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Diálogo e Interação, Cornélio Procópio, v. 12, n. 1, p. 1 – 190, 2018.

Disponível em:

http://revista.faccrei.edu.br/index.php/revista-dialogo-e- interacao

A Revista Digital da FACCREI - ISSN: 2175-3687 é um projeto editorial voltado para a socialização da produção acadêmica, tendo por missão disseminar a pesquisa no meio acadêmico. O periódico recebe artigos científicos para publicação de seus próximos volumes e números.

A Revista é uma publicação digital anual da FACCREI, e tem por objetivo publicar artigos científicos originais de autores de instituições nacionais ou estrangeiras, de ensino ou pesquisa com temas relacionados a:

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Direito.

Linguística e Literatura.

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EXPEDIENTE Corpo Editorial

Diretora

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Editor-Assistente

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Conselho Editorial

Prof.ª Dra. Vera Lúcia da Rocha Maquêa, Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT/PPGEL.

Prof.ª Dra. Marilu Martens Oliveira, Universidade Tecnológica Federal do Paraná – Campus Cornélio Procópio - DACHS e Campus Londrina – PPGEN.

Prof.ª Me. Rosangela Maria de Almeida Netzel, Universidade Estadual de Londrina – CCH/PPGEL.

Prof. Dr. Márcio Mendonça, Universidade Tecnológica Federal do Paraná – Campus Cornélio Procópio – PPGEM.

Prof. Me. Cyro José Jacometti Silva, Faculdade Autônoma de

Direito – FADISP.

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Prof.ª Me. Priscila Aparecida Borges Ferreira Pires, Universidade Estadual do Norte do Paraná – Campus de Cornélio Procópio – CCHE.

Prof.ª Dra. Luciana Carneiro Hernandes, Universidade Tecnológica Federal do Paraná – Campus Cornélio Procópio – DACHS.

Prof.ª Dra. Diná Tereza de Brito, Universidade Estadual do Norte do Paraná – Campus de Cornélio Procópio – CCHE.

Conselho Científico

Prof. Me. José Antonio Conceição, Faculdade Cristo Rei - Campus Cornélio Procópio/PR.

Márcio Aurélio Furtado Montezuma, Universidade Tecnológica Federal do Paraná – Campus Cornélio Procópio.

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Prof. Me. Marçal Guerreiro do Amaral Campos Filho, Faculdade Cristo Rei – FACCREI.

Prof.ª Me. Josiane Luiz, Universidade Estadual do Norte do Paraná – Campus de Cornélio Procópio – CCHE/PPGEN.

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DIRETOR GERAL

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DIRETORA ACADÊMICA Prof.ª Cristiane Fernandes

DIRETOR ADMINISTRATIVO E FINANCEIRO Prof. José Antonio da Conceição

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DEPARTAMENTO DE ENSINO, PESQUISA, EXTENSÃO E PÓS- GRADUAÇÃO

Prof.ª Denise da Silva de Oliveira

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SUMÁRIO

A OBRA A BOLSA AMARELA COMO FERRAMENTA DE DIÁLOGO AOS

COMPORTAMENTOS E VIVÊNCIAS INFANTIS ... 7

Anderson Guerreiro ... 7

A PALAVRA/ A IMAGEM - O POEMA/ A TELA: LITERATURA E PINTURA EM RELAÇÕES DIALÓGICAS ... 23

Wilder Kleber Fernandes de Santana ... 23

FAZ DIFERENÇA? UMA AVALIAÇÃO DA EFETIVIDADE DE UMA INTERVENÇÃO NAS PERCEPÇÕES SOBRE A LOGÍSTICA REVERSA E FARMACOPOLUIÇÃO DE RESÍDUOS DE MEDICAMENTOS DOMICILIARES (RMD) ... 41

André Luiz Pereira* ... 41

Raphael Tobias de Vasconcelos Barros** ... 41

A COMPLEXIDADE DOS MUNDOS: A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE NACIONAL NA OBRA DE MILTON HATOUM ... 57

Íris Vitória Pires Lisboa ... 57

Juracy Assmann Saraiva ... 57

ENSINO E APRENDIZAGEM DE PORTUGUÊS EM NUVEM: ANÁLISE DE UM SISTEMA DE AUTORIA ABERTO ... 74

Peterson Luiz Oliveira da Silva ... 74

OBJETOS DE APRENDIZAGEM: UMA ABORDAGEM NO ENSINO DE GEOMETRIA ANALÍTICA ... 95

Sergio Batista de Oliveira ... 95

Vinicius Silva ... 95

Anagela Felix ... 95

João Coelho Neto ... 95

O LETRAMENTO POR MEIO DO CONTO “OLHOS MORTOS DE SONO”, DE ANTON TCHEKHOV ... 109

Leydiane Maria de Sousa ... 109

Emanoel Cesar Pires de Assis ... 109

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CONTRIBUIÇÕES DA NEUROCIÊNCIAS NO PROCESSO DE ENSINO E

APRENDIZAGEM ... 130

Sidney Lopes Sanchez Junior ... 130

NORTH AND SOUTH: ANÁLISE DO ROMANCE E ADAPTAÇÃO ... 146

Camila da Silva Pelizari ... 146

Priscila Aparecida Borges Ferreira Pires ... 146

MEIO SOL AMARELO: UMA VISÃO CINEMATOGRÁFICA ... 159

Naraiane Taís da Silva ... 159

Priscila Aparecida Borges Ferreira Pires** ... 159

UMA PROPOSTA DE SEQUÊNCIA DIDÁTICA UTILIZANDO A ABORDAGEM DOS TRÊS MOMENTOS PEDAGÓGICOS PARA O ENSINO DE CINÉTICA QUÍMICA ... 173

Keoma Lima Cavalcante ... 173

Natany Dayani de Souza Assai ... 173

Beatriz Haas Delamuta ... 173

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A OBRA A BOLSA AMARELA COMO FERRAMENTA DE DIÁLOGO AOS COMPORTAMENTOS E VIVÊNCIAS INFANTIS

THE BOOK A BOLSA AMARELA AS A TOOL FOR DIALOGUE TO BEHAVIOUR AND CHILDREN EXPERINCES

Anderson Guerreiro*

RESUMO: A produção literária infantojuvenil na atualidade tem se destacado ao apresentar-se não somente como um mero recurso de lazer e entretenimento, como também um eficaz mecanismo pedagógico. O estabelecimento de diálogos entre os textos infantis e a vivência e o comportamento das crianças nas salas de aula é um essencial recurso a ajudá-las na construção de sujeitos sociais mais críticos e participativos. Partindo da percepção da abordagem desta temática nas salas de aula e da possibilidade que os livros infantis nos permitem para tal, este artigo pretende analisar a obra A bolsa Amarela, da escritora Lygia Bojunga, como uma ferramenta para discutir comportamentos e vivências que dizem respeito ao universo infantil, com o intuito de ajudar o aluno na construção de um desenvolvimento mais crítico e diversificado. Nesse sentido, partiremos dos estudos de Zilberman (1983);

Gregorin (2009); Coelho (2000) que tematizam tal questão, juntamente com o que está prescrito nos PCNs.

PALAVRAS-CHAVE: Literatura infantojuvenil. Comportamentos. Diálogos.

