n c o n tra em te m p o o p o rtu n o . M es­ m o ro d e a d o por pessoas, o pastor às vezes nã o consegu e d is fa rç a r sua so lid ã o .

Há m em b ro s q u e não e n te n d e m q u e o pastor possa te r suas " fo s ­ sas". V ê e m -n o tã o a c im a das dores, te n ta çõ e s e s o frim e n to s qu e se a b a ­ tem sobre cada ser h u m a n o , q u e não c o m p re e n d e m qu e com o ta l e le ta m b é m tem " d ir e it o " a d e sa b a fo , a lágrim as.

M e m b ro s, q u a n d o se a p ro x im a m de seu pastor co m o ser h u m a n o , te n d o coração e o u v id o ab e rto s para as dores d e le , consegu em ser ó ti­ m os p a rce iro s, os confessores so litá rio s de q u e necessitam .

6. À sombra da avaliação, alguns se acomodam

A lg o q u e a c o m p a n h a o pastor co m o um a som bra é a a v a lia ç ã o q u e as pessoas fa z e m d e le . A c o m u n id a d e observa e a v a lia seu pastor co n sta n te m e n te . Esta a v a lia ç ã o a c o m p a n h a -o co m o um a som bra

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perse-gue um a pessoa sobre a q u a l é jo g a d o um fo c o de luz. Som bras costu­ m am ser m a io re s ou m enores do qu e o c o rp o a o q u a l se p re n d e m . Em g e ra l a p re se n ta m -se d e fo rm a d a s : d e p e n d e m do â n g u lo da luz qu e se p ro je ta sobre o corpo e d o p o n to de vista da pessoa qu e observa.

A lg u n s pastores consegu em c o n v iv e r p a c ific a m e n te com esta som bra qu e os a c o m p a n h a . O utros se assustam com as pro p o rçõ e s q u e a som bra assum e. P rocuram , tem erosos, e xp o r-se ao m ín im o . A g a rra m -se a suas posições. Tem em a v a lia çõ e s. Retraem -se. Têm m e d o de choques. Instalam -se em d e te rm in a d a posição e firm a m pé. N e g a m -se a sair da posição conq u ista d a .

Sintom as desta in se g u ra n ça p ercebe-se em pastores q u e se n e ­ gam a p a rtic ip a r de re cicla g e n s, cursos, se m in á rio s e d e b a te s em q u e a l­ go n o vo possa ser descobe rto . Encontram -se satisfeitos — e seguros — nos p a râ m e tro s do estudo de T e o lo g ia qu e a d q u irira m no te m p o em que e ra m estudantes da F aculdade de T e o lo g ia . Estão a c o m o d a d o s (cf. item 4). Tudo o q u e é n o vo q u e s tio n a , p ro vo ca , d esinstala . C orrer o risco?!

Com tal a titu d e sofre so b re tu d o a c o m u n id a d e , pois se vê o b rig a ­ da a c o n v iv e r com um pastor q u e nã o se a tu a liz a , q u e não a d m ite m u ­ danças, q u e não traz dados novos para seu tra b a lh o e re fle x ã o , q u e po r vezes se e n c o n tra d e slo ca d o em te m p o e espaço.

7. A pergunta constante pela vocação

A escolha do p a sto ra d o com o op çã o de v id a a c o m p a n h a o pastor desde antes de seu ingresso na F aculdade de T e o lo g ia . C om o e stu d a n te de T e o lo g ia , são in ú m e ra s as crises qu e lhe tira m o sono. A lg o va i m al com o e stu d a n te q u e não a d m ite te r e n fre n ta d o crises em qu e contestas­ se sua vocação p a ra o pa sto ra d o . A lg o va i m al ta m b é m com o pastor qu e não se p e rg u n ta se o p a sto ra d o é, de fa to , a o p çã o para to d a a sua v id a .

U m a série de p ro b le m a s qu e o pastor e n fre n ta no e x e rc íc io de seu m in is té rio re m o n ta m a o seu te m p o de estudo e fo rm a ç ã o

Se o estudo transcorre de um a fo rm a p re d o m in a n te m e n te in d iv i­ d u a liz a d a , a te n d ê n c ia é qu e o tra b a lh o em e q u ip e ve n h a a ser e x e c u ta ­ do com m a io r s o frim e n to . T ra b a lh o c o n ju n to com colegas, p a rtic ip a ç ã o em s e m in á rio s e g ru p o s de interesse, re p a rtir ta re fa s: estas e x p e riê n c ia s costum am fa c ilita r e a p rim o ra r o tra b a lh o em e q u ip e .

E feito s e m e lh a n te se dá q u a n d o o c o n c e ito d e vocação e d e fé é im in e n te m e n te in d iv id u a liz a d o . Há pessoas qu e op ta m p e lo estudo de T e o lo g ia u n ic a m e n te a p a rtir de um a e x p e riê n c ia d ire ta com Deus, f a l­ ta n d o a d im e n s ã o da c o m u n id a d e em sua opção. A lg u n s o p ta m p e la

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T e o lo g ia , p o rq u e vê e m n e la a p o s s ib ilid a d e de re s o lv e r c o n flito s pes­ soais. O u tro e x tre m o se v e rific a q u a n d o pessoas ch e g a m à F aculdade de T e o lo g ia sem o m ín im o de cla re za a re sp e ito d o q u e p re te n d e m . O utros — p rin c ip a lm e n te a q u e le s qu e c o n v iv e ra m em in te rn a to d u ra n te o 2 o g ra u — nã o tra ze m lig a ç ã o fo rte com sua c o m u n id a d e de o rig e m . O utros ch e g a m com o d esejo de a ju d a r pessoas, sem q u e se p e rce b a n eles a m o tiv a ç ã o p e la fé em Deus.

