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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA 16ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE PORTO ALEGRE‐RS.
Processo nº 5105506‐17.2020.8.21.0001/RS
EDUCAFRO ‐ EDUCAÇÃO E CIDADANIA DE AFRODESCENDENTES E CARENTES e CENTRO SANTO DIAS DE DIREITOS HUMANOS, por seus comuns advogados abaixo firmados, vêm à presença de Vossa Excelência para interpor os presentes
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO
em relação à r. decisão do evento n. 216, requerendo que sejam recebidos e processados na forma da lei.
2 1. Em decisão lapidar quanto a seus fundamentos, proferida em 21.07.2021, este douto Juízo reconheceu o direito dos patronos das Associações Autoras a honorários advocatícios, estimando expressamente que “O deferimento de honorários às autoras é a medida mais adequada para preservar a garantia da acessibilidade à justiça. Notadamente em um litigio que coloca na pauta o racismo estrutural existente na sociedade brasileira e reconhecido no Termo de Ajustamento de Conduta celebrado entre as partes”.
2. Entretanto, na referida decisão este douto Juízo não vislumbrou
“como justa a fixação da verba honorária nos termos postulados (10% a 20%). O processo não teve maiores trâmites judiciais para justificar tais percentuais e a atuação na elaboração do acordo não exige contrapartida na proporção requerida, embora seja fundamental remunerar a atuação da advocacia nas instâncias autocompositivas”.
3. Ademais, considerou que “o percentual de 3%, sobre o valor total do acordo formalizado no Termo de Ajustamento de Conduta, expressa‐se adequado ao caso e contempla uma proporcionalidade entre o trabalho desenvolvido e o resultado em prol dos representados”.
4. Ocorre que o fundamento legal expressamente invocado na referida decisão para justificar a fixação dos honorários em apenas 3% do montante do acordo firmado no TAC foi o art. 85, § 2º, do CPC.
3 5. Ora, verifica‐se que nesse ponto a decisão afigura‐se contraditória, a ensejar o cabimento dos presentes Embargos de Declaração, nos termos do art. 1022, I, do CPC.
6. De fato, o art. 85 do CPC é cristalino ao dipor que “A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor”.
Conforme o § 2º, “Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá‐lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos: I ‐ o grau de zelo do profissional; II ‐ o lugar de prestação do serviço; III ‐ a natureza e a importância da causa; IV ‐ o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço”.
7. Devem ser especialmente observados alguns elementos que marcam a atuação dos profissionais da advocacia que defendem a sociedade civil organizada neste caso:
a) elaboração de tese inédita, que demandou complexo trabalho de pesquisa para a preparação da inicial, na qual pela primeira vez se apontou o racismo estrutural como a base dos graves acontecimentos que deram origem à presente lide;
b) o alcance, em virtude da construção dessa tese, de acordo em que pela primeira vez na história do Judiciário Brasileiro são adotadas firmes medidas contra o racismo estrutural;
4 c) as entidades, por seus patronos, estiveram envolvidas na elaboração ou revisão de cada uma das centenas de disposições do Termo de Ajustamento de Conduta com suas controvertidas peculiaridades, trabalho este que demandou diversas reuniões, contatos e debates intensos que levaram sete meses e que consumiram horas de trabalho até a exaustão com reuniões que chegaram a adentrar a madrugada;
d) a atuação dos patronos das entidades autoras contribuiu fortemente para o alcance do acordo, o que não pode ser desestimado;
f) as entidades autoras não estavam obrigadas a celebrar o acordo, e em nenhum momento seus advogados abriram mão dos seus honorários ou de parte deles;
g) as entidades, por seus patronos, seguirão vinculadas a este processo até o término da aplicação dos seus termos e disposições, o que ultrapassará o prazo de três anos1, não sobrevindo mais remuneração alguma para os causídicos.
1 Aqui está a demonstração da grande duração que ainda terá o trabalho das entidades auytoras e dos seus patronos:
Clausula 2.6.30 do TAC: Os COMPROMISSÁRIOS comprometem‐se a realizar ações de impacto social nas áreas de educação, empregabilidade e empreendedorismo, mediante a implementação das seguintes medidas: (i) Concessão de bolsas de estudo e permanência para pessoas negras, prioritariamente em nível de graduação e de pós‐graduação stricto e lato sensu, no valor total de R$ 68.000.000,00 (sessenta e oito milhões de reais), sendo que as bolsas serão concedidas no prazo de 3 (três) anos, podendo o ciclo integral de formação superar esse período, com início dos editais, que serão organizados e geridos na forma dos
5 8. Como afirma Rogério Licastro Torres de Mello,
“A fixação equitativa, como dissemos, deve ser subsidiária e excepcional, a ser adotada somente quando não estiverem claramente presentes as situações indicadas no §2º do art.
