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O QUE IMPEDE A BOA FORMAÇÃO DE SENTENÇAS COM NÃO E TODO?

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Academic year: 2022

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O QUE IMPEDE A BOA FORMAÇÃO DE SENTENÇAS COM “NÃO” E “TODO”?

Ana Paula Quadros Gomes – DL/FFLCH/USP/CNPq

As relações de escopo variam nas línguas naturais. Nas germânicas (1), a interação entre universais e negação gera ambiguidade ; nas românicas (2), ou de concordância negativa, o universal sempre tem escopo sobre a negação . Em português (3), é desviante:

(1) Every student didn’t read a book. (">Ø)/ (Ø>")

(2) Tutti gli studenti non hanno letto il libro. (">Ø)/*(Ø>") (3) Todos os alunos (*não) leram o livro. *(">Ø)/*(Ø>")

A sentença (1) tanto pode descrever uma situação em que, para cada aluno de certa classe, há um livro que ele não leu (">Ø), quanto pode descrever uma situação em que determinado livro, digamos,

“The History of Negation”, foi lido por alguns alunos, mas não por todos (Ø>"). A sentença em italiano (2) só pode significar que ninguém leu o livro (">Ø). Em português, uma língua também românica e de concordância negativa, era de se esperar que (3) não pudesse apresentar escopo da negação sobre o universal, o que abole a leitura “não foram todos os alunos que leram o livro” para (3); mas é intrigante que (3) não seja um modo natural ou neutro de expressar a idéia de que “ninguém da tal classe leu o livro”. Por que o português não se comporta como o italiano? Para ilustrar a peculiaridade do PB de uma outra forma, por que o conceito entre parênteses não é bem construído com “todo” e “não” em (4/5/6)?

(4) *Todo gato não late. (Nenhum gato late) (">Ø) (5) *Todo cão não late. (Nem todo cão late) (Ø>")

(6) *Todo ser humano não é perfeito. (Todo ser humano é imperfeito) (">Ø)

Se vamos investigar a co-ocorrência de “todo” e de “não” na sentença, ou que impedimentos há para essa co-ocorrência, há que apontar uma assimetria entre “todo” em posição de sujeito e de objeto, quanto à negação, e explicá-la. Parece que, numa sentença com “não”, faz diferença que a descrição definida (DD) modificada por “todo” seja o sujeito (7) ou o objeto direto (8):

(7) Todos os operários (*não) derrubaram árvores/ Nem todos os operários derrubaram árvores. (“todo” sujeito = nem)

(8) Os operários não derrubaram todas as árvores/ Os operários derrubaram (*nem) todas as árvores. (“todo” objeto = não)

Por que “todo” + DD em posição de objeto direto de uma sentença com “não” soa como uma construção perfeita (8), e, em contraste, “todo” + DD como sujeito de uma sentença com “não” soa tão pouco natural (7)? Inversamente, “nem” pode preceder “todo” + DD em posição de sujeito (7), mas não pode preceder “todo” + DD em posição de objeto. É importante notar que tanto na boa versão de (7), com

“nem todos”, quanto na boa versão de (8), com “não” e “todo” + DD em posição de sujeito, a negação tem escopo sobre o universal (Ø>"), gerando, para (7), a leitura de que há operários que derrubaram árvores e há aqueles operários que não o fizeram, e, para (8), a leitura de que os operários derrubaram algumas árvores, mas não todas elas. O que não surge naturalmente em PB com a co-ocorrência de “todo” e da negação, seja “nem” ou “não”, é exatamente a única leitura identificada para o italiano, aquela em que o universal tem escopo sobre a negação (">Ø). Não é natural expressar com (7) a idéia de que nenhum operário derrubou árvores, nem é natural usar (8) para comunicar que nenhuma das árvores foi derrubada.

