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INCIDeNTe De ReCUsA De ÁRBITRO: UsO e ABUsO( 1 )

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(1)

UsO e ABUsO(

)

Pelo Dr. luís Miguel Cortes Martins(2)

SUMáRIo:

1. Introdução. 2. O quadro legislativo. 3. Algumas questões. 3.1. Dever de revelação e seu âmbito. 3.2. Fundamentos de recusa, em particular a falta de qualificações do árbitro enquanto fundamento autónomo de recusa.

3.3. Tramitação do incidente de recusa e suas consequências no processo

arbitral. 3.4. O eventual dever de indemnizar do recusado. 3.5. O eventual dever de indemnizar da parte recusante. 3.6. Os honorários do árbitro recu-sado. 4. Conclusão.

1. Introdução

Nas palavras de Miguel Galvão Teles “[a] independência e a impar-cialidade de quem julga representam o requisito mínimo de um processo equitativo”(3).

e não constitui qualquer novidade dizer que a questão da indepen-dência e imparcialidade dos árbitros é um tema central e, seguramente, um dos mais decisivos da arbitragem: sem garantias de um processo justo (1) O presente texto tem origem numa comunicação realizada no XII Congresso do Centro de

Arbitragem Comercial, em Julho de 2018, passando agora à forma escrita e com ulteriores desenvolvi-mentos e actualizações.

(2) Advogado e Docente Convidado da Faculdade de Direito da Universidade Católica

Portu-guesa. Membro da Union Internationale des Avocats (UIA) e da Associação Portuguesa de Arbitra-gem, onde preside ao Conselho de Prática Arbitral Comercial.

(3) GAlvãOTeles, MIGUel, “Processo equitativo e imposição constitucional de independência e

imparcialidade dos árbitros em Portugal”, Revista de Arbitragem e Mediação, Ano 7, N.º 24, Janeiro--Março de 2010, p. 132.

(2)

Pode mesmo dizer-se, sem receio de exagero, que, actualmente, do incidente de recusa de árbitro usa-se e abusa-se! Diga-se, também, que esta tendência é comum a outras jurisdições, não estando, por isso, o nosso Direito isolado nesta matéria.

Mas sendo assim, e tornando-se, de certo modo, inevitável que assim seja, entendemos ser oportuno debruçarmo-nos sobre algumas das ques-tões que se têm vindo a suscitar e abordar alguns temas que temos por menos claros ou, tão somente, como menos estudados.

No presente artigo procuraremos analisar a regulação do incidente de recusa de árbitro, e algumas questões conexas, sobretudo com a preocupa-ção de que sirvam de mote para o debate. Tentaremos ainda abordar algu-mas questões que não têm merecido a atenção da Doutrina especializada e carecem, a nosso ver, de um maior aprofundamento e densificação.

2. O quadro legislativo

i. A independência dos árbitros

Nos termos do disposto no art. 9.º, n.º 3 da lAv, “os árbitros devem ser independentes e imparciais”.

O disposto em tal norma não encerra em si uma novidade no plano dos princípios, mas não encontra paralelo no anterior regime da arbitra-gem voluntária (lei n.º 31/86, de 29 de Agosto).

ii. Dever de revelação e a Recusa

Como corolário lógico desta regra releva o art. 13.º da lAv que, por um lado, estabelece um dever de revelação a cargo dos árbitros, e, por outro, prevê o direito de recusa de um árbitro em determinadas situações. Com efeito, quem for convidado para exercer funções de árbitro encontra-se adstrito ao dever de revelar “todas as circunstâncias que pos-sam suscitar fundadas dúvidas sobre a sua imparcialidade e independên-cia”. este dever de revelação existe igualmente em relação às circunstân-cias supervenientes — objectiva ou subjectivamente — à aceitação pelo árbitro do encargo, uma vez que a obrigação de se manter independente e imparcial perpassa todo o processo arbitral.

e, segundo aquela norma, caso se verifiquem circunstâncias que pos-sam suscitar fundadas dúvidas sobre a imparcialidade ou independência do árbitro, ou ainda se o árbitro não possuir as qualificações que as partes decidido por árbitros que verdadeiramente reúnam aquelas características

não há boa arbitragem.

esta questão é de há muito incontroversa no domínio do nosso Direito da Arbitragem, disso fazendo eco quer a Doutrina quer a Jurispru-dência. e isto é assim já desde a vigência da anterior lei da arbitragem, a lei n.º 31/86, de 29 de Agosto.

Pela sua importância, e certeira fundamentação, recorda-se aqui o Acórdão de 12 de Julho de 2011 do supremo Tribunal de Justiça(4), onde

se pode ler “[d]ecorre da configuração constitucional dos tribunais arbi-trais como verdadeiros órgãos jurisdicionais a exigência de que, na sua constituição, sejam respeitadas integralmente as notas essenciais que per-mitem identificar um tribunal, qualquer que seja a sua espécie ou tipo — e que são precisamente a independência e imparcialidade dos juízes — de todos os juízes — que o integram, incluindo os árbitros designados pela parte”.

Daí que também esteja de há muito definitivamente ultrapassada a ideia do “amigo honrado”(5): o árbitro — mesmo o (incorrectamente)

cha-mado “árbitro de parte”(6) (terminologia que se crê completamente

ultra-passada) — tem de ser independente e imparcial.

A nova lei de arbitragem voluntária, a lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro (doravante lAv) veio reforçar esse quadro garantístico da inde-pendência e imparcialidade dos árbitros, introduzindo um conjunto de dis-posições inovadoras, entre as quais a que regula a recusa de um árbitro (art. 13.º).

Assim, este incidente fundado na existência de circunstâncias que objectivamente possam suscitar fundadas dúvidas sobre a sua independên-cia e imparindependên-cialidade é um dos temas que tem suscitado não só maior debate, como dado azo a várias posições doutrinais e jurisprudenciais, uma vez que a sua suscitação junto dos tribunais judiciais tem sido relativa-mente frequente.

O tema está, pois, na ordem do dia, é cada vez mais usado nos proces-sos arbitrais e constituiu hoje um dos pontos do Direito da Arbitragem que revelam maior interesse prático.

(4) Proc. n.º 170751/08.7YIPRT.l1.s1 (lOPes DOReGO). Todos os acórdãos citados ao longo

do presente artigo estão disponíveis em <www.dgsi.pt>.

(5) Cf. a este propósito MIRANDA, AGOsTINhOPeReIRA De“Dever de revelação e direito de recusa

de árbitro — Considerações a propósito dos arts. 13.º e 14.º da lei da Arbitragem voluntária”, Revista

da ordem dos Advogados, Ano 2013, vol. Iv, Out-Dez, p. 1266, ss.