RESUMEN: La producción literaria infantojuvenil en la actualidad se ha destacado al presentarse no sólo como un mero recurso de ocio y entretenimiento, sino también un eficaz mecanismo pedagógico. El establecimiento de diálogos entre los textos infantiles y la vivencia y el comportamiento de los niños en las aulas es un recurso esencial para ayudarlas en la construcción de sujetos sociales más críticos y participativos. A partir de la percepción del enfoque de esta temática en las aulas y de la posibilidad que los libros infantiles nos permiten para ello, este artículo pretende analizar la obra A bolsa Amarela, de la escritora Lygia Bojunga, como una herramienta para discutir comportamientos y vivencias que se refieren al respeto el universo infantil, con el fin de ayudar al alumno en la construcción de un desarrollo más crítico y diversificado. En ese sentido, partiremos de los estudios de Zilberman (1983); Gregorin (2009); Coelho (2000) que tematizan tal cuestión, junto con lo que está prescrito en los PCNs.

PALABRAS CLAVE: Literatura infantojuvenil. Comportamientos. Diálogos.

* Mestre em Letras e Artes (UEA) e Doutorando em Estudos da Literatura pela Universidade Federal

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ABSTRACT: The literary production of children and young people today has stood out by presenting itself not only as a mere resource of leisure and entertainment, but also an effective pedagogical mechanism. The establishment of dialogues between children's texts and the experience and behavior of children in classrooms is an essential resource to help them in building more critical and participatory social subjects. Based on the perception of the approach of this theme in classrooms and the possibility that children's books allow us to do so, this article intends to analyze the work The Yellow Handbag, by the writer Lygia Bojunga, as a tool to discuss behaviors and experiences that concern the in order to help the student in the construction of a more critical and diversified development. In this sense, we will start from the studies of Zilberman (1983); Gregorin (2009); Coelho (2000) who thematically address this issue, along with what is prescribed in the PCNs.

KEYWORDS: Children's Literature. Behaviors. Dialogues.

1 A Literatura Infantojuvenil numa perspectiva histórica

O panorama atual da produção literária infantojuvenil tem mostrado um drástico crescimento em relação à sua circulação e comercialização. Este crescimento ultrapassou todas as épocas, desde o surgimento desse segmento e diversos aspectos têm sido substancial para tal fato, incluindo o forte investimento das editoras e livrarias, bem como a exposição em massa dos autores. No Brasil, a literatura infantil começou a ganhar forças a partir da década de 1970, mas teve como precursor, no final do século XIX, o pré-modernista Monteiro Lobato.

Lobato desenvolveu uma proposta inovadora quanto às produções voltadas ao público infantil. Em suas obras, as crianças passam a ter voz e espaço, suas contestações, irreverências e sentimentos encontram-se mais assinaladas, tal como observamos nos livros da série Sítio do Pica-Pau Amarelo. Além dos aspectos mencionados, o autor traz ainda, nas obras infantis, diversas críticas relacionadas à realidade brasileira daquele momento. Os problemas sociais, a miséria e a ignorância do povo menos desenvolvido são alguns dos problemas trazidos para as linhas de suas estórias, recurso este encontrado na tentativa de despertar o leitor, ainda que infantil, para as mazelas que há no mundo, bem com a flexibilidade e o modo de ver a vida criticamente.

Acerca do período pós-Monteiro Lobato, assinalou-se as iniciações acerca das produções de estórias infantis que levantam questionamentos de valores

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estabelecidos e seguidos pela sociedade. Com isso, observamos uma literatura divergente daquela até então posta, focalizando a relação da criança com a sociedade em que vive. Na contemporaneidade, diversos autores, tais como Lygia Bojunga, Góes e Ziraldo, trazem as vozes das crianças em seus textos e abrem oportunidades de discussão e abordagem acerca dos conflitos, descobertas e necessidades da vida infantil, bem como suas relações com os aspectos vivenciais na sociedade.

A crítica literária tem dado destaque ao debate sobre a natureza e o papel da literatura destinada a crianças e que é suscitado desde a Antiguidade Clássica, ou seja, a literatura infantojuvenil deve ser considerada um método pedagógico ou apenas lazer e entretenimento? Isto é, esses textos são destinados a instruir ou divertir? A resposta a esta problemática tem-se dividida bastante, e diversos críticos apontam para os dois atos: o pedagógico e o artístico. Coelho (2000, p. 23), ao analisar esta problemática, assinala que a literatura infantojuvenil, ―como objeto que provoca emoções, dá prazer ou diverte e, acima de tudo, modifica a consciência de mundo de seu leitor, é arte. Sob outro aspecto, como instrumento manipulado por uma intenção educativa, ela se inscreve na área da pedagogia‖.

Assim, as duas intenções de natureza da literatura infantojuvenil, artística e pedagógica são aceitas, dá-se primeiro ao sentido de divertir, pelo fato de a criança ler estórias sem qualquer compromisso, apenas por diversão e entretenimento, sendo assim, desenvolvido o ato artístico da literatura. Quando esta passa a ser estudada e analisada, com o intuito de ensinar/educar, nas maiorias das vezes em sala de aula, passa a ser pedagógica. Acreditamos que os livros infantis devem partir do ato artístico para então tornar-se pedagógico. Acontece, pois, em vários casos, a criança obtém e/ou aperfeiçoa o ato de ler, após abordagens do assunto no momento do estudo.

Na perspectiva pedagógica, os aspectos a serem abordados e analisados, a partir dessas obras, são bastante diversificados, o desenvolvimento e a capacidade leitora e escrita do aluno são os mais comuns. Porém uma técnica nos chama atenção: a abordagem voltada para o desenvolvimento intelectual e cognitivo da criança. Este ato pode e deve ser trabalhado pelo professor de literatura na sala de

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aula, visto que diversos livros trazem os comportamentos e as vivências infantis em suas estórias e, muitas vezes, passam despercebidas aos pequenos leitores. Dessa forma, Zilberman (1983, p. 26) atenta-se ao uso do livro para crianças no contexto escolar: ―o professor precisa estar apto à escolha de obras apropriadas ao leitor infantil e ao emprego de recursos metodológicos eficazes, que estimulem a leitura e possibilitem a compreensão das obras e a verbalização pelos alunos do que foi apreendido‖.

2 A Literatura Infantil: Novas Perspectivas De Abordagens

É enorme e imensurável o universo da qual faz parte a literatura infantojuvenil, deste, diversos aspectos são abordados, a partir de variados pontos de vista. Os aspectos cognitivos e comportamentais, presentes em diversas dessas obras, para Góes (2000), visam preparar aquele indivíduo leitor à vida, em um mundo repleto de diversidades e desafios, apontando assim momentos e etapas que aparecerão em todo seu processo de desenvolvimento intelectual e cognitivo.

A infância é a etapa das descobertas e da formação do ser humano como indivíduo, o desenvolvimento emocional e cognitivo, assim como o fisiológico, está em grandes transformações, é nesse período que começará a ser engendrado o adulto o qual se transformará, no que diz respeito a sua personalidade, caráter e psicológico.