A m e d id a e m q u e o estudo os d e sin sta la e a b a la convicçõ e s até e n tã o tid a s com o seguras, e studan tes passam p o r fases em qu e " lu t a m " c o m /c o n tra Deus, co n sig o m esm os e com q u e m os cerca. A o lo n g o do es­ tu d o a questão da vo ca çã o é tra b a lh a d a , não sem dores e marcas. Há d esistências do estudo d e T e o lo g ia e co n se q ü e n te p rocura po r novos ru ­ mos para a v id a . P ro b le m á tica é a situ a çã o dos q u e se sabem não- vo ca cio n a d o s, mas n ã o to m a m a de cisã o d e a b a n d o n a r o estudo. E g ra n ­ de o risco de q u e v e n h a m a e n c a ra r fu tu ra m e n te o p a sto ra d o co m o m era profissão. Q u e m nã o se c o n fro n ta s e ria m e n te com sua vo ca çã o corre o risco de to rn a r-se um pastor q u e e xe rce seu m in is té rio co m o sim ples g a n h a -p ã o , sem c o m p re e n d e r q u e p a sto ra d o pressupõe e n v o lv im e n to e d e s p re n d im e n to pessoal. O pa sto ra d o , apesar de a p re se n ta r in ú m e ra s d ific u ld a d e s e lim ita ç õ e s , a ce n a com a lg u m a s va n ta g e n s: há e m p re g o p ra tic a m e n te g a ra n tid o p a ra q u e m se fo rm a ; há g a ra n tia de s a lá rio fix o e de re s id ê n c ia ; há p o s s ib ilid a d e a té de tro ca r de p a ró q u ia se o clim a v ie r a se d e te rio ra r... " G a ra n tia s " com o estas p o d e m ser um a te n ta çã o pa ra os indecisos: d e sp e rta m "v o c a ç õ e s " (m esm o as q u e não p o d e m ser d e fin id a s com o tais), a c o m o d a m indecisos (que n ã o se d e s lig a m da Fa­ c u ld a d e de T e o lo g ia ou q u e não se d e s lig a m do p a sto ra d o , p o s te rio r­ m ente).

8. Conflitos que brotam no campo das finanças

A questão fin a n c e ira p o d e v ir a causar c o n flito s na fa m ília do pas­ to r e no seu re la c io n a m e n to com colegas.

Por decisão do C o n c ílio G e ra l, fix o u -s e um s a lá rio -b a se a ser pag o m e n s a lm e n te a o pastor. A m e d id a , p o ré m , em qu e se p e rm ite qu e c o m u n id a d e s /in s titu iç õ e s fix e m abono s, a c o m p e tiç ã o é e s tim u la d a . A in te n çã o de q u e m p a g a a b o n o c e rta m e n te não é a de p ro m o v e r co n co r­ rê n c ia e riv a lid a d e e n tre pastores. In d ire ta m e n te , p o ré m , é o q u e a c o n ­ tece. A p rá tic a re v e la q u e p a ró q u ia s fin a n c e ira m e n te fo rte s d ific ilm e n te p e rm a n e ce m vagas p o r lo n g o te m p o . A o m esm o te m p o , p a ró q u ia s m e ­ nores ou d e fic itá ria s em g e ra l so fre m b astante a té co n se g u ire m um novo pastor.

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Se o sa lá rio -b a se é, de fa to , in s u fic ie n te : por q u e não a u m e n tá -lo para todos, a o invés de só para a lg u n s q u e a tu a m em lugares q u e pas­ sam a ser co nsiderad os p riv ile g ia d o s ? V ários estudos já fo ra m fe ito s em to rn o da questão s a la ria m dos pastores: q u e fim lhes fo i d a d o ? Q uais são os c rité rio s para e s tip u la r um s a lá rio qu e seja justo, q u e supra as reais necessidades, de situ a çã o para situação?

C o m p a ra d o ao qu e re ce b e m outros p ro fissio n a is de fo rm a ç ã o su­ p e rio r, o s a lá rio d o pastor é re la tiv a m e n te b a ixo . C o m p a ra d o a o q u e é p a g o à m a io r p a rte dos o p e rá rio s b ra sile iro s, o pastor e n co n tra -se num p a ta m a r m ais e le v a d o . C om o c o n v iv e r com este c o n flito : pressionad o, por um la d o , por leis do m e rca d o de um a so cie d a d e c a p ita lis ta e, por o u ­ tro la d o , p e lo E vangelh o q u e p ro c la m a d e s p re n d im e n to ? C om o resistir aos a p e lo s e acusações de a m ig o s e fa m ilia re s q u a n d o estes não co m ­ p re e n d e m a opçã o por um m o d o de v id a m ais sim ples?

M esm o não te n d o um p a d rã o a lto de s a lá rio , o status de pastor a b re diversas portas. Q u a n d o visto com o um a "a u to rid a d e e c le s iá s tic a " no m e io em qu e a tu a , é fa c ilita d o seu acesso a certas re p a rtiç õ e s p ú b li­ cas, e n tid a d e s de assitência, clubes, escolas, fa m ília s ...

9. Na mira está o pastor — atingida é toda a fam ília

Todos os aspectos a c im a m e n c io n a d o s re p e rc u te m na fa m ília do pastor, com m a io r ou m e n o r in te n s id a d e . O a m b ie n te fa m ilia r em certos m om entos d e te rm in a o tra b a lh o do pastor, em outros é d e te rm in a d o por ele.

A fa m ília do pastor ressente-se de sua presença, q u a n d o e le está so b re ca rre g a d o de tra b a lh o , q u a n d o é a v a lia d o p e lo qu e p ro d u z ou d e i­ xa de p ro d u zir. P roblem as fa m ilia re s q u e não são d e v id a m e n te e n c a m i­ nhados p o d e m , in clu sive , ser m o tiv o — conscientes ou n ã o — para q u e o pastor passe o m a io r te m p o possível fo ra de casa, a fu n d a d o no tra b a lh o .

O a u to rita ris m o de certos pastores p ode ser re fle x o de sua v id a em fa m ília : é possível q u e em casa te n h a a m esm a postura de d ita d o r q u e assum e na c o m u n id a d e . Há, po r o u tro la d o , " c o r o n é is " q u e , d e n tro das paredes do q u e ch a m a m lar, e n c o n tra m a lg u é m qu e lhes d ite as regras (cô n ju g e ou filh o s ) e neste a m b ie n te to rn a m -se submissos e im p o te n te s.

As a v a lia ç õ e s q u e a c o m u n id a d e fa z acerca d o pastor a tin g e m d i­ re ta m e n te sua fa m ília : seus fracassos e sucessos a te rriz a m em sua casa e há m o m e n to s em q u e a te rro riz a m . R epresentam p e rm a n ê n c ia ou saída em re la ç ã o a o local em q u e residem . R espondem p e lo c lim a de s e g u ra n ­ ça ou inseg u ra n ça em qu e a fa m ília vive .

