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A sexualidade na esquizofrenia

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Academic year: 2018

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José Raimundo Evangelista da Costa

A sexualidade na esquizofrenia

DOUTORADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA

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José Raimundo Evangelista da Costa

A sexualidade na esquizofrenia

DOUTORADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Psicologia Clínica, sob a orientação do Professor Doutor Renato Mezan.

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Banca Examinadora

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Meus amigos e minhas amigas, minha Tese de Doutorado é o resultado de muitos...

Seria injusto e cruel me deixar tomar por uma amnésia e esquecer que foram muitos anos de estudo, de escuta, de análise, de escrita. Muitas noites sem dormir. Muitos dias em que deixei para depois, diversos compromissos. Muitos inquietantes momentos em que a vida parecia escoar pelo teclado preto do meu computador branco. Pela janela, correndo em outro lugar, fora do meu quarto... no jardim da casa. Da Casa de Saúde São João de Deus...

Quanto ao meu lugar de psicólogo, de estudante... Às vezes truncado no branco da tela do meu computador branco do teclado preto; principalmente, quando as palavras fugiam, insinuavam-se, para, depois, escondendo-se novamente... que angústia... que tormento... que medo.

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observações, críticas e sugestões que me levaram ao crescimento e também pela confiança e paciência.

À minha família, à Ordem Hospitaleira de São João de Deus e à Casa de Saúde São João de Deus, pelo apoio, compreensão, confiança e carinho.

Ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pela atenção, apoio, compreensão e incentivo.

Aos pesquisadores do Laboratório de Psicopatologia Fundamental da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, agradeço as contribuições e os momentos inesquecíveis.

Agradeço ilimitadamente a bolsa concedida (após candidatura) pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico que é uma agência do Ministério da Ciência e Tecnologia.

Aos Professores da banca de qualificação, agradeço as sinceras palavras e as sugestões. Sugestões que ajudaram muito... Agradeço profundamente.

Agradeço os professores da banca de defesa pela atenção e disponibilidade para participarem deste momento tão importante para mim.

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Agradeço ao bom Deus, que mesmo nos momentos que vacilei senti sua presença ao meu lado.

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À

Deus Pai Deus Filho

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“Tudo perece só a boa obra permanece”.

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COSTA, J. R. E. A Sexualidade na Esquizofrenia. São Paulo, 2011. TESE (Doutorado). Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP.

Este estudo teve como objetivo procurar entender como se expressa a sexualidade na esquizofrenia, sobretudo em esquizofrênicos do sexo masculino internados em clínica psiquiátrica. Defende-se neste estudo que é pela via do delírio que a sexualidade na esquizofrenia se expressa mais exacerbadamente. Para tanto, apresenta-se fragmentos de casos clínicos atendidos na clínica psiquiátrica, que deixam claro a comprovação da hipótese levantada. Não há a pretensão de esgotar o tema da ―sexualidade na esquizofrenia‖. Acredita-se ter deixado mais perguntas do que respostas, o que parece ser positivo, pois instiga a continuidade da busca de respostas as inquietações apresentadas e descobertas. Falar de sexualidade ainda assusta, intimida e cria polêmicas, sendo considerado como um assunto tabu. Falar de sexualidade na esquizofrenia é um desafio ainda maior, mas nem por isso deixa de ser um tema instigante. O que se observa é que a sexualidade de pacientes esquizofrênicos, geralmente, não é considerada, respeitada no espaço institucional. Aparentemente a manifestação do ‗sexual‘ representaria um grande perigo para a ordem institucional, devendo, por isso, ser proibida. Esclarece-se que no âmbito institucional não existem políticas concretas sobre o tema da sexualidade, talvez pela crença que não seja recomendado estimular a sexualidade do esquizofrênico. Embora o estudo enfoque o espaço institucional, verifica-se que o mesmo se repete no âmbito familiar e social.

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COSTA, J. R. E. Sexuality in Schizophrenia. São Paulo, 2011. THESIS (Doctorate). Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP.

The aim of such study relies on researching how sexuality is expressed in schizophrenia, specially men hospitalized in psichiatry hospitals. It is spoke up for it the frenzy confusion by which sexuality in schizophrenia brings up in its greatest expression. This, fragments of hospitalized cases taken are presented in the psichiatry hospital and it is clearly demonstrated the assumption raised. There is no intention in overselling the ―schizophrenia in sexuality‖. It is believed that there are more questions left behind than the answers, which seems to be something positive due to enticing the continuous search for answers and anxieties presented and discovered. Talking about sexuality is still a scaring subject, being them considered as a forbidden subject. Talking about such subject is a greater challenge, although, it is still a reiveting subject. What is observed is that the patients with schizophrenia are usually not respected in the overall space. Apparently, the ―sexual‖ manifestation represents great damage to the institutional order, and due to that, should be prohibited. It is clarified that, in the institutional environment there are no concrete politics on such item, maybe due to assuming it is not a recommended subject when it comes to stimulate schizophrenia on sexuality. Although the aim of the study is the institutional space, it can be verified that it repeats in the familiar and social scenario.

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CAPS – Centro de Atenção Psicossocial

CID-10– Classificação Internacional de Doenças CRM– Conselho Regional de Medicina

CSSJD – Casa de Saúde São João de Deus

DSM-IV Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais ECT– Eletroconvulsoterapia

IPI – Internação Psiquiátrica Involuntária MG– Minas Gerais

MS– Mato Grosso do Sul

OHSJD – Ordem Hospitaleira de São João de Deus RJ– Rio de Janeiro

RT– Residência Terapêutica SP– São Paulo

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APRESENTAÇÃO 13

1 INTRODUÇÃO 16

1.1 O estudo 16

1.2 A clínica 19

1.3 A internação psiquiátrica 26

1.4 Atendimentos e observação 29

1.5 O caso clínico: fragmentos 33

2 ESQUIZOFRENIA: HISTÓRIA E EVOLUÇÃO 35

2.1 A demência precoce 36

2.2 A esquizofrenia 42

2.3 Esquizofrenia e libido 45

2.4 A cura na clínica da esquizofrenia 49

2.5 João de Deus e sua Ordem na história da esquizofrenia 51 2.6 A esquizofrenia nos manuais de classificação 55

3 ESQUIZOFRENIA E SEXUALIDADE: PENSAMENTO FREUDIANO 58

4 ESQUIZOFRENIA E SEXUALIDADE: NA CONTEMPORANEIDADE 90

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 112

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 118

ANEXOS 122

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APRESENTAÇÃO

Estamos rodeados de mistérios que não podemos revelar, de faltas de clareza que não podemos iluminar, de véus que não podemos tirar e de profundidades às quais não podemos chegar. E esses mistérios, essas escuridões, esses véus e essas profundidades quase sempre nos ocultam coisas importantes, vitais, significativas, essenciais, que, como tais, nem se compram nem se vendem, não se podem medir nem contar, nem depositar num banco, coisas pelas quais vale a pena viver, sofrer, trabalhar, postergar, esperar.1

O meu interesse em pesquisar ―a sexualidade na esquizofrenia‖ é fruto de uma prática em clínica psiquiátrica. Desde fevereiro de 1996 faço parte da Ordem Hospitaleira de São João de Deus, como membro da organização religiosa, com residência nas dependências da clínica.2 Portanto, convivo diariamente com os 150 (cento e cinquenta) pacientes internos.

Comecei a trabalhar como apoio à enfermagem psiquiátrica, seguidamente como auxiliar de enfermagem e depois como psicólogo da clínica psiquiátrica. Durante todos esses anos tenho observado a dificuldade dos profissionais da saúde mental para lidar com as práticas sexuais dos esquizofrênicos, por exemplo, quando um esquizofrênico beijava outro ou praticava sexo oral ou anal, este era transferido imediatamente de unidade de internação. É como se na instituição psiquiátrica as manifestações da sexualidade fossem ―pecado‖. Até arrisco dizer que o ―sexual‖ nunca é visto como manifestação do desejo ou necessidade, o que denota a

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negação de qualquer sentimento ou emoção que possa advir de um relacionamento afetivo.3

Falar de sexualidade ainda continua assustando, intimidando e gerando polêmicas, se apresentando como um tabu: imagine-se falar de sexualidade na esquizofrenia, como me proponho neste estudo.