O PB está na contramão das línguas românicas ou de concordância negativa, então: a interação entre o

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universal “todo” e a negação, em PB, abole exatamente a única relação de escopo atestada para o italiano, apresentando precisamente a que não ocorre em (2). Quanto à associação de “nem” a uma posição sintática de “todo”, e de “não” a uma outra, é possível sustentar apenas que “nem” só modifique “todo”

em posição de sujeito. Porém, é falso que a co-ocorrência de “não” com “todo” dependa da posição sintática do universal; é a forma lógica que explica os dados, como vemos em (9/10/11):

(9) Todos [restriçãoos operários] [escopo nuclear(*não) derrubaram árvores] (= 7) (10) [escoponuclearOs operários não derrubaram] todas[restriçãoas árvores] (= 8)

(11) Todos [restriçãoos operários que não receberam o treinamento do Ibama] [escopo nuclearderrubaram árvores] (uma variação de 7)

A sentença (11) é perfeita, embora traga “todo” + DD em posição de sujeito e “não”, o que esvazia a hipótese de que o problema seja a posição sintática de “todo”. Os exemplos de (9) a (11) exploram uma explicação alternativa. Se associarmos uma forma lógica tripartite ao quantificador universal, à moda de Lewis, como Partee (1995) defende, cada sentença com “todo” passa a ser composta de três partes: o quantificador, a restrição do quantificador e o escopo nuclear do quantificador. Examinado-se (9/10/11), verifica-se que “não” é inadmissível no escopo nuclear de “todo”, mas pode figurar na restrição do quantificador. Os dados de (9) a (11) situam “todo” na descrição típica de quantificadores generalizados com acarretamento positivo (upward entailment) para o escopo nuclear, e com acarretamento negativo (downward entailment) para a restrição. O testes para acarretamento positivo estão em (12/13). “Os operários” pertencem ao conjunto dos “trabalhadores”, mas o fato de “todos os operários” terem feito algo não acarreta que “todos os trabalhadores” tenham feito isso (12); mas, se for verdade que “todos os operários” derrubaram árvores ontem de manhã, será necessariamente verdade que “todos os operários”

derrubaram árvores ontem (13); como “ontem de manhã” é um subconjunto de “ontem”, o VP no escopo nuclear apresenta acarretamento positivo. O testes para acarretamento negativo estão em (14/15). De

“todos os operários derrubaram árvores”, segue que “todos os operários loiros derrubaram árvores” (14), o que mostra acarretamento negativo para a restrição de “todo”, visto que “todos os operários loiros” é um subconjunto de “todos os operários”. Por outro lado, a primeira sentença em (15) não acarreta a segunda;

visto que é possível que parte das árvores tenham sido derrubadas ontem à tarde.

(12) Todos os operários derrubaram árvores. =/=> Todos os trabalhadores derrubaram árvores.

(não há acarretamento positivo para a restrição)

(13) Todos os operários derrubaram árvores ontem de manhã. ==> Todos os trabalhadores derrubaram árvores ontem. (há acarretamento positivo para o escopo nuclear)

(14) Todos os operários derrubaram árvores. ==> Todos os operários loiros derrubaram árvores.

(há acarretamento negativo para a restrição)

(15) Todos os operários derrubaram árvores ontem. =/=> Todos os operários derrubaram árvores ontem de manhã. (não há acarretamento negativo para a restrição)

Constatamos que “não” pode aparecer na restrição de “todo”, mas não em seu escopo nuclear, porque “todo” é um quantificador de acarretamento negativo para sua restrição e de acarretamento positivo para seu escopo nuclear.