A literatura infantojuvenil tem importante papel na construção do leitor infantil com relação a si mesmo e como ser social. Seus textos têm a capacidade de levar a compreensão de convívio humano, aspectos básicos de valores e condutas importantes a uma boa formação social. Nesse sentido, Zilberman (1983, p. 34) aponta que:

A leitura do texto literário constitui uma atividade sintetizadora, na medida em que permite ao indivíduo penetrar no âmbito da alteridade, sem perder de vista sua subjetividade e história. O leitor não esquece suas próprias dimensões, mas expande as fronteiras do conhecido, que absorve através da imaginação, mas decifra por meio do intelecto. Por isso trata-se também de uma atividade bastante completa, raramente substituída por outra, mesmo a de ordem existencial. Essas têm seu sentido aumentado, quando contrapostas às vivências transmitidas pelo texto, de modo que o leitor tende a se enriquecer graças ao seu consumo

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A escola, nessa perspectiva, possui um papel de extrema relevância na construção do conhecimento, colocando o aluno diante de situações nas quais, através da mediação, ele possa compreender o mundo a sua volta. É papel do professor trabalhar esses aspectos em sala de aula, com intento de preparar aquele indivíduo leitor para a vida, em um mundo repleto de diversidades e desafios, apontando assim momentos e etapas que aparecerão em todo seu processo de desenvolvimento intelectual e cognitivo

Essa atividade vai de encontro ao que dizem os PCNs, em seus objetivos:

- Compreender a cidadania como participação social e política, assim como exercícios de direitos e deveres políticos, civis e sociais, adotando no dia a dia, atitudes de solidariedade, cooperação e repúdios às injustiças, respeitando o outro e exigindo para sim mesmo respeito;

- Posicionar-se de maneira crítica, responsável e construtiva nas diferentes situações sociais, utilizando o diálogo como forma de mediar conflitos e de tomar decisões coletivas;

- Desenvolver o conhecimento ajustado de sim mesmo e o sentimento de confiança em suas capacidades afetiva, física, cognitiva, ética, estética, de inter-relação pessoal e de inserção social, para agir com perseverança na busca de conhecimento e no exercício da cidadania (BRASIL, 1998, p. 7-8).

Assim, explorar esses textos com os alunos estimula o diálogo por meio do qual se trocam experiências e confrontam-se gostos e opiniões, estabelecendo diálogos como suas próprias vivências, aproximando as pessoas, proporcionando ainda momentos de reflexão sobre as histórias e também o desenvolvimento de opinião/crítica sobre elas.

3 A Bolsa Amarela: Modelo Da Nova Literatura Infantojuvenil

A bolsa amarela é um romance publicado em 1976, por Lygia Bojunga, importante escritora de literatura infantojuvenil, com mais de vinte livros lançados, foi vencedora de diversos prêmios nacionais e internacionais, consagrando-se como um dos principais nomes de literatura deste segmento.

A história narra o cotidiano de Raquel, uma garota que entra em conflito

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dentro de uma bolsa amarela: a vontade de ser gente grande, de ter nascido menino e de ser escritora. A partir dessa revelação, a personagem principal, sensível e imaginativa, nos conta o seu dia a dia, juntando o mundo cotidiano da família ao criado por sua imaginação fértil, povoado de fantasias e amigos secretos. Ao mesmo tempo em que se sucedem episódios reais e fantásticos, uma aventura espiritual se processa e a menina segue rumo a sua afirmação como pessoa (NAVARRO, 2008).

A narrativa começa quando Raquel revela seus três desejos, que quando crescem precisam de espaços para suportá-los. A primeira vontade a ser demonstrada refere-se à personagem ser escritora, com isso, ela criar amigos imaginários para conversar e trocar ideias, por meio de cartas. O primeiro destes é André. A partir de suas cartas, é revelada sua vida solitária e carente. Ela é caçula de três irmãos, sendo estes já adultos, seus pais trabalham demais, o que faz com que não tenham tempo para a menina: Ando querendo bater papo. Mas ninguém tá a fim. Eles dizem que não têm tempo. Mas ficam vendo televisão1 (BOJUNGA, 2009, p. 10).

De acordo com a narrativa, a família de Raquel sempre recebe roupas e utensílios da personagem Brunilda, tia de Raquel e seus irmãos. Certo dia, numa destas encomendas enviadas, em meio a uma pilha de roupas e sapatos, a menina encontra uma antiga bolsa amarela que ninguém se interessa, então guarda para si e resolver colocar dentro todos seus desejos e amigos imaginários. A personagem não tinha confiança na família em abrir suas vontades, desejava esconder a todo custo, embora às vezes transparecesse: Se o pessoal ver minhas três vontades engordando desse jeito e crescendo que nem balão, eles vão rir, aposto (BOJUNGA, 2009, p. 22).

O primeiro morador da bolsa de Raquel, depois das vontades, é um personagem de um dos seus escritos, um galo chamado Rei: Você é tão parecido com um galo que eu conheço, mas tão parecido mesmo... Ele tirou a máscara e olhou pra mim. Parecido coisa nenhuma era ele mesmo. O Rei. O galo do romance que tinha inventado (BOJUNGA, 2009, p. 34). A menina o encontra na rua, que

1 Às citações feitas de excertos do livro analisado, preferiu-se apresentá-las em itálico, com o intuito

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insistentemente pede que a bolsa seja seu novo lar, após muitos pedidos, Raquel permite sua morada. Em seguida, o galo troca de nome e passa chamar-se Afonso.

Com um galo e suas três vontades dentro da bolsa, as voltas para casa se tornaram cansativas devido o peso, e mais amigos ainda estavam por vir. Desta vez, um pequeno Alfinete de Frauda que Raquel encontrou no chão sujo e quase enferrujado, após ouvir sua história, ela o adota e ele se aloja no bolso bebê da bolsa amarela. Há ainda a Guarda-Chuva, encontrada por Raquel, ela não falava sua língua e com isso era sempre difícil o contato, mas o objeto-pessoa se alojou também na mochila.

Terrível, outro personagem da história, um galo de briga com o pensamento costurado e que estava jogando dados sozinho, também passa uma temporada dentro da bolsa de Raquel, isto porque Afonso, seu primo o prende na bolsa na tentativa de livrá-lo da briga que na certa perderia, pois estava cansado e velho:

Terrível ficou danado quando viu que estava preso. Desatou a brigar com as minhas vontades, com a Guarda-Chuva, com o pessoal todo. Quanto mais a gente explicava que estava querendo salvar a vida dele, mais danado ele ficava; queria bicar todo mundo (BOJUNGA, 2009, p. 65).

Em um episódio, a família de Raquel vai a um almoço na casa da Tia Brunilda, chegando lá um primo da menina se acha interessado no que há dentro da bolsa de Raquel. Na tentativa de não permitir que abram sua bolsa, Raquel conta suas estórias e alguns de seus segredos, o que faz com suas vontades começam a crescer drasticamente, chamando a atenção de todos no local. Curiosos, todos tentam abrir a bolsa que antes acaba explodindo com todos seus desejos. A disfarce, o galo Afonso aparece como um mágico, explicando que aquilo tudo não passava de uma mágica.

Com este episódio, o galo Terrível acaba fugindo para ir à luta na praia das pedras e lá apanha bastante. Ao perceberem tal ato, toda a galera da bolsa dirige-se até o local. Lá eles veem que o Crista-de-Ferro ganhou a luta. Raquel fica triste e resolve fazer um final diferente. Depois disso, Afonso sai para procurar ideias e resolve lutar para não costurar mais pensamentos. Sai a pé, porque ele tem medo de voar.

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Depois do ocorrido, Raquel conhece uma família semelhante a que sempre sonhou para si, o qual todos têm voz e participação. Filhos, pais e mães. Pela primeira vez, Raquel é ouvida por alguém, pela criança e pelos adultos, que a encorajam a não desistir de seus sonhos e desejos. Raquel se diverte na Casa do Concerto: O avô de Lorelai me contou como é que ia fazer teatro de bonecos; o pai de Lorelai me ensinou a fazer umas panquecas geniais; a mãe de Lorelai conversou tanto tempo comigo que parecia até que ela não tinha nada pra fazer. Contei pra ela como é que minhas vontades engordavam; contei do quintal da minha casa...

(BOJUNGA, 2009, p. 115).