Assim, estudar a sexualidade na esquizofrenia é instigante e ao mesmo tempo angustiante. Primeiro porque é um tema pouco explorado pelos pesquisadores contemporâneos. Segundo porque a minha experiência é com pacientes do sexo masculino, internados em psiquiatria, e em internações de curta duração (no máximo três meses).

Ao longo deste estudo foram adotados os seguintes passos: na introdução que corresponde ao primeiro capítulo será feita uma breve explicação sobre o que será abordado ao longo do trabalho. O objetivo, a hipótese de trabalho, a justificativa e o método se encontram neste capítulo.

O segundo capítulo é essencialmente teórico. Nele será apresentado de acordo com o historiador e psicanalista Jean Garrabé um pouco da história da esquizofrenia.

O terceiro capítulo trata sobre a esquizofrenia e sexualidade em Freud, e alguns fragmentos clínicos serão apresentados.

O quarto capítulo se trata de um capítulo sobre a esquizofrenia e a sexualidade na contemporaneidade; neste capítulo também serão apresentados fragmentos clínicos.

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O quinto e último capítulo foi dedicado às considerações finais. Seguidamente vêm as referências bibliográficas e os anexos.

Como já mencionei, o texto aqui apresentado é baseado numa experiência de trabalho e, porque não dizer de vida, tanto que em algumas partes menciono diretamente a Casa de Saúde e a Ordem Hospitaleira de São João de Deus.4

Entretanto, destaco que a trajetória seguida advém de uma experiência particular, cujos efeitos, no entanto – mesmo tendo sua origem em uma experiência particular – espero possam extrapolar a esfera singular, e repercutir na procura de diferentes e novos caminhos.

Durante a escrita desta tese por diversas vezes me achei fraco, pequeno e impotente diante do universo que é a esquizofrenia e a sexualidade, mas tão pretensioso que sou e com demasiadas interrogações procurei não desistir.

Meu desejo é que este estudo possa trazer alguma contribuição, sobretudo para aqueles que lidam com esquizofrênicos.

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1 INTRODUÇÃO

[na psiquiatria] um problema particularmente delicado é o que se apresenta relativamente ao exercício da sexualidade.5

1.1 O estudo

A minha experiência clínica mostra que a sexualidade de pacientes esquizofrênicos geralmente não é considerada ou respeitada no espaço institucional. Recebendo uma marca negativa, ela é caracterizada quase como uma anomalia. Talvez seja desvalorizada por sua repetição e por sua atividade, perdendo assim, a sua singularidade.

É como se a manifestação do sexual representasse um grande perigo para a ordem institucional, devendo, por isso, ser proibida. Reduzindo o sexual a um sintoma da patologia esquizofrênica e descaracterizando sua singularidade, na ordem institucional se mantém intocável ao mesmo tempo em que corrobora a utilização dos meios da psiquiatria para contê-lo. Sem se interessar pela singularidade do esquizofrênico na busca do prazer, a regra proibitiva prevalece sobre qualquer possibilidade de negociação entre a manifestação do seu desejo sexual e a ordem institucional.6

Muitas vezes, a proibição de qualquer manifestação de sensualidade entre os esquizofrênicos se exerce pela violência concreta sobre os seus corpos, sem

5 ORDEM HOSPITALEIRA DE SÃO JOÃO DE DEUS. Carta de Identidade. OHBrasil: São Paulo, 2008, p. 88.

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qualquer manifestação explícita. Seja pela medicação, seja pela contensão mecânica, o esquizofrênico tem seu corpo imobilizado para a realização do desejo, pois seu comportamento logo será visto como estranho, sendo apenas mais uma manifestação da própria esquizofrenia.

Pelo que tenho estudado, é verdade que desde o surgimento da psiquiatria clássica, o sexual na esquizofrenia tem sido visto como uma função puramente biológica, sendo tomado apenas pelo ponto de vista da reprodução da espécie. Não se considera a existência de qualquer sentimento ou emoção que possa advir de um relacionamento sexual. Nesta perspectiva, o esquizofrênico seria incapaz de por si só regular suas paixões e seus afetos.

No presente estudo não pretendo construir uma teoria, mas delineei como objetivo procurar entender como se expressa a sexualidade na esquizofrenia, sobretudo de esquizofrênicos do sexo masculino que passaram por internação psiquiátrica.

E a hipótese que levantei foi a seguinte: é pela via do delírio que a sexualidade na esquizofrenia se expressa mais exacerbadamente.

Pois, acredito que o delírio não é, portanto, a esquizofrenia, mas uma tentativa de cura, de organização, uma tentativa de restabelecimento das relações libidinais com os objetos. Sobre o delírio vou falar mais exaustivamente nas próximas páginas.

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fato ainda pouco estudado o que gera conflitos e discussões entre os profissionais que de algum modo lidam com esquizofrênicos.

Assim, nesse sentido, busca-se com este estudo prestar uma contribuição científica para a compreensão da sexualidade na esquizofrenia. Pois, na clínica da esquizofrenia é comum travarem-se discussões que versam sobre o trabalho possível a ser feito com os pacientes, sobretudo quando o assunto se trata da sexualidade. Quando utilizo a expressão ―trabalho possível‖ é porque compreendo que na clínica da esquizofrenia os profissionais estão a todo o momento diante de algum tipo de radicalidade, a experiência da esquizofrenia é radical, a certeza do esquizofrênico é radical.

Os sujeitos que participam do estudo são esquizofrênicos do sexo masculino que já passaram por internação em clínica psiquiátrica. Os fragmentos clínicos transcritos foram elaborados a partir da escuta e observação clínica.

Os sujeitos foram escolhidos aleatoriamente entre casos já atendidos na clínica psiquiátrica. O principal critério de inclusão era ter o diagnóstico psiquiátrico de esquizofrenia. E como critério de exclusão foi adotado o diagnóstico psiquiátrico de esquizofrenia hebefrênica.7

Neste estudo vamos apresentar cinco fragmentos clínicos e dois trechos de entrevistas com os pais de um dos pacientes. Como já mencionado, os fragmentos envolvem pacientes esquizofrênicos do sexo masculino que passaram por internação psiquiátrica.

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Os fragmentos serão discutidos levando em consideração o pensamento freudiano, o pensamento de autores contemporâneos, mas sem perder de vista a minha experiência clínica.

1.2 A clínica

A clínica que destaco é a clínica psiquiátrica, a Casa de Saúde São João de Deus (CSSJD) da Ordem Hospitaleira de São João de Deus (OHSJD), a clínica onde foram internados os pacientes que atendi e observei ao longo da minha trajetória na psiquiatria.

A clínica iniciou seus serviços em 1990 com a intenção de atender somente pacientes psicóticos. Toda a sua proposta terapêutica estava voltada para acolher, atender e tratar esses pacientes.

A finalidade da clínica passa por um atendimento humanitário dos pacientes internados. As internações são de curta duração, seu objetivo é não tirar o doente da sociedade e de sua família por longos períodos e sim atendê-lo somente no momento da crise.

A Casa de Saúde conta hoje com 150 (cento e cinquenta) leitos, 109 (cento e nove) colaboradores, 05 (cinco) religiosos da Ordem Hospitaleira, 20 (vinte) voluntários e 25 (vinte e cinco) benfeitores. Os profissionais citados acima são os responsáveis para garantir um bom atendimento aos pacientes que buscam uma internação psiquiátrica.

