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UM ESPELHO INVERTIDO: REPRESENTAÇÕES DE GÊNERO NO FILME EU NÃO SOU UM HOMEM FÁCIL.

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Academic year: 2022

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE – UERN PRÓ-REITORA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO – PROPEG

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS – FAFIC

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO E CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS - PPGCISH

ANA CLAUDIA DE ANDRADE COSTA

UM ESPELHO INVERTIDO: REPRESENTAÇÕES DE GÊNERO NO FILME “EU NÃO SOU UM HOMEM FÁCIL”.

MOSSORÓ 2020

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ANA CLAUDIA DE ANDARADE COSTA

UM ESPELHO INVERTIDO: REPRESENTAÇÕES DE GÊNERO NO FILME “EU NÃO SOU UM HOMEM FÁCIL”

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Humanas, da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, para a obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais e Humanas.

Orientador: Professor Doutor André Victor Cavalcanti Seal da Cunha.

MOSSORÓ 2020

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ANA CLAUDIA DE ANDARADE COSTA

UM ESPELHO INVERTIDO: REPRESENTAÇÕES DE GÊNERO NO FILME “EU NÃO SOU UM HOMEM FÁCIL”.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Humanas, da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, para a obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais e Humanas.

Orientador: Professor Doutor André Victor Cavalcanti Seal da Cunha.

Aprovada em: _____/_____/_2020.

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________________________

Professor Doutor André Victor Cavalcanti Seal da Cunha (orientador) Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN)

Presidente

_______________________________________________________________

Professora Doutora Kyara Maria de Almeida Vieira Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA)

Membro Examinador

_______________________________________________________________

Professora Doutora Janaiky Pereira de Almeida Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA)

Membro Examinador

(4)

_______________________________________________________

Professora Doutora Karlla Christine Araújo Souza Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN)

Membro Examinador

_________________________________________________________

Professora Doutora Valderiza Almeida de Menezes Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

Membro Examinador

(5)

Universidade do Estado do Rio Grande do Norte

C837e Costa, Ana Claudia de Andrade

UM ESPELHO INVERTIDO: REPRESENTAÇÕES DE GÊNERO NO FILME EU NÃO SOU UM HOMEM FÁCIL. /

Ana Claudia de Andrade Costa. - Mossoró, 2020.

102p.

Orientador(a): Prof. Dr. André Victor Cavalcante Seal Cunha Cunha.

Dissertação (Mestrado em Programa de Pós- Graduação em Ciências Sociais e Humanas). Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.

1. Gênero. Machismo. Representações. Identidade. Filme. I. Cunha, André Victor Cavalcante Seal Cunha. II. Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. III. Título.

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LISSTA DE FIGURAS

Figura 1 Dados: violência contra mulher...17

Figura 2 Chamada do vídeo...41

Figura 3 Cena 1 (1min51s) ...44

Figura 4 Cena 1 (2:00min) ...44

Figura 5 Cena 2 (6min2s) ...48

Figura 6 Cena 3 (3min3s) ...53

Figura 7Cena 3 (3min3s) ...54

Figura 8 Cena 4 (7min21s) ...59

Figura 9 Cena 4 (7min26s) ...60

Figura 10 Cena 5 (24min56s) ...71

Figura 11 Cena 5 (24min56s) ...71

Figura 12 Cena 5 (30min9s) ...72

Figura 13 Cena 6 (27min47) ...75

Figura 14 Cena 6 (27min47) ...75

Figura 15 Cena 7 (32min33s) ...77

Figura 16 Cena 7 (32min33s) ...77

Figura 17 Cena 8 (33min13s) ...79

Figura 18 Cena 9 (34min46s) ...80

Figura 19 Cena 10 (37min46s) ...82

Figura 20 Cena 10 (38min36s) ...83

Figura 21 Cena 11 (39min46s) ...85

Figura 22 Cena 14 (1h29s) ...86

Figura 23 Cena 14 (1h29s) ...87

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Dedico esse trabalho a mainha e painho, pelo apoio e amor incondicional. E a todas as mulheres, que me inspiram a continuar lutando por uma sociedade mais justa. Até que todas sejamos livres!

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AGRADECIMENTOS

Domingo, 22 horas e cinco minutos, escutando Velha Roupa colorida de Belchior começo a rememorar o que fora vivenciado até chegar o momento de escrever essas linhas.

Lembro-me do dia que saiu o resultado que tinha passado na prova. Estava em Sumé, na Paraíba, em um congresso, quanta emoção carregada nos abraços que recebi dos amigos que estavam comigo. Quantas lágrimas derramei aquele dia. Depois a correria para concluir as disciplinas que faltavam para a defesa de TCC e a tão sonhada colação de grau. Aquele fora o primeiro passo para a concretude desse sonho.

Chego a Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, no mestrado Interdisciplinar em Ciências Sociais e Humanas, numa turma caracterizada como a do pessoal da história e do direito. Territorializei-me em uma universidade de humanas, de pessoas gentis e educadas.

Entre uma aula e outra éramos surpreendidos com o som de um violão ou de uma sanfona, música, arte. Fiquei demasiadamente encantada tendo em vista que não tinham esse hábito na universidade de onde eu vinha. Tão perto geograficamente e ao mesmo tempo tão longe, os costumes são realmente fascinantes.

Nessa caminhada a qual escolhi trilhar tive/tenho o apoio incondicional daqueles que estão a minha volta. Em especial, gostaria de agradecer a minha família, meus irmãos, Claudio, Claudenir (Dainha), Maria José, Aninha e ao meu cunhado Ronaldo, por todo amor compartilhado, por aceitarem minha ausência mesmo reclamando às vezes (entre risos e lágrimas) e por sempre me abraçarem no meu regresso.

A Mainha e a Painho, minha fonte de inspiração, meu coração fora de mim, motivo da minha persistência, sem dúvidas, de todos os títulos o maior dele é ser filha de vocês e carregar a responsabilidade de dar continuidade ao exemplo de cidadania e respeito que nos fora ensinado. Nunca precisamos de muito, filhos de agricultores fomos forjados na simplicidade, a mim e a meus irmãos vocês ensinaram o que academia nenhuma poderá ensinar, caráter e gentileza. Muito obrigada por todo amor.

Ao meu noivo, Rodolfo. Amor de minha vida, obrigada pela paciência, pelo apoio, por não ter soltado minha mão. Por ter aguentado as minhas piores crises, os meus medos e incertezas, por ter enxugado minhas lágrimas e me dado força para seguir. Sem você o processo teria sido mais doloroso.

Quantas lágrimas, quantos espinhos, quantas pedras tive que retirar do caminho para chegar a esse momento. Mas também quantas alegrias, quantos sorrisos, quantos amigos. Numa

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turma interdisciplinar fui muito bem aceita pelo covil de historiadores, Maria, Ramona, Ana Paula, Robson e Guilherme aos quais gostaria de agradecer a amizade construída, pelas experiências trocadas, pelos abraços, risos e lágrimas.

Quando tudo parecia perdido e estava a ponto de desistir vocês me inspiravam a seguir, nos meus momentos de desespero para conciliar dois mestrados vocês foram o acalento, afago e a esperança que tudo daria certo. Das poucas coisas que temos o direito de escolher a amizade é uma delas e quero levar vocês para o resto da vida como uma parte terna e singular da minha caminhada. A vocês meu muito obrigada, por tanto.

Gostaria de agradecer também ao meu amigo Katson, que enfrentou todo esse percurso comigo, desde os estudos para as provas até a conclusão do curso, sem você certamente a caminhada teria sido mais difícil.

Agradeço também ao meu amigo Francisco (Juninho), um irmão que a vida me deu, muito obrigada pela força, pelo apoio, por sonhar junto comigo e por segurar minha mão e não soltar até me sentir segura.