(6) Utilizando, contudo, esta terminologia, vide CORDeIRO, ANTóNIOMeNezes, Tratado da

(3)

3. Algumas questões

3.1. Dever de revelação e seu âmbito

i. A densificação da cláusula geral plasmada no artigo 13.º, n.º 1 da LAV de “circunstâncias que possam suscitar fundadas dúvi-das sobre a sua imparcialidade e independência”

Como referido, o art. 13.º da lAv impõe a quem for convidado para o cargo de árbitro que revele todas as circunstâncias que possam suscitar fundadas dúvidas sobre a sua independência e imparcialidade(7).

este dever de revelação é o instrumento adequado pelo qual o árbitro pode evitar situações de conflitos de interesse, prevenir situações ilegais, ou pelo menos embaraçosas. Na verdade, há que dizê-lo, um incidente de recusa de um árbitro cria sempre uma situação, no mínimo, desagradável e, por vezes, indesejável, não só para o árbitro visado, como para os outros integran-tes do Tribunal Arbitral, e até mesmo para todos os intervenienintegran-tes proces-suais. Por isso, é sempre preferível evitar situações dúbias ou limite, por-quanto as consequências desfavoráveis são sempre mais difíceis de controlar. É por isso que esta regra da “revelação” é hoje considerada a “norma rainha”, a pedra de toque, que permite a priori apreciar os eventuais con-flitos de interesse e incompatibilidades.

No âmbito da arbitragem institucionalizada, os centros de arbitragem (v.g. a Chambre de Commerce Internationale de Paris — CCI —, ou o Centro de Arbitragem Comercial da Câmara de Comércio e Indústria Por-tuguesa — CAC) têm já formulários de cumprimento do dever de revela-ção, com um considerável grau de exigência e detalhe.

A lAv não regula a forma que deve revestir o cumprimento deste dever de revelação — mas, por razões de certeza e segurança jurídica, cre-mos que deverá sê-lo por escrito —, nem densifica o que deve entender-se por “circunstâncias que possam suscitar fundadas dúvidas sobre a sua imparcialidade e independência”.

Ora, não densificando a norma contida no art. 13.º da lAv o referido conceito, tem competido tal tarefa à Doutrina, à Jurisprudência e mesmo

(7) sobre as noções de independência e imparcialidade vide designadamente GAlvãOTeles,

MIGUel, “A independência e imparcialidade dos árbitros como imposição constitucional”, in Estudos

em Homenagem ao Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida, vol. III, Almedina, Coimbra, 2011,

pp. 251-283; MIRANDA, AGOsTINhOPeReIRA De, Dever de revelação e direito de recusa de árbitro —

Con-siderações a propósito dos arts. 13.º e 14.º da Lei da Arbitragem Voluntária, cit., p. 1267, ss.

convencionaram, pode o árbitro ser recusado (cf. respectivo n.º 3). Note-se ainda que, de acordo com este preceito, uma parte só pode recusar um árbitro que haja designado ou em cuja designação haja participado com fundamento numa causa de que só tenha tido conhecimento após essa designação.

iii. Tramitação do incidente

A tramitação do incidente de recusa pode ser livremente acordada pelas partes, ou seguir o disposto no art. 14.º da lAv.

Dispõe esta norma que “[n]a falta de acordo, a parte que pretenda recusar um árbitro deve expor por escrito os motivos da recusa ao tribu-nal arbitral, no prazo de 15 dias a contar da data em que teve conheci-mento da constituição daquele ou da data em que teve conheciconheci-mento das circunstâncias referidas no art. 13.º Se o árbitro recusado não renunciar à função que lhe foi confiada e a parte que o designou insistir em mantê-lo, o tribunal arbitral, com participação do árbitro visado, decide sobre a recusa”.

Por último, prevê-se que “[s]e a destituição do árbitro recusado não puder ser obtida segundo o processo convencionado pelas partes ou nos termos do disposto no n.º 2 do presente artigo, a parte que recusa o árbitro pode, no prazo de 15 dias após lhe ter sido comunicada a decisão que rejeita a recusa, pedir ao tribunal estadual competente que tome uma decisão sobre a recusa, sendo aquela insusceptível de recurso. Na pendên-cia desse pedido, o tribunal arbitral, incluindo o árbitro recusado, pode prosseguir o processo arbitral e proferir sentença”.

Cumpre ainda a este propósito referir que um dos fundamentos de anulação da sentença arbitral é a irregular constituição do tribunal arbitral, aí se compreendendo a falta de independência do árbitro [cf. art. 46.º, n.º 3, alínea a), iv) da lAv].

Da análise sumária deste quadro legislativo resultam numerosas ques-tões, de entre as quais nos propomos a enunciar e problematizar as atinen-tes: (i) ao dever de revelação e seu âmbito, designadamente o problema da sobre-revelação e da densificação da cláusula geral plasmada no art. 13.º, n.º 1 da lAv de “circunstâncias que possam suscitar fundadas dúvidas sobre a sua imparcialidade e independência”; (ii) aos fundamentos de recusa, em particular à falta de qualificações do árbitro enquanto funda-mento autónomo de recusa; (iii) à tramitação do incidente de recusa e suas consequências no processo arbitral; (iv) ao eventual dever de indemnizar do recusado e do recusante; e por fim (v) aos honorários do árbitro recusado.

(4)

guesa, sustenta que “[a]s Guidelines são soft law: não aplicável, por si. Mas além disso, há que as fazer passar por um minimum de adaptações, sob pena de irrealismo. Finalmente, elas correspondem a práticas norte-americanas, discutidas no seu próprio País de origem e que a doutrina europeia propõe sejam restritivamente interpretadas. Com efeito, a reali-dade jurídica estado-unidense é muito diferente da nossa”(15).

Naturalmente que temos de reconhecer a pertinência das observações de Menezes Cordeiro, designadamente em termos da dimensão, complexi-dade e dinâmica dos mercados jurídicos que motivaram a elaboração das referidas Guidelines. e, por isso, concordamos que a sua aplicação ao nosso direito não deve ser feita de uma forma acrítica e muito menos automática. Com efeito, tendo em conta a dimensão do nosso mercado, a nossa realidade técnico-jurídica, a aplicação das referidas regras deve ser feita cum grano salis, i.e., com as adaptações que se revelarem adequadas aos concretos casos em análise. Necessidade essa que resulta manifesta desde logo, por exemplo, na aplicação da regra 3.1.3. da lista laranja (“The arbi-trator has, within the past three years, been appointed as arbiarbi-trator on two or more occasions by one of the parties, or an affiliate of one of the par-ties”.) atendendo à dimensão do mercado português e à tecnicidade das matérias em causa.

Neste âmbito, e olhando para a Jurisprudência portuguesa podemos encontrar, designadamente, casos onde foi invocada a conhecida circuns-tância do repeat arbitrator, a própria omissão do dever de revelação, o erro grosseiro de julgamento da matéria de direito, a animosidade para com uma das partes e a autoria de artigos científicos sobre a matéria em apreço no processo arbitral.