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Sua so lid ã o causa s o frim e n to a seus fa m ilia re s , q u a n d o p e rc e b i­ da. Há casos em qu e na p ró p ria fa m ília o pastor c o n v iv e com o c o m p a ­ n h e iro qu e o u ve , a m p a ra e a c o lh e suas dores. O peso d o qu e o pastor, por fu n ç ã o , ca rre g a em s ig ilo , às vezes ultrapassa o lim ite do h u m a n a ­ m ente s u p o rtá v e l. N ão co n vé m qu e to d o o fa rd o seja d e sca rre g a d o em casa. Com q u e m d e sa b a fa r?

As crises vo ca cio n a is — ou p io r: a in d e fin iç ã o em to rn o da vo ca ­ ção — tra ze m p ro fu n d a s conseqü ências à v id a fa m ilia r. Um a m udança em d ire ç ã o a o u tro tra b a lh o às vezes é e n fre n ta d a com opo siçã o pelos fa m ilia re s . Por o u tro la d o , constata-se q u e a lg u n s cô n ju g e s descobrem - se ilu d id o s e surpresos: se antes d o casam ento era sinal de status casar com pastor, a c o n v iv ê n c ia d iá ria com seu tra b a lh o re v e la o u tra r e a lid a ­ de. Os ossos do o fíc io vêm à to n a . A fru stra çã o de seu c ô n ju g e p o d e a b a ­ lar o tra b a lh o do pastor, cansado de constantes e in te rm in á v e is re c la m a ­ ções.

Certas questões fa ze m -se cada vez m ais presentes em fa m ília s de pastores: c o n flito s e n tre o casal; c o n flito s do casal com os filh o s ; tra ta ­ m e n to p s iq u iá tric o do pastor, de seu c ô n ju g e ou de seus filh o s ; se p a ra ­ ção de casais ou m a trim ô n io s m a n tid o s mais, p e la c o n v e n iê n c ia do qu e p e lo a m o r...

A e x p e c ta tiv a da c o m u n id a d e , de qu e o pastor e sua fa m ília se­ jam m o d e lo de v id a cristã, a o invés de ser e n c a ra d a co m o um a lib e rd a ­ de, é re c e b id a com o cam isa d e fo rça . Filhos ad o le sce n te s sofrem m u ito com esta " c o b r a n ç a " e m uitas vezes se re b e la m contra esta situação.

Em g ra u m a io r ou m e n o r, d e p e n d e n d o das circunstâncias, to d a a fa m ília é a tin g id a p e la postura d o pastor em re la ç ã o a o d in h e iro . Há ca­ sos em qu e fa m ilia re s não se a d a p ta m aos re n d im e n to s qu e e le recebe. N ão está em jo g o a p e n a s o g a n h o m ensal, mas a p e rg u n ta p e lo fu tu ro : dos filh o s , q u a n d o e s tive re m em con d içõ e s de fre q ü e n ta r um a escola de 2 o ou 3o g ra u ; do casal, q u a n d o v ie r a a p o se n ta r-se ; da fa m ília , q u a n d o doença s in v a d e m o la r...

Em jo g o está a q uestão : com q u e m está casado, em p rim e iro p la ­ no, o pastor? Com a ig re ja ou com a fa m ília ? C o n flito s se a v o lu m a m q u a n ­ do a m bos são colo ca d o s em c o n fro n to , em oposição . Um pastor expressou-se certa vez nestes term os: "S e o pastor q u e r d a r peso e xa g e - ra d a m e n te m a io r ao tra b a lh o na c o m u n id a d e , é m e lh o r qu e nã o case. Pois, casando, fa rá sua fa m ília so fre r d e lib e ra d a m e n te ". Se, p o r o u tro la d o , v ie r a usar a c o m u n id a d e para satisfazer so b re tu d o seus desejos e caprichos de fa m ilia re s , q u e seja co e re n te da m esm a fo rm a .

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C o n flito s q u e c o n v iv e m com o pa sto ra d o : há m ais. Os a p o n ta ­ dos, in fe liz m e n te , não são todos.

C o lo ca r a lg u n s d e le s a lim p o e tocá -lo s não d e v e ser o ú n ico passo a ser d a d o . Com certeza é um passo fu n d a m e n ta l no processo em busca de um pasto ra d o m ais a u tê n tic o , m ais c o e re n te , q u e tra g a co n se q ü ê n ­ cias b e n é fica s a todos qu e por e le são a tin g id o s . Enfocar estes c o n flito s à luz da P alavra de Deus é o u tro passo d e cisivo nesta c a m in h a d a .

III — Confronto Bíblico-Teológico

A té a q u i vim os m u ltifo rm e s sintom as e causas de c o n flito s que m arcam a v id a de pastores, seja na v id a in d iv id u a l, fa m ilia r ou no c o n v í­ v io e n tre eles. A g o ra te n ta re m o s c o n fro n ta r essa re a lid a d e com o teste­ m u n h o b íb lic o -te o ló g ic o e co n fe ssio n a l. Estamos à p ro cu ra de o rie n ta ç ã o e a u x ílio , ta lv e z nem ta n to p a ra so lu c io n a r os c o n flito s, mas m u ito antes p a ra q u e eles possam c o la b o ra r com vistas a o bem (Rm 8.28), ou seja, p a ra o lo u v o r de Deus, a e d ific a ç ã o da Ig re ja e o nosso p ró p rio cresci­ m ento.

