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A música no período clássico - Mozart e o Idealismo Artes-Ciências

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Academic year: 2021

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A música no período clássico: Mozart e o idealismo Artes-Ciências Maria Lúcia Netto Grillo, UERJ, E-mail: mluciag@uerj.br

Luiz Roberto Perez L. Baptista, UERJ. E-mail: maestroluizroberto@ig.com.br Adílio Jorge Marques, UFF, E-mail: adiliojm@gmail.com

Ricardo Pereira Martins, UERJ, E-mail: rico_byroniano@yahoo.com.br Resumo

O período Clássico mostra uma racionalidade quase que cartesiana, denotando que arte e ciência são encaradas como extensão uma da outra. É afirmada uma nova forma de se pensar o mundo e a Arte: ciência e cultura devem dispensar o mesmo rigor formal nas suas análises e produções. A música do classicismo teve início principalmente com dois filhos de Johann Sebastian Bach: Johann Christian Bach e Carl Philipp Emanuel Bach. Um dos grandes expoentes da época foi Mozart. Fizemos uma breve análise sobre sua vida e sua Sinfonia 41 e das contribuições da música da época até hoje, além das dificuldades da sociedade da época, contra as quais Mozart lutou, com consequências trágicas para sua vida.

Palavras-chave: classicismo, artes, natureza, música, Mozart Introdução

Sendo o Classicismo ligado com a essência do fenômeno humano, ao entendimento da relação desses fenômenos com a physis, ou seja, a natureza, este período cultural mostra, nas suas manifestações, uma racionalidade quase que cartesiana, denotando que arte e ciência são encaradas como extensão uma da outra. A música, por exemplo, sempre é uma forma de expressão da sua época. No período que sucede o Barroco essa arte também sofreu transformações, já que o mundo também passava por mudanças em todas as áreas de conhecimento: a Literatura com Voltaire, a Filosofia com o racionalismo de Kant e a sociologia com Adam Smith, com o seu “Manifesto teórico sobre o desenvolvimento científico da economia no século XVIII”, de 1776, na obra “A Riqueza das Nações” (MEDAGLIA, 2008, p. 83). Assim, parece que se afirma aqui uma nova forma de se pensar o mundo e a Arte: ciência e cultura devem dispensar o mesmo rigor formal nas suas análises e produções. Ao artista que vai retratar o corpo humano, por exemplo, seja

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na pintura, na escultura, etc, ter o conhecimento científico de como o nosso organismo se apresenta, e como funciona, passou a ser fundamental. Devia haver semelhança entre o que a Arte representava aos sentidos dos seus espectadores, muitos da elite social daquela época, e a realidade (HENRY, 1998).

A música do classicismo (de aproximadamente 1750 a 1820) teve início principalmente com dois filhos de Johann Sebastian Bach: Johann Christian Bach (1735-1782) e Carl Philipp Emanuel Bach (1714-1788). Segundo Carpeaux (2009, p.138), Christian Bach foi o primeiro que no concerto para solista e orquestra substituiu o cravo pelo piano e Philipp Bach foi o responsável pelo desenvolvimento da forma sonata para piano solo. Nessa época, o então menino prodígio Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) teve oportunidade de assistir algumas apresentações dos Bach, que muito o impressionaram e influenciaram (CHAIM, 2006).

A música instrumental ganhou mais importância. Os instrumentos ganharam uma linguagem própria, deixando de serem utilizados apenas para acompanhamento de canto. Segundo Medaglia (2008, p. 84), as melodias ganham mais fluência, leveza e até simplicidade. Em alguns desenvolvimentos do discurso musical o contraponto é também usado, mas não como técnica predominante. O timbre dos diferentes instrumentos ganha maior importância bem como a dinâmica (forte e piano). Toda a base da orquestração moderna nasce nesse período. Duas orquestras tiveram destaque: a de Mannheim, na Alemanha, criada por Johann Stamitz, que reuniu principalmente músicos austríacos, e a de Viena, de Georg Christoph Wagenseil (1715-1777), compositor austríaco. Vários membros da orquestra de Mannheim foram compositores, dentre eles Johann Anton Stamitz (1717-1757), cuja música não é mais tocada hoje, porém sua influência histórica permaneceu, principalmente pela transformação da abertura italiana em sinfonia, a introdução do minueto como terceiro movimento e a criação do crescendo e decrescendo na dinâmica.