Quanto ao primeiro dos referidos casos, no Acórdão do Tribunal da Relação de lisboa, de 24 de Março de 2015(16), entendeu-se que «[a]

nomeação do mesmo árbitro nos 3 anos anteriores, pela mesma sociedade de advogados, em processos de arbitragem necessária no âmbito de lití-gios abrangidos pela Lei n.º 62/2011, em cerca de 50 arbitragens, sendo que, em 19 delas, a nomeação provém da mesma parte e/ou suas associa-das, e relativa à mesma substância ativa, correspondem a circunstâncias, que quer aos “olhos das partes”, que não as conhecia na sua totalidade e extensão, quer objetivamente, são suscetíveis de criarem fundadas dúvi-das sobre a independência e isenção do árbitro».

(15) Cf. CORDeIRO, ANTóNIOMeNezes, Tratado da Arbitragem — Comentário à Lei 63/2011, de

14 de Dezembro, cit., p. 156.

(16) Proc. n.º 1361/14.0YRlsB.l1 (MARIAADelAIDeDOMINGOs).

aos instrumentos de soft law [nos quais se incluem as conhecidas Guideli-nes on Conflicts of Interest in International Arbitration da IBA(8) —

Inter-national Bar Association, aprovadas em 2004 e revistas em 2014].

estas regras de soft law — que são, aliás, integradas na maioria dos Códigos Deontológicos no âmbito arbitral [v.g. o da Associação Portuguesa de Arbitragem(9) e o do CAC](10) —, e as respectivas listas vermelha

(irre-nunciável e re(irre-nunciável), laranja e verde (de acordo com o grau de gravidade decrescente das situações concretas aí descritas) contribuem para orientar o juízo acerca da necessidade ou não de revelação de uma determinada circuns-tância e da existência de uma situação de conflito de interesses(11).

No que ao papel da soft law respeita, o já referido Acórdão do supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Julho de 2011(12), proferido ainda

no domínio da anterior lAv, é paradigmático na defesa da aplicação à arbitragem nacional dessas regras. Também no domínio da actual lAv, variada Jurisprudência, fundamentalmente do Tribunal da Relação de lis-boa, tem vindo a aplicar uniformemente as regras de soft law, maxime as Guidelines da IBA, ainda que com diferentes matizes(13).

Mas esta orientação não é unânime.

existem pelo menos duas decisões em sentido contrário do Tribunal Central Administrativo sul(14), decisões estas sobretudo ancoradas na

posição de Menezes Cordeiro.

Com efeito, este Autor, sublinhando as diferenças entre a realidade para a qual foram pensadas as referidas Guidelines, e a realidade portu-(8) Que podem ser consultadas em

<https://a.storyblok.com/f/46533/x/104481d2b4/iba-gui-delines-conflicts-of-interests-in-intl-arb-2014.pdf>.

(9) Cf. o respectivo art. 2.º, podendo ser consultado em <https://arbitragem.pt/pt/conselhos/

deontologia/boas-praticas/apa>.

(10) Cf. art. 1.º, n.º 3, disponível em <https://centrodearbitragem.pt/images/pdfs/legislacao

_e_Regulamentos/Regulamento_de_Arbitragem/Codigo_Deontologico_2014.pdf>.

(11) sobre as Guidelines da IBA e as respectivas listas, vide designadamente CORDeIRO, ANTóNIO

MeNezes, Tratado da Arbitragem — Comentário à Lei 63/2011, de 14 de Dezembro, cit., pp. 153 e 154

e Alves, RUTe, “O dever de revelação dos árbitros em Portugal”, in IX Congresso do Centro de

Arbitra-gem Comercial, Almedina, Coimbra, 2016, pp. 190-198.

(12) Proc. n.º 170751/08.7YIPRT.l1.s1 (lOPes DOReGO).

(13) Cf. designadamente, os Acórdãos do Tribunal da Relação de lisboa de 24 de Março de

2015, proc. n.º 1361/14.0YRlsB.l1 (MARIAADelAIDeDOMINGOs), de 29 de setembro de 2015, proc.

n.º 827/15.9YRlsB-1 (AFONsOheNRIQUe), de 13 de setembro de 2016, proc. n.º 581/16.7YRlsB.-1

(RIJOFeRReIRA), de 3 de Outubro de 2017, proc. n.º 1177/17.1YRlsB-7 (MARIAAMÉlIARIBeIRO), de 1 de

Fevereiro de 2018, proc. n.º 1320/17.0YRlsB-8 (CARlAMeNDes), de 22 de Janeiro de 2019, proc.

n.º 1574/18.5YRlsB.l1-7 (JOsÉCAPACeTe) e de 23 de Janeiro de 2020, proc. n.º 661/18.4YRlsB-2

(ARlINDOCRUA).

(14) Cf. Acórdãos de 30 de Agosto de 2016, proc. n.º 13580/16 (CRIsTINA DOssANTOs) e de 16 de

(5)

arbitragem num domínio altamente especializado, seria inviabilizado por-quanto, os especialistas nestas matérias, estariam arredados das arbitra-gens que versam justamente sobre uma das temáticas centrais que elege-ram para a sua investigação. Num domínio altamente especializado, inevitavelmente, tais árbitros, verdadeiramente especialistas, já terão reflectido e expresso a sua reflexão sobre questões de direito recorrentes nesta matéria, nomeadamente, sanção pecuniária compulsória, transmis-são de AIM, admissibilidade de defesa por excepção através da invocação da invalidade da patente, etc.”».

Da análise da nossa Jurisprudência recente resulta que os Tribunais por-tugueses têm não só acolhido adequadamente as referidas regras de soft law, como decidido acertadamente um conjunto de questões que muito contri-buem para a densificação dos conceitos gerais expressos no art. 13.º da lAv. e têm-no feito numa perspectiva de análise rigorosa dos deveres do árbitro, sendo restritivos na concessão da recusa. Temos por boa esta orientação.

Assim, atenta a experiência jurisprudencial que temos, não parece sensato fazer “tábua rasa” das referidas regras de soft law. Na verdade, embora não sendo vinculativas, nem pensadas directamente para o mer-cado português, como já se referiu, constituem um repositório de experiên-cia adquirida que é de muita utilidade na apreexperiên-ciação e avaliação dos casos seja por parte dos árbitros seja pelas partes. Como tem sido salientado nas decisões que analisámos.

haverá assim que reconhecer que na questão do conteúdo do dever de revelação importa considerar que os respectivos contornos variarão em função das circunstâncias do caso concreto, desde logo, em função da con-creta actividade profissional do árbitro, não sendo muitas vezes possível estabelecer regras gerais — v.g. a actividade de um jurisconsulto por con-traponto à de um advogado, uma vez que, como é evidente, não é igual a situação do advogado que há muitos anos trabalha com uma parte, à do jurisconsulto que apenas elaborou a pedido dessa parte determinado pare-cer (não é por acaso que as Guidelines da IBA colocam na lista verde a emissão de opiniões jurídicas anteriores — cf. regra 4.1. — e na lista laranja a existência de relações profissionais entre o árbitro e a parte nos últimos anos — cf. regra 3.4.).