1 — Jesus se preocupa com o descanso

No m in is té rio p a sto ra l, a g ita d o por ta n to "c o rre -c o rre " , fa z bem p e rb e ce r q u e o S enhor do m in is té rio se p re o c u p a com o descanso dos seus m inistros. M c 6.31 re la ta qu e eles (os apóstolo s) " n ã o tin h a m te m p o nem para com er, visto serem num erosos qu e iam e v in h a m " . Jesus, com m u ita e m p a tia , te m e q u e os seus sucum bam em ta n to a tiv is m o . Por isso os co n v id a : " V in d e re p o u sa r um pouco, à p a rte , num lu g a r d e s e rto ". N o m e io do p o vo , d a c o m u n id a d e , estão in ú m e ro s d e sa fio s e ta re fa s q u e por eles esperam . Aí nã o c o n s e g u iria m d e s lig a r, m u ito m enos descansar. E necessário re tira r-se para um lu g a r deserto. Jesus não só dá a lib e rd a ­ de, mas m a n d a , d iz e n d o " v in d e " . C ada pastor exusto saiba q u e , m esm o se a c o m u n id a d e ou a respectiva in s titu iç ã o eclesiástica pouco se im p o r­ tem com o o descanso necessário de seu o b re iro , Jesus dá a lib e rd a d e e a ord e m para descansar.

C om o se p e rce b e em re fe rid o tre ch o de M c 6. essa boa in te n ç ã o de descansar não é fá c il de ser co n cre tiza d a . Pois, a o se re tira re m os dis­ cípulos, são vistos p o r a lg u m a s pessoas. A n o tícia de qu e fo ra m in d o p a ­ ra d e te rm in a d o lu g a r se e sp a lh a e m u ita g e n te corre para lá. E o descan­ so se fo i. Ficam co n ve rsa n d o , e n s in a n d o , p la n e ja n d o acerca d o p ro je to

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da p ro m o çã o d e v id a bo a , p rin c ip a lm e n te para os q u e m enos a têm . Sa­ ciam a fo m e de v id a dessa m u ltid ã o (Mc 6.34-44).

A s e g u ir, Jesus c o m p e le (fo rça , co a g e , o b rig a ) seus d iscíp u lo s a atravessarem o la g o (v. 45). Parece q u e e le se q u e r v e r liv re n ã o só da m u ltid ã o , mas ta m b é m dos discípulos. A g o ra sobe a o m o n te para orar. A o a n o ite c e r, no s ilê n c io em cim a d o m o n te , lo n g e d o m o v im e n to d o d ia a g ita d o lá em b a ix o , Jesus p ro cu ra estar a sós consigo e seu Deus. A í está o ú ltim o se g re d o do descanso v e rd a d e iro !

N ão é fá c il co n se g u í-lo . N ão há receitas prontas q u e se possa a p li­ car a q u a lq u e r situ a çã o d e pastor. Pois o lu g a r, as horas e o je ito do des­ canso necessário para o pastor p o d e m v a ria r, c o n fo rm e s itu a çã o pessoal, fa m ilia r , g e o g rá fic a e c o m u n itá ria . Um aspecto, p o ré m está c la ro : O pas­ to r tem o sag ra d o d ire ito de lu ta r p e lo descanso necessário. O descanso nã o só fa z p a rte da c ria ç ã o (Gn 2.3), mas ta m b é m é o a lv o d e la (Hb 4.3). O pastor qu e não tem o descanso necessário, em term os q u a n tita tiv o s e q u a lita tiv o s , é irresp o n sá ve l não só com sua saúde p síquica, física e fa ­ m ilia r, mas ta m b é m com a saúde e s p iritu a l. Pois e le aca b a se e s v a zia n ­ do. Sua p re g a ç ã o va i se a sse m e lh a n d o a o d e b u lh a r p a lh a , p e rd e sua fo rç a c o n v e n c e d o ra e lib e rta d o ra . Parece qu e o p ro b le m a d e m uitos pas­ tores da IECLB n ã o é q u e p re g u e m e a ja m p o u co ; p e lo c o n trá rio , o p ro ­ b le m a parece ser qu e p re g u e m e a ja m dem a is. M enos p re g a ç ã o e m e ­ nos ação, mas com m ais p ro fu n d id a d e e a u to rid a d e , ta lv e z seja o d e sa ­ fio da hora. Isso é fá c il de d iz e r; c o n c re tiz á -lo , p o ré m , é e x tre m a m e n te d ifíc il, c o n s id e ra n d o to d o o e m a ra n h a d o de c o n flito s e obstáculos que pastores e n fre n ta m . M as co m o re ce b e r a q u e la a u to rid a d e e p ro fu n d id a ­ de?

2 — Jesus ensina: escutar a Deus e ao clamor do mundo

As co n h e cid a s histórias sobre M a ria e M a rta e o bom s a m a rita n o (Lc 10.25-42) expressam bem a d ia lé tic a e n tre o escutar a Deus e o escu­ tar a o c la m o r d o m u n d o . Parece qu e nós pastores, m uitas vezes, nos as­ s e m e lh a m o s à M a rta q u e se p re o cu p a e ocupa com tantas coisas boas e im p o rta n te s, q u e se m ata s e rv in d o . Nossas a g e n d a s estão cheias de co m ­ prom issos assim q u e nã o nos sobre te m p o para p a ra r e le r a B íb lia , com vistas à re -o rie n ta ç ã o pessoal. Isso nos causaria consciência suja; pois f i ­ can d o aí parados, n ã o estaríam os se rv in d o à c o m u n id a d e , a o po vo . E a q u e le s qu e lê e m a B íb lia p a ra escutar a Deus, tal q u a l M a ria aos pés de Jesus, ju lg a m o s crentes, a lie n a d o s , e v a n g e lic a is ou preguiçosos. Jesus, p o ré m , nos d iria co m o disse à M a rta : "P astores, pastores! Vocês a n d a m

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in q u ie to s e p re o c u p a d o s com m uitas coisas. E ntretanto, p o u co é necessá­ rio , ou m esm o um a só coisa; M a ria , pois, e scolheu a boa p a rte e esta não lhe será tir a d a " (Lc 10.41s).

Q ual é a boa escolha de M a ria ? Ela sabe q u e o serviço de Jesus a nós p re ce d e o nosso serviço. Ela sabe q u e não p o d e se rvir a Jesus, sem ser se rvid a po r e le p rim e ira m e n te . Sabe q u e n ã o p o d e p re g a r à c o m u n i­ d a d e , sem antes ter o u v id o a m ensa g e m para si m esm a. Por isso e la se senta aos pés de Jesus e escuta seu e n sin o . Cristo q u e r lib e rta r a nós pas­ tores para tal postura e a titu d e d o escutar a Deus — escutar para nós pes­ s o a lm e n te , sem lo g o pensar na p re g a ç ã o p a ra a c o m u n id a d e .