Também foram da orquestra de Mannheim, segundo Carpeaux (2009, p. 144), o vienense Ignaz Holzbauer (1711-1783), autor de Singspiele (pequenas óperas nas quais o recitativo era substituído por texto falado em alemão), que teve importante influência sobre Mozart e Karl Stamitz (1746-1801), que foi mozartiano. Surge a perspectiva da postura da Grécia Antiga de que a arte deve atingir o Bom, o Belo e o Verdadeiro. Relembra-se Sócrates, Platão e Aristóteles, sequência de Mestres e discípulos, um modelo que se mantém nas Artes em geral. A beleza é extremamente

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valorizada e deve conduzir os homens para a Verdade. Mozart parece incorporado desse espírito de sua época, como veremos adiante. A mais antiga de todas as sinfonias foi escrita em 1740, por Georg Mathias Monn (1717-1750), da orquestra de Viena. Monn foi o primeiro que empregou o mesmo esquema da sinfonia (em 4 movimentos) para um concerto de solista: concerto para violoncelo e orquestra em sol menor, que foi reeditado, na coleção Monumentos da Música na Áustria (vol. XIX, t. 2), de Arnold Shoenberg (1874-1951). Segundo Carpeaux (2009, p. 145), a forma musical da sonata foi desenvolvida pela orquestra de Viena: “uma nova música instrumental, baseada no contraste dramático de temas e tonalidades, dramaticidade abrandada pelo otimismo do século racionalista e pela boa educação da sociedade aristocrática que mandava restringir a expressão dos sentimentos” (CARPEAUX, 2009, p.146).

Dois fatos importantes incentivaram o aumento da produção musical: o aperfeiçoamento do piano e o aperfeiçoamento da edição musical. Segundo Medaglia (2008, p. 85), os quatro grandes compositores da época foram: o alemão Christoph Willibard Gluck (1714-1787), famoso por suas óperas e reformas estruturais no gênero; Franz Joseph Haydn (1732-1809), austríaco que escreveu mais de 100 sinfonias, muitas músicas de câmara e oratórios, sendo o principal compositor que influenciou o chamado “Barroco mineiro”, com José Joaquim Emérico Lobo de Mesquita (1746-1805) e o padre José Maurício Nunes Garcia (1767-1830); Mozart, também austríaco, nascido em Salzburg, já citado anteriormente, e que foi impecável e criativo em todas as áreas – música sinfônica, concertante, camerística e operística; e, finalmente, Ludwig van Bethoven (1770-1827), alemão considerado o ponto culminante do classicismo e o introdutor do estilo seguinte, o romantismo.

Com o crescimento do número de instrumentos e de músicos nas orquestras, o grupo não podia mais ser dirigido por um dos instrumentistas (em geral do cravo ou do primeiro violino spalla), surge então o maestro ou regente (curso superior que hoje leva 6 anos), que tinha como “instrumento” a própria orquestra, que podia ser acompanhada de um coral. Além das grandes orquestras eram comuns os pequenos grupos instrumentais, chamados de câmara. Segundo Medaglia (2008, p. 92), o quarteto de cordas, com dois violinos, uma viola e um violoncelo foi a forma camerística mais importante do período. Os principais autores de quartetos foram Luigi Boccherini (1743-1805), com 91, Haydn, com 83, Mozart, com 26 e Beethoven,

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com 16. A sonata para piano solo foi muito difundida, bem como a ópera (CHAIM, 2006).

Percebe-se, então, que para atingir um ideal na reprodução daquilo que se podia ver e sentir, os intelectuais e artistas do Classicismo, necessitaram conhecer, como verdadeiros naturalistas, o mundo que os cercava. Aprofundaram muito o conhecimento sobre a constituição da natureza em geral – em seus aspectos biológicos, na Medicina, no estudo da Óptica, na Matemática, e na Acústica. Só com o estudo da Óptica, por exemplo, se poderia dar às pinturas daquela época a noção de perspectiva e de tridimensionalidade características de corpos sólidos.

Wolfgang Amadeus Mozart

Dentre os compositores mais importantes da época, escolhemos Mozart, por sua genialidade, originalidade e por sua “presença viva” ainda hoje. Sua atuação é considerada brilhante em todos os estilos musicais, tanto instrumentais como vocais. Filho de Leopold Mozart, violinista na corte do Arcebispo de Salzburg, iniciou seus estudos de piano, violino e harmonia aos 4 anos de idade. Aos 5 anos já escrevia suas primeiras composições. Aos 6 anos fez suas primeiras apresentações em Munique e Viena, com grande sucesso. Aos 8 anos o sucesso continuou em Paris e Versalhes. Com 9 e 10 anos os concertos foram em Londres, onde foi influenciado por Johann Christian Bach. Aos 11 anos voltou a se apresentar em Viena e aos 14 anos fez várias apresentações na Itália. Aos 15 anos foi nomeado maestro da corte de Salzburg, sua cidade natal, onde era arcebispo, na época, o conde Jeronimo Colloredo, “aristocrata soberbo e estúpido, que o trata mal, como se fosse lacaio”.