O juízo acerca das circunstâncias que carecem de ser reveladas não é um juízo a ser feito do prisma subjectivo do árbitro, devendo o árbitro ana-lisar a situação “aos olhos das partes”(22). Mas também, a nosso ver, não

(22) Cf. JOsÉMIGUelJúDICe, em anotação ao art. 13.º da lAv, in AA.vv., Lei da Arbitragem

Voluntária Anotada, 4.ª ed. revista e actualizada, Almedina, Coimbra, 2019, p. 65.

Ao invés, a invocação da existência de uma situação de repeat arbi-trator não foi procedente nos Acórdãos da Relação de lisboa de 29 de setembro de 2015, 13 de setembro de 2016, 3 de Outubro de 2017, 1 de Fevereiro de 2018 e 22 de Janeiro de 2019(17) e do Tribunal Central

Admi-nistrativo sul, de 16 de Fevereiro de 2017(18), por aí se ter entendido não

ser a mera repetição suficiente para fundar a recusa.

em relação à invocação da existência de um alegado erro grosseiro de julgamento da matéria de direito como motivo para suscitar fundadas dúvidas sobre a imparcialidade ou independência do árbitro, entendeu-se no Acórdão do Tribunal da Relação de lisboa, de 26 de Fevereiro de 2015(19), que “[n]ão pode sindicar-se em sede de incidente de recusa de

árbitros a actividade decisória destes, não interessando apurar se a são proferida é justa, equilibrada ou conforme ao direito. ademais a deci-são tomada sobre a excepção da caducidade era e é recorrível” e que “[s]aber se determinada decisão é manifesto e grosseiro erro de julga-mento da matéria de direito, e se violou de forma manifesta e grosseira o disposto no direito positivo, já tem a ver com o mérito ou demérito da decisão, a averiguar em sede de legal sindicância”, não constituindo, por isso, aquela invocação fundamento de recusa do árbitro.

No Acórdão do Tribunal da Relação de lisboa, de 3 de Outubro de 2017(20), para além da invocação da múltipla nomeação do árbitro visado, a

parte recusante invocou ainda que o árbitro em causa revelou animosidade para com a sua posição, invocação esta que a Relação considerou destituída de fundamento, desde logo porque o despacho em causa onde o árbitro ale-gadamente havia relevado tal animosidade resultou de uma deliberação unâ-nime dos membros do tribunal arbitral, não tendo também a Relação descor-tinado a existência de alusões que objectivamente extravasassem “o mero campo consentido pela análise crítica das circunstâncias processuais”.

Por último, quanto ao fundamento de o árbitro ter publicado artigos científicos expressando posições sobre a matéria em causa, entendeu mais uma vez a Relação de lisboa(21) que tal não constituía fundamento de

recusa, mais ainda quando esteja em causa uma arbitragem num domínio especializado, já que «“a concretização de um dos objectivos precípuos da (17) Respectivamente, procs. n.os827/15.9YRlsB-1 (AFONsOheNRIQUe), 581/16.7YRlsB.-1

(RIJOFeRReIRA), 1177/17.1YRlsB-7 (MARIAAMÉlIARIBeIRO), 1320/17.0YRlsB-8 (CARlAMeNDes) e

1574/18.5YRlsB.l1-7 (JOsÉCAPACeTe).

(18) Proc. n.º 20011/16.3BClsB (PAUlOPeReIRAGOUveIA).

(19) Proc. n.º 575/14.7YRlsB.l1-8 (RUIMOURA).

(20) Proc. n.º 1177/17.1YRlsB-7 (MARIAAMÉlIARIBeIRO).

(6)

Recomendaciones del Club Español del Arbitraje relativas a la Indepen-dencia e Imparcialidad de los árbitros(28), “[l]a total transparencia

genera también el riesgo del abuso. Una parte que quiera torpedear el arbitraje puede utilizar la información facilitada para justificar una recu-sación improcedente. Por esta razón, los órganos que deben decidir sobre la recusación (árbitros, cortes de arbitraje y, en última instancia, los jue-ces) deben cerrar el paso a estas tácticas: no toda circunstancia revelada constituye causa válida de recusación, sino que pesa sobre el recusante la carga de probar que, valorando en conjunto todos los aspectos del caso, existe una circunstancia que efectivamente afecta la independencia o imparcialidad del árbitro”.

Também neste sentido, e na Doutrina nacional, Menezes Cordeiro alerta de forma incisiva para os inconvenientes da sobre-revelação: “[n]este ambiente, a disclosure é portão para todas as aventuras. Qual-quer elemento publicamente comunicado permite escavar e apurar recu-sas”(29).

Assim, o dever de revelar tem necessariamente limites, não podendo funcionar como um “descargo de consciência”, transferindo o “julga-mento” ético-jurídico do árbitro para as partes.

será sempre, e em última análise, uma decisão do árbitro ainda que, na nossa perspectiva seja aconselhável o critério de que na dúvida deve revelar-se. Não esqueçamos que feita a revelação sem dedução do inci-dente a questão fica sanada. Daí que numa perspectiva de um processo sem incidentes, ademais desta natureza, mais vale clarificar a situação tão cedo quanto possível (idealmente no momento da aceitação do encargo arbitral) do que lidar com o problema numa fase mais avançada do pro-cesso com todos os inconvenientes conhecidos.

iii. Casos de inexistência de matéria a revelar

Outra questão que suscita dúvidas e divergências relativamente ao cumprimento do dever de revelar prende-se com saber se, independente-mente de não haver matéria a revelar, devem os árbitros na declaração de aceitação mencionar esse facto. essa é a regra na arbitragem instituciona-lizada e constitui a conduta recomendada no Código Deontológico da APA (Associação Portuguesa de Arbitragem), onde é feito constar, no

formulá-(28) Disponíveis em <https://a.storyblok.com/f/46533/x/49d51ac604/recomendaciones-cea.pdf>.

(29) CORDeIRO, ANTóNIOMeNezes, Tratado da Arbitragem — Comentário à Lei 63/2011, de 14 de

Dezembro, cit., p. 157.

poderão ser os “olhos das partes” o único critério, uma vez que a utilização da expressão “fundadas dúvidas” remete para um critério de índole mais objectiva(23). O justo limite do dever de revelar haverá, pois, que ser

encontrado segundo o critério do “bonus pater familiae arbitral” avan-çado por Menezes Cordeiro(24), ou algo similar. Trata-se no fundo do uso

da prudência no sentido clássico da recta ratio agibilium.

