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Rev. esc. enferm. USP vol.26 número2

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Academic year: 2018

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A POLÍTICA DE REPRODUÇÃO BIOLÓGICA HUMANA NO BRASIL

Maria Amélia de Campos Oliveira *

OLIVEIRA, M.A. de C. A política de reprodução biológica humana no Brasil. Rev.

Esc. Enf, USP, v. 26, n. 2, p. 155-60, Ago. 1992.

A autora recupera alguns dos determinantes históricos da política de reprodução humana no Brasil, situando-a no conjunto das políticas sociais. Argumenta que a reprodução biológica não é a única a condicionar o perfil reprodutivo das classes, sendo necessário considerar ainda a reprodução da força de trabalho, dada pelas formas de trabalho e consumo em cada classe social.

UNITERMOS: Reprodução biológica humana. Planejamento familiar. Controle da natalidade.

O campo para o qual convergem as questões ligadas à população e ao desenvolvimento e que se constitui domínio formal da demografía, apresenta-se como um exemplo de interdisciplinaridade: nele se desen-volvem as práticas investigativas não apenas de demógrafos, mas de historiadores, antropólogos, sociólogos e, mais recentemente, de pes-quisadores da área da saúde. Voltados para esse campo também estão os interesses de diferentes segmentos da sociedade, tais como grupos políticos e religiosos, para os quais a reprodução humana é objeto de interesse e controvérsia1 1

.

Para entender o porquê da polarização do tema entre controlistas e natalistas na sociedade brasileira, torna-se necessário recuperar al-guns determinantes históricos para a situação hoje prevalente em ter mos do planejamento da reprodução humana.

A REPRODUÇÃO HUMANA

NO BRASIL — OS DETERMINANTES HISTÓRICOS

Embora o interesse pela regulação da fertilidade remonte às so-ciedades primitivas1 3

, o planejamento da reprodução humana, enquan-to movimenenquan-to, iniciou-se por volta de 1922 nos Estados Unidos, através da militância da enfermeira Margareth Sanger. Surgiu em decorrên-cia das transformações ideológicas radicais pelas quais passava a

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Ciedade norte-americana da época, advindas principalmente da indus-trialização e urbanização e que haviam determinado transformações no papel da mulher e da família. No espaço de duas décadas, entre-tanto, o que começara como movimento contestador em prol dos direitos da mulher e de denúncias ao capitalismo, havia se transfor-mado em movimento conservador de controle social, com destinação específica a certos grupos populacionais. Daí que seus programas no âmbito externo estivessem voltados para as populações da Ásia, África e América Latina1 8

.

No Brasil, a discussão em torno da regulação dos nascimentos iniciou-se na década de 60, quando o governo norte-americano de John Kennedy tentou condicionar sua ajuda econômica para a América Latina à adoção de programas que visassem conter o crescimento po-pulacional.8

. Diferentemente do que acontecera com intervenções se-melhantes levadas a cabo em países africanos e asiáticos, tal política não foi bem sucedida em uma América de tradição latina e católica1 4

. BARROSO4

salienta, inclusive, que "o fato desses programas serem apresentados como uma exigência econômica, os transformava em um preço a ser pago". Também a sua imposição por uma potência estrangeira fez com que tanto a direita quanto a esquerda nacionais se insurgissem contra a ingerência externa nos assuntos internos do país.

Ainda assim, a proposição neo-malthusiana das políticas popula-cionais emanadas das agências controlistas internapopula-cionais, que conce-biam o controle da natalidade como uma solução para os problemas econômicos mundiais, encontrou ecos entre a elite conservadora bra-sileira. Para estas, a ameaça concreta que representava o crescimento das camadas pobres da população, pondo em risco a própria ordem social vigente, representou argumento decisivo para que tais idéias grassassem no seio da classe dominante brasileira1 4

.

Não podendo se valer dos argumentos de ordem econômica para justificar sua implantação no Brasil, os programas buscaram asse-gurar sua efetivação invocando razões biológicas, como a paridade e as gestações de alto risco afetando a saúde das mulheres; razões so-ciais, como a desproporção entre o número de filhos e os recursos das famílias mais pobres; e razões sanitárias, entre elas o controle do aborto provocado. Foi respaldada nesses argumentos que a classe dominante brasileira assumiu a implementação do controle da nata-lidade, através de fundações privadas apoiadas pelo governo, com re-cursos nacionais e internacionais1 4

.