Quanto à assimetria entre as posições sintáticas de “todo” + DD e o licenciamento de “nem”, algo mais precisa ser dito. Se considerarmos sentenças sem “todo”, “nem” pode figurar tanto antecedendo a DDs sujeito (16) quanto antecedendo a DDs objeto (17), embora “nem” esteja mais para um modificador de escala que para um modificador nominal. Por exemplo, (16) significa que ninguém derrubou as árvores; embora os operários fossem os mais equipados entre os diversos grupos que tentaram derrubá-las, mesmo eles não tiveram sucesso. A escala em (16) ordena os indivíduos que se dispuseram a derrubar aquelas árvores, talvez do menos ao mais capaz, e “os operários” aparece como o grupo com a maior capacidade. A escala em (17) ordena as tarefas dos operários por certo critério, talvez por dificuldade. “As árvores” é a coisa mais fácil de uma série de itens a serem derrubados; (17) diz que os operários sequer

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conseguiram realizar essa tarefa; portanto, outras tarefas, mais difíceis de executar, também ficaram em aberto. De qualquer modo, a sentença (16) prescinde de “não”, contrastando com (17), em que “nem”

dentro do VP só é licenciado no domínio de “não”.

(16) Nem (mesmo) os operários derrubaram as árvores. (“nem”+ DD sujeito)

(17) Os operários não derrubaram nem as árvores. (licenciamento de “nem” por “não”) (18) Nem todos os operários derrubaram árvores. (“todo”+ DD sujeito)

(19) *Os operários não derrubaram nem todas as árvores. (“todo”+ DD objeto )

Quando comparamos (16) a (18), vemos que “nem” está modificando tipos distintos de escala em cada sentença. Em (16) não ocorreu o evento de derrubar as árvores; em (18), árvores foram derrubadas, mas por alguns operários, não pela totalidade deles. Se em (16) “os operários” estão marcando o extremo de uma escala de derrubadores de árvores que fracassaram, em (18) “nem” desfaz a afirmação de que a cardinalidade máxima de “os operários” participou do evento de derrubada das árvores: em virtude da modificação por “nem”, o grau de participação dos operários no evento deixa de ser o máximo.

Em (16/17) “nem” introduz a escala; em (16), “nem” é a única fonte da negação de existência do evento. Em (17), “não” nega a existência do evento e “nem” instaura a escala. Em (18), é “todo” que marca o grau máximo de uma escala, ao estabelecer a participação da soma máxima de operários no evento; “nem” opera sobre essa escala, “desmarcando” o grau máximo; em (18), “nem” não nega a existência do evento, como negava em (16).

Uma comparação ainda mais interessante é a entre os dados (17) e (19). Antecedendo a DD em posição de objeto, o licenciamento de “nem”, como o de qualquer item de polaridade negativa, ou de qualquer indefinido negativo, requer estar sob o escopo de “não” (17). Mas estar sob o escopo de “não” é insuficiente para tornar boa uma sentença com “nem” + “todo” + DD em posição de objeto direto (19).

Apesar de (19) trazer “nem” sob o escopo de “não”, “nem” continua sem poder modificar “todo” + DD dentro do VP. Uma leitura como a de (17), de que, entre diversas coisas que os operários não derrubaram, as árvores ocupam um extremo numa escala de expectativa, e, se elas não foram derrubadas, nada mais foi, já que o resto seria mais difícil, não está disponível para (19). Uma leitura de negação do grau máximo na escala de participação no evento, segundo a qual menos que todas as árvores (não) foram derrubadas, também não é viável para (19). Como a versão de (8) com “nem”, (19) é simplesmente desviante.

Os dados de (16) a (19) mostram que o licenciamento de “nem” em VP depende de esse item de polaridade negativa estar sob o escopo de “não” na ausência de “todo” (17), mas “nem” não pode modificar “todo” + DD em VP, mesmo sob o escopo de “não”. Se “todo” marca o grau máximo numa escala de participação no evento, a derrubada de “todas as árvores” significa que não sobrou sequer um indivíduo daquele grupo de árvores em pé. “Nem”, se funcionasse como em (18), deveria se compor com a escala de participação da entidade em posição de objeto no evento, rebaixando esse grau de máximo para um não-máximo. A derrubada de “nem todas as árvores” significaria a derrubada de um número de indivíduos do grupo de árvores inferior ao máximo.