Agradeço a minha banca, a professora Janaiky por ter aceitado mais uma vez dar suas ricas contribuições para o trabalho e para minha vida acadêmica e profissional, o interesse pelas discussões de gênero foi despertado através das suas aulas de gênero e sexualidade logo nos primeiros semestres da graduação. O jeito doce e educado com que trata seus alunos/as faz de você uma profissional e um ser humano incrível.

A professora Kyara, uma profissional singular, dedicada e ética, ser humano extraordinário. Gentil, terna e extremamente exigente em tudo que faz. Com você eu descobri o amor pela docência e que a pesquisa pode ser feita com afeto. Agradeço por aceitar nosso convite e dar suas colaborações para o texto. Mesmo em meio ao caos em que estamos vivendo.

A professora Val, que ainda não conheço. Espero que o gosto pela pesquisa e pela temática em questão possam estreitar os laços e a parceria. Muito obrigada por se dispor a ler nosso trabalho e dar suas contribuições.

A professora Karla, por ter aceito nosso convite e se disponibilizado em ler nosso trabalho com todo cuidado e esmero em um curto período de tempo. Sua delicadeza me inspira a ser uma docente/pesquisadora melhor.

Por fim, agradeço ao meu orientador, Professor André. Por ter acreditado no meu trabalho, embarcado nos meus devaneios e me ajudado na construção desse estudo. Agradeço a paciência com a minha ansiedade, você com seu jeito calmo e educado, eu com minha inquietude e pressa para ver as coisas acontecerem. Obrigada por todo conhecimento e ensinamento compartilhado ao longo desses dois anos. A você, toda minha gratidão.

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Mais um ciclo está prestes a se fechar. Novos caminhos, novos sonhos, novas oportunidades. Gratidão maior ao Deus no qual acredito, pelo seu amor e cuidado para comigo, acredito que sem Ele nada disso seria possível!

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RESUMO

O presente estudo partiu da problemática de como o filme “Eu não sou um homem fácil”

constrói as representações acerca das relações de gênero. A partir disso, o trabalho se justifica, primeiramente, através da inquietação pessoal em discutir sobre as relações de gênero. Além de que não existe até o presente momento nenhum trabalho acadêmico que tenha analisado as questões de gênero no referido filme. Dentro dessa perspectiva, nos empenhamos em atender aos objetivos que nortearam a pesquisa; investigar as dimensões sociais e cultural fomentadas nas relações de gênero, analisar as representações de gênero abordadas socialmente no filme “Eu não sou um homem fácil” e identificar a representação de feminilidade e masculinidade no referido filme. Metodologicamente usamos da análise fílmica. Dialogando com autores/as que discutem as temáticas abordadas no estudo. A exemplo de: Marc Ferro (1991), Scott, (1994), Beauvoir (1967), Chartier (1990), Hall (2006) dentre outro. Como considerações podemos frisar que o filme nos faz refletir e levantar discussão sobre essas questões, a partir do momento que coloca os/as espectadores/as em um lugar de empatia e sensibilidade para com a luta das mulheres, na qual se busca a igualdade de gênero, lutando por uma sociedade mais justa. Como resultados, destacamos que o filme apresenta de forma didática a desnaturalização do preconceito sobre as relações de gênero, abordando assim a importância dessas discussões em diferentes ambientes, contrapondo uma hierarquia que ainda é solidificada e naturalizada na sociedade.

Palavras-chave: Gênero. Machismo. Representações. Identidade. Filme.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO: A REPRESENTAÇÃO DE GÊNERO NO FILME “EU NÃO SOU

UM HOMEM FÁCIL” ... 11

1.1 Eu, mulher rural, pesquisadora, e a escolha do tema ... 11

1.2 Aspectos teóricos da representação de gênero no filme não sou um homem fácil ...13

1.3 Temas referenciais que nortearam a pesquisa: representações, interpretações e identidade .. 20

2 GÊNERO: HISTÓRIAS QUE SE ANULAM, MULHERES QUE DESAPARECEM 41 2.1 Patriarcalismo, assédio e a objetificação das mulheres ... 48

3 UM ESTUDO SOBRE A REPRESENTAÇÃO DE FEMINILIDADE E MASCULINIDADE NO FILME “EU NÃO SOU UM HOMEM FÁCIL” ... 62

3.1 O homem e a mulher de verdade, aspectos sobre a constituição social da masculinidade e da feminilidade ... 69

3.2 Um espelho invertido: o que sofrem as mulheres numa sociedade machista ... 84

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 86

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 90

APÊNDICES ... 96

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1 INTRODUÇÃO: A REPRESENTAÇÃO DE GÊNERO NO FILME “EU NÃO SOU UM HOMEM FÁCIL”

1.1 Eu, mulher rural, pesquisadora, e a escolha do tema

Uma jovem nascida no interior do Rio Grande do Norte, crescida e educada na caatinga, no semiárido potiguar, na pequena comunidade rural de Poço de Tilon, município da cidade de Apodi; uma menina/mulher sonhadora, que vem trilhando seu caminho dentro da academia.

Dito isso, a escrita desse trabalho é a concretização da força de vontade e do desejo de me tornar uma profissional melhor, uma pessoa melhor marcando o meu estar no mundo com algo significativo, aliando a educação e a pesquisa para tentar retornar à minha comunidade e compartilhar um pouco do que aprendi/aprendo na caminhada.

A minha chegada ao mundo já fora marcada com alguns estigmas. Mulher, negra, pobre e nordestina. Quantos obstáculos para enfrentar! Tive/tenho que superar as marcas sociais impostas a cada suspiro. Nunca se pensara, no contexto o qual vivencio, que uma mulher trilharia esse caminho, seguindo estrada pela carreira acadêmica.

O contato com a pesquisa proporcionou novos olhares, novas percepções, curiosidades e inquietudes. O olhar atento da estudante a fatos que deveriam ser mais discutidos, abordados em determinados espaços. Logo na graduação, essa inquietude me aproximou do tema em questão, as discussões de gênero. Dessa forma, busquei me apropriar de uma bibliografia que oferece subsídios para fomentar novos trabalhos e estudos, dentro daquilo que já havia sido dito, mas que necessitava de novas leituras, tendo em vista a emergência do tema.

Embora viesse de uma trajetória que abordava essas discussões, trabalhar com as representações de gênero usando um filme como laboratório, fora um desafio, uma vez que tornou imprescindível sair da minha zona de conforto. Na verdade, nunca esteve nessa posição de conforto, primeiro que ser mulher rural e negra dentro da academia me ensinou a transgredir, ressignificar, cada novo desafio. Portanto, com esse não seria diferente.

Tendo escolhido o objeto de estudo, perpassando pelos caminhos de desafios, buscou- se a apropriação de outras discussões, como a metodologia de análise fílmica, para só então partir para a discussão teórica.

O que mais me mobilizou na escolha do tema foi pensar na ideia de poder falar das mulheres, de como se constituiu/constitui a nossa história. Talvez esse seja o meu conforto em meio à caminhada: falar sobre a nossa luta.

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Dialogando com a temática em questão, esse trabalho tem muito a ver com a prática quotidiana das mulheres, fazendo uma relação com a teoria e a ação. Sendo assim, nos empenhamos em trabalhar a partir dos seguintes objetivos: I) investigar as dimensões sociais e cultural fomentadas nas relações de gênero; II) analisar as representações de gênero abordadas socialmente no filme “Eu não sou um homem fácil”; e III) identificar a representação de feminilidade e masculinidade no referido filme.

Pensando nessa relação, nos propomos responder a seguinte pergunta norteadora: como o filme constrói as representações acerca das relações de gênero? Como destaca Minayo (1996, p. 90),

Nada pode ser intelectualmente um problema, se não tiver sido, em primeira instância, um problema da vida prática. Isto quer dizer que a escolha de um tema não emerge espontaneamente, da mesma forma que o conhecimento não é espontâneo. Surge de interesses e circunstâncias socialmente condicionadas, frutos de determinada inserção no real, nele encontrando suas razões e seus objetivos.

