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A crítica literária feminista no Brasil

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Academic year: 2022

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Aportes teóricos rasurados: a crítica literária feminista no Brasil Autor(es): Zolin, Lúcia Osana

Publicado por: Associação Internacional de Lusitanistas URL

persistente: URI:http://hdl.handle.net/10316.2/34506 Accessed : 23-Oct-2022 17:36:33

digitalis.uc.pt impactum.uc.pt

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VEREDAS 18 (Santiago de Compostela, 2012), pp. 99-112

Aportes teóricos rasurados:

A crítica literária feminista no Brasil

LÚCIA OSANA ZOLIN

Universidade Estadual de Maringá (UEM)

RESUMO:

Nosso objetivo, nesse artigo, é tecer algumas reflexões acerca da Crítica Literária Fe- minista, um aporte teórico, frequentemente, rasurado nos discursos balizados pelos sistemas teóricos tradicionais, cujo objeto primordial é circunscrito pelas chamadas

«Altas literaturas» e pela suposta literariedade aí imanente. As referidas rasuras –em- preendidas em termos de Estudos da Mulher, consequentemente, estudos menores–

decorrem do fato de o feminismo crítico consistir em um modo de ler a literatura, confessadamente empenhado, voltado, de um lado, para o desnudamento e/ou para a desconstrução dos discursos hegemônicos, responsáveis pela naturalização das dife- renças hierarquizadas de gênero; e, de outro, para a exploração da literatura de autoria feminina, visando destacar-lhe os mecanismos estético-temáticos com que dialoga/

desconstrói as históricas hierarquias de gênero.

Palavras-chave: Crítica Feminista, Rasuras, Autoria Feminina, Gênero.

ABSTRACT:

Current analysis discourses on Feminist Literary Criticism, or rather, a theoretical contribution that is often erased in discourses foregrounded on traditional theoretical systems whose main aim lies within the milieu of “high literature” and their presumed literariness. Erasures within the context of Women Studies and, therefore, ‘minor ones,’ are derived from the stance that critical feminism consists of a way of reading

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literature. This is characterized by a commitment to denounce or to deconstruct hege- monic discourses that cause the hierarchized differences of gender. On the other hand, feminist reading involves a type of literature that highlights the aesthetic and thematic mechanisms with which it dialogues and deconstructs gender’s historical hierarchies.

Keywords: Feminist Criticism; Erasures; Writing By Women; Gender.

A crítica literária feminista, surgida na década de 1970, pode ser conceituada como um modo acadêmico de ler a literatura, confessada- mente, empenhado e de caráter político, voltado: 1) para o desnudamen- to e para a desconstrução de discursos que circunscrevem a opressão e a discriminação da mulher, tomada como objeto de representação lite- rária; 2) para o desnudamento dos mecanismos estético-temáticos de práticas literárias, prioritariamente, de autoria feminina, engajadas em representações femininas que não se reduzem a reduplicações ideoló- gicas de papéis de gênero, sancionados pelo senso comum, mas que espelham a multiplicidade e a heterogeneidade que marcam o modo de estar da mulher na sociedade contemporânea. Sendo assim, nosso obje- tivo, nesse artigo, é empreender reflexões acerca desse aporte teórico, frequentemente, rasurado ou, no mínimo, questionado no âmbito dos discursos críticos legitimados pela/na Academia.

Com o propósito de delinear os contornos da epistemologia fe- minista, campo de conhecimento surgido com vistas à emancipação do sujeito mulher, Margareth Rago (1998) parte da premissa de que se trata de um modo de pensar que rompe com os modelos hierárquicos de ciên- cia e com vários pressupostos da pesquisa científica. Ao trazer a marca da especificidade feminina, tendencialmente libertária e emancipadora, o aporte teórico feminista, num certo sentido, opõe-se às concepções teórico-metodológicas da ciência contemporânea pautadas no ideal de conhecimento objetivo, neutro, visando atingir uma pressuposta verda- de universal; ao invés disso, incorpora a dimensão subjetiva, emotiva e intuitiva no processo de conhecimento. Consequentemente, abandona a pretensão de ser a única possibilidade de interpretação do mundo, além de descartar a linha evolutiva inerente aos processos históricos, ao enfa- tizar a historicidade dos conceitos.