Em carta ao seu pai, em 1778, diz que foi escravo em Salzburg. O conde não queria que Mozart viajasse, o que acabou acontecendo, levando à sua demissão. Segundo Helminger (2012, p. 35), em 1781 Mozart teve a estreia da ópera Idomeneo, em Munique e depois se mudou para Viena. Em carta a seu pai, citada em Kerst (1965, p. 15), comentou que precisava sair de Salzbourg para crescer em suas composições. Dessa forma, rompeu o relacionamento com o mesmo conde para quem seu pai trabalhou, o que levou à insatisfação deste. Em carta Leopold o repreendeu por isso, e Mozart em resposta pediu que seu pai não falasse mais nisso, uma vez que o perturbava, e ele precisava ter a mente tranquila para compor.

Mozart escrevia para as pessoas de sua época, inovando dentro do estilo já conhecido. Ele apreciava todos os estilos de sua época e queria compor em todos

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eles. Em uma carta a seu pai, escrita de Mannheim, disse: “Como você sabe, eu sou capaz de assimilar e imitar muito bem todos os estilos de composição”. Era apreciado principalmente pelos estudiosos de música. Conforme correspondências de seu pai, citadas por Kerst (1965), por vezes seu pai o repreendia, por escrever de forma considerada como muito complicada. Também um editor de Leipzig escreveu para Mozart: “Escreva de um modo mais popular ou eu não poderei mais editar ou pagar por nenhuma obra sua”, ao que Mozart respondeu: “Então não vou ganhar mais nada, vou passar fome e vou cuidar um pouco do diabo” (KERST, 1965). Ele valorizava seu trabalho acima de tudo, mais que o dinheiro que poderia ganhar. Com isso ele nunca teve um cargo além de seu primeiro emprego na corte de Salzburg.

Ele teve sempre uma vida muito difícil. Dos 6 irmãos que teve apenas Marianne-Nannerl sobreviveu além de 1 ano de idade. Foi apaixonado pela soprano Aloysia, filha de Franz Fridolin Weber (1733–1779), para quem compôs várias músicas, como a Ária da Rainha da Noite, da ópera A Flauta Mágica. Como ela não manifestou interesse por ele, acabou casando com sua irmã mais velha Constanze, também uma boa cantora. Aloysia se casou com o ator e pintor amador Joseph Lange, que mais tarde tornou-se amigo de Mozart e pintou o quadro que é considerado o retrato mais fiel de Mozart e também um de Constanze. Mozart teve 2 filhos, que morreram bem pequenos. Sua saúde sempre foi frágil. Apesar de todas as dificuldades em sua vida, sua obra é de uma grandeza que não reflete praticamente nada de sua vida. Segundo Harnoncourt (1993, p. 104), sua obra engloba toda a plenitude da vida, desde a mais profunda dor à mais pura alegria. “Nenhum crítico tinha qualquer dúvida de que Mozart fosse o maior compositor de seu tempo”.

Suas configurações de orquestras são muito variadas, e dependiam do tamanho e das condições acústicas do espaço. Como nos lembra Harnoncourt, seis violinos não soam, de modo algum, o dobro de três, apenas dez por cento a mais. Para que o nível de intensidade sonora fosse dobrada, seria necessário um naipe de violinos com dimensões inconcebíveis. Os acréscimos a uma orquestra de cordas produzem resultados completamente diversos do simples reforço da intensidade sonora.

Dentre suas tantas composições destacamos suas três últimas sinfonias, “escritas num só impulso de criatividade, em julho de 1788 (ele morreria 3 anos depois sem receber a devida atenção, sendo enterrado numa vala comum envolto em lençóis como um indigente miserável), sem que fossem encomendadas ou

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mesmo sem que visassem uma ocasião definida, como um ciclo intimamente interligado” (HARNONCOURT, 1993, p.116).

Breve análise da Sinfonia 41 (Köchel 551)

É uma obra de grande qualidade para a época (1788) e mesmo passados 225 anos, daquele 10 de agosto, ela parece transcender o tempo causando certa surpresa quando ouvida. Neste mesmo ano de 1788 ele compôs ainda as Sinfonias em Mi b e Sol m (HARNONCOURT, 1993).