Pelo fato de a menina chegar tarde a casa, os pais dão-lhe um castigo e, com isso, resolver escrever tudo o que lhe interessa e começa a trocar cartas com seus novos amigos. A partir deles, Raquel observa a vida sob outras perspectivas, e percebe que ser menina é tão bom quanto ser menino, que o mundo infantil é bem mais divertido do que parece, o que lhe falta são amigos, desabafos e voz, soltando seus sentimentos e impressões acerca da vida e do mundo: E eu fiquei pensando que fazia uma bruta diferença a gente ter amigo. (...) Falaram que tanta coisa era só pra garotos (....) Mas agora eu sei que o jeito é outro (BOJUNGA, 2009, p. 126).

No final, Afonso vai embora e a Guarda-Chuva também. Eles vão voando, pois Afonso perde o medo de voar. Raquel, feliz, solta duas vontades: de crescer e de ser menino. Navarro (2008, p. 208), em análise a obra, observa que ―é uma história cujo final não é o já conhecido nos contos maravilhosos, ‗felizes para sempre‘, mas fica aberto; há apenas a certeza de que a menina aprendeu a conviver com as vontades e amadureceu como pessoa‖. Coelho (2000, p. 141), destaca que a autora de A bolsa amarela encontra-se na linha do realismo mágico, que ―é das diretrizes mais atraentes para os leitores contemporâneos‖.

Dessa forma, a leitura do livro leva ao leitor, especialmente a criança, a refletir sobre diversos pensamentos e sentimentos desta etapa de desenvolvimento, permitindo-lhes identificarem-se na personagem principal da história, com todos seus conflitos e desejos, bem como, a vivência por si mesma, em contestação à ideologia presente na cultura atual de que criança não tem vontade.

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4 A Proposta De Estudo Em Sala De Aula Em A Bolsa Amarela

Figueiredo (2010, p. 4), ao abordar a literatura infantil atualmente, observa que este segmento da literatura tem contribuído ―para o crescimento emocional, cognitivo e para a identificação pessoal da criança, propiciando, ao aluno, a percepção de diferentes resoluções de problemas, despertando a criatividade, a autonomia, a criticidade‖, sendo esses elementos necessários para a formação da criança na cultura atual.

Com base nessa perspectiva e nas abordagens anteriores, analisaremos a história do livro A bolsa amarela, fazendo uma relação com a realidade da sociedade atual, bem como os comportamentos e sentimentos que podem ser identificados na personagem principal, Raquel, e apontando propostas de trabalho em sala de aula acerca desses aspectos. A história de Raquel gira em torno de seus três desejos, revelados no início da narrativa: de ser adulta, menino e escritora. Conforme observado, toda a vida da personagem e as experiências narradas na história, e que usaremos para proposta de estudo e debates em sala de aula, partem a partir desses desejos.

4.1 Incentivo à imaginação dos alunos

O primeiro a ser abordado, diz respeito à vontade de ser gente grande. Esse desejo constitui-se na personagem devido sentir-se solitária dentro de sua própria casa: todo mundo já é grande há muito tempo, menos eu [...]. Tô sobrando, André.

Já nasci sobrando (BOJUNGA, 2009, p. 12). O fato é que Raquel é a única criança na família. Seus pais estão sempre ausentes e seus irmãos tentam evitá-la ao máximo, sem conversas nem escutas, além de não considerarem nada do que parte dela. O fato de Raquel não conviver e ter pouco contato com o mundo infantil, ao ponto de não saber e não ter consciência de como é, faz com que não queira ser criança. A personagem convive no mundo apenas de adultos, sem voz, e para conseguir tê-la, deseja também ser crescida: Eu pensei que ele (irmão) ia curtir conversar comigo [...]; Ninguém me deu bola; É por causa dessas transas que eu

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Esse fato que conhecemos por meio de Raquel é muito presente na vida de milhares de crianças em nossa sociedade, onde pai e mãe trabalham diariamente e o restante da família não tem interesses em conversar e ouvi-las. A falta de diálogos e o distanciamento dos pais pode tornar a criança uma pessoa mais carente e menos comunicativa. No sentido da Sociologia da Infância, ―as crianças têm de serem titulares de direitos e um indicador do reconhecimento da sua capacidade de participação‖ (SARMENTO, 2007, p. 190).

Nessa perspectiva, a abordagem do assunto em sala de aula irá de encontro à vida de muitos alunos. Assim, propomos que esta situação seja revertida por meio do estímulo da criatividade que toda criança possui. Raquel, na história, encontra um jeito para se divertir, se soltar e desabafar: começa a inventar personagens, escrever histórias e narrar diversas situações, soltando assim toda sua imaginação:

Eu conversava com tudo quanto era galinha, cachorro, gato, lagartixa, eu conversava com tanta gente que você nem imagina (BOJUNGA, 2009, p. 19). A menina começou a escrever e trocar cartas com amigos imaginários, como o André e a Lorelaia: Querido, André. Ando querendo bater papo, mas ninguém tá a fim. [...]

Queria contar minha vida. Dá pé? Um abraço da Raquel (BOJUNGA, 2009, p. 10).

Ainda, imaginava diversos personagens com quem podia conversar, como o galo Afonso: Abri a bolsa correndo. O galo saiu lá de dentro. (p. 32) e o Alfinete de Frauda: - Me guarda? Já não aguento viver mais aqui jogado (BOJUNGA, 2009, p.

43).

Assim com a personagem da narrativa, devemos incentivar os alunos a soltarem suas imaginações, criarem histórias e personagens. Essa atividade pode ser feita dentro da sala de aula por meio de criação de desenhos, narrativas, personagens imaginários, falas, etc. enriquecendo, dessa forma, a imaginação e desenvoltura da criança. Sobre a importância da imaginação na infância, Schapper comenta que:

O formato que a criança atribui aos objetos representados tem implicações importantes em seu desenvolvimento, em especial para a (re) construção de sentidos e significados sobre o mundo material em que vive. Ao montar suas brincadeiras de faz-de-conta, ainda que a criança retire os elementos de sua elaboração das suas experiências de vida, do contexto sócio- histórico-cultural em que está inserida, essa formulação traz elementos

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novos, que não estavam postos nas experiências passadas. A criação de novas imagens, no interior das imagens e vivências passadas, são elementos importantes para que ela possa inaugurar novas maneiras de compreender e (re) inventar a realidade que a cerca, configurando-se também como a base da atividade criadora do homem. Na brincadeira de faz-de-conta temos o pilar do desenvolvimento da imaginação que se constitui como a base para o desenvolvimento do sujeito criativo (2009, p.

165).

Na perspectiva de Vygotsky (apud SCHAPPER, 2009) tem-se a ideia de que a imaginação é primária, estando presente desde o princípio na consciência infantil e se estende até o resto da vida. A criança é um ser que se acha submerso no prazer, cuja função principal da consciência não consiste em refletir a realidade em que vive, mas apenas em servir aos seus desejos e às suas tendências sensoriais.

Essa atividade de criação e imaginação ajuda não somente na questão já citada, como também na elaboração de bons textos e o desenvolvimento da linguagem, além de contribuir para a formação intelectual e criativa da criança, bem como a diminuição da frustação e solidão da vida, tal como na personagem Raquel.

4.2 Incitações de reflexões sobre papéis sociais

O segundo aspecto presente no livro e que também pode ser abordado em sala de aula trata-se da segunda vontade da personagem: a de ser menino. Esse desejo se engedra em Raquel por esta querer está sempre à frente, ter privilégios, poder de resolver e decidir algo e que, na história, as meninas não têm. [...] eu acho muito melhor ser homem do que mulher. Vocês podem um monte de coisas que a gente (mulheres) não pode. Olha: lá na escola, quando a gente tem que escolher um chefe pras brincadeiras, ele sempre é um garoto. Que nem chefe de família. Se eu quero jogar uma pelada, todo mundo faz pouco de mim e diz que é coisa pra homem; se eu quero soltar pipa, dizem logo a mesma coisa. [...] todo mundo tá sempre dizendo que vocês é que têm que meter as caras no estudo, que vocês é que vãos ser chefes de família, que vocês é que vão ter responsabilidade. [...] A gente tá sempre esperando vocês resolverem as coisas pra gente (BOJUNGA, 2009, p. 16-17).