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psicóticos, porém, no decurso do tempo, associando-se a convênios de saúde, passa a receber pacientes farmacodependentes que, acabam por tornar-se uma grande parcela de pacientes atendidos.

Desta forma, é possível perceber como a finalidade da instituição acaba por se sujeitar às demandas da sociedade, reproduzindo assim, mecanismos de controle social. Pois a instituição, que tinha como finalidade específica o tratamento das psicoses e acaba por receber uma demanda de farmacodependentes encaminhados por convênios, está então, respondendo a demanda social de ―obturar lacunas‖, de exclusão e segregamento, ―higienizando a sociedade‖.

A Casa de Saúde apresenta-se consciente do papel social que está desempenhando, ou seja, quando inclui em suas ações aquilo que o social pretende excluir. Porém isto parece causar conflito na identidade da instituição. Provavelmente, o conflito resida no fato de que a clínica tem sua finalidade e, por consequência, sua identidade transformada por demandas sociais, e deve, desta maneira, reformular-se para que assim possa garantir sua sobrevivência, porém perdendo desta forma, seu caráter singular.

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Entretanto, para que ocorra a perpetuação da instituição, esta deve colocar-se como necessária a sua clientela, criando assim a crença e a fé de sua indispensável necessidade. É importante ressaltar sua necessidade de existência e permanência em uma determinada sociedade. Levando em consideração o exposto acima, na reunião pré-capitular em 2010 a Ordem Hospitaleira aprovou a proposta para abertura de uma Residência Terapêutica (RT) e um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS).

A Casa de Saúde São João de Deus conta com dois psicólogos contratados. Além disso, conta com estagiários e voluntários de psicologia e psicanálise. Os atendimentos são em grupo e individual, dependendo da necessidade do paciente e da solicitação da equipe.

As principais atividades do serviço de psicologia na clínica:

 Grupos de reflexão, voltado ao atendimento de pacientes dependentes do álcool e/ou de outras drogas, propiciando aos pacientes o desenvolvimento de uma melhor crítica em relação a seu estado e despertar interesse por sua própria recuperação;

 Grupos ―Harmonia‖, destinado aos pacientes psicóticos, com reuniões semanais, procurando atividades que os estimulem, integrando-os às suas vivências sociais;

 Grupos de recepção;

 Atendimento individual;

 Atendimento familiar;

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A clínica localiza-se na Zona Oeste (divisa com a Zona Norte) de São Paulo no Bairro de Pirituba. O terreno da clínica tem uma área de 30.000m2, sendo

construídos aproximadamente 12.000m2. Próximo a esta instituição encontra-se uma vila residencial e o parque estadual do Jaraguá. O bairro apresenta como característica o fato de ser residencial e os habitantes serem pertencentes à classe sócio-econômica médio-baixa.

É importante ressaltar que a clínica é particular, porém atende pacientes de diversos convênios particulares e nos últimos anos passou a atender o Sistema Único de Saúde (SUS).

A clínica apresenta bons resultados do seu funcionamento. Muitos pacientes, já conhecedores da clínica, se recusam a serem internados em outras instituições psiquiátricas porque já criaram um vínculo com os profissionais. A instituição acaba por ser avaliada pelo seu trabalho no cotidiano, na medida em que seus pacientes a recomendam a outros que necessitam, e com o retorno de ex-pacientes que não aceitam a reinternação em outras instituições, de maneira que explicita-se sua satisfação com o que a clínica pode oferecer.

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Qualquer pessoa pode ser um hóspede; reconhecê-la como hóspede pressupõe que se dê um passo muito importante no sentido do reconhecimento de todos os seres humanos como hóspedes virtuais. [...] o hóspede não é recebido apenas como um determinado indivíduo, mas também como embaixador substituível, como representante de outros; uma vez que os seres humanos constituem grupos, comunidades, sociedades e nações, cada indivíduo está inserido nesses agrupamentos. A hospitalidade confronta-nos por isso, com algo que tem um significado ético e político notável: o acolhimento do estranho, do outro, daquele que não pertence ―aos meus‖. A hospitalidade é reconhecimento ―dos diferentes‖: aceitamos que o hóspede seja diferente de nós. [...] o anfitrião deve estar preparado, pois no momento mais imprevisto o hóspede pode chegar.8

Essa mesma Ordem em que a hospitalidade é sagrada, em séculos passados teve Santos, Mártires, enfrentou perseguições, guerras, enfim, sofreu influência de todos os tipos, mas continuou a obra de seu fundador a contento. Sempre esteve presente na história da psiquiatria. Uma delas está ligada ao neurologista português muito conhecido, Antônio Caetano de Abreu Freire (1874-1955), mais conhecido pelo nome Egas Moniz.9 Egas Moniz conseguiu persuadir um neurocirurgião, Almeida Lima [famoso na época], a praticar uma leucotomia, que une os lobos frontais às estruturas cerebrais centrais. As partes anteriores destes lobos, ditas pré-frontais, são consideradas áreas associativas, que não têm funções próprias, mas

8 ORDEM HOSPITALEIRA DE SÃO JOÃO DE DEUS. Caminhos de hospitalidade segundo o estilo de São João de Deus. Cúria Geral. Roma: Itália, 2004, p. 39-41.

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que integram a atividade cerebral. Os seus trabalhos valeram a Egas Moniz o Prêmio Nobel de Medicina em 1949. Entretanto, a psicocirurgia foi censurada em nome do pavlovismo, quando este foi declarado doutrina oficial da psiquiatria soviética pelo governo comunista, enquanto Egas Moniz pensava ter-se inspirado nos trabalhos de Pavlov. As exigências da técnica operatória limitaram, por felicidade, a sua utilização aos países ditos desenvolvidos, e os esquizofrênicos dos países em vias de desenvolvimento foram protegidos por esse mesmo subdesenvolvimento contra o tratamento.10 Essa é sem dúvida uma das muitas histórias que ligam a Ordem Hospitaleira de São João de Deus ao mundo da saúde mental. A Ordem Hospitaleira sempre esteve presente na história da loucura, na história da esquizofrenia nos últimos quinhentos anos.

No Vaticano, onde fica a sede da Igreja Católica, a Ordem Hospitaleira não possui hospital, mas é a proprietária da farmácia do Vaticano e é a responsável pelos serviços de enfermagem prestados ao Santo Padre o Papa Bento XVI, quando necessário.

O último país que a Ordem Hospitaleira ingressou foi Timor Leste. Timor tornou-se independente da Indonésia em 2002, depois de muitos conflitos e derramamentos de sangue.

Em 2004 a Ordem Hospitaleira recebeu o convite para conhecer Timor Leste e se possível abrir um Centro de Saúde. Dois religiosos da Ordem Hospitaleira seguiram para Timor com o objetivo de conhecer a realidade do povo timorense e ver dentro das possibilidades da Ordem o que era possível oferecer e quais suas maiores necessidades. Observaram que os timorenses necessitavam de tudo, pois apesar da independência, permaneceram a necessidade e a pobreza, chamando a

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atenção dos religiosos da Ordem Hospitaleira, em especial, a forma com que eram tratados os doentes mentais.

A doença mental em Timor Leste ainda é vista como vingança de espíritos malignos, espíritos demoníacos. Eles chama o louco, o esquizofrênico de “Bulak”.11 Uma das causas de uma pessoa se tornar “Bulak” é a “Rai-lulik”,12 pois acreditam

que o “Bulak” em algum momento da sua vida antes da crise profanou alguma coisa que na crença deles consideram sagrada, como: casa sagrada, fonte sagrada, montanha sagrada, cobra sagrada, etc. Eles acreditam que se a pessoa entrou na ―casa sagrada‖ sem a permissão do responsável o espírito da ―casa sagrada‖ não

gostou e veio se vingar amaldiçoando a pessoa com a esquizofrenia (“Bulak”).