Tudo leva a crer que fez os trabalhos para seu próprio prazer e talvez para chamar mais a atenção sobre o seu valor como compositor. Ele morreria 3 anos depois sem receber a devida atenção, sendo enterrado numa vala comum envolto em lençóis como um indigente miserável.

A sinfonia 41 é muito tocada em todo o mundo, bem mais tarde denominada Júpiter. Sua orquestração se constitui de: 1 flauta, 2 oboés, 2 fagotes, 2 trompas, 2 trompetes, tímpanos e cordas (violinos, violas, violoncelos e contrabaixos). Em 4 movimentos, como era o padrão das sinfonias desenvolvidas por Haydn, (considerado o pai da sinfonia como a conhecemos). O motivo principal da sinfonia 41 é muito simples, em compasso quaternário e chama a atenção do ouvinte de imediato: semínima, pausa de colcheia, tercina de semicolcheias (2 vezes) na tonalidade principal Dó Maior, em dinâmica Forte. No segundo compasso, depois de 2 tempos e meio de pausa, ele contrapõe o “Tutti” anterior forte com piano e diminuição de massa sonora. Com as cordas sem o contrabaixo, num “levare” de colcheia nos primeiros violinos, passa no compasso seguinte à semínima pontuada e à colcheia (2 vezes). A isso acompanham segundos violinos (2 mínimas), viola (semibreve) e cello (2 mínimas).

No compasso seguinte uma mínima e uma semínima ligadas para os 4 naipes. Em seguida aparece uma pausa de semínima e nos 5o, 6o, 7o e 8o compassos repete-se toda a fórmula no tom da dominante (que era bastante comum na época). Tudo girava em torno da chamada cadência perfeita e ele não fugia desse esquema. Mas Mozart, no Desenvolvimento (compasso 125), amplia suas ideias de maneira ímpar. Criar uma melodia é algo banal porém desenvolve-la artisticamente é muito mais complicado. A reexposição acontece no compasso 189, caracterizando a forma Sonata (fixada por Carl Felipe Emanuel Bach e Johan Cristhian Bach).

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O 2o movimento, Andante cantabile, é em 3/4 em Fá Maior, onde os violinos e as violas tocam com surdina que provoca uma mudança de timbre nesses instrumentos. Não há tímpano nesse movimento. Inicia a melodia com um fá3 nos primeiros violinos, usando uma colcheia pontuada ligada ao dó3 em semicolcheia. No segundo tempo aparece uma semínima duplamente pontuada com a nota lá3, seguindo, no 3o tempo, entram os segundos violinos, violas, cellos e contrabaixos (estes sem surdina). No 2o compasso completa-se o motivo do movimento com colcheia e pausa de colcheia em piano, seguindo-se uma resposta em colcheia com tutti em forte, contrastando com o piano anterior e uma pausa de colcheia seguida de uma pausa de semínima. No 3o movimento, como era costume, aparece um Minueto e Trio, que inicia com uma frase descendente de 4 compassos nos primeiros violinos, acompanhados por um típico baixo D’Alberti nos segundos violinos. No Trio ele inicia com 2 fagotes em 3as,2 trompas em uníssono e a flauta, ao que respondem 1 oboé e primeiros violinos com distanciamento de 8a numa melodia descendente. Chegando ao Finale ele apresenta um Allegro molto em 2/2 usando um tema que lembra o canto gregoriano: dó, ré, fá, mi (em semibreves) nos primeiros violinos, acompanhados pelos segundos violinos em colcheias, novamente usando o baixo D’Alberti. A exposição vai até o compasso 157 e dá-se, como era de costume, a repetição desde o início através do ritornelo.

O desenvolvimento acontece a partir do compasso 158 indo até o 224. No compasso 225 há a reexposição até o 356, onde através de um novo ritornelo, ele volta para o desenvolvimento no 158, depois seguindo para a casa 2. No 357 acontece a Coda ou cauda, que é uma finalização mais suave, preparando os ouvidos para o final no compasso 423 e equilibrando melhor a obra para um desfecho exuberante bem ao estilo mozartiano.

Mozart e seu tempo: uma tragédia anunciada?