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O contexto em que emerge tal aporte teórico é o dos movimentos político-sociais surgidos nos frutíferos anos 1960 brasileiros, dentre eles o feminismo, definido pela pesquisadora do tema Constância Lima Du- arte (2004: 2) como «todo gesto ou ação que resulte contra a opressão e a discriminação da mulher, ou que exija a ampliação de seus direitos civis e políticos». Seu estatuto acadêmico, todavia, só é desenvolvido a partir de meados da década de 70, na esteira do pensamento pós-estruturalista e desconstrutivista dos «filósofos da diferença»,1 cujas ideias remetem à desconfiança em relação aos discursos totalizantes, dando origem aos debates que circunscrevem à pós-modernidade.2

Como bem salienta Heloísa Buarque de Hollanda (2003: 15), o pensamento crítico feminista revela certa especificidade em relação ao quadro teórico no qual se insere, em que coexiste com o novo histori- cismo, a história das mentalidades e os estudos pós-coloniais: «passado o momento inicial de crítica do desagravo e de denúncia da lógica pa- triarcal nas relações de gênero, as teorias críticas feministas começam a mover-se em direção (...) à luta pelo poder interpretativo». Isso implica dizer que, no interior dos campos epistemológicos, a teoria crítica femi- nista, mais que se embrenhar, ao lado das outras teorias antitotalizado- ras, na crise da representação, lutando e problematizando as pretensas verdades discursivamente construídas, precisou (ou ainda precisa?) lutar pelo direito à significação.

Esse estado de coisas parece associado ao fato de o feminismo no Brasil ter sofrido, em função dos mitos que regem, por aqui, as relações de gênero/poder, uma espécie de interdição e/ou resistência por parte de setores conservadores, conforme tão claramente explicita Schmidt (2006) no ensaio «Refutações ao feminismo: (des)compassos da cultura letrada brasileira». Mesmo tendo surgido no contexto da Ditadura Mi-

1 Derrida, Foucault, Deleuze, Lyotard (no campo da filosofia), Lacan (no da psicanálise), Althusser (no da sociologia e política) e Barthes (no literário).

2 Terry Eagleton (2010: 27) define o pós-moderno como «o movimento de pensamento contemporâneo que rejeita totalidades, valores universais, grandes narrativas históricas, sólidos fundamentos para a existência humana e a possibilidade de conhecimento objetivo.

O pós-modernismo é cético a respeito da verdade, unidade e progresso, opõe-se ao que vê como elitismo na cultura, tende ao relativismo cultural o pluralismo, a descontinuidade e a heterogeneidade».

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litar e, paradoxalmente, assumido como agenda prioritária a defesa de direitos civis, políticos e de melhores condições de vida em detrimen- to das questões ligadas às demandas propriamente feministas, como a liberdade sexual, por exemplo. As mulheres identificadas como sendo feministas, não raro, eram (ou são?) associadas à imagem da mulher mal amada, de feminilidade comprometida, em cujo entorno das práticas so- ciais pairava (ou paira?) certo desconforto, responsável por lhes tolher o desejo de serem reconhecidas como tal.

No cenário acadêmico das décadas de 70 e 80, não foi diferente.

A crítica literária feminista consistia e, num certo sentido ainda consiste, em um aporte teórico, frequentemente, rasurado nos discursos balizados pelos sistemas teóricos tradicionais, cujo objeto primordial é circunscrito pelas chamadas «Altas literaturas», a literatura canônica, e pela suposta literariedade aí imanente. As referidas rasuras ou, em outras palavras, as referências pejorativas à perspectiva feminista da crítica literária, são empreendidas em termos de «Estudos da Mulher» –eufemismo de «es- tudos menores» ou «desprovidos de importância»– expressão que sub- jacentemente remete a uma espécie de debate sociológico no lugar da preocupação com o estético, considerada legítima na seara dos Estudos Literários. É, nesse sentido, a crítica literária feminista tomada como um desvio das práticas críticas tradicionais, de inspiração estruturalista, em que valores como maestria técnica, concisão, originalidade, exati- dão, intensidade, intransitividade, impessoalidade, universalidade, etc., reconhecidos por Perrone-Moisés (1998) na ficção de escritores-críticos modernos e canônicos, conferem o tom do que seria literariedade.