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O fato anterior, trazido no livro, fundamenta-se naquela sociedade em que a narrativa foi produzida, em 1976, quando as mulheres desempenhavam os papéis tradicionais, ou seja, mães, esposas, donas de casa, ainda com as características de dócil, pura e submissa (ASSIS, 2009). Ocupavam-se dos serviços doméstico, dos cuidados com os filhos e o marido, ao passo que ao homem cabia sustentar a família, com seu trabalho. Fato este desagradável a Raquel. A partir dos anos 70, as mulheres começaram a ganhar espaços na sociedade, com seus trabalhos e diretos que ora adquiriram, bem como sua participação intensa no cenário público, político e cultural.

A sociedade, historicamente, constitui-se como masculina, homofóbica, racista, marcada pela exclusão social particularmente dos processos de escolarização, de grupos específicos diferenciados pela classe social, bem como, diferenciados pelas questões de gênero e orientação sexual (DIGIOVANNI, 2010).

Partindo dessa compreensão das práticas sociais históricas, e que nossas concepções e ideologias sobre as coisas do mundo são constituída a partir dessa relações, propomos que a sala de aula seja um espaço para se discutir e entender esses conceitos.

A abordagem desta passagem da história em aulas pode suscitar o debate sobre a diferença de gêneros, as mulheres à frente de seus tempos, os direitos femininos, etc. Temas esses bastante discutidos na sociedade atual. Portanto, propomos a conversa destes aspectos com os alunos, baseados nos desejo da personagem Raquel.

Observamos que os exercícios sociais vêm mudando drasticamente quanto à questão do homem como chefe, líder, cabeça, e as mulheres vêm ganhando cada vez mais força e espaço na sociedade atual. É imprescindível discutir essas mudanças relacionadas aos avanços do papel da mulher na sociedade. Na história, a personagem principal apresenta uma forte tendência à liderança e à chefia, isso faz que com deseje tornar-se homem, visto que naquela sociedade, suas atitudes e características não eram tidas femininas. Devemos, como educadores, encorajar nossas alunas a adquirir características tal quais as de Raquel, alertá-las que seu sexo não as impede de ter vez e voz na sociedade.

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Darido et al. (2001) esclarecem que ―o professor precisa estar atento e deve estimular a reflexão sobre a relatividade das 26 concepções associadas ao masculino e ao feminino; ao respeito mútuo entre os sexos e o respeito às muitas e variadas expressões do feminino e do masculino‖. A coordenadora do Plano Nacional de Educação (PNE), Carneiro (2015), ao abordar sobre as metas referentes ao combate à discriminação e desigualdade de gênero, nos Planos Estaduais e Municipais, aponta que estas têm provocado intenso debate público em todo o país e afirma que ―a igualdade de gênero deve ser discutida no âmbito dos direitos humanos, abordando o respeito entre as pessoas e garantindo o direito a sua identidade de gênero, racial e de pertencimento religioso‖.

Contudo, fica claro que a tarefa da escola, por meio do professor, é levantar reflexões, aos meninos e meninas, acerca das posições sociais que todos têm direito, excluindo dessa forma os preconceitos de gêneros entre os sexos e propondo igualdade a todos.

5 Reflexões Acerca Dos Aspectos Cognitivos e Comportamentais Infantis

As diversas obras infantojuvenis trazem aspectos cognitivos e comportamentais, visando preparar aquele indivíduo leitor para a vida, em um mundo repleto de diversidades e desafios, apontando assim momentos e etapas que aparecerão em todo seu processo de desenvolvimento intelectual e cognitivo. A obra, em análise, traz através da personagem Raquel, os desejos e as descobertas da vida infantil, bem como, os questionamentos em relação ao mundo dos adultos, e aos poucos encontra respostas às suas indagações, por si só.

Apropriando-se deste momento que nos é contado na história, podemos trabalhar essa questão junto aos nossos alunos, trata-se do tema da autoafirmação.

A autoafirmação é necessária nas primeiras etapas do ser humano, com isto, tem-se um indivíduo firme, satisfatório e bem consigo mesmo, reconhecendo, com isso, seu próprio valor na vida. Antoline (2015), ao abordar essa questão durante a infância, nos fala:

O "buscar fora de si" torna-se necessário quando se é criança ou pré-

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formando o quadro referencial que, futuramente, servirá para o balizamento de suas ações. Observem como o jovem, em determinadas situações, se impõe e imediatamente olha ao redor a fim de observar qual será a reação das pessoas que o cercam. Está verificando se foi aprovado ou não, mas, acima de tudo, está avaliando seu referencial de valores e "ajustando-o", deixando-o mais preciso. Futuramente, seu comportamento será regido pelo que adquiriu nesta fase.

Percebemos que neste período a criança está se autodescobrindo e que toda aprendizagem tende a ser levada para a vida toda, por este motivo, a importância de trazer a discussão de alguns temas transversais, dentre eles, a ética, a moral, a orientação sexual, o trabalho e consumo e a pluralidade cultural. Esses temas fazem parte dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), criados a partir do Plano Nacional de Educação (PNE), em 1995. Para os parâmetros (1997, p. 15), ―são temas que estão voltados para a compreensão e para a construção da realidade social e dos direitos e responsabilidades relacionados com a vida pessoal e coletiva e com a afirmação do princípio da participação política‖.

Além disso, o processo de busca de identidade e sua autoaceitação é importante para a criança e isso faz sentir-se satisfeita consigo mesma, vimos isso por meio da personagem Raquel quando deixa suas vontades fluírem e passa a não mais se esconder. Segundo Navarro (2008), esse processo faz com as crianças tornem-se indivíduos mais plenos, desfazendo-se de máscaras com aquelas usadas pelo galo Afonso, que usava para se esconder, além de abandonar seus medos, assim como o galo, pela luta daquilo que deseja e acredita: [...] ele me contou que toda a vida teve mania de voar bem alto. Mas nunca experimento porque tinha um medo danado de cair. Até que um dia tomou coragem e voou pro telhado de uma casa. E depois pra folha mais alta de um coqueiro. E aí saiu voando pra ver se chegava numa nuvem (BOJUNGA, 2009, p. 105).

Passado esta fase, a personagem Raquel encontra-se feliz consigo mesma e conclui: Falaram que tanta coisa [...] Mas agora eu sei que o jeito é outro (p. 126).

Dessa forma, Raquel torna-se aquilo que de fato é, ou seja, uma menina que gosta de escrever, de fazer o que os meninos fazem, sem importar às criticas do mundo adulto.

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6 Considerações Finais

A literatura infantojuvenil, desde a década de 1970, vem sofrendo profundas mudanças e hoje observamos que as histórias infantis trazem em suas linhas muito além de uma simples narrativa, e sim momento para reflexões acerca das indagações e comportamentos do período com qual passa a criança, além de estas passarem a ter voz e espaço, suas contestações, irreverências e sentimentos encontram-se mais assinaladas. Diferenciando, assim, daquela literatura infantil que se produzia até então.

Partindo da questão discutida acerca da natureza da literatura infantojuvenil enquanto lazer e entretenimento ou pedagógico, assinalamos que ambas as naturezas são importantes e devem ser suscitadas. Como isto, levantamos diversas propostas em pautas para o trabalho pedagógico da obra infantil A bolsa Amarela, visto a importância de o professor de literatura abordar essas questão em sala de aula no intuito de levantar discussões de diversos temas, tais quais, os temas transversais abordados pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs).