O que impede “nem” de se compor com “todo” + DD dentro de VP? O complexo “nem” + “todo” + DD, indissociável quando do fechamento existencial do argumento-evento, que ocorre em VP/ IP (e pode corresponder a uma fase de spell out), vai ser mapeado sob o escopo de “não” ou com escopo sobre “não”.

Uma vez que indefinidos negativos ou IPN (cf. DE SWART, 2006) têm de estar sob o escopo de “não” em VP, a ausência de “não” ou a configuração em que “nem” + “todo” + DD tem escopo sobre “não” tornam a sentença desviante por impedir o licenciamento de “nem”. Mas “todo” precisa sair do escopo de “não”, ou antes, para que uma sentença com “todo” e “não” seja bem formada, “não” precisa estar na restrição de

“todo”. Há um conflito incontornável entre o licenciamento de “nem” em VP e o fato de “todo” ser um quantificador de acarretamento negativo na restrição e positivo no escopo nuclear. Se o complexo “nem”

+ “todo” + DD for mapeado para fora do escopo do operador existencial que fecha o VP em forma lógica, a sentença (19) será desviante porque “não” estará sob o escopo de “nem”, quando o inverso (o NPI sob escopo de “não”) é o requerido. Se, inversamente, o complexo “nem” + “todo” + DD for mapeado em forma lógica sob o escopo do operador existencial que prende o argumento evento davidsoniano, que, por

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sua vez, está sob o escopo da negação, a estrutura tripartite não poderá ser formada com “não” na restrição de “todo”. De um jeito ou do outro, a sentença será desviante. Por isso a modificação de “todo” por “nem”

em VP não pode ocorrer.

Tratamos “nem” como um modificador de escalas, que inverte ou nega uma direção na ordenação dos graus (do menor para o maior ou vice-versa). Analisamos “nem todo” + DD em posição de sujeito (18) como uma alteração na escala associada a “todo”. A escala associada a “todo” mede o grau de participação do argumento nominal na restrição de “todo” na eventualidade que está na restrição de

“todo”. Essa medida não diz respeito à qualidade da participação, mas à quantidade; “todo” define que a participação foi máxima, ou seja, que a maior soma de entidades existente na situação teve participação no evento. Analisamos “todo” como um modificador de grau (um Degree Modifier, cf. KENNEDY &

MCNALLY, 2005), que satura o grau máximo de completude na escala de quantidade/ cardinalidade da denotação em sua restrição quanto à participação no evento que ocupa o escopo nuclear de “todo”. Assim, se houver 10 operários na situação, mas apenas três participarem da derrubada das árvores, (20) e (22) serão verdadeiras, mas (21) será falsa:

(20) Os operários derrubaram árvores.

(21) Todos os operários derrubaram árvores.

(22) Nem todos os operários derrubaram árvores.

Em um cenário com dez operários, (21) exige que a máxima cardinalidade deles participe do evento. “Todo” divide a sentença em dois constituintes lógicos, o argumento (na restrição) e um predicado insaturado (no seu escopo); marca o argumento em seu grau máximo de quantidade e impõe uma partição na denotação desse argumento, que servirá de domínio de distribuição, requerendo que o predicado seja verdadeiro de cada parte da denotação do argumento. Há formação de “pair list” na distribuição: cada par tem como primeiro membro uma parte do domínio de distribuição e, como segundo membro, um subevento, que faz parte do evento no escopo nuclear de “todo”. Assim, para que a sentença (21) seja verdadeira, tem de haver tantos subeventos de derrubar árvores quanto houver operários na situação. Na ausência de “todo” , por exemplo, para a verdade de (20), desde que o crédito da derrubada das árvores possa ser dado ao grupo de operários, não faz diferença que nem todos tenham efetivamente serrado as árvores. Por exemplo, num cenário em que três dos dez operários usaram serras, e os outros seis formaram um cordão para repelir os manifestantes, (20) é tranquilamente uma proposição verdadeira, mas (21) não.