Na crença do povo timorense não se pode matar cobra, pois se uma pessoa matar uma cobra fêmea, por exemplo, a cobra macho amaldiçoa a pessoa com a

“Bulak”.

O tratamento da “Bulak” é feito na própria residência e consiste no seguinte: quando o louco está em crise, a família chama o “Matan-dóok”13 para saber a causa

da “Bulak”, pois dependendo da causa é que se estabelece o tratamento.

Depois de saber a causa, por exemplo, matou uma cobra... o “Matan-dóok”

mastiga algumas folhas e passa na cabeça do sujeito, que seguidamente é contido, ou seja, amarrado no tronco de uma árvore, na maioria das vezes fora de casa tomando sol e chuva até que o espírito abandone o sujeito. É amarrado de certa forma que tem que ficar sentado ou deitado no chão o tempo todo.

11 Significa loucura.

12 Significa terra sagrada.

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As veze o “Matan-dóok” exige que seja sacrificado algum animal da família, como uma vaca ou um porco. Eles acreditam que fazendo assim o espírito maligno sente se vingado com a morte do animal e deixa o sujeito viver em paz.

Esses são apenas alguns exemplos de como são tratados os doentes mentais em Timor Leste, informações que me foram passadas e constatações do que pude observar no pouco tempo que passei em Timor Leste.

A Ordem Hospitaleira instalou um Centro de Saúde Mental e a realidade do povo timorense está mudando. Talvez continuem acreditando nos espíritos, mas pelo menos os “Bulak” podem receber um tratamento mais digno, mais humanizado. É interessante dizer que o Centro de Saúde Mental da Ordem Hospitaleira é o primeiro Centro de Saúde Mental em Timor Leste.

Entretanto, no Brasil a Ordem Hospitaleira já é bem maior: tem um Lar para Idosos em Itaipava (RJ) com 71 (setenta e um) idosos, um Hospital Geral em Divinópolis (MG) com 400 (quatrocentos) leitos, que é um centro de referência na região centro oeste de Minas e que a clientela do SUS recebe a hospitalidade junto de uma tecnologia avançada e de boa qualidade, um projeto social em Aparecida do Taboado (MS), e a Casa de Saúde São João de Deus (SP) já mencionada neste estudo.

1.3 A internação psiquiátrica

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continuar seu tratamento em ambulatórios, CAPS ou viver em Residências Terapêuticas.

Na Casa de Saúde trabalhamos com internação psiquiátrica de curta duração como já mencionado nas páginas anteriores. A Ordem Hospitaleira (OH) e seus colaboradores percebem a internação psiquiátrica como uma necessidade no momento da crise – o próprio fundador da Ordem Hospitaleira foi internado como louco no Hospital Real da Cidade de Granada – Espanha. Foi ali que João de Deus despertou sua vocação para cuidar dos doentes e futuramente fundar a Ordem Hospitaleira de São João de Deus, como é conhecida no mundo inteiro.

Para a Ordem Hospitaleira a internação é um gesto de hospitalidade com o paciente que é sempre um ―estranho‖ que chega pedindo socorro. A hospitalidade,

assim entendida, como amor e não como violência.

É interessante observar que a relação com o paciente ―estranho‖ que chega à clínica na primeira internação pode provocar nos profissionais reações bem distintas: alegria, acolhimento, solidariedade, medo, curiosidade, interesse pelo diferente, entre outros.

Durante a internação o paciente tem que obedecer às normas e as regras da instituição. Deve participar dos grupos terapêuticos e tomar os psicofármacos. Os psicofármacos só podem ser utilizados mediante prescrição do médico psiquiatra.

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Art. 3.º [...] § 2.º Internação Psiquiátrica Involuntária é aquela realizada sem o consentimento expresso do paciente.

Art. 4.º Estabelecer que as internações involuntárias, referidas no art. 3.º § 2.º, deverão ser objeto de notificação às seguintes instâncias:

I – ao Ministério Público Estadual ou do Distrito Federal e Territórios onde o evento ocorrer.

Art. 5.º Estabelecer que a Comunicação de Internação Psiquiátrica Involuntária deverá ser feita, no prazo de 72 horas, às instâncias referidas no artigo anterior, observado o sigilo das informações, em formulário próprio (Termo de Comunicação de Internação Psiquiátrica Involuntária, modelo constante do Anexo desta Portaria), que deverá conter laudo de médico especialista pertencente ao quadro de funcionários do estabelecimento de saúde responsável pela internação.

Parágrafo único. O laudo médico é parte integrante da Comunicação de Internação Psiquiátrica Involuntária, a qual deverá conter obrigatoriamente as seguintes informações:

I – identificação do estabelecimento de saúde;

II – identificação do médico que autorizou a internação;

III – identificação do usuário e do seu responsável e contatos da família;

IV – caracterização da internação como voluntária ou involuntária; V – motivo e justificativa da internação;

VI – descrição dos motivos de discordância do usuário sobre sua internação;

VII – CID;

VIII – informações ou dados do usuário, pertinentes à Previdência Social (INSS);

IX – capacidade jurídica do usuário, esclarecendo se é interditado ou não; e

X – informações sobre o contexto familiar do usuário; XI - previsão estimada do tempo de internação. 14

Uma lei bastante conhecida que se preocupa com os direitos dos pacientes e esquematiza modelos para um atendimento humanizado e respeitoso é a lei 10.216, de 6 de abril de 2001:

Art. 6.º A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos. Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação psiquiátrica:

I – internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário;

II – internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro;

III – internação compulsória: aquela determinada pela Justiça.

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Art. 8.º A internação voluntária ou involuntária somente será autorizada por médico devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina – CRM do Estado onde se localize o estabelecimento. § 1.º A internação psiquiátrica involuntária deverá, no prazo de 72 horas, ser comunicada ao Ministério Público Estadual pelo responsável técnico do estabelecimento no qual tenha ocorrido, devendo esse mesmo procedimento ser adotado quando da respectiva alta.

§ 2.º O término da internação involuntária dar-se-á por solicitação escrita do familiar, ou responsável legal, ou quando estabelecido pelo especialista responsável pelo tratamento. 15

Entretanto, muitos esquizofrênicos estão internados porque perturbam e não são capazes de gerir as responsabilidades exigidas pela vida.

É fundamental que o respeito e a aplicação da lei estejam garantidos. A Ordem Hospitaleira e os colaboradores entendem a lei como o mínimo denominador comum que regula a sociedade, e todos são obrigados a cumpri-la escrupulosamente.16

1.4 Atendimentos e observação

A escuta atenta de um esquizofrênico, o relato da sua história, a captação da sua subjetividade, têm maior valor e significado do que as abstrações quantitativas baseadas em aspectos superficiais sem ligação com o paciente. Acredito que a observação clínica é aquela ―que é feita no leito do doente‖ e que tenta libertar-se de qualquer pressuposto teórico no momento da observação, pois a teoria está antes e depois. O campo da observação clínica tem a ver com o conjunto dos comportamentos verbais e não verbais, com as interações, em referência à

15 BRASIL. Ministério da Saúde. Lei Nº 10.216, de 6 de dezembro de 2001. http://portal.saude.gov.br. (ANEXO 2).

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subjetividade e a intersubjetividade. A tônica é colocada na singularidade da pessoa e na análise da influência do observador sobre a observação.17

Entretanto, Mezan cita Freud, e afirma que o progresso do trabalho científico se dá de modo muito parecido com o da análise. Quando iniciamos um trabalho é natural que tenhamos algumas expectativas, mas devemos afastá-las, pois com a observação aprendemos sempre algo novo: as partes não formam de início um conjunto coerente. É importante e necessário ter paciência e disposição para avaliar as possibilidades, às vezes rejeitar as primeiras convicções, pois, dominados por estas, muitas vezes não se percebe fatores novos e inesperados.18

Neste sentido, Katz, lembra que é da perspectiva clínica que temos de pensar, que no esquizofrênico existe um ―buraco‖ original que jamais seria capaz de

encontrar sua substância. Aprendemos com os historiadores que entender o discurso esquizofrênico como algo pobre, irredutivelmente cindido, não se deveria a um exame das condições concretas de sua produção psíquica, mas a determinadas categorias teóricas que se produzem, sempre e necessariamente, de acordo com regras de poder e relações concretas. Deve-se afirmar, enfaticamente, que a linguagem e as produções esquizofrênicas são riquíssimas, múltiplas e várias.19

A escuta das associações pressupõe uma atenção flutuante de forma a evitar ser absorvido pelos temas abordados, de forma a permanecer receptivo ao significado das mudanças de tema, aos encadeamentos, às lacunas nas

17 PEDINIELLI, J. L.; FERNANDEZ, L. O estudo de caso e a observação clínica. Lisboa: Climepsi, 2008, p. 17.

18 MEZAN, R. Que tipo de ciência é, afinal, a Psicanálise? Nat. hum. São Paulo, v. 9, n.

2, dez. 2007. Disponível em

<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-2430200700020000 5&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 01 out. 2010.