Acredita-se que os resultados dessas propostas abordadas possam ajudar os alunos no que se refere ao processo de busca de identidade e sua autoaceitação, importante para que a criança sinta-se satisfeita consigo mesma, além de ter uma visão mais crítica de diversos aspectos como os preconceitos de gêneros entre os sexos e a igualdade de todos. As atividades de criação e imaginação, também propostas, ajudam não somente nas questões já citadas, como também na elaboração de bons textos e o desenvolvimento da linguagem, além de contribuir para a formação intelectual e criativa da criança, bem como a diminuição da frustação e solidão da vida, tal como na personagem Raquel.

Referências

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<http://somostodosum.ig.com.br/clube/artigos.asp?id=34412> Acesso em dez. 2015.

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In: Anais do IV CONVIBRA – Congresso Virtual Brasileiro de Administração.

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BOJUNGA, Lígia. A bolsa Amarela. 34 ed. Rio de Janeiro: Casa Lígia Bojunga, 2009.

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ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. São Paulo: Global, 1983.

Recebido em: 10/11/2018 Aprovado em: 01/03/2019

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A PALAVRA/ A IMAGEM - O POEMA/ A TELA: LITERATURA E PINTURA EM RELAÇÕES DIALÓGICAS

THE WORD / THE IMAGE - THE POEM / THE SCREEN: LITERATURE AND PAINTING IN DIALOGICAL RELATIONS

Wilder Kleber Fernandes de Santana

RESUMO: O presente trabalho delimitou como proposta analítica o ensino e a aprendizagem de literatura com fundamentação nos pressupostos teórico- metodológicos de Mikhail Bakhtin (1895-1975), Valentin N. Volóchinov (1895-1936) e Pável N. Medviédev (1891-1938), integrantes do Círculo de Bakhtin. Nossas inquietações se devem, sobretudo, às reações de desinteresse e desvalor de alunos, em sala de aula, quanto aos gêneros literatura e pintura que são trabalhados. Parte considerável dos alunos de graduação dos cursos de Letras em Universidades Federais não possui estímulo pela leitura literária, e percebeu-se que o maior problema está na metodologia docente, no como interagir com os alunos e dialogar através de leituras (interdiscursivas). Nosso objetivo consiste em analisar a importância do viés dialógico-discursivo como metodologia a ser utilizada em sala de aula para a formação de jovens leitores críticos, uma vez que estes passam a estabelecer relações dialógicas entre enunciados e, consequentemente a sentir gosto pela leitura literária. De igual modo, viabiliza a que professores de universidade repensem suas práticas de ensino, (re)acentuando metodologias cujo prisma seja a interação. Para tanto, delimitamos como corpus, para análise, o poema A mesma mão que dá propina, dos Goliardos, e a tela Aquellos polvos, de Francisco Goya.

PALAVRAS-CHAVE: Ensino e aprendizagem. Literatura. Pintura. Relações dialógicas.

ABSTRACT: The present paper delimited as an analytical proposal the teaching and learning of literature based on the theoretical and methodological presuppositions of Mikhail Bakhtin (1895-1975), Valentin N. Volóchinov (1895-1936) and Pável N.

Medviédev (1891-1938)), members of the Bakhtin Circle. Our concerns are mainly due to the reactions of disinterest and devaluation of students, in the classroom, as to the genres literature and painting that are worked. A considerable part of undergraduate students in the courses of Letters in Federal Universities does not

Atualmente é Doutorando e Mestre em Linguística pelo Programa de Pós-graduação em Linguística (Proling) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Especialista em Gestão da Educação Municipal (UFPB, 2017). É membro pesquisador do GPLEI (Grupo de Pesquisa em Linguagem, Enunciação e Interação). Endereço eletrônico: wildersantana92@gmail.com

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have a stimulus for literary reading, and it was perceived that the biggest problem is in the teaching methodology, in how to interact with the students and to dialogue through interdiscursive readings. Our objective is to analyze the importance of the dialogical-discursive bias as a methodology to be used in the classroom for the formation of young critical readers, once they begin to establish dialogic relations between utterances and, consequently, to feel a liking for literary reading. Likewise, it enables university teachers to rethink their teaching practices, (re) accentuating methodologies whose prism is the interaction. For that, we delimit as corpus, for analysis, the poem The same hand that gives tip, two Goliardos, and the canvas Those powders, of Francisco Goya.

KEYWORDS: Teaching and learning. Literature. Painting. Dialogical relations.

1 Introdução

É inegável a pertinência da literatura e da pintura nos meios acadêmico e educacional, com intensidade no século XXI, e por isso é necessário cuidado e a maturidade por parte dos sujeitos (professores e pesquisadores) que mobilizam tais gêneros, principalmente para que não deem continuidade a ensinos imanentistas2. Ao contrário de performances tradicionais, quando os saberes literários e pictóricos são interdiscursivamente trabalhados, torna-se mais fácil e gostosa a leitura, o que proporciona considerável aumento de sua circulação3.

Escritores como Pedro Bandeira, Marcos Rey, Monteiro Lobato, Ziraldo, Thalita Rebouças e Paula Pimenta constituem um cenário entre os autores que tem grande relevância entre os jovens leitores brasileiros, os quais buscam ponto de convergência nos assuntos que os interessam, e ao mesmo tempo novas descobertas que os instiguem a discussões entre o mundo real e o mundo ficcional.

Tarsila do Amaral (1886-1973) e Cândido Portinari (1903-1962), no que tange à esfera pictural, estão ente os artistas mais visitados em sala de aula.

Uma vez que o futuro profissional de grande parte desses jovens está atrelado às leituras que fazem na juventude, torna-se imprescindível refletir sobre a

2 Por imanentismo compreendemos um horizonte de interpretação que enxerga a si mesmo, produtor de disciplinas cujas práticas de ensino/pesquisa se centralizam apenas nos próprios argumentos. A exemplo, citamos um grupo que solidificou na Rússia na primeira metade do século XX, a Sociedade para o Estudo da Língua Poética (OPOYAZ), o qual propunha um estudo cujo foco fosse o formalismo e negação às artes.

3 Não é nossa proposta que os textos literários simplesmente circulem, mas que eles constituam

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literatura e pintura que são veiculadas e discursivizadas durante a graduação do curso de Letras, esfera estético-artística a qual abarca pesquisas em campos plurais, tais como: a) estudos literários e pictóricos no contexto brasileiro contemporâneo; b) tendências estéticas no sistema literário brasileiro e c) interrelações entre temáticas juvenis e práticas educativas.

Ressaltem-se, também, estudos que inovam em ficção científica, estudos culturais comparativos e reflexões crítico-históricas, os quais podem potencializar discussões sobre os gêneros literários e sua práxis em terrenos institucionais e não institucionais.

Inseridos em uma instância espaço-temporal em que a leitura não é a principal atração da juventude brasileira, nosso objetivo, com essa pesquisa, é analisar a importância do viés dialógico-discursivo como metodologia a ser utilizada em sala de aula para a formação de jovens leitores críticos. Para tanto, delimitamos como corpus, para análise das relações dialógicas, o poema A mesma mão que dá propina, dos Goliardos, e a tela Aquellos polvos, de Francisco Goya. Desse modo, imergimos nas vozes que atravessam fragmentos da obra poética Carmina Burana4 (1230), um códice contendo mais de 200 canções profanas compostas pelos Goliardos, clérigos transgressores da Idade Média, e Os Caprichos, uma série de 80 gravuras do pintor espanhol Francisco Goya, produzida na Idade Moderna.