A isto acresce que, o facto de uma circunstância dever ser revelada não significa que seja automaticamente motivo de recusa, porque, embora o art. 13.º da lAv pareça sobrepor os dois casos ao usar o mesmo conceito nos seus n.os 1 e 3, para o juízo acerca de se verificar ou não um

funda-mento de recusa importará um critério objectivo, não se confundindo os critérios de densificação do dever de revelação com os de determinação do direito de recusa(25). Como afirmado no ponto 4. da Parte II (“Pratical

Application of the General Standards”)(26) das Guidelines da IBA, a

reve-lação não implica a existência de conflito de interesses, nem deve, por si só, resultar na recusa do árbitro.

ii. O problema da sobre-revelação

Ainda neste âmbito do cumprimento do dever de revelação, coloca-se a questão relativa ao problema da sobre-revelação, já tratado pela Dou-trina(27), i.e., a revelação pelo árbitro de factos não essenciais, secundários

ou revelados por excessiva cautela ou prudência, o que pode abrir a porta a recusas injustificadas e a devassas indesejáveis. Como se adverte nas

(23) Refira-se que o Código Deontológico da Associação Portuguesa de Arbitragem é mais

exigente no art. 7.º, n.º 1: “o árbitro deve revelar todos os factos e circunstâncias que, na

perspe-tiva das partes, possam suscitar dúvidas quanto à sua imparcialidade e independência surgindo tal obrigação no momento em que é convidado a exercer funções e mantendo-se até à conclusão da arbitragem”.

(24) CORDeIRO, ANTóNIOMeNezes, Tratado da Arbitragem — Comentário à Lei 63/2011, de 14 de

Dezembro, cit., p. 153.

(25) Cf. a este propósito Alves, RUTe, o dever de revelação dos árbitros em Portugal, cit.,

pp. 204 e 205.

(26) “Disclosure does not imply the existence of a conflict of interest; nor should it by itself

result either in a disqualification of the arbitrator, or in a presumption regarding disqualification. The purpose of the disclosure is to inform the parties of a situation that they may wish to explore further in order to determine whether objectively — that is, from the point of view of a reasonable third person having knowledge of the relevant facts and circumstances — there are justifiable doubts as to the arbi-trator’s impartiality or independence”.

(27) Cf. designadamente CORDeIRO, ANTóNIOMeNezes, Tratado da Arbitragem — Comentário à

Lei 63/2011, de 14 de Dezembro, cit., p. 157 e MIRANDA, AGOsTINhOPeReIRA De, Dever de revelação e

direito de recusa de árbitro — Considerações a propósito dos arts. 13.º e 14.º da Lei da Arbitragem Voluntária, cit., p. 1274.

(7)

revelação se refira a circunstância tão fundamental que, por si só, revela afectação da independência ou imparcialidade”(32).

Também no ponto 5 da Parte II (“Pratical Application of the General standards) das Guidelines da IBA se afirma “[n]ondisclosure cannot by itself make an arbitrator partial or lacking independence: only the facts or circumstances that he or she failed to disclose can do so”.

estamos de acordo com esta Doutrina que, aliás, temos como maioritá-ria. O dever de revelação é um acto instrumental, sendo que o relevante é a existência, ou não, de circunstâncias que afectem a independência e imparcia-lidade do árbitro. Daí que a mera omissão deste acto instrumental não deva ter a mesma sanção que existiria se o árbitro em questão omitisse voluntaria-mente um facto gerador dessa falta de independência ou imparcialidade.

3.2. Fundamentos de recusa, em particular a falta de qualificações do árbitro enquanto fundamento autónomo de recusa

Conforme já referido supra, uma parte tem também o direito de recu-sar um árbitro quando este “não possuir as qualificações que as partes convencionaram” (art. 13.º, n.º 3 da lAv).

Diga-se, desde já, que não é comum na prática arbitral a existência de uma convenção, pelo menos expressa, sobre tal matéria.

Mas será que tal inexistência formal significa que as qualificações dos árbitros serão pura e simplesmente indiferentes para as partes?

seguramente que não. Pois se uma das grandes vantagens da arbitra-gem, se não a maior, consiste precisamente em o litígio poder ser dirimido por peritos na matéria, juristas particularmente qualificados nas questões em disputa, mal se compreenderia que esta não fosse uma questão essen-cial e que a lAv, bem, considerou como critério de recusa.

Daí que consideremos que as qualificações dos árbitros são um ele-mento essencial da convenção de arbitragem. e ainda que não exista uma alusão formal a determinadas qualidades ou qualificações, tal circunstân-cia deve ser entendida como vontade tácita das partes desde logo na opção que fazem pela jurisdição arbitral.

(32) Cf. Acórdão do Tribunal da Relação de lisboa, de 13 de setembro de 2016, proc.

n.º 581/16.7YRlsB.-1 (RIJOFeRReIRA). No mesmo sentido, veja-se, designadamente, o Acórdão do

mesmo Tribunal de 11 de Fevereiro de 2020, proc. n.º 1577/18.0YRlsB-1 (RUITORResvOUGA),

tendo--se considerado neste último acórdão ser o caso dos autos precisamente uma dessas situações limite. rio de Declaração de Independência e Imparcialidade do Árbitro constante

do Anexo único a esse Código, a opção “Nada a Revelar. Sou imparcial e independente e tenciono manter-me como tal. Não conheço qualquer facto ou circunstância que deva ser revelado por poder suscitar, na perspetiva das partes, dúvidas sobre a minha imparcialidade ou independência”(30).

Já nas arbitragens ad hoc, e na ausência de qualquer regra específica a questão é mais comum.

Cremos que a boa orientação deverá ser no mesmo sentido, i.e., no momento da aceitação do encargo o arbitro designado deverá fazer a sua declaração. e cremos que a experiência prática vai nesse sentido.

iv. Omissão do dever de revelação

Por último, não se encontra também definitivamente respondida na lei a questão de saber o que sucede em caso de omissão do dever de revelação: é tal facto, por si só, suficiente para fundamentar a recusa do árbitro?