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associações.20 Na clínica a minha posição é a da escuta, da atenção prestada às associações livres do sujeito, à forma como os enunciados, os pensamentos e palavras, os silêncios se organizam no discurso desorganizado e desagregado do esquizofrênico.

A atenção flutuante permite perceber no discurso do paciente o conteúdo manifesto, o conteúdo latente e as referências às sessões anteriores. A atenção incide sobre a natureza e a ordenação dos enunciados discursivos e sobre o conteúdo associativo das ideias, dos pensamentos associados a um elemento, a uma representação, a um objeto particular para dar sentido. Trata-se de uma observação clínica das associações captadas que informam acerca dos pensamentos e dos processos latentes que influenciam a manifestação ou o enunciado destes elementos. A observação incide sobre a forma como os elementos enunciados estão ligados uns aos outros.21

Observar é, depois, passar do ―olhar‖ para o ―ver‖. Só depois de ter olhado

longamente é que se pode dizer que se vê (interpretação). O olhar do clínico pode incidir, por exemplo, sobre a forma como o sujeito utiliza o seu corpo e a sua fala para estabelecer ou não a relação. O olhar do clínico aumenta a sua disponibilidade em relação ao sujeito observado. É implicado pelo olhar que lança ao sujeito e pelo saber que acumulou sobre o sujeito para compreender o que se passa nele.22

Entretanto, a escuta também é fundamental na clínica da esquizofrenia.

20 PEDINIELLI, J. L.; FERNANDEZ, L. O estudo de caso e a observação clínica. Lisboa: Climepsi, 2008, p. 29.

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Escutar o quê?

- escutar as palavras, escutar o sentido das palavras [expressão, dimensão subjetiva, por exemplo], escutar as idéias preconcebidas [representações, clichês, universos de referencial], escutar o explícito [identificação de indicadores lingüísticos simples, por exemplo, pronomes, adjetivos, repetições, intercalações, advérbios, emprego dos tempos, tempos dos verbos (presente, passado, futuro) etc.] e questionar o implícito;

- escutar o corpo (respiração, tom de voz, etc.) e o imaginário (fantasias, devaneios acordados ou imaginários, etc.);

- escutar os diferentes modos de expressão (estilo, gramática, sintaxe, lógica do discurso) e para permitir a expressão da diversidade das formulações, dos temas, dos conflitos, das problemáticas;

- escutar os fatos descritos na sua realidade simples, os sentimentos e as emoções, os valores (morais, culturais, jurídicos, profissionais, políticos, religiosos, educativos, etc.), bloqueados ou confirmados, as necessidades sentidas (de identidade, de sobrevivência, de conforto, de atividade, de trabalho, de justiça, de equidade, de perdão, de vingança, de reabilitação, de poder, de mudança, de repouso, de distração, de aventura, de distanciamento, de auto-estima, de estima dos outros, de amor de reconhecimento, etc.).

Escutar, por quê?

- escutar para descobrir (para conhecer o outro, com a sua história); - escutar para memorizar (para tomar notas, por exemplo) e para poder formular questões;

- escutar para poder responder aos pedidos e expectativas do sujeito e alimentar a escuta.

Escutar, como?

- desenvolvendo atitudes (empatia, autenticidade, disponibilidade, compreensão, consideração positiva incondicional, congruência, etc.);

- utilizando técnicas de escuta (atenção flutuante, relançamento, reformulação, questionamento, etc.).23

Não restam dúvidas, que a escuta não é uma atividade neutra já que seleciona, reduz e constrói os dados da observação em função dos objetivos e do modelo teórico de referência. A comunicação procede assim de uma interação verbal em que o discurso do sujeito escutado não é dado de imediato. Mas é verdade que o clínico se depara com algumas limitações. Uma delas é sem dúvida a limitação da clínica, que tem a ver com o fato de que toda observação é uma construção. Um fato notado, um sentido capturado, é sempre uma construção. O

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enunciado de uma observação é já parte de uma interpretação. Esta concepção questiona a natureza e o tipo de construção que damos a este tipo de observação. Uma observação clínica pormenorizada e rigorosa implica descrever acerca da situação.24 Para que com calma se possa fazer uma análise pormenorizada.

1.5 O caso clínico: fragmentos

Observo que os estudos de casos ou fragmentos de casos têm em comum particularidades que os distinguem dos outros modos de apresentação das situações clínicas: a singularidade, a história, a representação, a transferência.

Mas é certo que às vezes se fica preocupado com a escrita, surge o medo de não ser fiel ao que o paciente expressou.

Para Mezan, Freud sempre apresentava grande interesse em conservar o máximo daquilo que ocorre nas primeiras sessões, procurava reproduzir exatamente o movimento da análise, coisa que, sabemos que é muito difícil. Entretanto, é uma das possíveis razões para que muitos clínicos não escrevam sobre a clínica.25

Ainda, neste mesmo sentido, Pedinielli e Fernandez26 dizem que o respeito

pela singularidade não pretende que o caso seja original para a questão que ilustra, mas que seja tratado como fenômeno inédito e que não seja reduzido àquilo de que é exemplo. A referência à história e inspirada pela realidade da prática clínica. O discurso dos sujeitos põe realmente em cena as suas dificuldades, mas exprime-o

24 PEDINIELLI, J. L.; FERNANDEZ, L. O estudo de caso e a observação clínica. Lisboa: Climepsi, 2008, p. 37.

25 MEZAN, R. Escrever a clínica. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1998, p. 145.

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muitas vezes em relação a uma cronologia: do sintoma, do seu lugar na sua vida, do seu desenrolar, da sua vida, etc. Aquilo que o sujeito nos entrega é ao mesmo tempo uma história e a sua história. As consultas, o encontro, desenrolam-se num tempo e o que é retido pelo clínico é antes de mais uma sucessão. Mas a referência à história tem origem também nas referências teóricas que orientam a prática, o clínico é sensível aos acontecimentos e aos seus efeitos no sujeito.