Para além das influências literárias que levaram a escolha do tema, somam-se também o exemplo de vida das mulheres que fazem/fizeram parte do meu contexto de vida, entendendo que elas, sem dúvida, foram/são a grande inspiração para desenvolver esse estudo. Dessa forma, a aproximação com a problemática está imbricada com a vida, com os fatos reais, com a empiria, para assim dialogar de forma direta com a teoria.

Sobre isso, Deleuze (1992, p. 136) nos diz que: “[...] Pensar é sempre experimentar, não interpretar, mas experimentar, e a experimentação é sempre o atual a nascente, o novo, o que está em vias de se fazer”. Pensando nisso podemos dizer que o resultado desse trabalho é a forma como experimentamos e experienciamos as coisas. Sobre o modo como pensamos fora da objetividade ou a partir da quebra de valores, conceitos, é sobre como levantamos suspeita sobre a sua concretude já posta.

Uma forma de questionar essa concretude é através da palavra, haja vista que as palavras, as ideias e as coisas têm uma série de significados e carregam consigo histórias distintas, portanto, dentro desse conjunto de palavras se encontra “gênero”, este que, na gramática e nos dicionários, a terminologia é explicada como forma de classificar elementos ou fenômenos.

No entanto, para falarmos sobre gênero, precisamos abordar algumas questões. Uma delas é que as discussões sobre o tema surgem a partir da luta das feministas De acordo com Scott (1989, p. 03) elas

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[...] insistiam no caráter fundamentalmente social das distinções baseadas no sexo. A palavra indicava uma rejeição ao determinismo1 biológico implícito no uso de termos como “sexo” ou “diferença sexual”. O gênero sublinhou também o aspecto relacional das definições normativas das feminilidades.

Destacamos que o intuito dessa discussão se dá pela busca do porquê dessa distinção entre os gêneros ao longo das décadas.

As feministas abrem precedentes para estudos e análises mais contundentes de trabalhos já realizados sobre as mulheres, fazendo uma transformação nos paradigmas já existentes. Esses estudos iriam resultar não só em novos lugares em que a história das mulheres fosse vislumbrada, mas também iriam desencadear novas histórias sobre as mesmas.

Dessa forma, se conduziram as discussões sobre a história das mulheres e suas experiências, nas quais o gênero se desenvolveria como uma categoria de análise para pesquisadores/as interessados/as no tema. Posto isso, é necessário salientar que esses estudos acerca da história das mulheres são feitos de forma detalhada e minuciosa, por exemplo, os livros “Gênero: Uma categoria útil para análise histórica” de Scott, e “O segundo sexo” de Simone de Beauvoir que podem ser utilizados como conteúdo base para outras abordagens relacionadas ao tema o qual propomos investigar.

1.2 Aspectos teóricos da representação de gênero no filme “Não sou um homem fácil”

O cenário contemporâneo é desafiador para as discussões de gênero, tendo em vista que na conjuntura atual temos diversos projetos de lei federais, estaduais e municipais que proíbem as discussões sobre gênero nas escolas, a exemplo da cidade de Apodi-RN2 e de cidades em outros estados como Ceará, Pernambuco e Rio de Janeiro.

1 A fim de informar sobre o determinismo biológico, sugerimos a leitura de Stephen Jay Gould, um biólogo evolutivo que dedicou parte de seus estudos a refutar os abusos do determinismo biológico escritos por alguns colegas. Para isso, ele “[...] sustenta que as normas comportamentais compartilhadas, bem como as diferenças sociais e econômicas existentes entre os grupos humanos principalmente de raça, classe e sexo derivam de distinções herdadas e inatas e que, neste sentido, a sociedade é um reflexo fiel da biologia” (GOULD 1999, p.4).

2 A Câmara de Apodi, na região Oeste potiguar, aprovou um projeto de lei que “proíbe atividades pedagógicas que

visem a reprodução de conceito de ideologia de gênero na grade de ensino da rede municipal e da rede privada”

da cidade. O texto foi a plenária, no dia 28 de novembro de 2019, e contou com votos favoráveis dos 13 vereadores da cidade. Em Apodi, a Câmara é formada por doze homens e uma mulher. Matéria do Portal de Notícias G1, do Rio Grande do Norte, Inter tv. Disponível em: https://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/vereadores-de- apodi-rn-aprovam-lei-que-proibe-discutir-ideologia-de-genero-em-ambiente-escolar.ghtml. Acesso em: 09 de mar. de 2020.

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Essa história3 considerada por muitos como marginal, por nós defendida e sobre a qual escrevemos, ainda é segregada, tendo em vista o teor do que se pesquisa e quem se dedica a estudá-la, nesse caso, mulheres buscando seu espaço, mostrando que as pessoas são mais do que um pênis ou uma vagina. Somos responsáveis pela construção da nossa história, buscando nos inserirmos num contexto do qual somos/fomos excluídas. Para isso, continuaremos a estudar, pesquisar, escrever, sobre a história das mulheres que se fazem presentes na nossa realidade. Como aborda Scott (1989, p. 05):

[...] Não foi suficiente para os (as) historiadores(as) das mulheres provar ou que as mulheres tiveram uma história ou que as mulheres participaram das mudanças políticas principais da civilização ocidental. No que diz respeito à história das mulheres, a reação da maioria dos(as) historiadores(as) não feministas foi o reconhecimento da história das mulheres para depois descartá-la ou colocá-la em um domínio separado (“as mulheres têm uma história separada da dos homens, portanto deixemos as feministas fazer a história das mulheres, que não nos concerne necessariamente” ou “a história das mulheres trata do sexo e da família e deveria ser feita separadamente da história política e econômica”).

Dentro do contexto estudado, é importante destacar que os estudos sobre gênero e história das mulheres não exigem uma investigação somente nas relações e experiências do feminino e do masculino que se sucederam no passado. Exige analisar como essas relações de poder ocorrem atualmente, e nas novas histórias que vão se bordando. A crueza da realidade e dos fatos que ocorrem todos os dias são respingos da história. Tanto tempo se passou e ainda estamos discutindo um assunto que soa como grito de exigência, de respeito para com as mulheres, com sua história com o seu próprio ser, que só de existir causa tamanha confusão, indignação para a sociedade masculinizada e heteronormativa 4.

Vivemos em uma sociedade cuja presença das mulheres incomoda, principalmente aquelas que subvertem aos padrões normativos. Algumas pessoas veem na nossa existência uma afronta. Afinal, o discurso ainda perdura de como uma mulher, negra, pobre, na academia, produz conhecimento científico em um espaço que fora criado para os homens? A constituição de novas histórias escritas por mulheres é, no mínimo, ofensiva para uma porção que se acha

3 Vale destacar o desafio que as mulheres encontram para realizar pesquisas com o tema em questão. Um desses desafios é o financiamento. Segundo Abrahão (2019), em matéria para UNB notícias, dos 15.161 pesquisadores brasileiros que recebem a bolsa de produtividade em pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), paga aos cientistas que mais se destacam em suas áreas, 5.388 são mulheres (35,5% do total). Somos poucas também entre os pesquisadores seniores do órgão (que representam o mais alto grau na hierarquia), 42 de 161. Há áreas como engenharias, ciências agrárias e linguística, sem nenhuma mulher como pesquisadora sênior. A partir dos dados, podemos perceber a desigualdade e os percalços enfrentados pelas pesquisadoras. Disponível em: https://noticias.unb.br/artigos-main/2796-mais-mulheres-na-ciencia-um-desafio- de-todos-nos. Acesso em: 25 de abr. 2020.

4 De acordo com o dicionário, Priberam é o Conceito ou visão que estabelece como norma a heterossexualidade e a instituição de categorias distintas, rígidas e complementares de masculino e feminino. Disponível em:

https://dicionario.priberam.org/heteronormatividade. Acesso em: 25 abr. 2020.

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dona do poder e da verdade. Dentro dessa perspectiva, Scott (1989) questiona: como o gênero funciona nas relações sociais e humanas? Como o gênero dá um sentido à organização e à percepção do conhecimento histórico?