O escutar a Deus a g u ça os o u vid o s para o c la m o r d o m u n d o . A his­ tó ria do bom s a m a rita n o pod e expressar bem a re a lid a d e b ra s ile ira . Sal­ te a d o re s e stra n g e iro s e n a cio n a is co n sta n te m e n te assaltam o p o vo e o d e i­ xam s e m i-m o rto na b e ira da estrada da v id a . O sacerdote e o le v ita vê e m o assaltado, mas têm com p ro m isso u rg e n te , lá no te m p lo , no congresso e clesiástico, ou lá na co n ve n çã o d o p a rtid o p o lític o . Na v e rd a d e , não vê e m nem escutam o assaltado. O s a m a rita n o , p o ré m , a q u e le q u e nã o é da ig re ja , nem d o p a rtid o , esse se to rn a o p ró x im o m is e rico rd io so d o as­ sa lta d o . Ele, de fa to , o vê e escuta seu cla m o r.

O e v a n g e lis ta Lucas coloca essas duas histórias juntas, para m os­ tra r a in te rlig a ç ã o e n tre o escutar a Deus e o escutar a o c la m o r d o m u n ­ do. As duas d im e n sõ e s d o escutar são in se p a rá ve is co m o dois lados de um a so m o e d a . São co m o as duas pernas d o cristão ou da Ig re ja . Para ca­ m in h a r se precisa das duas pernas; caso c o n trá rio , fica -se p u la n d o num a só pe rn a e perde-se ra p id a m e n te o fô le g o . E sendo sinceros, d e ve m o s a d m itir q u e há m uitos pastores p o r aí "c o m lín g u a d e fo r a " .

A bem da v e rd a d e , p o ré m , d e ve ser d ito qu e ta m b é m há pastores q u e se asse m e lh a m à q u e le servo in fie l q u e e n te rro u seu ta le n to (M t 25.18). Em vez de tra b a lh a re m com seus dons qu e Deus lhes c o n fio u e em vez de d e se n v o lv ê -lo s , fa z e m só o e s trita m e n te necessário, co m o cultos, ofícios e isso a in d a m al fe ito . A c o m o d a ra m -s e n um a m e n ta lid a d e de " fu n c io n á r io r e lig io s o " ; não m ais se a tu a liz a m p e la le itu ra , pesquisa e re c ic la g e m . C olocam -se, assim , sob o juízo de Deus (M t 25.26-30). A p e r­ g u n ta é se um a c o m u n id a d e e a ig re ja p o d e m fe c h a r os o lhos d ia n te de tal fa to ou se não d e v e m a ju d á -lo s a m u d a r d e a titu d e ou, se isso n ã o dá re su lta d o , a ju d á -lo s a p ro c u ra r o u tro e m p re g o , em q u e possam d e se n ­ v o lv e r m e lh o r seus dons.

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3 — Cristo distribui multiformes dons para o serviço

E expressão da c ria tiv id a d e d iv in a q u e cada ser h u m a n o e cada ser v iv o seja s in g u la r e te n h a suas p a rtic u la rid a d e s , seus dons específicos e, por c o n s e g u in te , seja in c o n fu n d ív e l. As p a rtic u la rid a d e s , h a b ilid a d e s e dons são a d q u irid o s a ta vé s de m ú ltip lo s fa to re s: h e re d ita rie d a d e , m e io -a m b ie n te , h istó ria , c u ltu ra , e x p e riê n c ia , fo rm a ç ã o . Assim co m o a fa u n a com todas as suas espécies fo rm a , a tra vé s da in te rd e p e n d ê n c ia e da c o m p le m e n ta ç ã o , o e q u ilíb rio e c o ló g ic o , assim ta m b é m os seres h u ­ m anos são in te rd e p e n d e n te s . C o m p le m e n ta m -s e e fa z e m p a rte d o to d o da c ria çã o . As pessoas, c o n tu d o , a cham q u e n ã o precisam um a da outra. E essa a rro g â n c ia , a u to -s u fic iê n c ia ou m a n ia de g ra n d e z a estraga a con­ v iv ê n c ia h a rm o n io sa com os se m e lh a n te s e a n a tureza. Este é o p e ca d o do ser h u m a n o : e le d e ix a de assum ir a sua d e v id a fu n ç ã o em seu d e v id o lu g a r, na h u m a n id a d e e na natu re za . Desse p e c a d o básico re su lta m to ­ dos os p ro b le m a s na n a tu re za , na so cie d a d e , na Ig re ja e na fa m ília .

Assim , p o ré m , o estado de coisas n ã o precisa c o n tin u a r. Pois, Deus m esm o v e io , e n c a rn a n d o em fo rm a h u m a n a . Jesus é o n o vo h o ­ m em q u e assum e sua d e v id a fu n ç ã o em seu d e v id o lu g a r. Ele se esvazia a si m esm o, despoja -se de to d o p o d e r, assum e fo rm a de servo (Fp 2.7), p ro m o v e n d o a vid a p a ra tu d o e todos, p rin c ip a lm e n te p a ra os q u e m e ­ nos a têm . Todas as suas h a b ilid a d e s , forças e c a p a cid a d e s e le pôs a ser­ v iç o da p ro m o ç ã o da justiça e da paz. De fa to , n e le irro m p e o R eino de Deus. Em bora as pessoas se e s c a n d a lize m com e le e o c ru c ifiq u e m , Deus o c o n firm a ressuscitando-o d e n tre os m ortos. A g o ra , a ú ltim a p a la v ra n ã o m ais estará com a a rro g â n c ia e m a n ia de g ra n d e z a , mas sim , com o co lo ca r os dons a serviço da p ro m o ç ã o da v id a . A v id a terá a ú ltim a p a la ­ vra sobre a m orte (1 Co 15.26). Deus será tu d o em tu d o e todos (1 Co 15.28).

Esta esperança nos d e ix a in c o n fo rm a d o s com todas as m a n ife s ta ­ ções de m o rte , seja na n a tu re za , na s o cie d a d e , na fa m ília , na Ig re ja co­ m o um to d o ou no c o n v ív io e n tre pastores. C risto nos lib e rta p a ra esta n o ­ va visão.