Do mesmo modo, é ainda a crítica literária feminista, a priori, desvalorizada por se ligar a produções intelectuais também desvalo- rizadas como o é a literatura de autoria feminina, ao lado de outras literaturas marginalizadas, populares, de minorias étnicas e sexuais.

Literaturas essas que, normalmente, não figuram nos currículos dos cursos de Letras como leituras obrigatórias, tampouco figuram nos ca- dernos dedicados à Cultura dos principais jornais e revistas do país, nem nas listas dos livros mais vendidos, menos ainda nos catálogos das grandes editoras.

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Trata-se, num certo sentido, da dominação e da violência sim- bólicas de que fala Bourdieu (2005), cujas raízes remontam à históri- ca dominação masculina, uma estrutura social estabelecida ao longo da história da humanidade e naturalizada, de acordo com os interesses da ideologia dominante responsável por sua construção. Segundo o teórico,

«a força da ordem masculina se evidencia no fato de que ela dispensa justificação: a visão androcêntrica impõe-se como neutra e não tem ne- cessidade de se enunciar em discursos que visem legitimá-la» (Bour- dieu, 2005: 18). Os códigos sociais, portanto, ao se alicerçarem sobre a dominação masculina, ratificam-na, entre outros fatores, por meio da di- visão social/sexual do trabalho, da divisão social/sexual do espaço (rua/

casa), da estruturação do tempo em constantes momentos de ruptura masculinos e longos períodos de gestação/amamentação/educação femi- ninos. Tendo isso em vista, Bourdieu toma os conceitos de «dominação simbólica» e de «violência simbólica» para se referir a uma espécie de força simbólica de poder androcêntrico estruturada de tal forma que, mesmo nesses tempos modernos em que o pensamento feminista ecoa no mundo ocidental, é capaz de resistir a ele e às suas estratégias de desnaturalização do construído para se propagar no tempo. Para o soció- logo francês, o efeito da dominação/violência simbólica «se exerce não na lógica pura das consciências cognocentes, mas através dos esquemas de percepção, de avaliação e de ação que são constitutivos do habitus e que fundamentam [...] uma relação de conhecimento profundamente obscura a ela mesma» . (Bourdieu, 2005: 49-50).

Nesses termos, é que a crítica literária feminista e seu objeto primordial, a literatura de autoria feminina, são, num certo sentido, in- terditadas em determinados ambientes acadêmicos brasileiros, consi- derados mais conservadores, sobretudo ao replicarem os discursos de valorização dos cânones oficiais, ancorados na literariedade imanente à obra; literariedade essa que os segmentos críticos nascidos no seio do pensamento pós-estruturalista vem constantemente questionando.

O fragmento que abaixo recortamos, retirado do artigo «Femi- nismo activo», do escritor e jornalista brasileiro João do Rio, publicado em 1911, funciona como amostragem das origens tradicionais da Crítica Literária Brasileira, em certa medida, propagadas no tempo de modo

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que suas marcas são ainda vislumbradas no cenário crítico contemporâ- neo (João do Rio, 1911, apud Xavier, 1999, p. 19):

Eu sempre tive pelas senhoras que fazem literatura –um atemorado respeito.

As relações com uma poetisa são verdadeiros desastres impossíveis de remediar, mas que o galanteio social obriga a acoroçoar. Quando a femme de lettres deixa o verso e embarafusta por outras dependências da complicada arte de escrever, as relações passam à calamidade. [...]

Por que escrevem essas senhoras? Ninguém o soube; ninguém o sabe- rá. Com certeza porque não tinham mais o que fazer, como a Duqueza de Dino. Mas elas escrevem, escrevem, escrevem

São posicionamentos críticos como esse, moeda corrente na nos- sa tradição literária, que têm impulsionado a crítica literária feminista contemporânea a trabalhar, no sentido de desnudar os princípios que têm fundamentado os cânones literários oficiais, seus pressupostos ideológi- cos, seus códigos estéticos e retóricos, tão marcados por preconceitos de cor, de classe social e de sexo, para, então, desestabilizá-lo.

Trata-se de uma reação impulsionada pela constatação de que o valor estético da literatura canônica não reside apenas no próprio texto, mas em fatores como os acima arrolados, construídos em consonância com os valores da ideologia patriarcal. A intenção é promover a visibi- lidade da mulher como produtora de um discurso outro, dissonante em relação àquele arraigado milenarmente na consciência e no inconsciente coletivos, inserindo-a na historiografia literária.