A autora supracitada vem dizer que essas respostas só serão possíveis na medida em que o gênero vai ser interpretado como uma categoria de análise. Muitas são as tentativas dos/as pesquisadores/as de teorizarem a respeito do gênero, essas discussões apresentam quase sempre uma visão limitada, tendo em vista a complexidade do tema. De acordo com a autora, exibem uma generalização simplória, isso significa dizer que se faz necessária uma análise mais crítica que desencadeará em uma visão alternativa, resultando numa escrita coerente. De acordo com Scott (1989, p. 07):

As abordagens utilizadas pela maioria dos (as) historiadores(as) se dividem em duas categorias distintas. A primeira é essencialmente descritiva, isto é, ela se refere à existência de fenômenos ou realidades sem interpretar, explicar ou atribuir uma causalidade. O segundo uso é de ordem causal, ele elabora teorias sobre a natureza dos fenômenos e das realidades, buscando entender como e porque aqueles tomam a forma que eles têm.

A discussão sobre gênero, aqui proposta, se concentra em mostrar a dimensão cultural e social na constituição das relações entre os gêneros. Acreditamos que as identidades de gênero são constituídas socialmente a partir das vivências dos sujeitos. Nesse sentido, é importante destacar que a discussão de gênero na perspectiva abordada visa fomentar o respeito e a equidade entre os gêneros.

É dentro dessas perspectivas que a pesquisa se justifica. Tendo em vista que vivemos em uma sociedade preconceituosa, machista. Alguns espaços e funções são majoritariamente ocupados por “homens”. Hirata e Kergoat (2007, p. 599) destacam que:

A divisão sexual do trabalho é a forma de divisão do trabalho social decorrente das relações sociais entre os sexos; mais do que isso, é um fator prioritário para a sobrevivência da relação social entre os sexos. Essa forma é modulada histórica e socialmente. Tem como características a designação prioritária dos homens à esfera produtiva e das mulheres à esfera reprodutiva e, simultaneamente, a apropriação pelos homens das funções com maior valor social adicionado (políticos, religiosos, militares etc.).

Porém, vale frisar que as mulheres estão se destacando no mercado de trabalho e ocupando cada vez mais espaço. Seja doméstico, administrativo, empresarial, educacional, informal, dentre outros.

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Como panorama geral das desigualdades de gênero no Brasil, explicitamos as estatísticas apresentadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)5:

Em 2018, as mulheres representavam 45,3% da força de trabalho, ganhavam 79.5%

do total do salário pago ao homem e tinham uma jornada semanal de trabalho menor em 4,8 horas, sem considerar o tempo dedicado a afazeres domésticos e cuidados de pessoas. Analisando a cor ou raça, a proporção de rendimento médio da mulher branca ocupada em relação ao do homem branco ocupado (76,2%) era menor que essa razão entre mulher e homem de cor preta ou parda (80,1%) (IBGE, 2019).

Percebemos que além da diferença de rendimento existente entre cor ou raça e gênero a desagregação simultânea do rendimento médio, por essas características (cor, raça, gênero), permaneceu mostrando que as mulheres, sejam elas brancas, pretas ou pardas, trabalham iguais aos homens e tanto as oportunidades quanto os salários são inferiores ao dos homens da mesma cor. Mediante ao contexto apresentado pelos autores destacamos em aspectos estatísticos que a mulher sofre com os reflexos do machismo. De acordo com Pinto6 (2019, p. 02), em matéria para a folha de São Paulo, a pesquisadora destaca que: [...] “a violência contra mulher aumentou cerca de 90%. Os índices de feminicídio de 2017 para 20197 aumentou de 61% para 76%. A maioria desse tipo de violência acontece em casa”.

Observamos que as mulheres não estão seguras, mesmo com uma lei que as apara, ainda não é suficiente, as mulheres continuam morrendo. A edição do Atlas da Violência (2019) indica que houve um crescimento dos homicídios femininos no Brasil com cerca de 13 assassinatos por dia. Ao todo, no ano de 2019 4.936 mulheres foram mortas, o maior número registrado desde 2007.

O Nordeste não está fora dessa realidade, e de acordo com o Atlas da Violência de 2019 podemos observar que:

Considerando o período decenal, Rio Grande do Norte apresentou o maior crescimento, com variação de 214,4% entre 2007 e 2017, seguido por Ceará (176,9%) e Sergipe (107,0%). Já no ano de 2017, o estado de Roraima respondeu pela maior taxa, com 10,6 mulheres vítimas de homicídio por grupo de 100 mil mulheres, índice

5Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística é responsável por retratar o Brasil com informações necessárias ao conhecimento de sua realidade e ao exercício da cidadania. Acessado em: 14 de Nov. 2019, disponível em:

https://www.ibge.gov.br/.

6 Matéria concedida pela pesquisadora Ana Estela de Sousa Pinto, ao Jornal eletrônico Folha de São Paulo.

Acessado em: 14 de Nov. 2019, disponível em: http://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2019/08/Lei- Maria-da-Penha-13-anos_-direito-de-viver-sem-viol%C3%AAncia-07_08_2019-Opini%C3%A3o-Folha.pdf

7 DE acordo com o site Agencia Brasil Durante o período de isolamento social e quarentena imposto pela pandemia, o índice de feminicídios aumentou 22,2% em 12 estados do Brasil. Nos meses de março e abril, o número de feminicídios subiu de 117 para 143. Segundo o relatório, o estado em que se observa o agravamento mais crítico é o Acre, onde o aumento foi de 300%. Na região, o total de casos passou de um para quatro ao longo do bimestre. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2020-06/casos-de- feminicidio-crescem-22-em-12-estados-durante-pandemia. Acesso em 05 de out de 2020.

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mais de duas vezes superior à média nacional (4,7). A lista das unidades federativas onde houve mais violência letal contra as mulheres é seguida por Acre, com taxa de 8,3 para cada 100 mil mulheres, Rio Grande do Norte, também com taxa de 8,3, Ceará, com taxa de 8,1, Goiás, com taxa de 7,6, Pará e Espírito Santo com taxas de 7,5 (ATLAS DA VIOLÊNCIA, 2019, p. 32)

No balanço anual do ligue 1808 observamos que foi recebido mais de 92 mil denúncias de violações contra mulheres:

No ano passado, o Sistema Integrado de Atendimento à Mulher registrou denúncias de ameaças (12.878), cárcere privado (3.065), feminicídio (63), tentativa de feminicídio (2.075), homicídio (44), tentativa de homicídio (308), trabalho escravo (6), tráfico de mulheres (105), violência no esporte (7), violência contra diversidade religiosa (3), violência doméstica e familiar (62.485), violência física (3.263), moral (2.320), obstétrica (75), policial (99), patrimonial (199), psicológica (3.209), sexual (2.317) e virtual (64).

É assustador o que vivem as mulheres, a forma como nos definem, nos rotulam e influenciam na forma como devemos conduzir nossas vidas; em muitas das vezes não nos dão o direito de escolha e ainda nos matam por isso. Vale frisar que grande parte dessas mulheres que morrem por consequência do machismo são negras.

Figura 1 - Dados: violência contra mulher.

Fonte: https://www.google.com/amp/s/www.sul21.com.br/opiniaopublica/2019/09/ta-la-um-corpo-estendido-no- chao-a-cada-duas-horas-uma-mulher-morre-no-brasil-por-luciane-toss/amp/.

[...] A taxa de homicídios de mulheres não negras teve crescimento de 1,6% entre 2007 e 2017, a taxa de homicídios de mulheres negras cresceu 29,9%. Em números

8 Dados encontrados no Balanço anual do Ligue 180. Disponível em: https://www.mdh.gov.br/todas-as- noticias/2019/agosto/balanco-anual-ligue-180-recebe-mais-de-92-mil-denuncias-de-violacoes-contra-mulheres.

Acesso em: 09 de mar. De 2020.