Os poemas e as telas são satíricos, de caráter anticlerical, cuja proposta analítica consiste em averiguar as relações dialógicas existentes entre essas duas grandes obras que, embora de épocas distintas, criticavam assiduamente o absolutismo religioso, desafiando o poder das autoridades clericais.

Os Goliardos, jovens anárquicos e de espírito livre, protestavam contra o sistema vigente através de suas composições, nas quais a exaltação dos prazeres carnais se associava a crítica à Igreja Medieval, que condenava os costumes libertinos. De acordo com o contexto semântico presente nos versos dos Goliardos, nota-se um grande sentimento de liberdade, reforçado pela expressividade do eu- lírico, características estas que também estariam presentes, séculos depois, no Romantismo. Anos mais tarde, no século XVIII, o pintor da corte espanhola

4 Carmina Burana consiste em um conjunto de escritos composto por 254 poemas que aborda temas

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Francisco Goya, atingiu o auge do reconhecimento através de Os Caprichos, pinturas que criticavam o fanatismo religioso, representando uma sátira da sociedade, sobretudo do clero.

Sendo o diálogo entre palavra/imagem um entrecruzamento imprescindível para a formação de sujeitos críticos, propomos a metodologia dialógico-discursiva com base nos pressupostos teóricos dos teóricos russos que têm influenciado estudos literários na Europa e na América Latina. Entendemos que a perspectiva de leitura e análise dialógica constitui a literatura juvenil de tal forma que ela passa a ser objeto de desejo e satisfação para os alunos/acadêmicos, vez que, ao estabelecerem relações interdiscursivas, os estudantes passam a tecer olhares mais amadurecidos e críticos sobre os textos, fato de extrema importância para a formação de um sujeito leitor crítico. A forma com que o professor procede às práticas literárias são determinantes ao modo como os alunos irão interpretar/ler/perceber os objetos dispostos para o diálogo.

É com base na Teoria Dialógica da Linguagem que se corporifica nosso trabalho, em que autores como Bakhtin (2010 [1930-1934]), 2006 [1979]), Volóchinov (2017 [1929]) e Medviédev (2016 [1928]) compõem uma vertente de estudos que compreende a língua como forma de interação entre os sujeitos organizados e situada sócio-historicamente. Nesse prisma interpretativo, a leitura passa a ser enxergada não como prática imanente nem codificada, mas sobretudo como um horizonte de compreensão responsiva-ativa. Tais pesquisadores irão subsidiar nossas propostas metodológicas para o trabalho coma os gêneros discursivos Literatura e Pintura.

2 Da Literatura como prazer à metodologia dialógica de ensino

Falar, na contemporaneidade brasileira, de literatura, é enunciar em meio a um território que sobrevive da fluidez vida-arte, ainda que imerso em tentativas de (des)legitimação. Na perspectiva de Bakhtin (2006 [1979]), a leitura ultrapassa os limites do contexto imediato, e constitui uma prática do compreender responsável e ativamente. O manuscrito de Bakhtin intitulado O problema do texto na Linguística, na Filologia e em outras Ciências Humanas (versão traduzida para a Língua

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Portuguesa) se encontra no adendo da coletânea Estética da Criação Verbal (2006 [1979]), e suscita notáveis contribuições aos estudos do texto, assim como novos modos de compreendê-lo. O problema do texto e da leitura estaria ligado, sobretudo, aos atos mecanicistas e codificadores que durante tanto tempo foram apregoados pela Gramática tradicional e, em parte, pela Filologia.

É nesse sentido que a Leitura de textos literários não podem ser apresentados de modo imanente e descontextualizado aos alunos/estudantes. É uma prática que deve ser estimulada, conforme nos instrui Ruth Rocha. Escritora consagrada de livros infantis e infanto-juvenis, atesta a existência de três tipos de crianças/jovens: a) os que naturalmente se tornarão leitores, sem que haja metodologias forçadas para conduzi-los a isso; b) os que provavelmente não se tornarão leitores ativos, ainda que se lhes apresente leituras atrativas e c) aqueles que se tornarão leitores ativos caso sejam adequadamente estimulados. Na ótica analítica de Ruth Rocha, estes simbolizam a grande maioria.

Por sua vez, Pierre Bayard (2007), professor de Literatura Francesa na Universidade de Paris, em seu escrito Como falar dos livros que não lemos? discute a imposição e obrigação a que são submetidos muitos estudantes no tocante a leituras clássicas, e pior: sobre a marginalização dos sujeitos que não as realizam. O ato de não saber sobre obras consagradas, ao invés de incentivar a prática da leitura, apenas promove um rito de afastamento e insatisfação dos alunos quanto aos livros.

É nessa mesma linha de raciocínio que Azevedo (2004) transcende a utilização de textos em benefício próprio, e passa a entende-los como materialidades utilizadas em ampliação de visão de mundo. Reflete, então, o autor, sobre a função Leitor:

Mas o que é exatamente um leitor? De um certo ponto de vista, é possível dizer que leitores são simplesmente pessoas que sabem usufruir dos diferentes tipos de livros, das diferentes ―literaturas‖ _ científicas, artísticas, didático-informativas, religiosas, técnicas, entre outras _ existentes por aí.

Conseguem, portanto, diferenciar uma obra literária e artística de um texto científico; ou uma obra filosófica de uma informativa. Leitores podem ser descritos como pessoas aptas a utilizar textos em benefício próprio, seja por motivação estética, seja para receber informações, seja como instrumento para ampliar sua visão de mundo, seja por motivos religiosos, seja por puro e simples entretenimento. (AZEVEDO, 2004, p. 114)

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Ainda que haja muitos posicionamentos e questões subjetivas mapeando o

―ser leitor literário‖, e principalmente no que confere à especificidade da Literatura Juvenil, os jovens são sim, capazes de estabelecerem diferenciações. Um dos propósitos da Literatura, no percurso da formação de sujeitos leitores críticos em sala de aula e fora do ambiente escolar é, além de manter ―em exercício, antes de tudo, a língua como patrimônio coletivo‖ (ECO, 2003, p. 10), desenhar possíveis sentidos pelos quais o homem possa se utilizar da palavra de maneira critico- ideológica, na transformação do indivíduo uno em sujeito responsivo-ativo imerso na sociedade.

Stella (2013) comenta que a palavra se torna signo ideológico ―porque acumula as entonações do diálogo vivo dos interlocutores com os valores sociais, concentrando em seu bojo as lentas modificações ocorridas na base da sociedade‖

(2013, p. 178). É nesse direcionamento semântico-discursivo, sob o escopo da Literatura, que propomos uma metodologia dialógica de ensino, leitura e compreensão de textos literários.

Por metodologia dialógica compreendemos um conjunto de procedimentos teóricos, técnicos e didáticos tomados pelo professor, o qual deve possuir bastante cuidado e ética ao mobilizar os conteúdos que são trabalhados em sala de aula, situando-os sócio-historicamente. A partir do instante em que a linguagem é compreendida em seu caráter social, concreto e dinâmico (BAKHTIN, 2006 [1979]), averíguam-se relações dialógicas, que são relações de sentido que perpassam o tempo e o espaço5 dos profissionais em suas práticas de linguagem do dia-a-dia.

De acordo com Medviédev, não há indícios de ideologia se houver separabilidade entre o processo cultural (meio sócio-ideológico) e o objeto.