No Brasil, a literatura de autoria feminina, de até bem pouco tempo atrás, não existia efetivamente, isto é, não aparecia no cânone tradicional. Conforme observa Viana (1995: 168-9), as Histórias Literá- rias de José Veríssimo e Sílvio Romero «nos deixam a impressão de que o mundo da literatura era povoado somente por homens». Até mesmo A história da literatura brasileira, de Lúcia Miguel Pereira, publicada em 1950, crítica que se fez reconhecer no «estreito círculo dos literatos

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masculinos», refere-se apenas a Júlia Lopes de Almeida, certamente por não considerar que as demais escritoras da época tenham participação na formação da identidade nacional ou, simplesmente, por considerar suas obras inferiores em relação àquelas modelares dos ditos «homens letrados». Do mesmo modo, as Histórias mais recentes referendam a exclusão da mulher como sujeito participativo da história, como é o caso do clássico História concisa da literatura brasileira, de Alfredo Bosi, publicado nos anos 1970, hoje na 46.ª edição, que, sendo presença obri- gatória nos cursos de Letras da maior parte das universidades brasilei- ras, considera não mais que cinco ou seis escritoras como integrantes do cenário das Letras brasileiras.

Em pesquisa realizada no início dos anos 90 sobre o estado da arte da crítica e da pesquisa literária feminista no Brasil de então, Hollanda (1992) constata uma clara predominância dos estudos historiográficos, de modo especial, da tendência arqueológica, empenhada em resgatar a literatura produzida por mulheres no século XIX, perdida ou silen- ciada pelas forças dominantes. Do mesmo modo que constata que os resultados desses estudos mostravam-se, em certa medida, insatisfató- rios ao revelarem que os objetos resgatados não cabiam nas lacunas da historiografia literária oficial, em seus pressupostos inventados segundo os discursos das genealogias patriarcais, responsáveis pela legitimação de uma tradição tomada como única, ancestral e linear. Daí tais objetos terem sido excluídos, ignorados e/ou marginalizados.

Passados mais de vinte anos, há que se perguntar qual o estado da arte da crítica literária feminista brasileira hoje. Cabe, sobretudo, per- guntar quais os parâmetros que vem utilizando para empreender juízos de valor acerca da literatura de autoria feminina, deslocada em relação ao eixo literário institucionalizado. Não apenas aquela resgatada do es- quecimento oitocentista, mas, também, a que vem sendo produzida nos dias de hoje.

Se é bem verdade o fato de a área dos Estudos Literários no Brasil ser matizada pelo conservadorismo, como atestam certas postu- ras assumidas por pesquisadores/as de algumas das principais institui- ções de ensino superior do país, bem como de algumas das associações

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mais prestigiadas da área, também é certo que o feminismo crítico vem buscando cada vez mais espaço nesses circuitos. Ainda que pareçam bizarros certos embates travados nessas instâncias em ocasiões em que, mediante a presença de pesquisadores menos ortodoxos, é trazida à tona a velha dicotomia entre a alta literatura, aquela essencialmente superior por seus valores estéticos inquestionáveis –normalmente de escritores mortos canonizados–, e aquela outra de minorias e de marginalizados/

as, considerada menor em função dos debates político-sociais que em- preende.

Quando o tema das discussões acadêmicas gira em torno de tais embates, bem como das rasuras relacionadas ao pensamento crítico fe- minista, não são raras as referências a Harold Bloom, um dos mais apai- xonados defensores do cânone, consequentemente, ferrenho opositor do que chama «escola dos ressentidos» e/ou dos «leitores missionários».

Em entrevista recente concedida a Winston Manrique Sabogal (2011), jornalista de El País, o autor de O cânone ocidental reitera o que busca na literatura: «A beleza! A arte! O sublime!». Eis os parâmetros a partir dos quais o dito mais influente crítico literário do mundo, sugestivamen- te chamado pelo jornal espanhol de «O canonizador», lê a literatura.

No entanto, se a «literatura sublime transporta e engrandece seus leitores», como nos ensina Bloom, o «sublime e o estético não pare- cem viver seu melhor momento», como provoca o jornalista de El País.