A sentença sem “todo” é a mais neutra: (21) é feliz tanto nas condições que fazem feliz (22) quanto nas condições que fazem feliz (23). Já (22) só é feliz no cenário com três entre os dez operários tomando parte ativa no evento (ou seja, formando pares com subeventos de derrubar árvores). No cenário em que dez dos dez operários serraram árvores, (22) é falsa, porque a negação da escala, em sentenças com “todo”, incide sobre o grau máximo aplicado à cardinalidade do sintagma em sua restrição. A negação só pode incidir sobre a escala de participação do argumento (na restrição de “todo”) no evento (presente no escopo nuclear de “todo”); a negação “anula” a marcação do grau máximo de participação, resultando numa leitura para (22) em que menos que todos os operários participaram da derrubada de árvores.

Em (22), quanto mais operários participarem do evento, mais pares serão formados, até o grau máximo de cardinalidade de operários na situação: no nosso cenário, o teto são dez pares. Se cada operário já concluiu a sua participação, o evento principal culmina. Uma sentença em que a existência do evento é negada não permite que os pares formados contem como uma escala da completude do evento geral. Se não existiu o evento, o aumento no número de participações efetivadas não mede sua progressão. Se a negação sentencial ficasse no escopo nuclear de “todo”, não seria obtida a incrementalidade característica da escala.

O conflito entre incrementalidade e a negação da existência do evento

Dissemos que “todo” descarrega o grau máximo na escala que mede a quantidade da denotação nominal (em sua restrição) que participa do evento (em seu escopo nuclear). Um importante campo para a

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semântica de escalas é o estudo dos adjetivos de grau. Para uma semântica de graus como a de Kennedy &

McNally (2005), adjetivos mapeiam seus argumentos a um certo grau numa escala. Escalas são conjuntos de grau ordenados de forma absoluta ao longo de uma dimensão, propriedade ou Path (temporal ou espacial), com uma certa orientação. Por exemplo, o par de adjetivos “sujo”/“limpo” mapeia seus argumentos a um certo grau na mesma escala, a de “sujeira”. “Sujo” ordena os indivíduos do menor para o maior grau (o indivíduo mais sujo é o que apresenta maior grau de sujeira) e “limpo” usa a orientação inversa, do maior para o menor grau (o indivíduo mais limpo é o que apresenta menor grau de sujeira).

Nessa teoria, a verdade de uma sentença com “sujo” como predicador requer que o indivíduo exiba qualquer grau positivo de sujeira: 10%, 20%, 50%, 100% etc. A verdade de uma sentença com “limpo”

como predicador requer que seu argumento exiba um grau zero de sujeira: um indivíduo será limpo se e somente se apresentar 0% de sujeira. Numa situação em que 5% da superfície de um certo prato esteja suja, (24) será uma proposição verdadeira, mas (23) será falsa. Isso mostra que “sujo” exige apenas um mínimo de sujeira em seu argumento. Na mesma situação, (24) será falsa, porque “todo sujo” não aceita menos que 100% de sujeira: “todo” satura a escala no grau máximo.

(23) O prato está limpo.

(24) O prato está sujo.

(25) O prato está todo sujo.

A mesma diferença se observa na escala de participação em eventos. Dowty (1987) discutiu as diferença entre as versões de (26) e (27) em inglês. Numa coletiva a que tenham comparecido 12 jornalistas, (26) será uma proposição verdadeira com apenas cinco deles fazendo perguntas ao entrevistado; mas, nesse cenário, (27) será uma proposição falsa. Em presença de (“all” ou) “todo”, a verdade da sentença (27) exige que cada jornalista presente faça sua própria pergunta. Isso equivale a 100% de participação no evento, ou seja, a saturação do grau máximo da escala relevante por “todo”.