Enquanto signo, jamais pode ser avaliado longe de sua realidade sócio-histórica, das vozes que o atravessam. Nessas vias de compreensão, quando um professor expõe um poema ou um romance, ou delimita-o como objeto de estudo em sala de aula, as diversas palavras que se repetem ―Estou farto do lirismo comedido/ do lirismo bem comportado/ do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo...‖ (BANDEIRA, 2016, p. 112) não terão jamais o mesmo sentido,

5 Tais relações entre tempo e espaço na interconstituição de enunciados consistem no cronotopo

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determinado morfologicamente, mas sobretudo ganharão novos sentidos a partir das condições ideológicas e semânticas em que são produzidos.

Ainda que estejam no plano da repetibilidade por um viés morfossintático, tais enunciados possuem sua singularidade, um valor semântico-discursivo que os diferencia em cada momento em que aparecem. Nas considerações de Medviédev (2016 [1929], p. 187),

As mesmas palavras irão ocupar um lugar hierárquico diferente na tonalidade do enunciado, como ato social concreto. Uma combinação de palavras em um enunciado concreto ou em uma apresentação literária é sempre determinada pelos seus coeficientes de avaliação e pelas condições sociais de realização desse enunciado (MEDVIÉDEV, 2016 [1929], p. 187).

Paralelo a este horizonte interpretativo, corroboramos as proposições do soviético Bakhtin (2006 [1979]), para quem

cada enunciado é pleno de ecos e ressonâncias de outros enunciados com os quais está ligado pela identidade da esfera de comunicação discursiva.

Cada enunciado deve ser visto antes de tudo como uma resposta aos enunciados precedentes de um determinado campo: ela os rejeita, confirma, completa, baseia-se neles, subentende-os como conhecidos, de certo modo os leva em conta (BAKHTIN, 2006 [1979], p. 297).

Nossos dizeres são corroborados pelos pressupostos bakhtinianos (2013), em suas asserções sobre o ensino, o qual deve ser esquematizado através do diálogo entre procedimento metodológico e os princípios dialógicos da linguagem. O filósofo soviético afirma a estilística propõe ―Ajudar os alunos a entenderem o que muda quando escolho esta ou aquela palavra, esta construção sintática em lugar de outra‖

(BAKHTIN, 2013, p. 14).

Em abordagem discursiva, na ótica de Bakhtin, além de esses aspectos nortearem um entorno de sentidos, ―os tipos de discurso levam em conta mudanças por culturas e épocas... seriam as condições de percepção do som, as condições de identificação do signo, as condições da compreensão assimiladora da palavra‖

(BAKHTIN, 2006 [1979], p. 369). Nesse cenário de uma dialética da linguagem, em Estética da Criação Verbal, dentre outros, – Bakhtin afirma que as relações dialógicas ―são relações (semânticas) entre toda espécie de enunciados na comunicação discursiva‖. (2006 [1979], p. 323).

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Percebe-se que o jogo dialógico estabelecido nas narrativas de vida e profissão é responsável pelas diversas ações que permeiam o cotidiano profissional.

Segundo Faraco (2009, p. 59), ―todo enunciado é uma réplica, ou seja, não se constitui do nada fora daquilo que chamamos hoje de memória discursiva‖. É na memória discursiva que está situado todo o conjunto de enunciados orais e escritos pronunciados na atividade social enquanto conjunto ideológico de signos, visto que:

Nenhum signo cultural permanece isolado se for compreendido e ponderado, pois ele passa a fazer parte da unidade da consciência verbalmente formalizada. A consciência sempre saberá encontrar alguma aproximação verbal com o signo cultural. Por isso, em torno de todo signo ideológico se formam como que círculos crescentes de respostas e ressonâncias verbais (VOLOCHINOV, 2017, p. 101).

Desse modo, dois ou mais enunciados, quaisquer que sejam, se forem confrontados em um plano de sentido (não como objetos e não como exemplos linguísticos), resultarão em relação dialógica. O dialogismo, na perspectiva dos integrantes do Círculo6 (de Bakhtin), é considerado o princípio constitutivo da linguagem, em sua dimensão concreta, viva, real.

Nessas camadas interpretativas, Volóchinov (2017 [1929], p. 148-149), ao tratar da língua em sua natureza real/viva, considera que esta não é um sistema abstrato de formas linguísticas (fonéticas, gramaticais e lexicais), mas a entende a partir desses elementos linguísticos num contexto concreto preciso, numa enunciação particular. Decorrem, assim, as seguintes proposições:

1. A língua como sistema estável de formas normativas e idênticas é somente uma abstração científica produtiva apenas diante de determinados objetivos práticos e teóricos. Essa abstração não é adequada à realidade concreta da língua.

2. A língua é um processo ininterrupto de formação, realizado por meio da interação sociodiscursiva.

3. As leis da formação da língua não são, de modo algum, individuais e psicológicas, tampouco podem ser isoladas da atividade dos indivíduos falantes. As leis da formação da língua são leis sociológicas em sua essência.

6 Santana (2018) conferencia que a expressão ―Círculo de Bakhtin‖, faz referência a um grupo de intelectuais que se reuniu com frequência entre 1919 e 1929 em cidades russas, como Nevel, Vitebsk e São Petersburgo para debater sobre ideias e propostas filosóficas. Constituía-se por pessoas de áreas diversificadas e profissões distintas, dentre os quais se destacam Mikhail M. Bakhtin, Valentin N. Volóchinov e Pavel N. Medvedev. Outros integrantes eram Matvei I. Kagan, Ivan I. Kanaev, Maria

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4. A criação da língua não coincide com a criação artística ou com qualquer outra forma de criação especificamente ideológica. No entanto, ao mesmo tempo, a criação linguística não pode ser compreendida sem considerar os sentidos e os valores ideológicos que a constituem. A formação da língua, como qualquer formação histórica, pode ser percebida como uma necessidade mecânica cega, porém também pode ser uma ―necessidade livre‖ ao se tornar consciente e voluntária.

5. A estrutura do enunciado é uma estrutura puramente social. O enunciado como tal existe entre os falantes. O ato discursivo individual (no sentido estrito do termo ―individual‖) é um contradictio in adjecto (VOLOCHÍNOV, 2017 [1929], p. 225, grifos do autor).

Nas vias argumentativas de Volóchinov, faz-se necessário transcender a perspectiva de estudos estruturalista, a qual enxerga a língua como objeto máximo de análise. No que respeita aos estudos literários, é preciso dialogar com a história, com a memória, com os sujeitos que contracenam os discursos, e todos esses elementos são importantes para a atividade estética, sendo etapas constitutivas dos procedimentos de compreensão de um texto literário (objeto estético).

3 Carmina Burana e Os caprichos: condições de produção

Venturosamente, por volta de 1937 o compositor Carl Orff (1895-1984), um estudioso da poesia medieval alemã, arranjou a cantata cênica Carmina Burana, um grande sucesso baseado no manuscrito Codex latinus monacensis, encontrado no Covento de Benediktbeuern, na Alemanha, em 1803. O códice do século XIII que continha 315 composições poéticas foi denominado Carmina Burana, que em latim significa ―Canções de Beuern‖ e atualmente encontra-se na Biblioteca Nacional de Munique.

Utilizando-se das poesias musicalizadas, Orff se tornou um dos compositores alemães mais renomados do século XX, principalmente através da canção poética O Fortuna, velut luna, uma poesia musicalizada de invocação à deusa da fortuna, e que já foi tema de grandes eventos culturais e artísticos de todo o mundo. Foi através de Carl Orff que o Carmina Burana passou a ser conhecido publicamente7,

7 No Brasil também houve um grande estudioso que contribuiu bastante para a popularização do Carmina Burana, Maurice van Woensel, professor da Universidade Federal da Paraíba, que com

Referências

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