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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

No documento A sexualidade na esquizofrenia (páginas 112-118)

A pulsão sexual nasce e morre com o homem, criando-lhe problemas desde a infância até a velhice. Não se torna conhecido pela maioria das pessoas e por isso mesmo não podendo ser controlada, educada e orientada convenientemente, mais tarde vem cobrar dos menos avisados tributos dos mais caros e penosos.166

Escrever as considerações finais deste estudo não é uma tarefa simples, pois de modo algum, ele pode ser entendido como acabado, concluído. Ao escrever estas considerações finais descobri ter deixado mais perguntas do que respostas. Neste estudo, buscou-se entender como se expressa a sexualidade na esquizofrenia, sobretudo em esquizofrênicos do sexo masculino que passaram por internação psiquiátrica. Entretanto, a verificação da hipótese proposta trouxe algumas respostas, mas foi inevitável o surgimento de novas perguntas. Tinha-se como hipótese que é pela via do delírio que a sexualidade na esquizofrenia se expressa mais exacerbadamente.

Meu percurso partiu da clínica da esquizofrenia, da experiência e da convivência com pacientes esquizofrênicos do sexo masculino e dos embaraços que a clínica tem me colocado quando encontro pacientes que simplesmente não conseguem viver sem a internação psiquiátrica. Não conseguem viver sem a internação psiquiátrica por diversas razões, mas uma delas não deixa de me chamara a atenção, o ambiente familiar não é acolhedor, muitas vezes é agressivo e oferta maus tratos ao esquizofrênico. Em cada reinternação o paciente sofre uma perda claramente observada, talvez porque a psiquiatria ao longo da sua história sempre contou com armas, como: a medicação, a contenção mecânica, a

conversação e o encontro individual. Acredito que são armas frágeis para tratar a esquizofrenia. Mas o que impulsionou esse estudo foi tentar entender como esses esquizofrênicos expressam sua sexualidade. Esse foi o objetivo deste estudo.

Ao longo deste estudo me perguntei diversas vezes porque os esquizofrênicos têm uma carência de relações íntimas, de expressar sua sexualidade? E o fato da sexualidade não ser reconhecida no ―ambiente psiquiátrico‖? Será se os profissionais da saúde mental não se sentem bem quando se deparam com as questões relacionadas com a sexualidade do esquizofrênico? Observo que muitos profissionais apresentam certo temor do esquizofrênico não saber lidar com sua sexualidade, suscitando situações inapropriadas, constrangedoras. No entanto, acredito que esse tipo de pensamento deve ser mudado, pois nunca se deve declinar da responsabilidade da mudança até que enfim ela aconteça. Aliás, observa-se que no ambiente familiar acontece o mesmo, tratam o esquizofrênico como incapaz. Como os pais de João falavam “ele não tem condição de namorar, casar, ter filhos, só depois que ficar curado”.

Não considero o esquizofrênico um incapaz. Embora a medicação traga algumas dificuldades na ereção, orgasmo e satisfação sexual, os pacientes esquizofrênicos, como outros seres humanos, têm desejo sexual e o reconhecimento do mesmo é muito importante para a qualidade de vida desses sujeitos. Mas é certo que as condutas sexuais impróprias e os medos ligados ao sexual podem gerar grandes obstáculos para o esquizofrênico.

Entretanto, reconheço que as condutas sexuais impróprias do esquizofrênico podem chegar a ser muito problemáticas no ambiente psiquiátrico, onde se deve manter a necessidade de tratamento do paciente, sua proteção e a preservação da sua liberdade individual. Lembro aqui um paciente que gostava de sair beijando as

pessoas, e os profissionais falavam para ele que ali não era lugar para beijar, mas existe um lugar para beijar? Talvez essa fosse uma pergunta que o paciente fazia, ou eu neuroticamente o faço em seu lugar. O beijo é um desejo de incorporar e ser incorporado e esse desejo se manifesta como uma experiência amorosa.

E quando falamos de experiência amorosa, sexualidade na esquizofrenia, verifica-se que esta é uma experiência presente no esquizofrênico, para tanto é só observar os fragmentos de caso apresentados. Assim, podemos dizer que a hipótese levantada foi confirmada. O delírio brinda o esquizofrênico com a necessidade de manter o desejo sexual vivo, cabe ao esquizofrênico encontrar maneiras de satisfazê-lo, seja através de esperar alguém com o pênis ereto no buraco de um cobertor, ou paquerando as mulheres na praça, ou pulando a janela da mulher amada, ou passando trote para as mulheres, ou teclando pela internet, etc. No entanto, o esquizofrênico é um sujeito errante, estranho, assim, seria desnecessário dizer que o esquizofrênico nem sempre tem sucesso na forma que encontra para expressar sua sexualidade.