É importante destacar neste estudo que a noção de representação realça o fato de que não temos acesso aos fatos, mas à maneira como os percebemos e os exprimimos. É importante perceber que no fragmento de caso, admitimos que o sujeito nos diz como é que constrói o mundo, aquilo que ele vê e não aquilo que é, ele efetua uma escolha no real e fornece-nos uma atribuição de sentido.27

É por isso que às vezes apresenta-se certa preocupação em transcrever literalmente aquilo que o paciente falou. Seria o desejável, mas se não for possível não é nenhuma tragédia. Se não se consegue narrar literalmente uma sessão, significa que essa sessão já foi filtrada. É importante se perguntar: o que não consigo lembrar? Onde a minha memória se tornou confusa? A finalidade é buscar compreender o paciente. O clínico escolhe uma maneira de falar que já é uma interpretação, já é uma amostra daquilo que, ao longo das sessões, possivelmente esse paciente ouvirá dele. Este clínico considera então que a entrevista já é uma sessão; aquilo que o clínico escuta já é processado como material para a análise.28

27 PEDINIELLI, J. L.; FERNANDEZ, L. O estudo de caso e a observação clínica. Lisboa: Climepsi, 2008, p. 83.

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2 ESQUIZOFRENIA: HISTÓRIA E EVOLUÇÃO

As experiências dão-nos ocasião de examinar algo mais de perto o comportamento dos processos sexuais dos nossos doentes. Aqui, em primeiro lugar devemos assinalar o que nas descrições clínicas se deve sempre novamente realçar: que nos nossos doentes existe com grande freqüência uma forte excitação sexual, o que se dá a conhecer num organismo descontrolado, orgias e torturantes idéias sexuais de influenciamento. Especialmente nos doentes do sexo masculino, somos informados com freqüência que durante muitos anos se masturbaram constantemente.29

Neste capítulo pretendo apresentar de forma resumida a história da esquizofrenia. A história da esquizofrenia de certa forma é a história da psiquiatria. O que hoje se chama esquizofrenia foi em outra época a loucura. Na história, observa-se que a esquizofrenia passou por uma progressão de descrições que culmina na atualidade, uma esquizofrenia que se manteve com relativa estabilidade nosológica durante o último século e que ainda hoje segue resistindo. Entretanto, a esquizofrenia continua sendo uma doença mental que encerra muitas incertezas e questões importantes.

Olhando a partir da história da doença mental, o século XX foi o século da esquizofrenia. Apareceu com ele com o nome de demência precoce, mas alçou voo logo que Eugèn Bleuler30 (1857-1939) forjou, para instituir, este neologismo que evoca um temível enigma que, pouco a pouco, se tornou sinônimo de loucura.31

29 KRAEPELIN, E. A demência precoce: parafrenias. In: Obras de Emil Kraepelin. 2ª parte. Lisboa: Clímepsi, 2005, p. 70.

30 Eugène Bleuler nasceu no dia 30 de abril de 1857 em Zollikon. Em 1911 revolucionou a psiquiatria com o termo esquizofrenia (Cf. POSTEL, J.; QUÉTEL, C. História de la psiquiatria. México: FCE,1993, p. 598).

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A esquizofrenia causa uma efervescência tal que se pode prognosticar de acordo com Jean Garrabé o seu desaparecimento, pelo menos com esta denominação, nos próximos anos. Que outro neologismo surgirá para substituir, se a ela neste século XXI, conservando o lugar que ela ocupa atualmente nas diversas culturas em que a medicina recorre a este conceito em todo o mundo?32

Assim, antes que desapareça pelo menos com essa designação como já mencionei, considero importante nesse estudo um mergulho na história da esquizofrenia. Para tanto, vou recorrer ao psiquiatra, psicanalista e historiador francês Jean Garrabé que escreveu sobre a esquizofrenia de maneira espetacular. Vou iniciar com uma pergunta: Foi Bénédict-Augustin Morel (1809-1873) o primeiro a descrever a demência precoce? Garrabé vai responder não só essa questão, mas muitas outras que irão surgir ao longo deste capítulo.

2.1 A demência precoce

Para Garrabé,33 Morel, foi o primeiro a descrever a demência precoce, quer seja para lhe conferirem esse mérito ou, pelo contrário, para denunciar a inconsistência do quadro clínico descrito como os antipsiquiatras britânicos, são os historiadores franceses da psiquiatria que contestam esta prioridade. Entretanto, foi o clima de patriotismo exagerado e vingativo de 1874 que contribuiu

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significativamente para atribuir a Morel a paternidade da demência precoce, a fim de fazer uma oposição a Kraepelin (1856-1926).34

A oposição que irá ser estabelecida entre Morel e Kraepelin funda-se não só na precedência dos seus trabalhos sobre a demência, o que seria absurdo devido ao período considerável que os separa – os do primeiro são de 1832 e os do segundo, são de 1899 – mas sobre dois pontos essenciais, o da extensão para conferir o novo conceito isolado e o da sua etiologia suposta.35

Para Garrabé,36 Morel parece já ter tudo visto, tudo notado, em especial os sinais considerados característicos da demência precoce, a sugestibilidade, a estereotipia das atitudes, dos gestos e da linguagem, a catatonia, os tique bizarros, o negativismo, que ele designou por uma palavra bem semelhante, niilismo, tudo, até a forma estranha de andar, que ele compara em um dos seus pacientes.

São estes os principais sinais que serão encontrados nas descrições posteriores e por, isso, não se pode deixar de surpreender que se discuta a anterioridade de Morel. Esta discussão explica-se, talvez, pela dissociação da publicação dos seus trabalhos sobre a demência precoce entre duas das suas obras. Primeiro os Études cliniques e depois o Traité des maladies mentales. Morel é especialmente celebre por outro tratado, o Traité des Dégénérescences physiques,

intellectuelles et morales de l‟espèce humaine publicado em 1859, entre as duas obras em que ele trata da demência precoce e que, pelo contrário, não a menciona,

34 Emil Kraepelin nasceu em 15 de dezembro de 1856 em Neustrelitz. Foi ele que em relação à demência precoce conferiu unidade e extensão particulares ao agrupar três tipos clínicos principais. (Cf. POSTEL, J.; QUÉTEL, C. História de la psiquiatria. México: FCE,1993, p. 679).

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o que prova que para ele esta etiologia não era um dado essencial da definição da entidade clínica que acabou lembrando mais tarde de descrever.37

Jean Garrabé diz que alguns historiadores parecem confundir os dois Traités, fazem um julgamento diferente sobre o verdadeiro lugar à demência precoce de Morel na história da esquizofrenia. Entretanto, Eugène Minkowski (1885-1972) na Gènese de la notion de Schyzophrénie escreveu que um abismo separa, ao que parece, a demência precoce de Morel da demência precoce de Kraepelin. O rio transformou-se em corrente tumultuosa que, esquecendo as suas origens modestas, ameaça tudo submergir à sua passagem. Morel fala de demência precoce nos seus Études cliniques, trata-se de casos que ocorreram em jovens e que se caracterizam por uma transição rápida para a demência. No Traité, a demência precoce desempenha um papel ainda, mais apagado, ela nem mesmo é mencionada no sumário.38 Nesta análise crítica de Minkowski o que chama a atenção é que ele evidencia precisamente a originalidade da descrição de Morel, que desde muito cedo soube sublinhar os traços essenciais e que constitui bem a nascente desta corrente que se tornará um verdadeiro rio.

É importante deixar claro que Morel acreditava que a demência precoce era uma afecção de natureza constitucional, ele a incluía dentro das loucuras hereditárias de existência intelectual limitada, com transição irremediável à idiotia.39

Entretanto, a demência precoce encontra, naturalmente, o seu lugar enquanto paraphrenia hebetica e a demência senil enquanto paraphrenia senilis, distinguindo assim a idade de aparecimento da demência, que é um dos pontos essenciais da

37 GARRABÉ, J. (1992). História da Esquizofrenia. Lisboa: Climepsi, 2004, p. 18. 38 Idem, p. 19.

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descrição de Morel, como o critério discriminativo essencial destas entidades.40 Em seguida, ao longo da história da esquizofrenia, Kraepelin e depois Freud darão à ―parafrenia‖ outros sentidos que não se importarão, mas que farão esquecer o

sentido original e, por isso, primordial.