Mozart foi vítima do seu tempo. Esta frase por mais fatalista que possa parecer, retrata toda uma elucubração sobre a vida e a sociedade de Wolfgang Amadeus Mozart. A morte precoce do gênio de Salzburg, aos 35 anos, serve como reflexão sobre as condições dos músicos nas sociedades do Antigo Regime. O caso de Mozart evidencia as tensões entre a burguesia cortesã e a aristocracia que na sociedade de cortes demonstrava grande proximidade espacial, mesmo mantendo grande desigualdade social. Assim, a luta do “gênio” Mozart por autonomia numa

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sociedade hierarquizada, na estrutura das cortes, mostrou-se “revolucionária”, apesar da sua consequência trágica.

Nessa estrutura social, os músicos eram fortemente dependentes das cortes principescas, ou seja, do palácio do príncipe e da vida cortesã, sem o qual não se conseguiam sobreviver, como destaca Elias (1995): “Não tinha escolha. Se sentisse uma vocação que o levasse a realizações notáveis, quer como instrumentista, quer como compositor, era praticamente certo que só poderia alcançar sua meta caso conseguisse um cargo permanente numa corte, de preferência uma corte rica e esplêndida" (p.18). Não se tinha muita opção e Mozart foi educado para se inserir nessa realidade, cumprindo algo muito próximo da tradição dos ofícios artesanais. “No interior de tal estrutura era comum o pai assumir o papel de mestre e ensinar ao filho as artes do ofício, talvez até, mesmo desejando que algum dia o filho excedesse sua própria perícia” (ELIAS, 1995, p.26). No caso de Wolfgang foi isso que aconteceu, Leopold seu pai, burguês de classe média, viu no seu filho uma possibilidade de ascensão, para assumir quem sabe uma corte maior e de mais prestígio como Munique ou Paris, mas sem romper com a condição de serviçal.

Além disso, na relação com as cortes havia a necessidade de adequação aos seus costumes, bem como na conhecida “polidez cortesã” para assim tornar-se um homme du monde. Leopold tentou inseri-lo na arte da diplomacia da corte, na bajulação, no entanto, Wolfgang seguiu o caminho oposto. Cumprir com essas medidas significava para Mozart uma situação conflitante, pois viveu a ambivalência fundamental do artista “burguês na sociedade de corte, que pode ser resumida na seguinte dicotomia: identificação com a nobreza da corte e seu gosto; ressentimento pela humilhação que ela lhe impunha" (p.24). Por mais que sua música lhe conferisse fama e diminuísse a distância entre os nobres da corte, a sua posição social era muito inferior o que geralmente lhe rendia humilhação, além do fato de ele jamais ter adquirido tal polidez cortesã, o que nunca o tornou verdadeiramente um “homem do mundo”, “a despeito dos esforços do pai, manteve por toda a vida a caracterização de um burguês de classe média” (p.23).

Nessas relações, que configuravam as estruturas das cortes, o que mais interferiu na vida de Mozart foi à relação entre senhor e serviçal. Mozart não se considerava inferior e por conta disso vivia em conflito com o seu senhor, pois recebia ordens de um indivíduo “todo-poderoso”, situado muito acima na hierarquia, e que interferia na música que deveria escrever e tocar. Isso afetava diretamente os

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seus anseios de autonomia e percebia cada vez mais que estava preso a uma realidade social que não lhe permitia isso.

Um evento em que isso se mostrou evidente foi na incursão à Paris, onde tentou conseguir emprego na corte parisiense, mas não obteve sucesso. “Em Paris era obrigado a fazer visitas cerimoniosas a senhoras e cavalheiros importante, que o tratavam como ele era na realidade, um serviçal [...] mas Mozart sabia que a maioria, se não todos aqueles a que queria agradar, tinha apenas uma remotíssima noção de sua música, e nenhum reconhecia seu excepcional talento” (p.26). Após o insucesso na Cidade Luz, Mozart teve que voltar a Salzburg e a seu antigo senhor. No entanto, a experiência em Paris foi marcante, pois se evidenciou que o problema (ELIAS, 1995; p.25),

não era apenas desta ou aquela corte aristocrática que o irritava e humilhava, mas que todo o mundo social em que vivia estava, de alguma maneira, errado. [...] Achava injusto o tratamento que recebia, irritou-se e lutou contra ele à sua maneira. Mas foi sempre uma luta muito pessoal. E esta não foi a menor das razões pelas quais deveria ser derrotado.