Noutras palavras, não parece serem esses os valores que os/as leitores/as contemporâneos buscam na literatura. Basta passar os olhos pelas listas das obras campeãs de venda, frequentemente divulgadas pelos jornais e revistas, seja no Brasil, seja no exterior.

No que se refere aos estudos afetos à área «Mulher e Literatu- ra» no Brasil, é inegável a disseminação acadêmica de iniciativas que colocam sob suspeita a primazia do «sublime» e do «estético», seja por meio de grupos de pesquisa, de linhas de pesquisa que, de algum modo, abarcam o tema, de publicações e/ou dos trabalhos acadêmicos em nível de mestrado e de doutorado. Segundo dados apresentados3 na coletânea

3 Esses dados são retirados do capítulo «Literatura e gênero em foco nos grupos de pesquisa do GT “A mulher na literatura»», de Eliane T. A. Campelo.

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Mulher e Literatura –25 anos: raízes e rumos, organizada pela pesqui- sadora feminista Cristina Stevens (2010), acerca do GT da ANPOLL (Associação Nacional de Pós-Graduação em Letras e Linguística) «A mulher na literatura», constituído de 63 pesquisadoras/es oriundas/os de diversas universidades brasileiras e estrangeiras, o Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq registra 62 grupos de pesquisa em que se observa a interface entre literatura e gênero, dos quais essas/es pesquisadoras/

es participam ou lideram; registra, também, 127 linhas de pesquisa (in- cluindo as repetidas, uma vez que a pesquisadora considera que «cada integrante imprime uma direção personalizada ao seu estudo» (p. 47);

além disso, num período de três anos (de 2007 a 2009), o grupo publicou 552 títulos, sendo 68 livros, 219 capítulos, 154 artigos em periódicos especializados e 111 artigos em anais de eventos científicos. No que se refere ao número de dissertações e teses orientadas pelas/os integrantes do GT, de acordo com os dados levantados pela pesquisadora Cíntia Schwantes (2010), no período de 1985, ano de fundação do GT, a 2009, foram registradas 99 orientações de teses de doutorado e 330 orienta- ções de dissertações de mestrado.

Há que se reconhecer, sem dúvida, o impacto da massa crítica que se pressupõe no campo acadêmico, no âmbito dos estudos literários, a partir desses números, ainda mais se somados a outros tantos resulta- dos de pesquisas, publicações e/ou orientações realizadas em todo o país por pesquisadores/as que, embora não integrem o GT da ANPOLL «A mulher na literatura», se dedicam aos estudos da área «Mulher e Lite- ratura» e muito produzem, contribuindo para com a institucionalização dos estudos feministas.

Esse quadro, todavia, não anula a ambiguidade estabelecida en- tre a legitimidade acadêmica dos estudos feministas e a resistência da academia em sancionar como sendo de excelência as pesquisas em cujo bojo estão inevitáveis interesses políticos, como é o caso dos trabalhos desenvolvidos a partir dos aportes teóricos fornecidos pela crítica literá- ria feminista. Segundo Rita Terezinha Schmidt (2010: 267):

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O termo «feminismo» nunca deixou de causar desconforto, senão oje- riza, em parte da elite masculina letrada do país, para não dizer tam- bém, de colegas –incluindo mulheres– da academia, e a relação mulher e literatura, do ponto de vista da crítica literária tradicional, é ainda considerada uma conjunção imprópria e não pertinente. A institucio- nalização dos estudos sobre mulher e literatura é uma realidade con- solidada, mas isso, paradoxalmente, não significa uma valorização da perspectiva feminista, nem aceitação ou credibilidade, apenas o acolhi- mento de iniciativas em razão de um corpo docente qualificado, insis- tente em seus pleitos e resistente à invisibilidade.