Na Jurisprudência do Tribunal da Relação de lisboa encontra-se uma decisão, embora com voto de vencido, que aponta nesse sentido(31),

tendo--se aí afirmado que «[n]ão tendo o Ex.moárbitro recusado divulgado, aquando da sua indigitação ou nomeação, as suas anteriores participa-ções em arbitragens idênticas ou similares, bem como, o parecer emitido ou quaisquer outras actividades profissionais relacionadas com o mesmo tema, incorreu o mesmo, na violação do dever de revelação, susceptível de criar fundadas dúvidas sobre a sua independência e imparcialidade “aos olhos da demandada”», valorando-se assim como fundamento de recusa a mera omissão do dever de revelação.

somos, contudo, de opinião contrária: a mera omissão da revelação de circunstâncias passíveis de suscitar dúvidas sobre a imparcialidade e independência do árbitro não é, por si só, causa para a sua recusa, sendo, como afirmado pelo Tribunal da Relação de lisboa numa outra decisão, “[…] necessário que nesse incumprimento se manifestem circunstâncias donde se possam extrair indícios que permitam, objectivamente, fundar um juízo de afectação da independência e imparcialidade. […] só se con-figura que o incumprimento do dever de revelação possa constituir desde logo justificação de recusa naqueles casos extremos em que a omissão de

(30) Disponível em <https://a.storyblok.com/f/46533/x/4d84bde409/apa-ebook-codigos-deon

tologicos.pdf>.

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pode causar, ou pelo receio de suscitar a questão relativamente a um presi-dente de tribunal arbitral), há que ter consciência que a lAv dá um instru-mento importante nesta matéria e usá-lo de forma prudente e avisada cons-titui, estamos certos, um serviço que se presta à arbitragem.

3.3. Tramitação do incidente de recusa e suas consequências no pro-cesso arbitral

Relativamente à tramitação processual do incidente de recusa, con-forme supra-referido, esta pode ser livremente acordada pelas partes (com excepção do direito de recurso ao tribunal estadual nos termos estabelecidos no n.º 3 do art. 14.º da lAv) — quer na própria acta de ins-talação do tribunal arbitral, quer no momento em que a questão seja sus-citada — ou, na falta de acordo, seguir o disposto na lAv, maxime no seu art. 14.º.

Neste último caso, a parte que pretenda deduzir o incidente de recusa deve expor por escrito quais são os respectivos motivos, o que deverá fazer no prazo de quinze dias a contar da data em que tenha conhecimento da constituição do tribunal arbitral ou das circunstâncias que fundamentam a recusa, sob pena de caducidade do direito a deduzir o incidente (travando--se assim manobras futuras meramente dilatórias).

Pode colocar-se a questão de saber se a dedução deste pedido pode ou não ter um limite temporal — v.g. ser deduzido após a prolação da sen-tença final pelo tribunal arbitral.

A lei é omissa quanto a este ponto, mas a nossa opinião vai no sentido de considerar que a sentença é um verdadeiro termo ad quem, a partir do qual já não será possível deduzir o incidente. Desde logo, porque esse seria um expediente que a parte que não teve vencimento tenderia a usar, com todos os inconvenientes que daí advêm. e, depois, se se vier a demonstrar que existia um fundamento de recusa de que a parte só tem conhecimento após a prolação da sentença, terá sempre recurso à acção de anulação. É certo que com um prazo preclusivo. Mas cremos que a certeza do direito não se compadece com soluções alternativas, sob pena de se estar a intro-duzir grave incerteza no sistema.

Deduzido o incidente, o árbitro recusado pode renunciar à função — o que não implica o reconhecimento dos motivos invocados para a recusa de acordo com o disposto no art. 15.º, n.º 4 da lAv — ou pode não renun-ciar e a parte que o designou insistir em mantê-lo. Neste último caso, o Isto dito, temos para nós que esta questão, em paralelo com a da

inde-pendência e imparcialidade, é crucial para a arbitragem.

É comum dizer-se que “as arbitragens valem o que valem os árbi-tros”(33). e, infelizmente, temos experiência de arbitragens em que a

mani-festa falta de qualificações de um ou mais árbitros, sobretudo se este for o presidente, conduz a maus resultados e processos arbitrais muito difíceis de gerir.

Daí que entendamos que a questão da qualificação dos árbitros é um verdadeiro pressuposto constitutivo do próprio tribunal arbitral. Indepen-dentemente de qualquer convenção expressa nesse sentido. e assim sendo, haverá que enfrentar as devidas consequências deste princípio.

A questão, naturalmente, é sensível e não é isenta de problemas práti-cos. Desde logo pode existir uma dificuldade em aferir a priori se o árbitro domina ou não a matéria, porquanto com excepção dos casos manifesta-mente óbvios, como v.g. jurisconsultos, ou advogados com experiência pública, ou publicada, sobre a matéria em discussão, não dispõem frequen-temente as partes de meios para aferir das qualificações do árbitro, reve-lando-se essa circunstância apenas no decurso do próprio processo.

Ademais, é um assunto pouco desenvolvido na Doutrina e Jurispru-dência, mas apesar das dificuldades referidas, cremos que terá de ser feito um controlo de qualidade mínima, controlo este que poderá ficar facilitado na arbitragem institucionalizada, na medida em que poderá, em certos casos, competir a um terceiro, mormente ao Presidente do Centro de Arbi-tragem, a designação dos árbitros tendo, nessa circunstância oportunidade de fazer uma avaliação das qualificações.

Infelizmente este é um tema também sempre associado às nomeações de árbitros pelos Tribunais Judiciais. Como é sabido, e salvo raríssimas excepções, o processo é opaco, não tem qualquer participação dos interes-sados, não há critérios de nomeação e, consequentemente, são frequentes as nomeações de árbitros com pouca capacidade ou know how para exercer as funções para que foram nomeados.

esta é uma questão séria e que merece uma reflexão autónoma que não podemos fazer aqui. Mas há que criar mecanismos de triagem, de audição das partes sobre o potencial designado, sendo certo que muito da melhoria do sistema terá de passar pelas Presidências das Relações.

Finalmente, e embora não conheçamos nenhum caso de recusa com este fundamento (o que pode ser explicável pelo extremo melindre que (33) Cf. JOsÉMIGUelJúDICe, em anotação ao art. 13.º da lAv, in AA.vv., Lei da Arbitragem

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limite pode ter já sentença proferida (como resulta da autorização expressa do art. 14.º, n.º 3 da lAv), casos em que o prosseguimento do processo apenas com os dois árbitros, prescindindo as partes da substituição do árbitro recusado se poderá afigurar a situação preferível na prática.

Feita a substituição do árbitro, o tribunal arbitral decide sobre se algum acto praticado deve ser repetido, tendo em conta o estado do pro-cesso. Ao atribuir poderes ao tribunal arbitral (e não ao árbitro substituto) para definir quais os actos processuais que podem ser aproveitados a nossa lei foi no sentido da prática internacional e da regulamentação do direito comparado. A decisão do tribunal nesta matéria terá de respeitar os princí-pios imperativos do processo arbitral, sendo, por isso, vinculados os pode-res do órgão jurisdicional.

3.4. O eventual dever de indemnizar do recusado

Uma questão que se pode suscitar no âmbito do incidente de recusa de árbitro prende-se com a eventual responsabilidade civil do árbitro recu-sado. Trata-se de uma matéria já referida por Miguel Galvão Teles(35), mas

que não vimos desenvolvida na Doutrina nem aplicada na Jurisprudência. A questão poderá enunciar-se nestes termos: — o árbitro que tenha sido recusado pelo tribunal arbitral, ou pelo tribunal judicial, por ter omi-tido circunstâncias que punham em causa a sua imparcialidade ou inde-pendência pode adicionalmente estar adstrito a um dever de indemnizar as partes?