A diferença entre (26) e (27) é da mesma natureza que a observada entre (24) e (25): sem “todo”, a escala está fechada apenas no grau mínimo; “ todo” fecha a escala no máximo.

(26) Os repórteres fizeram perguntas ao presidente.

(27) Todos os repórteres fizeram perguntas ao presidente.

A contribuição de “todo” em sentenças com adjetivos no predicado reforça a análise de “todo”

como um saturador de grau máximo numa escala. Mas o que significa saturar a escala de participação de um argumento num evento? Krifka (1998) tratou da diferença que a natureza quantitativa de um certo argumento do evento faz para a (a)telicidade de sentenças com verbo de criação/consumo. Por exemplo, a sentença (28), com o plural nu “perguntas”, combina-se com o advérbio de medição “por 20 minutos”, indicando que ela é atélica; e a sua versão com a descrição definida “as perguntas” (29) combina-se com o advérbio de intervalo “em 20 minutos”, apontando a telicidade de (29).

Krifka destaca o estatuto especial de um dentre os vários argumentos da rede temática do predicado verbal: o tema incremental. Não faz diferença para a telicidade da sentença (28) o estatuto quantitativo de argumentos como “o presidente” ou “os repórteres”, que são DDs, denotando uma quantidade definida de entidades; só faz diferença o estatuto do tema incremental; “perguntas” em (28) não é uma quantidade definida; mas “as perguntas”, em (28), é. Krifka diz que uma relação mereológica se estabelece entre o predicado verbal e o tema incremental. A extensão (a escala de quantidade participante do evento) do tema incremental “mede” a duração do evento. Quanto mais perguntas forem feitas, mais a entrevista demorará a acabar. Aumentar o número de repórteres não aumenta a duração da coletiva, já que grande parte deles pode permanecer passiva. Aumentar o número de entrevistados também não alonga necessariamente a entrevista, dado que não é preciso repetir as mesmas perguntas a cada um deles. Na rede temática de um evento como perguntar, só o tipo de escala de participação de um argumento interfere na medida da duração do evento: quanto mais perguntas, mais longa será a coletiva. A

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escala de participação de “perguntas” em (28), no evento da coletiva, é tão incremental quanto a de “as perguntas” em (29). A diferença é que a escala de “perguntas” em (28) não está fechada no grau máximo:

(28) é verdadeira com qualquer número de perguntas feitas ao presidente. Num cenário em que dez perguntas foram feitas na coletiva, cinco para o presidente e cinco para o secretário do tesouro, (28) será verdadeira e (29) falsa. A escala de “as perguntas”, em (29), está fechada no grau máximo. No mesmo cenário, com um total de dez perguntas durante a coletiva, (29) é interpretada como 100% delas tendo sido feitas ao presidente. Uma relação incremental é uma relação em que a progressão do evento avança à medida que mais perguntas vão sendo feitas. Na última pergunta acaba a coletiva. Quanto mais o número de perguntas feitas se aproxima de 100%, mas o evento se aproxima de sua culminância.

(28) Os repórteres fizeram perguntas ao presidente por 20 minutos/ *em 20 minutos.

(29) Os repórteres fizeram as perguntas ao presidente *por 20 minutos/ em 20 minutos.

Dissemos que o sujeito de (28)/(29), a DD “os repórteres”, não é o tema incremental do evento, e sua escala de quantidade não pode medi-lo. Isso porque não procede que, quanto mais jornalistas houver no cenário, mais durará a coletiva. Mas digamos que se estabeleça que cada jornalista faça sua própria pergunta ao presidente. Nesse caso, o número de jornalistas determina o número de perguntas, e mede indiretamente a duração temporal do evento. E exatamente isso que vemos em (27). “Todo” satura a escala de participação no evento em seu grau máximo para o argumento “os jornalistas”. Para esse tipo de evento, a rede temática estabelece que o papel desse argumento humano é fazer as perguntas ao presidente. Participação máxima significa que cada repórter faça pelo menos uma pergunta. Nos cenários em que (27) for uma preposição verdadeira, haverá pelo menos tantas perguntas feitas ao presidente quanto houver repórteres presentes. Pode haver mais perguntas que jornalistas, se alguns fizerem mais de uma pergunta. Mas não pode haver menos perguntas que jornalistas, o que seria um cenário completamente compatível com a verdade de (26). “Todo” transforma o argumento nominal a que se associa num argumento incremental do evento, ao saturar a escala de participação no grau máximo.