4 — Cristo liberta e vocaciona para o viver em comunidade A p a rtir d o Batism o, som os p ro p rie d a d e de Deus (Is 43.1), fa ze m o s p a rte da g ra n d e fa m ília d e Deus (Ef 2.19) e d o sa ce rd ó cio re a l (1 Pe 2.9); • somos in co rp o ra d o s ao C orpo de Cristo (Ef 1.23) qu e é o c o rp o da c o m u ­ n id a d e , d a Ig re ja (1 Co 12. 13). A B íb lia usa o corpo h u m a n o co m o fig u ra p a ra ilu stra r a in te rd e p e n d ê n c ia e c o m p le m e n ta ç ã o dos m em bros da

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co-m u n id a d e . Assico-m co co-m o no corpo cada co-m e co-m b ro , coco-m sua c a p a c id a d e e fu n ç ã o e m seu lu g a r e sp e cífico , c o n trib u i para o fu n c io n a m e n to h a rm o ­ nioso d e to d o o o rg a n ism o , assim ta m b é m os m em bros de c o m u n id a d e , com suas ca p a cid a d e s e fu n çõ e s em seu d e v id o lu g a r, c o n trib u e m para a e d ific a ç ã o de toda a c o m u n id a d e , com vistas a seu te ste m u n h o no m u n ­ d o (Ef 4 . 12s.). Cada q u a l serve a o to d o e, po r isso, é im p o rta n te . N in ­ g u é m é a u to -s u fic ie n te ou a rro g a n te , pois, sabe q u e necessita d o o u tro (1 Co 12.14-22). Só assim a c o m u n id a d e torna-se um te ste m u n h o v iv o e a u tê n tic o . Só assim e la tem a u to rid a d e para d e n u n c ia r os pod e re s p ro ­ m otores da in ju stiça e m orte. Só assim e la tem fo rç a p a ra c o lo ca r sinais concretos da vid a nova em co m u n h ã o , paz e justiça, ou seja, sinais do R eino de Deus. E bo m le m b ra r q u e o pastor é m e m b ro da c o m u n id a d e !

Para q u e a c o m u n id a d e possa d e sin cu m b ir-se desse serviço de te ste m u n h o , e la precisa a lim e n ta r-s e . O a lim e n to e la re ce b e p e la Pala­ vra e pelos Sacram entos (cf. A t 2.42; CA, art. V). S egu n d o tra d iç ã o lu te ra ­ na, esse é o m in is té rio e c le s iá s tic o 1 qu e visa à c ria çã o e e d ific a ç ã o de co­ m u n id a d e , com vistas à sua m issão no m u n d o . Esse m in is té rio g e ra l, na p rá tica , desdob ra -se em d ife re n te s m in is té rio s específicos, d e p e n d e n d o das necessidades e p o s s ib ilid a d e s da c o m u n id a d e e da ig re ja . Na IECLB tem os os m in isté rio s c a te q u é tic o /e d u c a c io n a l, d ia c o n a l e p a s to ra l2. To­ dos esses m in isté rio s específicos n ã o têm um fim em si m esm os, mas es­ tã o a serviço da c o m u n id a d e . Q u a lq u e r a titu d e de m a n ip u la ç ã o , a u to ri­ ta rism o ou d o m in a ç ã o não é e v a n g é lic a ; pois e la c o n tra d iz o e sp írito da vocação para o se rvir e v iv e r em c o m u n id a d e ( " m in is té rio ” s ig n ific a " s e rv iç o " ). Inúm eras passagens b íb lica s a le rta m nesse s e n tid o (p. e x ., 1 Pe 5.1-4).

5 — Cristo liberta para o ser pequeno

A te n ta çã o de c o m p e tir com co le g a s tem a sua o rig e m na n a tu re ­ za h u m a n a e, a lé m disso, é fo m e n ta d a p e la so cie d a d e c a p ita lis ta em q u e vivem os. Ela se m a n ife sta d ire ta m e n te no c o n v ív io e n tre pastores, co m o já vim os a cim a .

Cristo nos fa z p e rc e b e r as conseqü ências desastrosas desse ter que ser g ra n d e . Ele nos lib e rta dessa m a n ia , à m e d id a em q u e nos c o n scie n ti­

1 — Cf. M a rtin N. DREHER, A co n ce p çã o lu te ra n a d o m in is té rio e c le siá stico — a lg u n s a p o n ta m e n ­ tos, in: Estudos Teológicos, 23(3): 231-248, 1983.

2 — C o n scie n te m e n te m e n c io n a m o s o m in is té rio p a stora l p o r ú ltim o , p a ra d e s a fia r a nós pastores e à IECLB, com vistas à v a lo riz a ç ã o e a o d e v id o re c o n h e c im e n to dos m in isté rio s c a te q u é tic o /e d u c a tiv o e d ia c o n a l.

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za de qu e n e n h u m a proposta ou e s tra té g ia pastoral e n e n h u m a p re g a ­ ção, po r m ais d in â m ic a s e cria tiva s q u e se ja m , g a ra n te m o "s u c e s s o " a l­ m e ja d o . O ú ltim o o b je tiv o de le v a r pessoas a crerem em Cristo, ou seja, de co n stru ir o R eino de Deus, não nos é fa c tív e l. Isso p e rm a n e c e sendo obra d o p ró p rio Deus. E q u a n d o , através de nossa lim ita d a a çã o p astoral, pessoas e estruturas ch e g a m a ser lib e rta d a s e tra n sfo rm a d a s, e n tã o v e ­ mos nesse fa to um sinal d o Reino, o rig in a d o p e lo p ró p rio Deus. E se m e ­ lh a n te à q u e le se m e a d o r qu e sem eou e s e m e o u ... Três partes da boa se­ m e n te la n ça d a nã o re d u n d a ra m no fru to a lm e ja d o ; um a p a rte , p o ré m , de u fru to . Isso nos to rn a h u m ild e s e p e rse ve ra n te s no p astorado . A ca u ­ sa, em ú ltim a a n á lis e , não é nossa, mas d o p ró p rio Deus. Ele é q u e m dá o crescim ento.