85 do CPC de 2015” (Honorários Advocatícios – Sucumbenciais e por Arbitramento, 2ª tiragem, São Paulo:
Thomson Reuters Brasil, 2019, p. 92).
9. No mesmo sentido, assinalam Cláudio Lamachia e Estefânia Viveiros que
“A própria lei indicou o percentual mínimo de 10% e o máximo fixado em 20% para fixação dos honorários. Pela clareza da lei e utilizando até a interpretação literal, não há justificativa para fixação de honorários em percentual diferente dos limites nela impostos, como regra. Os critérios da lei são objetivos e afastam naturalmente qualquer discricionariedade sobre os limites trazidos em seu texto. A variação do percentual (entre 10% e 20%) é que ficará a
parágrafos abaixo, no prazo de 90 (noventa) dias contados da assinatura deste Termo; (ii) Concessão de bolsas de estudo para pessoas negras, prioritariamente em nível de idiomas, inovação e tecnologia, com foco na formação de jovens profissionais para o mercado de trabalho, no valor total de R$ 6.000.000,00 (seis milhões de reais), sendo que as bolsas serão concedidas no prazo de 3 (três) anos, podendo o ciclo integral de formação superar esse período, com início dos editais, que serão organizados e geridos pelos COMPROMISSÁRIOS, no prazo de 90 (noventa) dias contados da assinatura deste Termo; e (iii) Investimentos em projetos de inclusão social em redes incubadoras e/ou aceleradoras de empreendedores negros e/ou suporte a pequenos empreendedores negros, a serem identificados e selecionados pelos COMPROMISSÁRIOS, no valor total de R$ 8.000.000,00 (oito milhões de reais), a ser realizado no prazo de 3 (três anos) com início no prazo de 90 (noventa) dias contados da assinatura deste Termo.
6 critério do magistrado que aplicará os requisitos apresentados nos incisos I a IV do §2º do art. 85 do Código”
(Honorários Advocatícios no CPC: Lei nº 13.105/2015, 2 ed, Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 26).
10. Acontece que a r. decisão embargada invocou esse dispositivo, cristalino em sua dicção, para fundamentar a fixação dos honorários em apenas 3%, o que configura a contradição apontada nos presentes Embargos de Declaração.
11. Diferentemente do que afirma o grupo Carrefour – que tentou induzir este Juízo em erro – o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento específico favorável aos entes associativos que figuram no polo ativo de ações civis públicas no tocante aos honorários dos seus patronos. Seguem dois precedentes recentíssimos:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ART. 18 DA LEI DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA (LEI 7.347/1985). HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EM FAVOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA SIMETRIA. REGRA INAPLICÁVEL ÀS ASSOCIAÇÕES E FUNDAÇÕES PRIVADAS.
1. Por conta do princípio da simetria, a previsão do art. 18 da Lei 7.347/1985 deve ser interpretada também em favor do réu,
7 quando se tratar de demanda ajuizada pelo Parquet ou outro colegitimado estatal, ressalvadas associações e fundações privadas, que recebem tratamento privilegiado e diferenciado no domínio da ação civil pública.
2. O espírito de facilitação do acesso à justiça, que informa e orienta o processo civil coletivo, vem cabalmente realçado no art.
18 da Lei da Ação Civil Pública: "Nas ações de que trata esta lei, não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má‐fé, em honorários de advogado, custas e despesas processuais".
3. Nos termos da jurisprudência do STJ, a vedação de condenação do Ministério Público ou entidades estatais em honorários advocatícios ‐ salvo comprovada má‐fé ‐ impede que sejam beneficiados quando vencedores na ação civil pública.
Evidentemente, tal orientação não se deve aplicar a demandas propostas por associações e fundações privadas, pois, do contrário, barrado de fato estaria um dos objetivos mais nobres e festejados da Lei 7.347/1985, ou seja, viabilizar e ampliar o acesso à justiça para a sociedade civil organizada. Tudo com o agravante de que não seria razoável, sob enfoque ético e político, equiparar ou tratar como "simétricos" grandes grupos econômicos/instituições do Estado e organizações não
8 governamentais (de moradores, ambientais, de consumidores, de pessoas com necessidades especiais, de idosos, etc).
4. Assim, dessume‐se que o acórdão recorrido está em sintonia com o atual entendimento do STJ, razão pela qual não merece prosperar a irresignação. Incide, in casu, o princípio estabelecido na Súmula 83/STJ: "Não se conhece do Recurso Especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida".
5. Recurso Especial não provido.
(REsp 1796436/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/05/2019, DJe 18/06/2019)
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PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA POR SINDICATO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO CPC/2015 NÃO CARACTERIZADA. PROGRESSÕES FUNCIONAIS.