Repetindo o teste dos advérbios, vemos que (26) tem predicado verbal atélico, mas (27) traz predicado verbal télico, apesar de termos visto, na comparação entre (28) e (29), que o argumento incremental dado pela estrutura conceitual do evento é “perguntas”/“as perguntas”, e não “ os repórteres”.

(30) Os repórteres fizeram perguntas ao presidente por 20 minutos/ *em 20 minutos.

(31) Todos os repórteres fizeram perguntas ao presidente *por 20 minutos/ em 20 minutos.

Vemos que acrescentar “todo” a uma DD que não era originalmente o tema incremental do evento tem o mesmo efeito para a telicidade da sentença (31) que usar uma DD (29) em lugar de um nome nu (28) para expressar o tema incremental definido pela estrutura conceitual do predicado verbal. Enfim, acrescentar “todo” a um argumento tem o mesmo efeito que a relação temática estabelecida entre o predicado verbal e seu tema incremental inerente. Esse efeito é o de tomar a quantidade máxima de entidades na situação relevante – a maior soma de “perguntas”, em (29), ou a maior soma de “repórteres”, em (31) – como a medida da participação do argumento em questão no evento – em (29), todas as

“perguntas” da coletiva são perguntas feitas pelos repórteres ao presidente; em (31), todos os “repórteres”

são tais que fizeram pergunta(s) ao presidente. O argumento do predicado verbal que ocupa a restrição de

“todo” sempre terá uma relação incremental com o evento em seu escopo nuclear. A máxima quantidade de entidades (da restrição) na situação servirá também de quantidade de participantes no evento (no escopo nuclear de “todo”).

Como o argumento incremental mede a progressão do evento? Vamos ilustrar com uma tabela.

Digamos que a coletiva foi marcada para as 10h. Um evento padrão de coletiva e uma rodada ordenada de perguntas, em que cada repórter tem a sua vez de interpelar o entrevistado. Como exemplo, vamos assumir a ordem abaixo. Os horários marcam o início do turno de cada jornalista. Digamos que entre a pergunta do último, a resposta do presidente e a mensagem de encerramento foram usados 4min. A coletiva, então, teve inicio às 10h e culminou às 11h. Entre 10h e 10h05, houve a mensagem de abertura, um primeiro

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jornalista fez suas perguntas, e o presidente respondeu. Às 10h05, o turno foi cedido ao segundo jornalista presente, que fez sua pergunta e obteve sua reposta às 10h15min, e assim por diante. Os jornalistas estão em sequência de acordo com a ordem das perguntas.

Horário 1º membro de cada par 2º membro de cada par

10h Jornalista 1 Pergunta(s) do jornalista 1

10h05min Jornalista 2 Pergunta(s) do jornalista 2 10h15min Jornalista 3 Pergunta(s) do jornalista 3 10h25min Jornalista 4 Pergunta(s) do jornalista 4 10h30min Jornalista 5 Pergunta(s) do jornalista 5 10h35min Jornalista 6 Pergunta(s) do jornalista 6 10h50min Jornalista 7 Pergunta(s) do jornalista 7 10h55min Jornalista 8 Pergunta(s) do jornalista 8 10h56min Jornalista 9 Pergunta(s) do jornalista 9 10h57min Jornalista 10 Pergunta(s) do jornalista 10