Nesse se n tid o , é bom le m b ra r qu e n e n h u m pastor re ú n e todos os dons dos q u a is a c o m u n id a d e necessita. Um pastor tem o do m da p o im ê - nica — q u e e n tã o sirva p rim o rd ia l e in te n c io n a lm e n te com esse d o m ! O utro tem o do m de p re g a r — q u e e n tã o sirva p rim o rd ia l e in te n c io n a l­ m ente com esse d o m !3. A c o m u n id a d e d e sfru ta dos m u ltifo rm e s dons q u e Deus d is trib u i e n tre os obre iro s. Por isso ta m b é m é re c o m e n d á v e l q u e o pastor nã o se " e te r n iz e " n u m a só p a ró q u ia , nem pense q u e tu d o qu e o antecessor fe z ou não fe z nã o tem v a lid a d e . Pelo c o n trá rio , pod e ver a h istó ria da c o m u n id a d e com os olhos de Paulo: "Eu p la n te i, A p o io re g o u , mas o cre scim e n to v e io de Deus. De m o d o q u e nem o q u e p la n ta é a lg u m a coisa, nem o q u e re g a , mas Deus q u e dá o c re s c im e n to " (1 Co 3.6s).

A p a rtir desse p o n to de vista, somos lib e rta d o s d o te r q u e ser g ra n ­ de. A g o ra po d e m o s ser peque nos. Somos lib e rta d o s para v a lo riz a r o que Deus fa z através d o o u tro c o le g a .

6 — Cristo faz perceber a provisoriedade do fazer teológico Esse ser p e q u e n o leva a p e rce b e r to d o o nosso fa z e r te o ló g ic o co­ m o sendo p ro v is ó rio e tra n s itó rio . C om eçam os a perscrutar a p ro fu n d id a ­ de das p a la v ra s do a p ó s to lo Paulo acerca d o a m o r q u e ja m a is a ca b a , e n ­ q u a n to todas as outras g ra n d e s v irtu d e s cristãs passarão, " p o rq u e em p a rte conh e ce m o s, e em parte p ro fe tiz a m o s " (cf. 1 Co 13.8s). Em bora te ­ n ha escrito as m ais fam osas obras te o ló g ic a s e te n h a sido o m ais a b e n ­ ço a d o m issio n á rio de to d a a Ig re ja , Paulo tem esta consciência da o ro v i- s o rie d a d e e tra n s ito rie d a d e : " p o rq u e a g o ra vem os co m o em e sp e lh o ,

3 — Sobre "U m p a sto ra d o in te n c io n a l" escreve R icardo W AN G EN em : KIRCHHEIM, H. ( e d .), Pasto­

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o b s c u ra m e n te " (v. 12a). "Q u a n d o , p o ré m , v ie r o qu e é p e rfe ito , e n tã o o q u e é e m parte será a n iq u ila d o " (v. 10); " e n tã o ve re m o s fa c e a fa c e ; a g o ra co n h e ço em p a rte , e n tã o c o n h e çe re i co m o ta m b é m sou c o n h e c i­ d o " (12b). D iante da p e rsp e ctiva da parusia de Cristo, o nosso fa z e r te o ­ ló g ic o e as nossas propostas pastorais g a n h a m seus d e v id o s lugares, ou seja, d e ix a m de ser a b s o lu tiz a n te s e a rro g a n te s.

Essa co nsciência da p ro v is o rie d a d e e tra n s ito rie d a d e d o nosso co­ n h e ce r te o ló g ic o e pastoral nos fa z desm ascarar to d a e q u a lq u e r te o lo ­ g ia ou pastoral a b s o lu tiz a n te . Nesse s e n tid o , Paulo soube b rig a r com Pe­ d ro (Gl 2). Pelo m esm o m o tiv o nós tem os q u e d e s m a n te la r q u a lq u e r te o ­ lo g ia qu e n ã o m ais d is tin g u e e n tre sinais d o R eino e o p ró p rio R eino de Deus, nem d is tin g u e e n tre fé /e s p e ra n ç a na sa lva çã o e a p ró p ria sa lv a ­ ção.

Essa m esm a co nsciência da necessária tensão e n tre o " já a g o r a " e o " a in d a n ã o " ta m b é m nos c a p a c ita a v iv e r com d ife re n te s fo rm a s de p a sto ra d o , sem a b s o lu tiz a r um a em d e trim e n to de o u tra 4. Pois cada fo r ­ m a é h istórica, isto é, d e p e n d e de m ú ltip lo s fa to re s, tais co m o : vocação, c u ltu ra , fo rm a ç ã o , co n te x to histó rico esp e cífico . Deus é m u ltifo rm e e c ria tiv o . Portanto, d e ve h a ve r m u ltifo rm id a d e de pastorados d e n tro de um a m esm a ig re ja 5. O ta la r n ã o q u e r u n ifo rm iz a r os pastores, mas id e n ­ tific a r o p e rte n c e r a um a m esm a ig re ja .

Essa consciência da p ro v is o rie d a d e do nosso co n h e ce r te o ló g ic o e pastoral ta m b é m nos lib e rta d o in d iv id u a lis m o te o ló g ic o -p a s to ra l, supera a so lid ã o . Ela nos fa z buscar po r c o m p le m e n ta ç ã o e c o o p e ra ç ã o ; c a p a c i­ ta para o g ra tific a n te tra b a lh o em e q u ip e , ta n to com colegas e leigos q u a n to com outros profissio n a is.

7 — Cristo liberta para um novo relacionamento com o dinheiro Na m e n ta lid a d e ca p ita lis ta , a g e n te é p a g o p e lo qu e produz. No c a p ita lis m o se lva g e m b ra s ile iro nem isso a co n te ce ; pois, m u ita s vezes, g a n h a bem m ais q u e m m enos tra b a lh a (le m b re -se dos " m a r a já s " ) . Je­ sus, p o ré m , na p a rá b o la dos tra b a lh a d o re s da v in h a (M t 20.1-16), coloca um n o vo c rité rio , ou seja, um sinal e v a n g é lic o : P a gam en to não c o n fo r­ me p ro d u çã o , mas s e g u n d o a necessidade de sustento da v id a . Cada tra ­

4 — Sobre as d ife re n te s fo rm a s de pa sto ra d o , v id e M a n fre d JOSUTTIS, Prática do Evangelho en tre

Política e Religião, 2. e d ., São L e opold o, S in o d a l, 1982, p. 14-37.