A este respeito, importa notar que a lAv prevê expressamente situa-ções de responsabilidade civil do árbitro perante as partes, a saber: (i) o árbitro que, tendo aceite o encargo, se escusar injustificadamente ao exer-cício da sua função responde pelos danos a que der causa (art. 12.º, n.º 3); (ii) se um árbitro, por qualquer outra razão, não se desincumbir, em tempo razoável, das funções que lhe foram cometidas, as partes podem, de comum acordo, fazê-las cessar, sem prejuízo da eventual responsabilidade do árbitro em causa (art. 15.º, n.º 2); (iii) os árbitros que injustificadamente obstarem a que a decisão seja proferida dentro do prazo fixado respondem pelos danos causados (art. 43.º, n.º 4).

(35) GAlvãOTeles, MIGUel, A independência e imparcialidade dos árbitros como imposição

constitucional, cit.

próprio tribunal arbitral será chamado a decidir sobre a recusa, com a par-ticipação do árbitro visado.

Proferida decisão pelo tribunal arbitral, a parte que deduziu o inci-dente pode, novamente no prazo de quinze dias após ter sido notificada da decisão, recorrer ao tribunal estadual competente (art. 14.º, n.º 3 e 59.º, n.º 1, alínea b) da lAv) para que aprecie a questão, decidindo este sem possibilidade de recurso.

O pedido ao tribunal estadual competente não tem efeitos suspensivos, podendo, mas não estando a isso obrigado, o tribunal arbitral, incluindo o árbitro visado, na pendência desse pedido, fazer prosseguir o processo e até mesmo proferir sentença.

Crê-se que a solução da lei não se afigura a mais adequada, devendo ser de iure condendo objecto de revisão.

Com efeito, ser o próprio tribunal arbitral, incluindo o próprio árbitro visado, a decidir em primeira instância sobre a recusa coloca-o numa situa-ção delicada e desconfortável, obrigando os outros membros a julgar o seu próprio par e este a intervir numa decisão que a si diz respeito. Pode mesmo falar-se de algum conflito de deveres. A este propósito, Menezes Cordeiro fala também num dever de solidariedade, afirmando: “[n]ão havendo renúncia, nem destituição, cabe ao próprio tribunal arbitral, com a participação do visado, decidir. Nessa eventualidade, recomendaríamos ao árbitro não-recusado que apoie o seu colega ou que se abstenha: há uma lógica de solidariedade que se impõe em todas as instituições. o árbitro é designado para decidir um litígio e não para julgar cole-gas”(34). Claro que a solidariedade não pode sobrelevar relativamente ao

mérito do incidente, mas esta citação evidencia o dilema com que, fre-quentemente, os árbitros têm de lidar a este propósito.

É precisamente por isto que a solução da lAv não é a solução aco-lhida nas arbitragens institucionalizadas, o que configura outra vantagem deste tipo de arbitragem. Por exemplo, nas arbitragens CCI, compete à Corte decidir (art. 14.º, n.º 3 do respectivo Regulamento) e, nas arbitragens no CAC, ao Presidente do Centro (art. 11.º, n.º 3 do respectivo Regula-mento de 2021).

Uma vez recusado o árbitro, o art. 16.º da lAv prevê regras para a respectiva substituição, podendo as partes acordar nessas regras ou pres-cindir da substituição. Como é fácil antever, esta situação será tanto mais inconveniente quanto mais avançado se encontrar o processo, que no (34) CORDeIRO, ANTóNIOMeNezes, Tratado da Arbitragem — Comentário à Lei 63/2011, de 14 de

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gem. Mas será algo a ter em conta no momento de aceitar o encargo pelo árbitro designado. e isto numa dupla vertente: (i) na da independência e imparcialidade e (ii) na das qualificações para exercer a função. e pode suscitar a questão de no limite constituir uma potencial ameaça e poder condicionar a independência e o princípio da irresponsabilidade do árbitro. Daí que a questão só deva ser ponderada em casos muito limitados e em que seja clara a violação culposa do árbitro dos deveres que se lhe impõem.

3.5. O eventual dever de indemnizar da parte recusante

Mas colocada a questão da possível responsabilidade do árbitro que incumpre gravosamente os seus deveres, é natural que se coloque a hipó-tese inversa: — não poderá o árbitro visado por um pedido de recusa infundado ou abusivo responsabilizar a parte que suscitou a recusa? É que dessa conduta podem advir seriíssimos e graves prejuízos pessoais e pro-fissionais.

Também aqui a resposta se afigurará, à partida, positiva, se, obvia-mente, estiverem verificados os pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito.

Cremos que, inclusivamente, poderão ser configuradas situações em que seja colocado em causa directa ou indirectamente o próprio tribunal arbitral. e nesta circunstância, serem os membros do próprio tribunal quem tem legitimidade para agir.

A ilicitude consubstanciar-se-ia na lesão da honra e bom nome pes-soal e profissional do visado, ou visados, ou noutras circunstâncias gera-doras de danos.

A questão da responsabilização da parte recusante, até pela frequên-cia com que ocorre e por alguma ligeireza com que, por vezes, é suscitada merece reflexão e eventualmente medidas. Trata-se de matéria que exige um maior aprofundamento que aqui não é possível fazermos.

Numa nota final, diga-se que somos também sensíveis ao facto de ser totalmente indesejável que uma arbitragem desemboque num conjunto de litígios envolvendo partes e árbitros. seria algo incompreensível e não querido pela arbitragem, nem pelo legislador, com elevadíssimos custos em termos de prestígio e reputação.

haverá, pois, que compatibilizar a questão dos deveres dos árbitros (e das partes) com outros princípios como o fundamental princípio da estas previsões legais acentuam, na nossa perspectiva, e

independen-temente da qualificação que se faça do vínculo existente entre os árbitros e as partes, o lado contratual dessa relação.

embora não esteja expressamente prevista a possibilidade de o árbi-tro recusado ser civilmente responsabilizado, designadamente por omissão culposa do dever de revelação, ao contrário do que sucede com as previ-sões legais expressas referidas, cremos que tal possibilidade decorre das regras e princípios gerais e verificar-se-á se reunidos os respectivos pres-supostos da responsabilidade civil: facto ilícito, culpa, dano e nexo de cau-salidade.

Não bastará, naturalmente qualquer lapso, ou omissão sem gravi-dade, teremos de ter uma omissão dolosa, ou grosseiramente negligente, objectivamente ilícita e apta a gerar um dano.