Reconstruindo o momento histórico que favoreceu o surgimento dos programas de controle da reprodução no Brasil, verifica-se que os problemas relativos ao desenvolvimento econômico que o país enfrentava já na década de 50, a industrialização incipiente levando a um incremento da urbanização, aliados a um crescimento populacional elevado, se comparado com o de países mais desenvolvidos naquela época, se constituíram no pano de fundo que possibilitou a aceitação dos argumentos neo-malthusianos u

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Assim, iniciou-se uma preocupação política com a dinâmica popu-lacional que, chocando-se com as tradições católicas e latinas da so-ciedade brasileira, manifestou-se de forma ambígua no posicionamento das entidades governamentais de então. Por um lado, o Estado brasi-leiro difundia um discurso natalista baseado em alegações de soberania nacional, poderio dos exércitos e ocupação dos espaços geográficos va-zios do país. Por outro, permitiu a instalação e subsidiou através de isenção de impostos, a instalação de instituições privadas que desen-volviam programas gratuitos de planejamento familiar, graças a do-tações financeiras de agências internacionais7

>8 9 1

9.

O debate que se seguiu à implantação desses programas, sob a conivência do poder estatal, se estendeu por todos os segmentos da sociedade, inclusive entre aqueles que partilhavam esse poder, como é o caso das Forças Armadas Brasileiras. A Igreja Católica, porém, talvez tenha sido o maior opositor a uma política governamental mais explí-cita em termos de controle da natalidade. Utilizando-se de argumentos mais políticos que de ordem religiosa, atribuindo as soluções dos problemas populacionais a um desenvolvimento econômico-social mais justo e equitativo e não à "desnatalização" dos casais, evitava assim o confronto com suas alas mais progressistas ligadas à Teologia da Li-bertação 6

>12

.

Essa ambigüidade também se evidenciava na postura natalista as-sumida pelo governo brasileiro em termos de políticas sociais, que con-cediam os auxílios natalidade e maternidade, além do benefício do sa-lário-f amília1 4

.

AS POLÍTICAS SOCIAIS E A

REPRODUÇÃO BIOLÓGICA HUMANA

Uma análise mais acurada das políticas sociais no Brasil, mais especificamente as de saúde, onde se inserem as questões ligadas ao planejamento da reprodução biológica humana, permite verificar que estas políticas são duras conquistas da classe trabalhadora, que as obtém quando se aguçam os conflitos entre as classes sociais. Tratam-se de concessões do Estado à clasTratam-se trabalhadora quando esta, na sua luta por eqüidade social, põe em risco a ordem social vigente. São, portanto, transformações sociais que se dão dentro de determinados limites, de forma a não afetar a estrutura que possibilita a existência do modo de produção capitalista 1.10.15.17.

Ainda assim, comenta, as pressões dos diferentes grupos sociais são importantes agentes fermentadores das mudanças sociais:

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Ê desta forma que BARROSO3 procura explicar o papel do

movi-mento feminista nas transformações do enfoque que se dava até então à reprodução humana:

"Foi n u m c o n t e x t o político polarizado entre natalistas e antina-talistas que o m o v i m e n t o de m u l h e r e s — atento às necessidades con-cretas de regulação da fecundidade criadas por transformações da e c o n o m i a e da sociedade latino-americana, c o m profundas m u d a n ç a s na família e n a posição da mulher na sociedade — conseguiu intro-duzir n o v o eixo de discussão centrado n o direito individual da mulher decidir s o b e r a n a m e n t e sobre seu corpo e sua vida."

Os atributos que o Estado capitalista confere à mulher, quais se-jam, os de reprodutora e socializadora primeira das crianças, se fun-damentam na mística da subalternidade feminina a qual justifica que se lhe atribua como principal função a da maternidade1 6

. Essa dupla determinação social evidencia o quanto as questões da mulher permeiam aquelas ligadas à reprodução dos corpos, ou reprodução biológica pro-priamente dita, e à reprodução social.