Um estado a que se chamava heboidofrenia ou heboidia para sublinhar, além do seu parentesco com a hebefrenia, foi descrito por Kahlbaum41 (1828-1899) em 1889. Este estado mórbido aparece também antes da idade adulta, mas a sua sintomologia é completamente diferente, as perturbações têm antes de mais a ver com o comportamento, com aquilo que constitui a subjetividade sob o ponto de vista social. Elas consistem em desvios da vida pulsional e da moralidade que vão, nos casos extremos, até aos atos criminosos. Não se trata, portanto, de uma forma clínica de hebefrenia, mas de um segundo gênero do grupo das psicoses hebéticas. Esta entidade colocará grandes problemas aos pesquisadores que mais tarde irão propor concepções sintéticas que agrupam o conjunto destes dados diferentes e que não chegarão a incluir na sua síntese a heboidofrenia.42

Garrabé diz que os pesquisadores conservarão o quadro clínico descrito sob este nome e irão retomar com outra designação na sua nosologia. Descrição clínica de um estado classificado como ―demência juvenil‖ ou ―precoce‖ devido à idade de

início e à rapidez da evolução demencial, estado que se pode explicar pela teoria, aplicada às loucuras hereditárias.43

40 GARRABÉ, J. (1992). História da Esquizofrenia. Lisboa: Climepsi, 2004, p. 31.

41 Karl Ludwig Kahlbaum nasceu em dezembro de 1828. Sua obra é essencialmente descritiva e classificatória. Em 1863 publicou uma classificação das doenças mentais (Cf. POSTEL, J.; QUÉTEL, C. História de la psiquiatria. México: FCE,1993, p. 676).

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Pode se pensar que para a nosologia Kraepeliniana à qual hoje em dia se continua a referir, quer para aceitá-la quer para recusá-la, foi descrita como um sistema de rigidez absoluta. A propósito do que nela constitui um elemento fundamental, a demência precoce, foi na verdade, elaborada de forma empírica com formulações sucessivas muito diferentes umas das outras, em função das constatações feitas pelo próprio Kraepelin, ao longo da sua carreira, ou dos comentários críticos a que atendia.44

Entretanto, o curso da história irá ser modificado radicalmente em 1911 devido à publicação do texto de Eugène Bleuler sobre o ―grupo das esquizofrenias‖, texto este revolucionário. Assim sendo, Kraepelin libertou, na verdade, no fim do século XIX, no campo da ―loucura propriamente dita‖, por um lado, fronteira por ele traçada e muito respeitada, e por outro lado a paranoia, fronteira esta que ele próprio fez flutuar, um espaço em que se poderá desenvolver uma terceira linha: demência precoce e depois esquizofrenia.45

Alguns pesquisadores alemães fizeram oposição à concepção de Kraepelin, divergindo dele em diversos pontos. O primeiro é a dificuldade de admitir que estado cuja clínica seja tão diferente como a hebefrenia com as suas perturbações formais da linguagem, a catatonia com as suas espetaculares manifestações psicomotoras e os delírios paranoides com a sua intensa atividade alucinatória possam não ser senão simples formas de uma única doença. A relação sintomatológica que Kraepelin propõe para dar a classificação completa da demência precoce. O segundo é o critério adotado para justificar essa unificação, não o critério evolutivo em si mesmo comumente admitido como um excelente critério nosológico, mas o

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fato de ter sido apenas adotado o estado terminal.46 Para Garrabé o diagnóstico de demência precoce só podia confirmar-se neste estado de certa forma retrospectivamente, enquanto o diagnóstico de uma doença deve ser tão precoce quanto possível para que se possa, precisamente, prever o respectivo prognóstico.

Kraepelin caracteriza os sintomas como alucinações, delírios, negativismo, comportamento estereotipado. O negativismo é descrito assim pela primeira vez e os tipos hebefrênico, catatônico e paranoide.47

Entretanto, a evolução não se faz sempre no sentido do enfraquecimento intelectual. O enfraquecimento não é uma verdadeira demência, pode-se brincar com esta demência sem demência, a denominação demência precoce é particularmente inadequada para designar esta nova doença que Kraepelin pretende ter definido em 1899, ao passo que ela convinha perfeitamente à definida finalmente de forma muito mais rigorosa meio século mais cedo na descrição clínica de Morel.48

Kraepelin falava, na verdade, que ela era devida a uma autointoxicação por substâncias de origem sexual, cuja classe ele, não podia precisar, substâncias que, acumuladas no organismo, atingiam, o cérebro. O que se notava era que a sexualidade dos dementes precoces se encontra perturbada, porque na grande maioria dos casos os aspirantes à hebefrenia são de uma frigidez quase absoluta.49

Entretanto, Germán Berrios diz que Kraepelin vangloriava-se de ter renunciado a procurar um significado para os sintomas observados e de já não os considerar senão como sinais objetivos ou quase objetivos desta ou daquela doença. Quando Kraepelin falava de negativismo para designar um comportamento

46 GARRABÉ, J. (1992). História da Esquizofrenia. Lisboa: Climepsi, 2004, p. 40.

47 SHIRAKAWA, I. Esquizofrenia: histórico e conceito. Jornal Brasileiro de Psiquiatria. v. 38, nº. 4, p. 154-156, Jul./ago. 1989.

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motor, é evidente que ele conferia um significado a este comportamento e que, por consequência, só aparentemente tinha renunciado à análise psicológica.50

Quando Kraepelin pretendia abandonar esta ferramenta preciosa para o estudo da demência precoce, Freud estava precisamente a ponto de elucidar pela análise psicológica ou a psicanálise – elas eram ainda praticamente a mesma coisa –, os mistérios da loucura histérica, descobrindo o primeiro a dissociação da consciência e o segundo o recalcamento, que na época significavam quase a mesma coisa. Porém, chegou o tempo em que Bleuler vai aplicar esta psicanálise nascente à demência precoce. 51

Entretanto, a demência precoce passou a ser ―esquizofrenia‖ em um livro publicado por Bleuler em 1911: essa ideia surgiu provavelmente a partir de um esforço intelectual coletivo realizado no Hospital Burgholzli em Zurich. As ideias de Bleuler sobre a esquizofrenia foram configuradas pelas ideias de Kraepelin.52 Julgo importante a ideia de Berrios, pois só vem reforçar aquilo que se pensa, que a psiquiátrica é sem dúvida formada pelo pensamento e a prática de muitos.

2.2 A esquizofrenia

É importante destacar que foi Bleuler que criou o neologismo ―esquizofrenia‖ para assinalar a ruptura da sua concepção com Kraepelin. Não é relativamente à nosologia em que ele se baseia, mas na aplicação da análise psicológica, que

50 BERRIOS, G. Historia de los sintomas de los delírios transtornos mentales. México: FCE, 2008, p. 114.

51 GARRABÉ, J. (1992). História da Esquizofrenia. Lisboa: Climepsi, 2004, p. 43.

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estava perto de se tornar a psicanálise, ao estudo da demência precoce. Bleuler já não pretendia, como o seu ilustre predecessor, descrever os sinais objetivos de uma doença; recorre, pelo contrário, à psicopatologia para descrever um certo número de sintomas fundamentais em que assenta a unidade deste grupo de psicoses com características comuns, posição de certa forma mediadora entre a dos defensores da psicose e a dos oponentes do agrupamento considerado artificial de psicoses distintas na demência precoce. Bleuler propõe que se divida a demência precoce em quatro subgrupos: a forma paranoide; a catatonia, em conformidade, com as descrições clássicas; a hebefrenia, em que se manifestam os sinais que ele considera acessórios; e por fim a esquizofrenia simples na qual, pelo contrário, apenas se observam os sintomas fundamentais.53

Os sintomas que Bleuler chama de fundamentais estão presentes em todos os casos de esquizofrenia, ou seja, a perturbação das associações, a ambivalência e autismo. Já os sintomas acessórios podem ou não ocorrer em determinados tipos, como os delírios, alucinações e sintomas psicomotores.54