PLANO ESPECIAL DE CARGOS DO MINISTÉRIO DA FAZENDA.
AUSÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO DA LEI 11.907/2009.
INTERSTÍCIO DE DOZE MESES. LEI 5.645/1970. CONDENAÇÃO DA UNIÃO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
DESCABIMENTO. AUSÊNCIA DE MÁ‐FÉ. ART. 18 DA LEI.
7.347/1985.
9 PRINCÍPIO DA SIMETRIA.
1. Cuida‐se, na origem, de Ação Civil Pública ajuizada pelo Sindicato dos Servidores do Ministério da Fazenda no Rio Grande do Sul ‐ Sindfaz/RS, na qual a parte autora pretende a condenação da União a adotar, para fins de progressão funcional dos seus servidores, o interstício de 12 (doze) meses, a contar da data da entrada em exercício, observando a forma e condições estabelecidas na Lei 5.645/1970 e no Decreto 84.669/1980, assim permanecendo até que sobrevenha a regulamentação a que alude o art. 232 da Lei 11.907/2009.
2. A compreensão do Tribunal de origem está de acordo com a jurisprudência do STJ, firme no sentido de que, no presente caso, as promoções e progressões funcionais deverão observar o interstício de 12 meses, e não de 18 meses, como pretende a parte recorrente, porquanto a regulamentação de que trata o art.
232 da citada lei ainda não ocorreu.
3. A jurisprudência do STJ consolidou a tese de que, nos termos do art. 18 da Lei 7.347/1985, não há condenação em honorários advocatícios na Ação Civil Pública, salvo se comprovada má‐fé. Tal intelecção, em obediência ao princípio da simetria, deve ser aplicada tanto ao réu quanto ao autor, pouco importando se Ministério Público, ente público, sindicato ou demais legitimados.
10 Por óbvio, descabe falar em simetria quando se estiver diante de associação ou de outra modalidade de organização não governamental de defesa de sujeitos vulneráveis ou de bens e valores de interesse transindividual. Considerando que gratuitamente prestam a toda a Nação meritório e vital serviço de salvaguarda da dignidade da pessoa humana, da justiça social, da ética no mercado e do patrimônio tangível e intangível das presentes e futuras gerações, seria ilógico e anti‐isonômico cogitar posicioná‐las em pé de igualdade (formal) com o Estado, empresas, agrupamentos econômicos e potentes pessoas físicas. Nessas situações, o que se apresenta, em vez de simetria, é exatamente o oposto, absoluta assimetria substantiva de condições econômicas, políticas, institucionais e jurídicas, encenação contemporânea, no inóspito campo de batalha do processo civil coletivo, da luta de Davi contra Golias.
4. In casu, admitida a Ação Civil Pública proposta por entidade sindical, devem incidir as regras impostas pela Lei 7.347/1985, inclusive aquela atinente aos honorários advocatícios. Assim, diante da impossibilidade de condenação da parte autora em honorários de sucumbência ‐ seja ela pessoa jurídica de direito público, seja entidade sindical ‐, fica igualmente vedada a possibilidade de ser beneficiada quando se sagrar vencedora na demanda.
11 5. Recurso Especial da União parcialmente provido para se afastar a condenação ao pagamento de honorários advocatícios na Ação Civil Pública. Prejudicado o Recurso Especial do Sindicato dos Servidores do Ministério da Fazenda no Rio Grande do Sul.
(REsp 1873776/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/08/2020, DJe 06/10/2020)
Como se vê, embora acolha em relação a certos legitimados o princípio da simetria, o Superior Tribunal de Justiça não o faz quando os autores são entes representativos da sociedade civil organizada, que obviamente não estão de modo algum em qualquer situação de isonomia ou paridade com os grandes conglomerados econômicos.
12. Assim, com fundamento no art. 1022, I, do CPC, as Associações Autoras requerem sejam estes Embargos de Declaração providos, para que seja eliminada a contradição acima apontada, tornando‐se coesa a decisão embargada pela fixação dos honorários dentro dos parâmetros impostos pelo dispositivo invocado, a saber, de dez a vinte por cento do montante do acordo firmado no TAC.
Termos em que, Pedem deferimento.
Porto Alegre, 04 de agosto de 2021.
LUCIANO CAPARROZ PEREIRA DOS SANTOS
12 Diretor Presidente do Centro Santo Dias de Direitos Humanos
MÁRLON JACINTO REIS OAB/DF nº 52.226
OLIVIA RAPOSO DA SILVA TELLES OAB/SP nº 125.930
RAFAEL MARTINS ESTORILIO OAB/DF nº 47.624
OAB/MA nº 21.041‐a