A indisposição da academia, referida nessa reflexão de Schmidt, em acolher e incentivar as pesquisas assentadas no escopo teórico do feminismo acaba por se converter em práticas, bastante palpáveis de interdição. Tais práticas vão desde a desqualificação do pensamento fe- minista, motivada pela epistemologia patriarcal nacional, alicerçada na equação poder = saber; passando pela dialética da identidade compulsó- ria e da diferença desprestigiada; até chegar à desqualificação do próprio objeto, por meio da clássica dialética do universal e do particular –sendo universal e positiva a literatura canônica, isenta de marcas ideológicas, e particularista e, obviamente, negativa a literatura oriunda de grupos sociais marginalizados. A literatura de autoria feminina, nesses termos, é considerada, a priori, menor, marginal, desprovida de valores estéti- cos na mesma proporção que é comprometida com valores ideológicos imbuídos de pensar a diferença. Na direção oposta, a referência para tal desclassificação é a literatura canônica, assentada em conceitos identi- tários que gravitam em torno do homem branco, heterossexual, culto e, preferencialmente, oriundo dos grandes centros urbanos. São parâme- tros para essas constatações as diversas publicações que se incumbem de registrar a história da literatura brasileira, conforme nos referimos em páginas anteriores.

Em termos mais abrangentes, no ensaio já referido «Refutações ao feminismo: (des)compassos da cultura letrada brasileira», Schmidt (2006) considera uma série de práticas discursivas empreendidas pelos veículos de comunicação de massa que acabam por redundar em re-

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futações e/ou interdições da legitimidade do pensamento feminista no meio acadêmico. Não são raras as reportagens veiculadas em grandes revistas, como a Veja, que, de um lado, silenciam sobre os avanços do feminismo, tomado como campo de pesquisa, de recorte teórico e cor- pora de investigação definidos, com produção de saberes em todas as áreas do conhecimento; de outro, estampam reportagens com imagens caricatas do feminismo que chocam pelo reducionismo, como aquela da edição especial Mulher (2006) em que uma mulher branca de terno e maleta executiva em punho amamenta seu bebê, e em que se lê a man- chete: O que sobrou do feminismo; quando não estampam reportagens que mais parecem paródias do feminismo, enaltecendo os «avanços fe- mininos» que não desembocam em «patrulhas feministóides»; a pes- quisadora também considera como prática antifeminista a associação do feminismo à cultura estrangeira, empreendida na academia em nome de um nacionalismo rançoso, como se as ideias feministas não tivessem nada a ver com a realidade nacional. Esta é, também, a razão de, entre nós, os livros que se propõem a tratar da teoria da literatura e da história da literatura nem sequer mencionarem «o feminismo e suas epistemo- logias ou o pioneirismo da crítica feminista com relação aos modos tra- dicionais de pensar o campo literário» (Schmidt, 2006: 783). Trata-se, na avaliação de Schmidt (2006), de uma decorrência da consolidação do pensamento patriarcal e senhorial brasileiro, responsável por um sis- tema de relações de poder em que formas de misoginia e de racismo materializam os interesses da elite intelectual.

Outro indicador de interdição ao pensamento feminista é, na ava- liação de Stevens (2010), a dificuldade de as/os pesquisadoras/es da área captarem recursos para desenvolver suas pesquisas e, consequentemen- te, divulgá-las tendo em vista a pouca profissionalização da atividade editorial feminista, os problemas de distribuição dessas publicações, a necessidade exacerbada de avaliação da qualidade dos veículos nos quais essa produção é veiculada, bem como a necessidade de formas alternativas de sustentabilidade, as chamadas «estratégias criativas» de sobrevivência da área, no dizer de Minella (2008), outra pesquisadora do tema, as quais apontam para sua capacidade de reinvenção diante da falta de recursos, das carências de infraestrutura e de outras limitações.

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O fato é que, em qualquer que seja a seara, são muitas as formas de interdição que concorrem para com as dificuldades de a elite inte- lectual brasileira reconhecer a legitimidade da epistemologia feminista, cujo campo conceitual, frequentemente, não atinge os níveis de priori- dade delimitados pela academia e pelas agências de fomento. Daí a difi- culdade em tomar o gênero como categoria analítica, com suas rupturas e desestabilizações teórico-práticas, conforme salienta Rago (1998);

bem como a categoria mulher, com toda a gama de variantes que ela pressupõe, em termos de classe, cor, etnia, orientação sexual, etc.

A importância da crítica literária feminista, todavia, mais que contestar o modo dominante de produção do conhecimento na seara dos estudos literários, pretende-se fazer reconhecer a partir dos deslocamen- tos teóricos que opera, articulando crítica textual, histórica, antropológi- ca e cultural, de modo que seu objeto seja considerado –muito além de sua imanência– na teia de significações que o constitui.

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