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absolutos a diferença é ainda mais brutal, já que entre não negras o crescimento é de 1,7% e entre mulheres negras de 60,5%. Considerando apenas o último ano disponível, a taxa de homicídios de mulheres não negras foi de 3,2 a cada 100 mil mulheres não negras, ao passo que entre as mulheres negras a taxa foi de 5,6 para cada 100 mil mulheres neste grupo (ATLAS DA VIOLÊNCIA, 2019, p. 32).

Destacamos a importância de tais informações para evidenciar o momento que estamos presenciando/vivenciando, esse fato é ocasionado, pelo preconceito entre os gêneros e acaba resultando nas mortes das “Marias” que acontecem todos os dias. Assim, entendemos que essa luta que nos faz enfrentar o preconceito e o ódio se faz presente em qualquer ato de resistência, até nessas linhas grafadas, para falar de desigualdades entre homens e mulheres.

Até mesmo as produções artísticas, alguns expressam machismo e objetificam o corpo da mulher. Porém, vale frisar que existem outras músicas, que nos enaltecem, e suas poesias tornam prazerosa a caminhada. Entendemos que essa poesia pode ser compreendida como um ato de resistência, sendo necessário fazer as discussões de gênero nos diversos espaços, em específico relacionadas ao papel da mulher na dimensão social. Como forma de proporcionar esses diálogos, esse trabalho foi escrito para falar de um assunto que desperta e mobiliza as reflexões discutidas anteriormente. Pois, de nada adiantaria essas linhas se não fossem com o intuito de afetar os sujeitos.

O objeto que escolhemos para promover essa reflexão foi o longa conhecido como “Jene Suis Pasun Homme Facile” (Não sou um homem Fácil). Lançado pela Netflix, na França, no ano de 2018, o filme foi dirigido por Eleonore Pourriat. A trama conta a história do personagem Damiem, um rapaz como a maioria dos homens, machista e preconceituoso. Um típico

“conquistador”, não perde a oportunidade de assediar mulheres que cruzam seu caminho.

Representante do “tipo ideal”, o perfil historicamente aplaudido por uma sociedade na qual as mulheres são tratadas como objetos sexuais.

No filme, caminhando pelas ruas de Paris, o protagonista dá uma “cantada” em duas mulheres e, em um lapso de distração, bate a cabeça em um poste e acorda em um mundo paralelo completamente diferente do qual vive. Nesse mundo os papeis são invertidos, as mulheres desempenham as funções normalmente atribuídas aos homens no mundo convencional, o da personagem Demien.

Poderíamos começar uma análise desse trecho descrito acima, relacionados aos papéis rotulados aos homens e as mulheres. Em um primeiro olhar, se percebe que ocorrem indícios da superação da visão preconceituosa atribuída às mulheres, pois se apresentam como protagonistas e não apenas como um sexo frágil. No entanto, ainda é perceptível a visão

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machista do sexo frágil, quando os homens desempenham as funções que as mulheres desenvolvem na nossa sociedade.

Nesse mundo fictício da trama as mulheres aparecem masculinizadas e gostam de cerveja, correm sem camisa e sem a preocupação de serem assediadas, além de traírem seus maridos sem se sentirem culpadas. Contudo, faz-se necessário mencionar que na nossa sociedade as mulheres que fazem as ações acima citadas são cobradas/punidas. Apesar de ser ficção, é perceptível uma dominação feminina. Não podemos deixar de mencionar que é uma trama de muitas nuances e novidades, um tom de comédia, provoca meditação e críticas. A trama aborda temas atuais, que são pertinentes aos estudos de gênero.

Percebemos com a história contada no filme as dificuldades de viver na sociedade em que vivemos. Não é fácil ser mulher em uma sociedade patriarcal.

Patriarcalismo pode ser definido como uma estrutura sobre as quais se assentam todas as sociedades contemporâneas. É caracterizado por uma autoridade imposta institucionalmente, do homem sobre mulheres e filhos no ambiente familiar, permeando toda organização da sociedade, da produção e do consumo, da política, a legislação e a cultura. Nesse sentido, o patriarcado funda a estrutura da sociedade e recebe reforço institucional, nesse contexto, relacionamentos interpessoais e personalidade são marcados pela dominação e violência (BARRETO, 2008, p. 64).

Mesmo em tempos em que o feminismo vem sendo discutido com mais assiduidade, é como se vivêssemos em guerra, lutando para salvar nossas vidas, lutando para continuarmos existindo. E o pior é que não sabemos o porquê termos de lutar simplesmente para nos mantermos vivas. O filme nos traz detalhes de um machismo atormentador, algumas cenas são marcantes, outras nos dão a sensação de estarmos levando um soco no estômago, de tão cruel a forma como somos tratadas.

Desde o momento que sabemos do nosso sexo biológico, já somos preparadas para vivermos o que os outros ditam. As dificuldades se multiplicam ao longo dos tempos. Quando Damien perde “os privilégios” de ter nascido homem, ele passa a entender como é ruim viver no lado “desprivilegiado”. Primeiramente algo simples, as roupas confortáveis e largas passaram a ser substituídas por peças curtas e extremamente apertadas. Dos saltos às bolsas, tudo faz parte de um mundo que para nós foi pensado. Porém, se faz necessário destacar que algumas mulheres gostam de estarem assim. Não podemos nem queremos demonizar os artefatos “femininos”.

É importante contextualizar que nem sempre as mulheres puderam usar as roupas citadas acima, em outras sociedades (oriental, ocidental) foram/são obrigadas a cobrirem o corpo para

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esconderem suas curvas. Isso se dá por diversos fatores, incluindo o religioso, que usa do poder de dominação para ditar regras para as mulheres e para os homens.

O contexto em que o filme foi escrito pode ser pensado, também, como uma quebra de tabu, quando a chefe de Damien exibe absorventes em cima da mesa, sem preocupação de mencionar o assunto “menstruação”, algo que ainda é muito raro de ser discutido pela sociedade. Outro caso emblemático é quando Alexandra, a protagonista, oferece uma oportunidade de trabalho para Damien em troca de favores sexuais. Essa cena nos faz (re) viver o que tantas mulheres passam em seu ambiente de trabalho, por meio dos constantes assédios sexuais.

A obra claramente nos mostra uma profícua desigualdade de gênero. Observamos isso a partir das ideias construídas tendo como base as leituras desenvolvidas. É possível perceber a desigualdade sexual e a diferença entre homens e mulheres, destacando como principal causa o machismo. Segundo Tenorio (2019, p. 07):

O machismo é o preconceito que exerce uma função social de dominação dos homens sobre as mulheres, inferiorizando-as com a finalidade de controlar comportamentos e subjugar sua existência, para que a apropriação do tempo, do corpo e do trabalho delas seja mais eficaz e lucrativa nessa sociedade.

Pode-se compreender esse machismo como sendo um comportamento construído ao longo da história e mantido até os dias atuais. Para tanto, a escolha do filme se deu por acreditar que o machismo e as relações hierárquicas de gênero aparecem repetidamente. Com isso vimos a oportunidade de construir um trabalho reflexivo para os leitores/as, tendo como principal objetivo analisar as representações de gênero no filme citado acima.

1.3 Temas referenciais que norteiam a pesquisa: representações, interpretações e identidade

Podemos destacar que essa representação também está ligada às questões de identidade.

Tendo em vista que os meios midiáticos são responsáveis por comercializar identidades as quais as pessoas deveriam se apropriar.

Falar sobre gênero é também falar sobre identidades, fazer a costura entre esses temas nos possibilita uma melhor compreensão do que está sendo dito. Alguns autores/as, a exemplo de Hall (2006), Silva (2000), dentre outros, destacam que ao discutirmos sobre identidade estaremos nos referindo a uma representação, tendo em vista que faz parte de um processo de (re)significação de si e do outro. Trata-se, contudo, de uma construção que faz parte de um

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discurso contínuo. Essa constituição é desenvolvida a partir das relações sociais que se forjam ao longo do tempo.