5 — A cerca da ne cessidad e de sup e ra r a e strutura p a ro q u ia l nã o re fle tim o s nesse m o m e n to . A lg u ­ mas id é ia s a re s p e ito tem os c o m p a rtilh a d o em o u tro a rtig o : G ü n te r K.F. W EHR M AN N, Chances e p e rig o s da c e le b ra ç ã o de o fíc io da c o m u n id a d e , in: MOLZ, C. & W EHR M AN N, G.K.F. (e d .),

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b a lh a d o r precisa g a n h a r o necessário para v iv e r. É ó b v io q u e em nossa so cie d a d e d iv e rs ific a d a nem se m p re é tão fá c il d e fin ir o q u e se ria o ne­ cessário p a ra v iv e r. Porém, nã o seria tã o d ifíc il e lim in a r, p e lo m enos na ig re ja , in ju stiça s fla g ra n te s , tais co m o : q u e o s o lte iro g a n h a ta n to q u a n to o casado; ou qu e não se c o m p u ta o g a n h o fa m ilia r ; ou qu e um casal sem filh o s g a n h a quase o m esm o q u a n to um casal com filh o s em id a d e e sco la

r6-Enquanto n ã o p ro g re d irm o s na busca p o r m ais justiça e v a n g é lic a , im p o rta e n sa ia rm o s u m a a d m in is tra ç ã o e v a n g é lic a d o d in h e iro a nós c o n fia d o , in d e p e n d e n te d o q u a n to g a n h a m o s. E bom le m b ra r qu e nós pastores, no Brasil, em term os de s a lá rio , fa z e m o s p a rte da p e q u e n a classe m é d ia b a ix a . Estamos situados a p ro x im a d a m e n te na fa ix a dos 25% qu e está p e rto da p o n ta da p irâ m id e social. O E vangelh o nos desa­ fia a nos o rie n ta rm o s p a ra b a ix o , e não para cim a . Pois C risto tem um a c o m p a ix ã o p re fe re n c ia l para os p e que nos. Isso nos constra n g e p a ra le ­ var um m o d o de v id a m ais sim ples, em term os de ve s tim e n ta , a lim e n ta ­ ção, la z e r...

Já q u e o s a lá rio , em term os e v a n g é lic o s , n ã o é m era re c o m p e n ­ sa, mas c o n fia d o p a ra o sustento e para socorrer a o necessitad o (Ef 4.28), estam os livre s para re p a rtir e c a rre g a r os fa rd o s uns dos outros. Nesse se n tid o , a C aixa de A u x ílio F raternal da IECLB, p o r m ais fra c a e im p e rfe i­ ta qu e seja, é um sin a l de e sperança , n u m a re a lid a d e de quase to ta l a b a n d o n o social e p re v id e n c iá rio .

IV — Perspectivas

O assunto, sem d ú v id a , fo i a p e n a s le v e m e n te ta n g id o . P ercebe­ mos um g ra n d e le q u e de aspectos nã o a n a lisa d o s. M as as poucas ques­ tões, e n fo c a d a s à luz d o E vangelh o, re p re se n ta m um d e s a fio p a ra su p e ­ rar a re sig n a çã o e a c o m o d a ç ã o , d ia n te dos c o n flito s q u e e n v o lv e m o re ­ la c io n a m e n to e n tre pastores da IECLB. Os tem pos em q u e se a ch a va qu e ser pastor seria " u m a b o a " já passaram . Isso ta lv e z até seja bom !

A g o ra im p o rta nós nos sentarm os juntos e a n a lis a rm o s a nossa si­ tu a çã o e sp e cífica , à luz d o E vangelh o, com vistas à busca de m ais fra te r­ n id a d e , a c e ita ç ã o , d o a ç ã o e co o p e ra çã o . A c a m in h a d a é sob a cruz m es­

6 — Estamos cie n te s de q u e o assunto é m ais c o m p le x o e de q u e e le já fo i m o tiv o d e discussão em c on cílio s. M as, d e ce rta fo rm a , tem os nos a c o m o d a d o , ta lv e2 p o r re s ig n a ç ã o e fru stra çã o . Pensamos, p o ré m , q u e o E va n g e lh o nos d e s a fia à co lo ca çã o de sinais de m ais justiça.

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m o, e nã o sob a g ló ria . A g ló ria está re se rva d a para a p arusia de Cristo. D êm o-nos as mãos, p o rta n to , e c a m in h e m o s juntos, para qu e surjam si­ nais d o R eino a q u i e ag o ra .

Nesse se n tid o , d e s a fia m o s a C o n fe rê n c ia de O b re iro s do Distrito Eclesiástico para a re a liz a ç ã o de um a ou m ais re u n iõ e s e x tra -o rd in á ria s , em q u e este assunto seja tra b a lh a d o e c o n te x tu a liz a d o .

V — Sugestão de D in â m ic a p a ra a C o n ferê n c ia de O b reiro s Já qu e o assunto e n v o lv e d ire ta m e n te a fa m ília to d a , co n vé m es­ tu d a r a p o s s ib ilid a d e de tra tá -lo com a p a rtic ip a ç ã o nã o só d o o b re iro , mas d o casal e /o u de seus filh o s .

Passo 1: Todos os in te g ra n te s da c o n fe rê n c ia d e v e m ter lid o esse a rtig o , ou em casa ou na re u n iã o em c o n ju n to (no ú ltim o caso, um re tiro seria m ais a p ro p ria d o !).

Passo 2: O g ru p o c o m p a rtilh a sobre os c o n flito s q u e a flig e m os in te ­ grantes. Em com um a co rd o , d e cid e -se q u a l é o c o n flito m ais p re m e n te .

Passo 3: Ensaio d e um a d ra m a tiz a ç ã o sobre esse re fe rid o c o n flito , sem le v á -lo a um a solução.

Passo 4: A v a lia ç ã o dessa d ra m a tiz a ç ã o , à luz do E vangelh o e busca por pistas para c o n v iv e r e crescer com esse c o n flito .

Passo 5: C e le b ra çã o de um a n o va d ra m a tiz a ç ã o , em q u e se p a rte do re fe rid o c o n flito e se en sa ia o c o n v iv e r e crescer com o m es­ mo.

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