Como vimos, já Miguel Galvão Teles(36) sustentava, na vigência da

anterior lAv, que não consagrava expressamente o dever de revelação, que “[e]ntre nós, a LAV refere dois casos de responsabilidade dos árbi-tros, nenhum deles referente ao conteúdo de decisões: o de o árbitro «se escusar injustificadamente ao exercício da sua função» depois de aceite o encargo (art. 9.º, n.º 3) e o de «injustificadamente obstar […] a que a deci-são seja proferida no prazo fixado». Haverá, pelo menos, um outro caso possível de responsabilidade, sem conexão, pelo menos directa, com o conteúdo da decisão: o de o árbitro ocultar ou não revelar facto susceptí-vel de pôr em causa a sua independência ou imparcialidade”.

Mas admitindo-se o princípio da possibilidade de responsabilização do árbitro, coloca-se, ainda, a questão relativa à natureza da responsabili-dade civil em causa e consequente regime, mormente em relação à aplica-bilidade ou não da presunção de culpa prevista no art. 799.º do Código Civil.

A adoptar uma perspectiva contratualista da relação entre o árbitro e as partes, como nos parece ser o caso, tal presunção deverá ter-se por apli-cável, o que implica um ónus acrescido para o árbitro.

Não se conhece nenhum caso na nossa jurisdição em que tenha sido demandado um árbitro com os fundamentos referidos. Naturalmente, esta é uma situação que requer cautela. Até pelo efeito inibidor que pode exer-cer sobre os potenciais árbitros com efeitos muito negativos para a

arbitra-(36) GAlvãOTeles, MIGUel, “A independência e imparcialidade dos árbitros como imposição

constitucional”, cit., p. 274. No mesmo sentido, MIRANDA, AGOsTINhOPeReIRA De, Dever de revelação e

direito de recusa de árbitro — Considerações a propósito dos arts. 13.º e 14.º da Lei da Arbitragem Voluntária, p. 1282.

(11)

Quanto aos demais, se a recusa vier a implicar maior trabalho e com-plexidade, repetição de actos, maxime, da audiência final, parece evidente que deverão ter uma compensação nos honorários. e essa compensação terá inevitavelmente de ser paga pelas partes. A existência de incidentes é um risco inerente ao processo, pelo que nos parece natural que as partes tenham de suportar esse encargo adicional. Não seria diferente se um árbi-tro falecesse, ou se inutilizasse.

O pagamento dos honorários apenas no final do processo, como acontece em regra nas arbitragens institucionalizadas, pode ajudar na ges-tão deste assunto, designadamente evitando a necessidade de devoluções.

4. Conclusão

em jeito de conclusão poderemos dizer que o princípio da imparcia-lidade e independência dos árbitros está de há muito enraizado na nossa ordem jurídica, em particular no Direito da Arbitragem.

A nova lAv, fiel a essa tendência, reforçou o princípio, e através de uma regulação mais desenvolvida, consagrou especialmente o incidente de recusa de árbitro.

O art. 13.º da lAv vem merecendo a atenção da Doutrina e da Juris-prudência que através de numerosas intervenções têm contribuído para a sua densificação. Designadamente através da aceitação, ainda que miti-gada, das Guidelines da IBA.

O dever de revelação constitui peça essencial para a sindicação da independência e imparcialidade dos árbitros. O seu conteúdo, limites e excessos captam o interesse e a atenção da Doutrina nacional.

O quadro legal actualmente em vigor na arbitragem clarifica a natu-reza contratual da relação jurídica estabelecida com os árbitros, acen-tuando os deveres daí emergentes no seu sancionamento. ser e manter-se imparcial e independente é o primeiro dever do árbitro e a violação desse dever pode, no limite, ser geradora da obrigação de indemnização das par-tes pelos prejuízos causados. esta conclusão, contudo, pressupõe a verifi-cação rigorosa e adequada dos pressupostos da responsabilidade civil. Da mesma sorte, um pedido de recusa de árbitro totalmente injustificado e abusivo deve ser sancionado.

Trata-se de questões que carecem do necessário aprofundamento doutrinário e jurisprudencial, havendo sempre que ter em conta a preva-irresponsabilidade dos árbitros como garante supremo da dignidade da

função jurisdicional que exercem.

3.6. Os honorários do árbitro recusado

Por último, e no itinerário que definimos para este breve estudo, importa saber o que acontece aos honorários do árbitro recusado: — tem direito a honorários? Deve devolver o que já houver recebido? e se sim em que medida?

Cremos que a questão fundamental está na fase processual em que se verificar a recusa. se, como será muitas vezes o caso, ela for num estádio inicial, idealmente após o momento da aceitação, nada haverá a pagar. Mas se estivermos numa fase processual mais avançada, porventura já perto da decisão final, quid?

e, ainda, se, na sequência da recusa houver que repetir actos proces-suais, e como tal existir um acréscimo do trabalho para os restantes mem-bros do tribunal arbitral, têm estes direitos a uma compensação por essa suplementar actividade processual?

e se sim quem deve suportá-la?

A este propósito, Menezes Cordeiro pronuncia-se no sentido de que os árbitros “[t]êm o direito de ser pagos pelo trabalho e pelas responsabi-lidades adicionais. Além disso, cabem despesas administrativas”(37).

A lAv, e mesmo os regulamentos das instituições de arbitragem, nada dizem(38). Daí que caiba à Doutrina e a Jurisprudência ir segregando

regras que possam ser justas e adequadas.

Isto significa que a questão terá de ser apreciada caso a caso. Talvez com um critério: o da utilidade da actividade desenvolvida pelo árbitro recusado.

se, não obstante a recusa, o árbitro desenvolveu ou participou no cesso em actos que são válidos e contribuem para o normal decurso do pro-cesso, deverá auferir uma remuneração proporcional. se não for assim não a deverá perceber, e se já a recebeu deverá proceder à competente devolução.

(37) CORDeIRO, ANTóNIOMeNezes, Tratado da Arbitragem — Comentário à Lei 63/2011, de 14 de

Dezembro, cit., p. 168.

(38) embora os regulamentos de arbitragem admitam a majoração de honorários, a qual pode

resolver o problema, atribuindo-se essa majoração apenas ao árbitro substituto, sem que o substituído tenha que devolver qualquer valor.

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lência do princípio da irresponsabilidade do árbitro (art. 9.º, n.º 4 da lAv), pedra de toque do exercício da função jurisdicional.

e a necessidade de preservar querelas entre árbitros e as partes evi-tando o desprestígio que daí resultaria para a jurisdição arbitral.

Mas a consagração do instituto da recusa de árbitro, ainda que se reconheça um certo abuso na sua utilização, tem contribuído de forma importante para a evolução e compreensão da Arbitragem, nomeadamente para uma nova visão sobre o papel dos árbitros, e o alinhamento do nosso direito e prática arbitral pelo das jurisdições mais avançadas.

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