Partimos do pressuposto de que as identidades não são fixas, nem essencialistas, estão em constante transformação. Essa transformação se dá através da temporalidade na qual os sujeitos estão inseridos. O que estamos observando é o modo como a identidade vem sendo imaginada a partir dos cenários culturais das novas configurações presentes em um novo contexto político, econômico e social que vão demandando um estudo por parte das ciências que seja capaz de estabelecer uma compreensão acerca das reconfigurações presentes nos dias atuais. Segundo Hall (2006, p. 9):

Um tipo diferente de mudança estrutural está transformando as sociedades modernas no final do Séc. XX. Isso está fragmentando as paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, que, no passado, nos tinham fornecido sólidas localizações como indivíduos sociais.

Esses processos identitários se constituem a partir das mudanças que ocorrem no mundo, a naturalização de um sujeito pronto e acabado vem sendo repensada, tendo em vista que os processos de subjetivação corroboram para a criação de um novo sujeito que está sob a influência de uma constante mudança. Assim, percebemos as relações de gênero, algo constitutivo, desenraizado, moldado e repensado todos os dias.

Para Bauman (2005), a noção de que não há mais um “estar em casa” significa o sujeito essencialista definitivo, acabado. Para o autor, todo lugar vai poder abrigar esse sujeito desenraizado. Esse processo obviamente acarreta algumas consequências: a “aceitação” dessa concepção nos leva a acreditar que nenhum sujeito vai estar totalmente em “casa”, em um lugar determinado. Todo lugar é seu, todo lugar é adaptável e pode ser ressignificado a sua forma.

Para tanto, fazendo uma relação entre identidade e gênero, percebemos que ambos estão intrinsecamente ligados.

As discussões de gênero surgem como importante reflexão para o feminismo na luta contra o patriarcado. Simone de Beauvoir (1967) vem afirmar que ninguém nasce mulher, mas torna-se mulher. Ao ser objetiva em sua afirmação ela tem a intenção de romper com o pensamento cartesiano e pragmático do século XIX, que usava a biologia para explicar a inferiorização do sexo feminino, consequentemente corrobora com a luta contra as desigualdades sociais entre os gêneros. Partilhando das concepções da autora, acreditamos que

“ser mulher” é uma construção social e cultural. A autora ainda declara que ambos os sexos são vítimas de uma distinção forjada socialmente para não se reconhecerem como semelhantes.

Para Beauvoir (1967, p. 01):

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Os dois sexos são vítimas ao mesmo tempo do outro e de si. Perpetuar-se-á o inglório duelo em que se empenham enquanto homens e mulheres não se reconhecerem como semelhantes, enquanto persistir o mito do "eterno feminino". Libertada a mulher, libertar-se-á também o homem da opressão que para ela forjou; e entre dois adversários enfrentando-se em sua pura liberdade, fácil será encontrar um acordo.

Contudo, entendemos essa construção sendo também parte de uma representação, pois como destaca Pierre Bourdieu (2012), o entendimento das representações sociais parte das influências das ideias, valores, crenças e ideologias que vão se constituindo ao longo de nossa trajetória em sociedade, e que se manifestam a partir da linguagem que utilizamos para nos comunicar, se constituem também nas concepções que circulam entre os sujeitos sociais, configurando-se como algo subjetivo que é interpretado a nossa maneira.

Essas representações não surgem de qualquer forma, possuem uma história. Embora tenham sido concebidas no nosso inconsciente e sofram influência de representações já existentes dos tempos de outrora, quando operamos sobre algo, nos relacionamos com os outros sujeitos, temos a habilidade de (re)formular as nossas próprias representações sobre determinado fato e assim nortear nossas percepções particulares sobre a realidade e as decisões que aceitamos, como afirma Chartier (1990, p. 17):

As representações do mundo social assim construídas, embora aspirem à universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre determinadas pelos interesses de grupo que as forjam. Daí, para cada caso, o necessário relacionamento dos discursos proferidos com a posição de quem os utiliza. (...) As percepções do social não são de forma alguma discursos neutros: produzem estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que tendem a impor uma autoridade à custa de outros, por elas menosprezados, a legitimar um projeto reformador ou a justificar, para os próprios indivíduos, as suas escolhas e condutas.

Essas representações sociais podem ser entendidas como influenciadoras no que diz respeito às posições sociais que adotamos na camada hierárquica existente em nossa sociedade.

Dessa maneira, vamos constituindo nossas representações para que dialoguem com os nossos interesses, vinculando-se ao lugar onde estamos inseridos social e culturalmente(CHARTIER, 1990). Com isso, propomo-nos a desconstruir algumas representações já fomentadas sobre as mulheres, ou sobre os gêneros. Vale frisar que as mulheres são sujeitas de sua própria história.

São as protagonistas de suas lutas. Que durante muito tempo foram fomentadas historicamente por homens. Um público que durante muito tempo as coisificou.

As representações podem também ser consideradas como esteio de fomentação de preconceitos edificados a partir da percepção do outro. Agrupamos esses esquemas de

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entendimento através do aprendizado adquirido, dos valores e ideias expressas pelas culturas com as quais convivemos desde sempre.

Essa representação nos faz, muitas vezes, formular algumas concepções sobre gênero.

Nesse trabalho, discutimos gênero para fomentar a valorização das mulheres e mostrar que não queremos ser iguais, queremos manter nossa singularidade, porém, queremos exercer o direito à equidade. Essa discussão nos faz destacar que o olhar sobre o corpo feminino foi submetido aos padrões impostos pela sociedade também são uma forma de representação, consumida de forma inconsciente ou não.

Assim como é verdadeiro o fato de que todas as mulheres estão, de algum modo, sujeitas ao peso da discriminação de gênero, também é verdade que outros fatores relacionados a suas identidades sociais, tais como classe, casta, raça, cor, etnia, religião, origem nacional e orientação sexual, são diferenças que fazem diferença’ na forma como vários grupos de mulheres vivenciam a discriminação. Tais elementos diferenciais podem criar problemas e vulnerabilidades exclusivos de subgrupos específicos de mulheres, ou que afetem desproporcionalmente apenas algumas mulheres (CRENSHAW, 2002, p. 173).

Essas identidades fazem parte de uma realidade constante, estamos a todo tempo sendo impostas a algo, assumindo identidades que não nos pertencem para satisfazer o outro, vivemos uma guerra com a balança, com o espelho, com o cabelo, nos apresentaram uma representação da mulher perfeita. Mas nos questionamos, o que seria essa mulher perfeita? Magra, branca, olhos azuis e cabelos loiros? Vale frisar que as características apreciadas nas mulheres, desde o período moderno, envolvem uma aparência aproximada aos padrões europeus, nos levando a compreender que essa forma estabelecida de racismo está intricadamente ligada ao modelo eurocêntrico, fugindo da realidade de muitas outras nações.

Para nós, a definição de mulher perfeita se norteia a partir da concepção de que ela seja feliz de acordo com o que ela achar melhor. Porém, são fortes os julgamentos, o preconceito e amarras sociais, é uma tentativa da dominação masculina sobre as mulheres. Sobre isso, Bourdieu (2012, p. 10) destaca que:

[...] Sempre vi na dominação masculina, e no modo como é imposta e vivenciada, o exemplo por excelência desta submissão paradoxal, resultante daquilo que eu chamo de violência simbólica, violência suave, insensível, invisível a suas próprias vítimas, que se exerce essencialmente pelas vias puramente simbólicas da comunicação e do conhecimento, ou mais precisamente, do desconhecimento, do reconhecimento ou, em última instância, do sentimento.

O que está em questão são as relações de poder expressas através de variadas formas, a constituição de identidades, as discussões de gênero, as representações, tudo está imbricado para quem detém o poder.

