E TEM CIÊNCIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL? Monica Silva Aikawa Universidade do Estado do Amazonas Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas Lucinete Gadelha da Costa Universidade do Estado do Amazonas
RESUMO: Durante o trabalho pedagógico em escolas de educação básica, notei que alguns docentes percebem como irrelevante trabalhar ciências na educação infantil, outros pretendem ingressar neste nível de ensino para “descansar”, pois é só “deixar as crianças brincando”. Por outro lado, pesquisadores citam a necessidade de iniciar o contato com as ciências desde a primeira etapa da educação básica e indicam as interações e brincadeiras como essenciais para o desenvolvimento dos aspectos sociais, cognitivos, emocionais e corporais da criança pequena. Para compreender esta dicotomia, realizamos uma leitura da Proposta PedagógicoCurricular de Educação Infantil da cidade de Manaus e identificamos o rumo de suas orientações. Deste modo, por meio de uma análise documental, evidenciamos o lugar destinado às ciências neste documento, enquanto currículo oficial. Nesta análise, estamos considerando a concepção de educação em ciências no sentido de incorporação dos conhecimentos científicos como cultura, possibilitando a formação do cidadão e sua interação com o mundo. Assim como relacionamos esta concepção ao currículo integrado da educação infantil, direcionando as ações pedagógicas para o desenvolvimento da criança, considerandoa como sujeito no seu processo formativo. Elucidamos que este artigo é um resultado parcial de nosso projeto de pesquisa de mestrado intitulado “A educação em ciências no currículo da educação infantil”. O referido projeto tem o objetivo de analisar a relação entre as práticas pedagógicas efetuadas nas turmas de préescola e a perspectiva da educação em ciências. De forma irônica, quando exponho este projeto, alguns perguntam “E tem ciências na educação infantil?” e para tentar responder esta questão, apresentamos este artigo.
PALAVRASCHAVE: Educação Infantil. Proposta pedagógica. Educação em Ciências.
INTRODUÇÃO
Em certas escolas de educação básica de Manaus, presenciamos o discurso de que é irrelevante trabalhar ciências na educação infantil, mesmo com a emergente necessidade de educação científica apontada por Cachapuz (2010), Carvalho e GilPérez (2011) e Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2011).
Notamos, também, o desejo de alguns docentes em ingressar neste nível de ensino para “descansar”, pois resumem o trabalho docente com crianças pequenas em
deixálas brincando, expressando o termo brincadeira de maneira pejorativa e incompatível com as obras de Oliveira (2005) e Craydi e Kaercher (2001).
Esta inquietação acompanhou a elaboração do projeto de pesquisa de mestrado, no qual desenvolvemos o tema “Educação em ciências na Educação Infantil”, objetivando analisar a educação em ciências na prática pedagógica de um Centro Municipal de Educação Infantil – CMEI – de Manaus.
Neste artigo apresentamos a Proposta PedagógicoCurricular de Educação Infantil – PPCEI, percebendo se nestas orientações há espaço para vivenciar as ciências nas instituições públicas destinadas às crianças de 0 a 5 anos de idade de nossa cidade.
Entendemos a proposta pedagógica como o elemento do currículo que orienta as ações de uma instituição educativa. Especificamente, o currículo da educação infantil se caracteriza pelo educar e cuidar, através de interações e brincadeiras, (BRASIL, 2009; 2010), propondo desenvolver aspectos sociais, emocionais, cognitivos e motores das crianças pequenas e dos bebês.
Para tanto, a concepção de criança como sujeito único, histórico, cultural e aprendente (OLIVEIRA, 2005; KRAMER, 2006), precisa ser internalizada pelos docentes e pesquisadores do processo educativo de crianças.
Na leitura da PPCEI (MANAUS, 2013), percebemos a participação de toda comunidade escolar em sua construção, citamos: professores, pedagogos, gestores, pais e/ou responsáveis e as crianças da creche a préescola. Esta construção coletiva sistematiza o trabalho das Creches e CMEIs da cidade e reconstrói as práticas educativas segundo o marco legal e as pesquisas recentes.
A participação das crianças nesta construção precede uma concepção de criança sóciohistórica e cidadã (KRAMER, 2006), admitindoas como ativas e competentes para agir nas coisas do seu mundo e defenderem suas ideias pessoais e originais (CRAYDI e KAERCHER, 2001).
A PPCEI é estruturada com uma contextualização histórica da educação infantil de Manas, expressa sua estrutura funcional e o marco legal (MANAUS, 2013). Discorre sobre o percurso metodológico de sua construção e traça perspectivas quanto a estrutura física, recursos humanos e atendimento, especificando o calendário, a carga horária, os ambientes educativos, experiências pedagógicas e reflete temas transversais para educação. E perguntamos, há espaço para ciências?