No que se refere à autonomia, a música se encontrava atrasada em relação a outras artes, como por exemplo, a literatura. “Na Alemanha do século XVIII, existia uma espécie de mercado livre para os produtos literários, em conexão com a proliferação de pequenos Estados. Havia formas primitivas de uma indústria editorial, ou seja, empreendimentos comerciais mais ou menos especializados, ligados à impressão, distribuição e venda de obras literárias.” (p.32) Começava a surgir um público burguês interessado em consumir livros alemães, de forma que com isso, começou a surgir no século XVIII a figura social do “escritor autônomo”, mesmo que ainda dependessem de um patrono nobre, havia, diferentemente da música, um mercado livre. “Na esfera da música, esse desenvolvimento encontrava-se relativamente atrasado. A decisão de Mozart de encontrava-se estabelecer como artista autônomo ocorreu numa época em que a estrutura social ainda não oferecia tal lugar para músicos ilustres. O mercado de música e suas instituições correspondentes estavam apenas surgindo” (1995; 32). Uma comparação interessante entre a época de Mozart e uma logo posterior é com o caso de Beethoven. Numa carta ao seu amigo Wegeler, Beethoven deixa claro sua condição autônoma e bem sucedia, sem a necessidade de escrever para um empregador ou um patrono:

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Minhas composições me rendem bastante; e posso dizer que recebo mais encomendas do que me é possível satisfazer. Além disso, para todas as composições posso contar com seis ou sete editores, ou até mais, se quiser e elas pagam. De modo que você pode ver que me encontro numa boa situação. (p.43)

Beethoven apesar de ser 15 anos mais novo que Mozart, encontrou um cenário em que tal autonomia era possível, na medida em que se difundiam os concertos para audiência composta de pagantes, e não de convidados. Houve, portanto, uma mudança estrutural na posição social do músico, na medida em que havia um público consumidor de sua música, coisa que Mozart não encontrou. Todavia, Mozart, como vimos, foi educado para pertencer a um mundo exclusivo e hierarquizado, algo que Beethoven recusou. A vida de ofício limitou as possibilidades de Mozart de viver autonomamente, que ficou restrito a esfera das cortes, porém, não havia escolha, tanto que quando optou por ser autônomo, “ele ainda dependia, como qualquer artista artesão, de um limitado círculo local de clientes. E tratava-se de um círculo bastante fechado, fortemente integrado. Se corresse o rumor de que o imperador não tinha um músico especialmente em conta, a boa sociedade simplesmente o deixava de lado” (p.35). Assim, mesmo buscando viver autonomamente, Mozart nunca rompeu com tradição aristocrática – como Beethoven – e por conta disso, quando ele perdeu o prestigio com a corte de Viena e a partir dai passou por serias dificuldade.

Por fim, para entender a realidade de Mozart, mas também do cenário musical no Antigo Regime temos que destacar o caráter de oficio da música, como destaca Elias: “Sem dúvida teremos um quadro mais completo e bem-acabado da peculiaridade da tradição musical dos séculos XVII e XVIII - na corte e na igreja - se tivermos em mente que a música ainda mantinha muito do caráter de ofício, e que, especialmente nos círculos cortesãos, ela era marcada por uma agudíssima desigualdade social entre produtor da arte e patrono" (p.26).

Portanto, Mozart, talvez mais do que ninguém de seu tempo, mostrou que só há beleza na Arte se esta se assemelha ao mundo real que a natureza nos apresenta. A beleza da música, ou das Artes em geral, deveria filosoficamente manter-se ligada ao conceito daquilo que fosse idealmente Bom, pois isto traria a certeza de que a produção artística estaria irremediavelmente conectada ao conceito do Bem maior, da dignidade humana, da exaltação das boas qualidades do homem

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e de sua racionalidade quase perfeita, reflexo da perfeição da Criação, aonde encontramos no desenho do “Homem Vitruviano” símbolo maior.

Referências

CARPEAUX, O. M. O Livro de Ouro da História da Música. Rio de Janeiro: Ediouro, 2009.

CHAIM, I. A. A Música Erudita da Idade Média ao Século XX. São Paulo: Letras e Letras, 2006.

ELIAS, N. Mozart: Sociologia de um Gênio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995. HARNONCOURT, N. O Diálogo Musical. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993.

HELMINGER, B. Salzburgo, a cidade dos festivais e seus charmosos arredores. Salzburg: Colorama, 2012.

HENRY, J. A Revolução Científica e as Origens da Ciência Moderna. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.

KERST, F. The man and the artist revealed in his own words. New York: Dover Publications, 1965.

MEDAGLIA, J. Música Maestro: do Canto Gregoriano ao Sintetizador. Rio de Janeiro: Globo, 2008.

Referências

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