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Uma identidade é uma representação, a qual define a ideia e sentimento de pertença a um grupo. Dessa forma, é, ao mesmo tempo, sentimento e ideia, é sentida e pensada enquanto formulação de uma imagem de si mesma, ou seja, como representação. A constituição da identidade é um processo por meio do qual o indivíduo situa-se enquanto indivíduo e enquanto ser social, ou seja, é um processo em que o indivíduo determina quem ele é em relação aos diversos grupos que estão presentes em seu imaginário. É o processo de representação de quem é o eu e de quem é o outro (KERBER, 2002, p. 10).

A representação da realidade e da constituição de identidades se alterna na realidade dos aspectos a serem produzidos sobre as imaginações e as práticas dos agentes. As classificações práticas estão subordinadas a funções práticas e orientadas para a produção de efeitos sociais.

As discussões sobre representação, identidade e gênero no Brasil são constituídas por homens e mulheres enquanto atores sociais. O entendimento de gênero é estabelecido com relação à distinção de sexo, a qual indica uma construção cultural historicamente estabelecida ao longo do desenvolvimento social em que vão se formulando os papéis masculinos e femininos, e a partir destes vão se configurando personalidades, orientações sexuais, aparência física dos sujeitos.

Ao falarmos sobre as identidades dos homens e das mulheres, promovemos uma reflexão sobre a estruturação identitária cultural de gêneros, algo que gira em torno das estruturas de produção e reprodução que durante tempos nos sãos impostos, sobre as quais as sociedades historicamente se estabeleceram.

A sociedade tende a uniformizar o sujeito, as pessoas vivem à sua maneira, ou seja, sua singularidade. Cabe a nós romper com esses paradigmas de padronização e buscarmos entender a complexidade de cada indivíduo. É de suma importância destacar que a identidade de gênero é diferente da orientação sexual. De acordo com Jesus (2012) gênero se refere a formas de se identificar e ser identificada como homem ou mulher. Orientação sexual se refere à atração afetivo sexual por alguém de algum/ns gênero/s. Uma dimensão não depende da outra, não há uma norma de orientação sexual em função do gênero das pessoas, assim, nem todo homem e mulher é “naturalmente” heterossexual.

A discussão sobre as identidades e gênero está para além do que se configura homem/mulher. Tomando como base o que estamos discutindo, podemos dizer que o ser humano nasce com características biológicas identificadas como sexo masculino ou feminino, tomando como base os órgãos sexuais, além de cromossomos, hormônios com os quais se nasce.

No entanto, o sexo não determina por si só a identidade dos sujeitos.

É preciso lembrar ainda que os homens também sofrem os efeitos do machismo: não pode chorar, não pode “fraquejar”, tem que dar conta de suas “responsabilidades” etc. Bourdieu

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(2012) destaca que é preciso defender as mulheres para que os homens escapem do peso de oprimi-las. Ambos se beneficiam com a luta em prol do reconhecimento, valorização e respeito entre os gêneros.

Destacamos que as identidades são particularidades basilares da sua experiência humana, pois possibilitam a sua constituição como sujeito no meio social. O gênero refere-se à identidade a qual os sujeitos se identificam ou se auto afirmam independente do sexo biológico com o qual tenham nascido. Está relacionado ao papel que os indivíduos se relacionam e se reconhecem. Dessa forma, essas identidades seriam consideradas como um acontecimento social, cultural e não biológico.

Quando Beauvoir (1967) fala que ninguém nasce mulher, torna-se, pensamos em todas as imposições que nos são colocadas desde o momento em que se descobre que a mãe carrega no ventre uma menina, já somos rotuladas antes mesmo de nascer. De início, o enxoval cor de rosa, laços, bonecas, prepara-se todo o ritual para a chegada da menina. Ao nascer, e com o passar do tempo, vamos sendo moldadas, preparadas para receber o marido, não se pode, em hipótese alguma, ousar desrespeitar a autoridade masculina, e assim acontece geração após geração:

A hierarquia dos sexos manifesta-se a ela primeiramente na experiência familiar;

compreende pouco a pouco que, se a autoridade do pai não é a que se faz sentir mais quotidianamente, é, entretanto, a mais soberana; reveste-se ainda de mais brilho pelo fato de não ser vulgarizada; mesmo se, na realidade, é a mulher que reina soberanamente em casa, tem ela, em geral, a habilidade de pôr à frente a vontade do pai; nos momentos importantes é em nome dele que ela exige, recompensa ou pune (BEAUVOIR, 1967, p. 28)

Quando, enfim, a mulher percebe que está sendo subjugada e se encoraja a romper com os paradigmas de submissão é considerada louca, afrontosa, histérica, atrevida. Passamos sim a afrontar aqueles que nos dizem o que fazer, não aceitamos mais a subordinação, queremos respeito e reconhecimento e não aceitamos sermos tratadas como coisas.

Dentro desse contexto precisamos destacar a importância de termos cuidado quando fizermos a análise das cenas fílmicas para observar com cautela como está representada a imagem da mulher, para não correr o risco de fazermos um juízo de valor e assim fazermos um pré-julgamento, enfatizando assim a responsabilidade ética da pesquisa.

O cuidado está em torno dos meios que articulam o discurso sobre o feminino, para não fundar indicadores de representações distorcidos, baseando-se em uma ideia pré-concebida sobre a representação feminina na nossa sociedade, que pode ser exibida no filme que será analisado. Na visão de Bourdieu (1998), a leitura pode ser suprida por palavras, as quais

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expressam o consumo cultural. Leitura essa que não se resume somente a textos, mas também a imagens, gestos, cenas.

Na nossa posição de leitores/as espectadores/as ousamos correr o risco de colocar nossas análises em cheque. Partimos do pressuposto de ressignificar um discurso que já fora dito a nossa forma. A análise das cenas fílmicas nos possibilitará lançar um novo olhar sobre determinados fatos. Um olhar nosso, construído a partir das nossas representações, do que nos foi colocado e consequentemente visto, como destaca Chartier (1988, p. 26), “a apropriação, tal como a entendemos, tem por objetivo uma história social das interpretações, remetidas para as suas determinações fundamentais (que são sociais, institucionais, culturais) e inscritas nas práticas específicas que as produzem”.

Compartilhando da ideia do autor, observamos que as representação e apropriações aparentemente se apresentam no cerne de uma constelação de rudimentos e considerações um tanto quanto variadas como, por exemplo, o nosso imaginário, ideologia, utopias e memórias (CHARTIER, 1988), tendo em vista que permeia um campo relativamente subjetivo. De acordo com o dicionário Priberam “representação” vem do latim “representar”, ou seja, fazer presente ou apresentar de novo, as relações entre as coisas.

Nesse contexto analisado, a figura da mulher aparece desenvolvendo práticas libertadoras, a depender do ponto de vista pode vir a mudar a realidade destas. As leituras desenvolvidas de determinados fatos podem ser compreendidas como algo para além da passividade que lhe foi atribuída. Ler, olhar ou escutar não são, efetivamente, só um acúmulo de atividades. Isso é explícito quando a mesma leitura gera interpretações, sentimentos diferenciados sobre o tema, a partir das identidades, está em questão um conjunto de subjetividades e crenças, dando uma conotação diferenciada sobre o que está sendo observado.

Segundo Chartier (1988, p. 59), a leitura de algo “[...] permitem na verdade a reapropriação, o desvio, a desconfiança ou resistência”, de algo imposto pela sociedade. Nesse sentido, um novo olhar se incumbirá de uma função social no qual os significados, e sugestões, permitiram-nos um convite ao estudo, à interpretação e reinterpretação.

Ou seja, a identidade das obras e a sua materialidade são asseguradas pelas variadas formas ilustradas no mundo. Contudo, podemos dizer que vemos um desenho nosso, e interpretamos à nossa maneira. Porém, ele destaca que o mundo está para além das nossas representações. A partir dessa afirmação, o “mundo como representação” construída nessa vertente não pode tornar-se unitário e sistêmico (CHARTIER, 1991, p. 19).

Tendo em vista as outras culturas existentes, há a necessidade do respeito para com a visão do outro, porém, esse respeito não quer dizer passividade, em outras palavras, não

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significa dizer que devemos aceitar tudo aquilo dito pelo outro sem questionarmos, ou provocarmos uma reflexão sobre o discurso do outro.