As mulheres, na sua luta pela auto-determinação reprodutiva, aden-tram pelo questionamento de seus direitos políticos, sociais e econô-micos. Assim, o acesso aos meios anticoncepcionais, ainda que possa se constituir num reforço à subordinação das mulheres, quando con-trolado pelo Estado, pode também representar uma estratégia de auto-proteção para essas mesmas mulheres, em uma sociedade capitalista e patriarcal.

Petchescky, citada por BARROSO3

, chega a afirmar que:

"Onde as m u l h e r e s e s t ã o ligadas por fortes laços de trabalho ou de comunidade, onde e l a s t ê m a c e s s o a f o n t e s não-domésticas de so-brevivência, onde a m a t e r n i d a d e n ã o é o único trabalho f e m i n i n o culturalmente valorizado, e onde s i s t e m a s alternativos de saúde re-produtiva florecem apoiados por u m a c o m u n i d a d e feminina atuante, aí florece u m a 'cultura' de controle da fecundidade, incluindo o a b o r t o . . . "

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A REPRODUÇÃO BIOLÓGICA E A REPRODUÇÃO SOCIAL

A compreensão da reprodução humana como um fenômeno que se expressa coletivamente, uma vez que afeta grupos populacionais, leva ao seu entendimento mais amplo. Assim, não se limita o seu planeja-mento ao âmbito de ação e decisão dos indivíduos, sejam eles homens ou mulheres, e suas famílias. Enquanto fenômeno social, a reprodução biológica humana também se articula aos processos de reprodução so-cial, próprios das classes sociais e é sobredeterminada pelo desenvol-vimento da capacidade produtiva da sociedade e pelas relações sociais de produção.

Portanto, além da reprodução biológica, é preciso considerar que as classes sociais se reproduzem através do trabalho e do consumo, trabalho aqui definido como o conjunto de "atividades realizadas com gasto de energia para a transformação da natureza". As formas de consumo, por sua vez, definem-se como sendo "o conjunto de bens naturais diretos e meios de subsistência socialmente produzidos a que tem direito uma classe social" 5

.

A maneira como o trabalho é realizado vai determinar o padrão de desgaste e repouso do trabalhador e também a intensidade com que ele se expõe a riscos ou benefícios no seu trabalho ou ambiente pró-ximo. O montante que recebe da venda de seu trabalho condiciona a qualidade e quantidade de seu consumo, bem como a necessidade ou não de trabalho familiar complementar. Juntos, trabalho e consumo modelam o perfil reprodutivo social de uma classe, determinados pela estrutura da sociedade concreta onde esta se insere.

Assim, a reprodução biológica dos seres humanos não é a única a determinar a reprodução da força de trabalho de uma determinada classe, pois é necessário considerar também sua reprodução social. No proletariado, sobre esses dois tipos de reprodução atuam as pressões ideológicas a fim de renovar e repetir a sua força de trabalho em função das demandas de cada estágio de desenvolvimento do capita-lismo.

OLIVEIRA, M.A. de C. The historical determinations of the human biological repro-duction in Brazil. Rev. Esc. Enf. USP, v. 26, n. 2, p. 155-60, Aug. 1992.

The author presents some of the historical determinations of the policies of human reproduction in Brazil, placing them among other social policies. She argues that reproductive profile of the social classes depends upon not only the biological reproduction, but also upon the work power.

UNITERMS: Human biological reproduction. Familiar planning. Natality control.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. A L B U Q U E R Q U E , J . A . G . D a a s s i s t ê n c i a à d i s c i p l i n a : o p r o g r a m a d e s a ú d e c o m u n i t á r i a . S ã o P a u l o , P R O H A S A , s . d . , p . l - 1 2 9 / m i m e o g r a f a d o .

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¡J. B A R R O S O , C. A s a ú d e d a m u l h e r . S ã o P a u l o , N o b e l , 1985.

4. B A R R O S O , C. D i r e i t o s r e p r o d u t i v o s : a r e a l i d a d e s o c i a l e o d e b a t e p o l í t i c o . C a d . P e s q . , n. 62, p . 52-9, 1987.