Se para alguns a sexualidade na esquizofrenia é uma prática desumana, por que o esquizofrênico é visto como um louco ou simplesmente um coitadinho ou quem sabe um morto vivo, talvez precise reconsiderar suas ideias sobre o que é um esquizofrênico, e quem sabe descubra que o esquizofrênico é tão humano como qualquer outra pessoa. Não é só porque é esquizofrênico que não tenha o direito de expressar sua sexualidade.

Se já é difícil para o esquizofrênico expressar sua sexualidade, com o olhar preconceituoso dos profissionais e dos familiares fica ainda mais difícil para esses sujeitos encontrar um lugar neste mundo e melhorar sua qualidade de vida.

Como vimos no capítulo 4, Díaz-Morfa,167 nos diz que muitos esquizofrênicos têm uma vida sexual ativa. Acredita-se que uma vida sexual satisfatória pode trazer uma melhora na qualidade de vida desses sujeitos.

No entanto, a indicação que deixo, para os profissionais que lidam com esquizofrênicos não é muito pretensiosa. Ela aponta em direção à escuta, a observação, o respeito e a humildade de aprender com esses pacientes todos os dias. Humildade aqui almeja destacar o respeito pelos esquizofrênicos. Como fazia São João de Deus que se curvava e lava os pés dos doentes quando chegavam no seu hospital na cidade de Granada.

Afinal, é sempre bom recomendar aos profissionais da saúde mental que abandonem a crença de que possuem muito pouco para oferecer desde o ponto de vista terapêutico, pois, as questões da sexualidade na esquizofrenia confrontam os profissionais da saúde mental com importantes problemas éticos, morais e legais. No entanto, a imagem ―popular‖ do esquizofrênico é de um sujeito com condutas extravagantes, incontroladas e eticamente repugnantes. Mas quando se convive com esses pacientes percebe-se que a conduta dos esquizofrênicos é ―normal‖ ou ―reduzida‖ se comparamos com a população em geral. Não é comum como se imagina os esquizofrênicos exibirem condutas extravagantes.

Sendo o esquizofrênico um sujeito excêntrico, ―desajuizado‖ e extremamente vulnerável, cabe aos familiares e aos profissionais da saúde orientar em relação à prática de sexo seguro, pois o uso de preservativo em todas as relações sexuais deve ser orientado.

167 DÍAZ-MORFA, J. El paciente esquizofrénico y su sexualidade: condutas e transtornos

É importante frisar que muitas vezes tenho a impressão que quando falo com pacientes esquizofrênicos que o conteúdo de seus pensamentos são quase exclusivamente sexuais e assim suspeito que esses conteúdos sexualizados são oriundos do seu delírio esquizofrênico. Para o esquizofrênico, o delírio pode ser a realidade mais importante, até mesmo por ser a que mais predomina.

Às vezes parece que os esquizofrênicos têm dúvidas a cerca da sua identidade sexual, como exemplo ―mão sexual‖ (como pode ser observado no fragmento do ―caso João‖), em outro fragmento, Alex não encontrava uma namorada e colocava a culpa na mãe, pois está o obrigava a fazer as tarefas domésticas.

Entretanto, a vida em clausura na clínica psiquiátrica, a falta de habilidades sociais, as limitações impostas pelos psicotrópicos atuam como barreiras na expressão da sexualidade dos pacientes esquizofrênicos internados em psiquiatria. Assim, por exemplo, as dificuldades nas relações interpessoais e em geral o deterioramento global do sujeito vão influenciar no desenvolvimento e na manutenção de relações sexuais satisfatórias.

É interessante observar os pacientes que fizeram parte deste estudo a forma que cada um encontrou para expressa sua sexualidade e ao mesmo tempo dizer que é um ser humano que continua vivo, e mesmo com algumas limitações impostas pela esquizofrenia é capaz de desejar e porque não dizer amar. Até porque o amor é marcado por uma alteração da relação da pessoa com a realidade. Aqui o amor aproxima-se da esquizofrenia.

No entanto, como já mencionei anteriormente não tenho a pretensão de concluir o tema da ―sexualidade na esquizofrenia‖. Acredito ter deixado muitas perguntas sem respostas, o que parece ser realmente muito bom, pois me instiga a

continuar buscando respostas para as minhas inquietações. Para finalizar, é necessário dizer que é muito importante aprofundar este estudo sobre a sexualidade na esquizofrenia. Talvez eu nunca encontre resposta para todas as minhas perguntas, mas vou continuar buscando sem cessar... o que me torna um investigador e também um ―eterno aprendiz‖.

Viver! E não ter a vergonha de ser feliz. Cantar e cantar e cantar a beleza de ser um eterno aprendiz... Ah meu Deus! Eu sei, eu sei que a vida devia ser bem melhor e será, mas isso não impede que eu repita, é bonita, é bonita, e é bonita...168

168 GONZAGUINHA. Música: O que é, o que é?

No documento A sexualidade na esquizofrenia (páginas 112-118)