O lugar das Ciências na Proposta PedagógicoCurricular de Educação Infantil da Secretaria Municipal de Educação de Manaus
Considerando as ciências, o documento apresenta os espaços e ambientes para oportunizar a exploração de “variedades e diversidades de texturas e cores, suas formas e proporções [...], que podem nortear os trabalhos e atividades, buscando o despertar dos sentidos, abordando a curiosidade e a capacidade de descoberta da criança.” (MANAUS, 2013, p. 21).
Segundo Rosa (2001), as ciências na educação infantil acontecem integradas às demais áreas do conhecimento, pois as teorias, metodologias e instrumentos elaborados historicamente pela humanidade possibilitam a exploração do mundo pelas crianças. Além disso, garantir espaços e ambientes para experiências que agucem a curiosidade e descoberta pelas crianças (OLIVEIRA, 2005) é importante não só para aprender ciências, mas principalmente para o desenvolvimento infantil.
A proposta sugere a organização dos espaços em cantinhos de jogos, leitura, faz deconta, música, construção e manipulação (MANAUS, 2013), e todos devem se integrar e permitir ao professor a observação das diferentes interações das crianças na exploração do ambiente. Ao interagir e manusear os objetos, as crianças aprendem a atuar com eles, conhecem suas qualidades, assimilam a prática para usálos e vão complexificando suas experiências (ARCE, SILVA e VAROTTO, 2011).
As ciências também são envolvidas no ambiente externo da escola, proporcionando as primeiras aprendizagens quanto a “noções de cuidado com o meio ambiente, a interação com adultos e crianças de diferentes idades, brincadeiras diversas, exploração do espaço, contato com a natureza e pequenos animais, como formigas, passarinhos, tartaruga” (MANAUS, 2013, p. 40). O uso do ambiente fora da escola possibilita aprender ciências pelo contato com diversas formas de vida, procurando incluir a espécie humana entre as demais espécies e superar a visão de superioridade do homem perante a natureza (ROSA, 2001). Nas sugestões de atividades, a proposta indica atividades manuais, o movimento, músicas, uso de materiais para construção, entre outros (MANAUS, 2013). Salientando a brincadeira e interação como eixo condutor de toda ação pedagógica, o documento expõe o brincar como atividade cultural, sendo a principal linguagem da criança que oportuniza experiências de socialização, autonomia, afetividade, cognição e coordenação motora.
É importante quando a proposta incentiva as práticas da educação infantil seguindo uma rotina havendo momento para brincadeiras, troca de fraldas, escovação,
lavagem das mãos, alimentação, pois são consideradas tanto práticas de cuidado quanto de educação. Estes momentos se tornam pedagógicos quando o professor incentiva o uso linguagem, a exploração dos materiais e ambientes, estimula vivências e experiências de aprendizagem (MANAUS, 2013). Segundo Rosa:
O conhecimento, bem como as regras e os valores, é construído pela ação sobre o meio físico e social, cabendo, ao adulto, oportunizar a ocorrência de situações interativas em que a criança precise tomar decisões, fazer escolhas, expressar pontos de vista e fazer trocas no sentido de desenvolver a autonomia e a cooperação. Entretanto, os processos pedagógicos não se restringem a realização de atividades, sendo fundamental a realização de reflexão sobre as atividades cotidianas. (ROSA, 2001, p. 154).
Nesta tomada de decisões, expressão de pontos de vista e reflexão, as crianças vão aprendendo novos conceitos, organizandoos e reelaborandoos ao longo de suas experiências (ARCE, SILVA e VAROTTO, 2011).
Na rotina há atividades permanentes (MANAUS, 2013) com brincadeiras no espaço interno e externo, roda de história, roda de conversa, oficinas de desenho, pintura, colagem e música, atividades diversificadas, cuidados com o corpo. Todas elas podem envolver interação com ciências, pois permitem desafiar a criança por meio de múltiplas experiências e quanto maiores as possibilidades frente à exploração pela criança, mais ela desenvolverá. (ARCE e VAROTTO, 2011).
Consideramos importante, a PPCEI registrar que as atividades são apresentadas “a partir do interesse das crianças considerando algum fato, objeto ou acontecimento ocorrido [...] sendo a própria criança, o centro do planejamento curricular” (MANAUS, 2013, p. 5354), tal como sugere a perspectiva de educação em ciências de incluir o aprendente no planejamento educacional (CACHAPUZ, 2010; CARVALHO e GIL PÉREZ, 2011; DELIZOICOV, ANGOTTI e PERNAMBUCO, 2011).
Seguindo as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil (BRASIL, 2009; 2010), a proposta sugere doze experiências, visando o desenvolvimento infantil de acordo com o eixo de interações e brincadeiras, garantindo educação e cuidado.