5 . B R E 1 D H , J . ; G R A N D A , E . I n v e s t i g a ç ã o d a s a ú d e n a s o c i e d a d e : g u i a p e d a g ó g i c o s o b r a u m n o v o e n f o q u e d o m é t o d o e p i d e m i o l ó g i c o . S ã o P a u l o , I n s t i t u t o d e S a ú d e , 1986.

G. B R U S C H I N I , C . ; B A R R O S O , C. C o n s t r u i n d o a p o l í t i c a a p a r t i r d a v i d a p e s s o a l : d i s c u s s õ e s s o b r e a s e x u a l i d a d e e n t r e m u l h e r e s p o b r e s n o B r a s i l . S ã o P a u l o , F u n d a ç ã o C a r l o s C h a g a s , 1984.

7 . C A N E S Q U I , A . M . A s a ú d e d a m u l h e r e m d e b a t e . S a ú d e D e b . , n. 1 5 / 1 6 , p . 29-36, 1984.

8. C A N E S Q U I , A . M . A i m p l a n t a r ã o e e x p a n s ã o d o s s e r v i d o s d e p l a n e j a m e n t o f a m i l i a r : q u e s -t õ e s e c o n -t r o v é r s i a s . R e v . P a u l . E n f . , v. 5, n. 1, p . 26-30, 1985.

9 . C E N T R O B R A S I L E I R O D E E S T U D O D E S A Ú D E . ( C E B E S ) P r o j e t o d e a s s i s t ê n c i a i n t e -g r a l à s a ú d e d a m u l h e r : a l -g u m a s i n t e r r o -g a ç õ e s . S a ú d e D e b . n. 18, p . 34-7, 1984.

10. G U I M A R Ã E S , A . S . A . E s t r u t u r a e f o r m a ç ã o das- c l a s s e s s o c i a i s n a B a h i a . N o v o s E s t . C E B R A P , n. 18, p . 57-69, 1987.

11. O L I V E I R A , F . d e . M a l t h u s e M a r x : f a l s o e n c a n t o e d i f i c u l d a d e r a d i c a l . C a m p i n a s , N B P O /

U N I C A M P , 1985.

1 2 . P E R E I R A , J . C . A s p e c t o s s o c i a i s d a c o n t r a c e p ç ã o . Ci. e C u l t . , v. 37, n. 11, p . 1172-8, 1980.

1 3 . P E T C H E S K Y , R . L i b e r d a d e r e p r o d u t i v a : a l é m d o d i r e i t o d a m u l h e r e s c o l h e r . S i g n s , v. 5, n . 4, p . 1-19, 1980.

14. R O D R I G U E S , M . J . B . d a R . U m e s t u d o s o b r e o n e o m a l t h u s i a n i s m o n o B r a s i l (1965-1970). S ã o P a u l o , 1979. 135 p . D i s s e r t a ç ã o ( M e s t r a d o ) — F a c u l d a d e d e F i l o s o f i a , L e t r a s e C i ê n c i a s H u m a n a s , U n i v e r s i d a d e d e S ã o P a u l o .

15. R O S S I , S.A. A c o n s t i t u i ç ã o d o s i s t e m a d e s a ú d e n o B r a s i l . S ã o P a u l o , D e p a r t a m e n t o d e M e d i c i n a S o c i a l d a F a c u l d a d e d e C i ê n c i a s M é d i c a s d a S a n t a C a s a , 1980. p . 1-43, 70-80.

16. S A F F I O T I , H . I . B . A m u l h e r n a s o c i e d a d e d e c l a s s e s : m i t o e r e a l i d a d e . P e t r ó p o l i s , V o z e s , 1976.

1 7 . S A N T O S , W . G . d o s . C i d a d a n i a e j u s t i ç a : a p o l í t i c a s o c i a l n a o r d e m b r a s i l e i r a . R i o d e J a n e i r o , C a m p u s , 1979.

1 8 . S H A R P E , J . T h e b i r t h c o n t r o l l e r s . I n : D R B I F U S , C. S e i s i n g o u r b o d i e s : t h e p o l i t i c s o f w o m e n ' s h e a l t h . N e w Y o r k , V i n t a g e B o o k s , 1978.

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