Pretendemos destacar, com a análise do filme, a nossa visão, o nosso entendimento, e assim nos posicionarmos a partir das nossas percepções. Obviamente, partiremos dos preceitos éticos, respeitando o posicionamento das pessoas que escreveram o filme e as questões nele abordadas, pois, como citado, as representações são singulares e particulares e coletivas. Isso significa dizer que a obra em exibição faz parte de um conjunto de ideologias culturais nas quais estão imersas os/as escritores/as. Para Geertz (1989, p. 24);

A cultura não é um poder, algo ao qual podem ser atribuídos casualmente os acontecimentos sociais, os comportamentos, as instituições ou os processos; ela é um contexto, algo dentro do qual eles podem ser descritos de forma inteligível, isto é, descritos com densidade.

Partindo da ideia de Chartier (1990), o que ocorre no filme é um assunto emergente, o qual diz respeito às discussões de gênero e a representação da mulher na sociedade. Entendemos as representações como sendo modificáveis, de acordo com as disposições das pessoas, grupos ou classes sociais ambicionam a universalidade, porém, são movidos pelos interesses daqueles que as tecem estando o poder sempre presente em qualquer esfera. Não podemos deixar de mencionar que a mídia tem espaço de representação muito forte, incidindo diretamente na vida das pessoas. É necessário que esses sujeitos desenvolvam uma reflexão, questionem o que está sendo dito a partir da leitura, de um determinado contexto.

É preciso considerar também que a leitura é sempre uma prática encarnada em gestos, espaços, hábitos. Longe de uma fenomenologia da leitura que apague todas as modalidades concretas do ato de ler e o caracterize por seus efeitos, postulados como universais, uma história das maneiras de ler deve identificar as disposições específicas que distinguem as comunidades de leitores e as tradições de leitura (CHARTIER, 1991, p. 178).

Chartier (1991) parte do pressuposto de que o exercício da escrita vivencia uma constante mutação, tendo como influenciador os progressos tecnológicos, que transformam os suportes da escrita, suas técnicas de representação, afetando a maneira de ler ou como os/as leitores/as interpretam. O cinema é uma dessas fontes tecnológicas que apresentam constantemente novas leituras aos sujeitos.

O autor frisa como os meios tecnológicos, ou a leitura através da tela torna-se descontínua, segmentada, mais relacionada com o fragmento do que com a totalidade. No entanto, faz algumas interrogações, se isso não seria também uma herança direta das práticas estimuladas e permitidas pelo códice, no qual “convida a comparar diferentes passagens, como

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pregava a Bíblia, ou a extrair e copiar citações e sentenças, como queria a técnica humanista”

(CHARTIER, 2010, p. 23). Nesse sentido, se faz necessário conhecer o que dizem os conceitos e as propriedades das obras num mundo de textos e leituras móveis, no qual cada pessoa representa a sua forma, dentro dessa mutação de ideias e ressignificação como conservar algo, como nesse processo podemos reconhecer uma ordem do discurso.

Como saber se o que foi falado é verídico, ou relevante, em um meio que todos transitam e tornam-se pensantes, ou donos de suas próprias interpretações? Diante dessa questão, será fundamental analisar cuidadosamente a obra para podermos a partir da apropriação de determinados conceitos tecer um diálogo com teóricos, nos possibilitando representar a partir de textos escritos a nossa compreensão sobre o que está sendo discutido, fazendo partilha do pensamento de Chartier (1991, p. 178):

Daí a atenção voltada para a matéria com que se opera o encontro entre "o mundo do texto" e o "mundo do leitor" [...] A primeira hipótese sustenta a operação de construção de sentido efetuada na leitura (ou na escuta) como um processo historicamente determinado cujos modos e modelos variam de acordo com os tempos, os lugares, as comunidades. A segunda considera que as significações múltiplas e móveis de um texto dependem das formas por meio das quais é recebido por seus leitores (ou ouvintes).

O/a pesquisador/a se coloca, como destaca Albuquerque Jr. (2009), como um tecelão, que vai moldando a obra e dando um novo desenho a partir do que já fora dito, reunindo fatos, construindo uma história que será (re)escrita por ele/a a partir de uma outra perspectiva, para assim ser interpretada de outras formas por outros sujeitos. Consideramos que o pensamento do autor se configura como um dispositivo de controle da proliferação dos discursos, porém acreditamos que este não se constitui sozinho. Nas suas escritas há um universo facilitando (ou não) os caminhos para chegar a tal conclusão sobre algo.

Chartier (1991) relaciona os discursos do saber e da ficção às práticas de leitura e escrita.

Tornam-se possíveis a partir do momento em que o/a pesquisador/a se debruça sobre o seu objeto de estudo. Consideramos importante estudar os fatos dando força ao encantamento das palavras para a escrita dos textos. Essa noção a percepção de Chartier (1991) sobre a representações, as quais possuem característica própria convencendo que o mundo não é exatamente como dizem que é. Para tanto, estudar a história da cultura escrita dando-lhe por pedra angular a história das representações e apropriações, seria, portanto, relacionar o poder dos escritos lidos, ouvidos e vistos.

É importante apontar para os/as leitores/as essa apropriação dos sujeitos sobre determinados assuntos. Para isso, como destaca Chartier (2010, p. 07) “[...] é necessário escutar

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com os olhos, abordá-los com a lucidez e constituir uma criticidade, para com o que foi/é dito por meio do discurso”. Seja ele escrito nos livros, falados nos filmes ou representados de alguma forma.

Dentro desse contexto de novas propostas de pesquisas surge à emergência de discussão do conceito de gênero como uma categoria útil de análise de Joan Scott (1989) que tem possibilitado a visibilidade e importância do papel da mulher no meio social. As leituras nos possibilitaram identificar que durante muito tempo definições dos sujeitos se deram a partir da noção de sexo biológico. Corroborando com o fato de que a história foi escrita e narrada por homens.

O termo “Gênero” tem variada definição, podendo ser utilizado para distintas atribuições em variados campos do conhecimento, o que nos permite defini-lo como conceito e categoria de análise. Mediante a esses aspectos, essa construção conceitual pode ser utilizada para instituir valores e atributos no reino humano, no reino vegetal e animal.

A terminologia “gênero” pode, em algumas circunstâncias, significar para as Ciências Naturais: espécie, grupo de plantas, animais, matéria, evento que se usa ou se consome. Já para as Ciências Humanas e sociais diz respeito a processos de constituição cultural dos aspectos que tangem a masculinidade e feminilidade, ou seja, as diferenças sexuais. E é o que nos interessa discutir, as diferentes formas de existência humana.

Vale ressaltar que as discussões da categoria gênero surgem no contexto histórico como reivindicação do movimento feminista. Este surge nos anos de 1960, tendo como principal reivindicação a liberdade das mulheres. Um assunto que vem ganhando visibilidade principalmente no âmbito acadêmico. Nesse sentido, se faz necessário pontuar a utilização do conceito de gênero formulado por Scott (1990), que o entende como um elemento constitutivo de relações sociais. A autora destaca que as pessoas, tanto o “homem quanto a mulher”, se constituem culturalmente, o sexo biológico não deveria interferir em quem a pessoa deseja se tornar.

Partimos do pressuposto de que estudar gênero é uma forma de buscar compreender as relações sociais tendo como marcadores os conceitos, representações e práticas desenvolvidas pelos sujeitos, relacionando como se constroem as relações entre as pessoas, independentemente do sexo e da classe social. Para dialogar com Scott (1990), destacamos a fala de Louro (1992, p. 57):

Gênero, bem como a classe, não é uma categoria pronta e estática. Ainda que sejam de naturezas diferentes e tenham especificidade própria, ambas as categorias partilham das características de serem dinâmicas, de serem construídas e passiveis de transformação. Gênero e classe não são também elementos impostos unilateralmente

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