Outro ponto importante são os sinais que correspondem à sintomatologia até então mantida nas descrições, de forma que não se ver bem a que quadro clínico pode corresponder esta esquizofrenia simples na qual, Bleuler refere que não se observa senão os sintomas fundamentais em que, infelizmente, ele indica de forma precisa como é que eles se manifestam clinicamente. Aquilo que Bleuler designa como ―sintomas fundamentais‖ da esquizofrenia não constitui uma sintomatologia propriamente dita, isto é, um conjunto de fenômenos que possa ser observado

53 GARRABÉ, J. (1992). História da Esquizofrenia. Lisboa: Climepsi, 2004, p. 47.

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diretamente, observado na clínica, mas antes uma hermenêutica, a interpretação psicopatológica que se pode dar a estes fenômenos.55

Sua análise nas perturbações das associações comprovadas pelos testes que explicam a alteração de funções elementares, as perturbações da afetividade que explicam, por sua vez, a aparente indiferença, ou antes a discordância dos sentimentos, a ambivalência ou ―tendência à esquizofrenia‖ para considerar ao mesmo tempo sob dois aspectos diferentes, negativos e positivos, os diversos atos psicológicos, ambivalência que nem sempre é muito marcada, mas que existe.56

O sentido da realidade não está totalmente ausente no esquizofrênico. Este só carece dele para certas coisas que estão em contradição com os seus complexos. Os esquizofrênicos provam sempre que o sentido da realidade não se encontra para eles perdido, que ele está abolido apenas em relação a certos contatos. A substituição da demência precoce pela esquizofrenia permite a Bleuler acentuar que esta não é senão uma “pseudodemência”, resultante da ação combinada da perturbação das associações, da discordância afetiva e critério unitário do grupo.57

Entretanto, observa-se a ideia que se considere na teoria psicanalítica o delírio como uma tentativa de cura, de reinvestimento da libido.58 Bleuler utiliza a psicanálise como teoria explicativa na sua apresentação na esquizofrenia, ele não a menciona como meio terapêutico.

55 GARRABÉ, J. (1992). História da Esquizofrenia. Lisboa: Climepsi, 2004, p. 49. 56 Idem.

57 Idem.

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2.3 Esquizofrenia e libido

Em 1911 foi publicado por Jung um trabalho com o título Métamorphoses et Symboles de la libido, que foi profundamente reformulado quarenta anos mais tarde para se tornar Métamorphoses de l‟âme et ses symboles, mudança de título que reflete na mudança de conteúdo. Uma parte interessante é a que foi dedicada à metamorfose do conceito freudiano de libido. Para ele, este termo introduzido por Freud não está certamente destituído de conotações sexuais, mas ao mesmo tempo é necessário afastar integralmente qualquer definição exclusiva e unilateralmente sexual desta noção.59

Jung interroga se a perda do real para a qual tinha chamado a atenção na sua Psychologi de la démence précoce deve ser reconduzida a uma ausência apenas do estado libidinoso ou se, pelo contrário, ela se confunde com aquilo a que se chama interesse objetivo em geral. Já não se pode admitir que a ―função do real‖ normal não seja mantida senão por relações de libido, quer dizer, pelo interesse erótico. Na verdade, em muitos casos, a realidade em geral desaparece.60

Para Jean Garrabé,61 a impossibilidade de explicar pela teoria sexual da libido

o autoerotismo, que Bleuler considerava, como uma perturbação fundamental das relações com o mundo externo da esquizofrenia, levou Jung a metamorforsear também a sua interpretação psicanalítica, pois esta já não se baseava na análise da organização libidinal, mas sim na análise das estruturas da alma humana.

59 GARRABÉ, J. (1992). História da Esquizofrenia. Lisboa: Climepsi, 2004, p. 57. 60 Idem.

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Todavia, para o historiador Jean Garrabé,62 Freud citou Abraham63 (1877-1925) de forma bastante injusta como aquele que primeiro estabeleceu que o fato da libido se desinteressar pelo mundo externo constitui um caráter particularmente claro da demência precoce. Escreveu que a demência precoce extingue a capacidade de transferência sexual, de amor objetal e que a ―autoestima sexual‖ refletida sobre o ego, ou autoerótica, é a fonte do delírio de grandeza da demência precoce o que o leva a concluir que é o autoerotismo que distinguia a demência precoce da histeria.

As palavras de Freud:

Do ponto de vista da teoria da libido, embora se assemelhe à demência precoce na medida em que a repressão propriamente dita em ambas as moléstias teria o mesmo aspecto principal desligamento da libido, juntamente com sua regressão para o ego, ela se distinguiria da demência precoce por ter sua fixação disposicional diferentemente localizada e por possuir um mecanismo diverso para o retorno do reprimido (isto é, para a formação de sintomas). Parecer-me-ia plano mais conveniente dar à demência precoce o nome de parafrenia. Este termo não possui conotação especial e serviria para indicar um relacionamento com a paranóia (nome que não pode ser modificado) e, além disso, relembraria a hebefrenia, entidade que hoje se acha fundida com a demência precoce. É verdade que o nome já foi proposto para outros fins, mas isto não precisa nos preocupar, visto que as aplicações alternativas ainda não passaram para uso geral. Abraham muito convincentemente demonstrou que o afastamento da libido do mundo externo é uma característica particular e claramente marcada da demência precoce. Desta característica inferimos que a repressão é efetuada por meio do desligamento da libido. Aqui, mais uma vez, podemos considerar a fase de alucinações violentas como uma luta entre a repressão e uma tentativa de restabelecimento, por devolver a libido novamente a seus objetos. Jung, com extraordinário acume analítico, percebeu que os delírios e estereótipos motores que ocorrem nessa perturbação são os resíduos de antigas catexias objetais, que se apegam com grande persistência. Essa tentativa de restabelecimento, que os observadores equivocadamente tomam

62 GARRABÉ, J. (1992). História da Esquizofrenia. Lisboa: Climepsi, 2004, p. 62.

(47)

pela própria doença, não faz uso da projeção, como na paranóia, mas emprega um mecanismo alucinatório. Este é um dos principais aspectos em que a demência precoce difere da paranóia e esta diferença pode ser geneticamente explicada a partir de outro ângulo. A segunda diferença é demonstrada pelo resultado da doença naqueles casos em que o processo não permaneceu demasiadamente restrito. O prognóstico, em geral, é mais desfavorável do que na paranóia. A vitória fica com a reconstrução. A regressão estende-se não simplesmente ao narcisismo (manifestando-se sob a forma de megalomania), mas a um completo abandono do amor objetal e um retorno ao auto-erotismo infantil. A fixação disposicional deve, portanto, achar-se situada mais atrás do que na paranóia, e residir em algum lugar no início do curso do desenvolvimento entre o auto-erotismo e o amor objetal. Além disso, não é de modo algum provável que impulsos homossexuais, tão freqüentemente talvez invariavelmente encontrados na paranóia, desempenham papel igualmente importante na etiologia dessa enfermidade muito mais abrangente, a demência precoce.64

O desinteresse da libido, além do investimento abrasador do objeto, a perda da capacidade de sublimar, além de uma sublimação aumentada, Jung já tinha desenvolvido, desde 1906, esta ideia do desinteresse da libido pelo mundo externo. Em contrapartida, Freud atribuiu a Jung o mérito exclusivo de ter reconhecido com uma extraordinária importância analítica que as ideias delirantes não são o resultado de esforços desesperados para restabelecer os investimentos objetais.65

A evolução da demência precoce fornece o segundo caráter diferencial. Ela é em geral menos favorável do que a da paranoia, a vitória não reside como nesta última afecção, na reconstrução, mas na repressão. A regressão não se contenta em atingir o estádio do narcisismo (que se exprime pelo delírio de grandeza), ela vai até ao abandono completo do amor objetal e ao regresso ao autoerotismo infantil. Entretanto, não é nada provável que os pensamentos homossexuais que se encontram tão frequentemente, na paranoia, desempenhem um papel de igual

64 FREUD, S. (1911). Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranóia. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1972. v.XII, p. 100-102.

Referências

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