Arce, Silva e Varotto (2011) afirmam o desenvolvimento da criança como sendo marcado por sua inserção no mundo, vivenciandoo e experimentando, por isso destacamos que a proposta pedagógica (MANAUS, 2013) recomenda o trabalho com as crianças pequenas por meio de experiências.
Especialmente as experiências 8, 10 e 12, direcionam aos temas de ciências, abrangendo desde o incentivo à curiosidade e investigação, à relação mais próxima com o meio ambiente natural até o uso consciente das tecnologias (DELIZOICOV,
ANGOTTI e PERNAMBUCO, 2011). Citamos:
Experiência 8: Garantir experiências que incentivem a curiosidade, a exploração, o encantamento, o questionamento, a indagação e o conhecimento das crianças em relação ao mundo físico e social, ao tempo e à natureza. [...]
Experiência 10: Promovam a interação, o cuidado, a preservação e o conhecimento da biodiversidade e da sustentabilidade da vida na Terra, assim como não desperdício dos recursos naturais. [...]
Experiência 12: Possibilitem utilização de gravadores, projetores, computadores, máquinas fotográficas e outros recursos tecnológicos e midiáticos. (MANAUS, 2013, p. 6671).
Na descrição destas experiências (MANAUS, 2013) percebemos o caráter intrínseco com o qual as ciências envolvem a vida das crianças e podem estar presentes nas ações cotidianas da escola (ARCE, SILVA e VAROTTO, 2011), aproximando suas condições de vida dos conhecimentos.
EM BUSCA DE CONSIDERAÇÕES
A discussão apresentada neste artigo não é final, pois a destacamos como parte de nossa pesquisa de mestrado, mas consideramos importante trabalhar ciências na educação infantil, por entendermos a necessidade de ampliação de conhecimentos frente à relação do próprio ser humano com o mundo. Não podemos esquecer que já fomos crianças pequenas e nosso aprendizado não começou na faculdade... Entender a criança como sujeito em seu processo formativo e considerála produtora de cultura e capaz de aprender, permite ultrapassar o pensamento de educação infantil como “passa tempo” e (re)pensar o trabalho docente com crianças pequenas e bebês como uma função necessitada de formação específica, de qualificação e responsabilidade.
Frente aos destaques registrados neste texto, reconhecemos que a Proposta PedagógicoCurricular de Educação Infantil de Manaus abre espaço para o contato com as ciências nas experiências indicadas como interações/brincadeiras que podem contribuir para o desenvolvimento integral da criança da educação infantil.
Esta proposta não só apresenta temas de ciências em seu texto, pois ela não descreve um rol de conteúdos, mas sim sugere experiências, permitindo abarcar a criatividade de professores e crianças nas vivências com o conhecimento, em especial o das ciências.
Tanto as pesquisas em educação infantil quanto a proposta pedagógica em questão, permitem expressar que há ciências neste nível de ensino e não podemos
ironizar quando abordamos o tema criança. REFERÊNCIAS
ARCE, A.; SILVA, A. S. M.; VAROTTO, M. Ensinando ciências na educação
infantil. Campinas: Editora Alínea, 2011.
BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Resolução n. 05,
de 17 de dezembro de 2009. Fixa as Diretrizes Curriculares para a Educação infantil.
Brasília: MEC, CNE, 2009.
_____. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Brasília: MEC, SEB, 2010.
CACHAPUZ, A. [et. al.]. A necessária renovação do ensino das ciências. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2010.
CARVALHO, A. M. P. de; GILPÉREZ, D. Formação de professores de ciências: tendências e inovações. 10 ed. São Paulo: Cortez, 2011.
CRAYDI, C. M.; KAERCHER, G. E. P. S. Educação infantil: pra quê te quero? Porto Alegre: Artmed, 2001.
DELIZOICOV, D.; ANGOTTI, J. A.; PERNAMBUCO, M. M. Ensino de Ciências
fundamentos e métodos. 4 ed. São Paulo: Cortez, 2011. KRAMER, S. As crianças de 0 a 6 anos nas políticas públicas educacionais no Brasil: educação infantil e fundamental. Revista Educação & Sociedade. Campinas, vol. 27, n. 96 Especial, p. 797818, outubro 2006. MANAUS. Secretaria Municipal de Educação. Divisão de Educação Infantil. Proposta pedagógicocurricular de educação infantil. Manaus: SEMED/DEI, 2013. OLIVEIRA, Z. M. R. Educação infantil: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2005.
ROSA, R. T. D. Ensino de ciências na educação infantil. In: CRAYDI, C. M.; KAERCHER, G. E. P. S. Educação infantil: pra quê te quero? Porto Alegre: Artmed, 2001.