11h Fim da coletiva

Naturalmente, se apenas os primeiros cinco jornalistas tivessem comparecido à coletiva, ela seria encerrada mais cedo, às 10h35. Se, ao contrario, outros repórteres mais tivessem comparecido, a coletiva teria de se prolongar mais, durando mais de uma hora, se o tempo usado por cada um dos dez primeiros jornalistas fosse mantido. Quanto mais jornalistas, mais longa a coletiva. A DD na restrição de “todo”

mede o evento porque, como um tema incremental, forma pares entre indivíduos na sua restrição (cada jornalista) e subeventos (as perguntas de cada jornalista) que, somados, formam o evento máximo completo (a coletiva). Quanto mais jornalistas, mais subeventos, e mais dura o evento maior.

O que ocorreria se ocorresse a negação da existência do evento? Em italiano, é possível distribuir pela restrição do universal o evento negado. O resultado é que (2) é interpretado como: “para cada aluno do domínio relevante”, esse aluno não leu o livro em questão. Por que não temos a mesma interpretação para (3)? Porque não há incrementalidade quando o aumento do quantidade de participantes do evento não requer subeventos cuja duração temporal interna tem de ser somada, alongando a duração do evento maior. Quando somamos dois, quatro ou cem subeventos de duração igual a zero, obtemos uma duração também igual a zero para o evento maior. Se ninguém leu o livro, ninguém gastou tempo com sua leitura particular, e o tempo de leitura do livro pela classe não cresce com o aumento do número de alunos. Não há incrementalidade quando a existência do evento é negada. Portanto, se “ todo” fosse compatível com “ não” em seu escopo nuclear, a interpretação resultante entraria em choque com o requerimento de “todo”

de que o sintagma nominal em sua restrição funcione como um tema incremental para o predicado verbal em seu escopo nuclear. Por isso não podemos ler (3) como os italianos lêem (2).

Conclusão

O requerimento de “todo” de que se estabeleça uma relação distributiva incremental entre sua restrição e seu escopo nuclear explica porque não se pode expressar com (3) que, para todos os alunos de um grupo, é verdade que nenhum deles leu certo livro, que é justamente a leitura (">Ø) encontrada nas versões dessa sentença tanto em línguas germânicas quanto nas românicas (cf. 1/2). Analisamos “todo”

como um modificador da relação argumental, de saturação, que se estabelece entre o predicado em seu escopo nuclear (“derrubar as árvores) e o argumento nominal na restrição do quantificador (os operários).

A relação resultante é incremental.

Para preservar a incrementalidade, as boas sentenças negativas com “todo” têm sempre a leitura (Ø>"); a leitura (">Ø) nunca é produzida com “todo”. A negação em sentenças com “todo” é a da quantidade: as versões bem formadas de (7/8) e (11) não negam a existência do evento (a derrubada das árvores), mas negam a participação da extensão completa de um dos argumentos do evento nele: ou

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participaram menos que todos “os operários” existentes na situação (7/11), ou menos que todas “as árvores” (8).

Referências

DOWTY, David. Collective Predicates, Distributive Predicates, and All. In: The proceedings of the 3rd ESCOL. Eastern States Conference on Linguistics, 1987.

KENNEDY, Christopher & MCNALLY, Louise. Scale Structure, Degree Modification, and the Semantics of Gradable Predicates. In: Language - Volume 81, No. 2, June 2005, p. 345-381. Disponível em:

<http://www.ling.northwestern.edu/~kennedy/Docs/km-scales.pdf>. Acesso em: 12.abr.2004.

KRIFKA, Manfred. The Origins of Telicity. In: ROTHSTEIN, Susan (ed.). Events in Grammar.

Dordrecht: Kluwer Academic Publishers. 1998, pp. 197-235.

PARTEE, Barbara. Quantificational Structures and Compositionality. In: BACH, E. et al. (Eds.).

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Referências

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