• Nenhum resultado encontrado

Registro sociológico e tragédia da cultura em Georg Simmel

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2018

Share "Registro sociológico e tragédia da cultura em Georg Simmel"

Copied!
23
0
0

Texto

(1)

REGISTRO SOCIOLÓGICO E TRAGÉDIA DA CULTURA

EM GEORG SIM M EL

xwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

62

baZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

H i l d e m a r L u i z R e c h

xwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

D outor em Ciências Sociais pelo IFCH da U N ICA M P, SP, e pela U niversidade de M anchester, Inglaterra; professor e pesquisador no D epartam ento de

Fundam entos da Educação e no Program a de Pós-graduação em Educação na FA CED -U FC de Fortaleza, CE.

Resum o

o

p r e s e n t e t e x t o a b o r d a a s p e c t o s d a s o c i o l o g i a d e C e o r g Simmel. E m t e r m o s t e ó r i c o s , o a u t o r e s t a b e l e c e u o c o n c e i t o d e " s o c i e ç ê o " , p o r e n t e n d e r q u e e l e e x p r i m e m e l h o r o c a r á t e r d i n â m i c o , t r a n s i t ó r i o e i n t e r - r e l a c i o n a l d a v i d a s o c i a l . Oq u e c o n s t i t u i as o c i o l o g i a c o m o c i ê n c i a d a s f o r m a s ed o s p r o c e s s o s d e " s o c i e -ç ã o " é oc a r á t e r d e e f e i t o s r e c í p r o c o s ed e r e l a ç õ e s m u l t i l a t e r a i s n a a ç ã o s o c i a l . P o r o u t r o l a d o , o s g r a n d e s s i s t e m a s eo r g a n i z a ç õ e s s u p r a - i n d i v i d u a i s , t a i scom o o

e s t a d o , a s e s t r u t u r a s d e c l a s s e s e om e r c a d o , n ã o s ã o , p a r a S i r n m e l , n a d a m a i s d o q u e s o l i d i f i c a ç õ e s o u m o l d u r a s d u r a d o u r a s d e f o r ç a s ee n t r e l a ç a m e n t o s i n t e r a t i v o s q u e o c o r r e m e n t r e o s i n d i v í d u o s ac a d a m o m e n t o d e s u a s v i d a s . N o q u e s e r e f e r e

à n o ç ã o d e t r a g é d i a d a c u l t u r a , c e b e d e s t a c a r q u e , s e g u n d o S i m m e l , e l a p o s s u i u m a d u p l a d i m e n s ã o " E l a j á s e e n c o n t r a , p o r u m l a d o , n a p r ó p r i a e s t r u t u r a d a c u l t u r a , j u n t o a s e u f u n d a m e n t o , n a f o r m a d e u m a f e n d a o r i g i n a l q u e n u n c a s e d e i x a v e d a r o u f e c h a r j a m a i s . O u s e j a , em s e u d e s d o b r a m e n t o , s u j e i t o e o b j e t o c o m p r e e n d e m u m d u a l i s m o b á s i c o e n c e r r a n d o l ó g i c a s i n t e r n a s d i s t i n t a s en ã o c o i n c i d e n t e s , i n s t a u r a n d o u m a d i n â m i c a s e m p r e c o n t r a d i t ó r i a , i n c o n g r u e n t e ed e n ã o i d e n t i d a d e p l e n a e n t r e s u j e i t o eo b j e t o n o s p r o c e s s o s s o c i a i s eh i s t ó r i c o s . P o r o u t r o l a d o , a t r a g é d i a d a c u l t u r a n a m o d e r n i d a d e i n s t a u r a - s e , p a r a S i t n m e l , com o d e s e n v o l v i m e n t o d a d i v i s ã o d o t r a b a l h o e a l i b e r a ç ã o d a s r e l a ç õ e s m o n e t á r i a s ,

e, c o n s e q i i e n t e m e n t e , com a a u t o n o m i z a ç ã o d e t o d a s a s o b j e t i v a ç õ e s h u m a n a s e c o n ô m i c a s , p o l í t i c o - i n s t i t u c i o n a i s e c u l t u r a i s , o u s e j a , d a s p r o d u ç õ e s c u l t u r a i s

em s e n t i d o a m p l o , a s q u a i s , e m b o r a p r o d u z i d a s p o r s e r e s h u m a n o s p a r a s e r v i -l o s , a s s u m e m a p a r t i r d a s u a o b j e t i v a ç ã o u m a l ó g i c a i n d e p e n d e n t e , f e t i c h i z a d a

ee s t r a n h a a o s h o m e n s .

Palavras-Chave: D ivisão do trabalho; M onetarism o; A lienação e Tragédia da cultura.

(2)

Abstract

baZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

T h i s a r t i c l e ( a c u s e s o n t h e s o c i o l o g y

xwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

o(C e o t g S i m m e l . I n t h e o r e t i c a l t e r m s t h e a u t h o r e s t a b l i s h e d t h e c o n c e p t o i a s s o c i a t i o n ( a r " s o c i e t i o n " ) , u n d e r s t a n d i n g

t h a t i t e x p r e s s e s b e t t e r t h e d y n a m i c , t r a n s i t o r y a n d i n t e r - r e l a t i o n a l c h a r a c t e r o i s o c i a l l i i e . A c c o r d i n g t h e a u t h o r w h a t c o n s t i t u t e s t h e s o c i o l o g y a s s c i e n c e o( t h e I o r t n s a n d p r o c e s s e s o i s o c i a l i z a t i o n a r e t h e l e e t u r e s o ! r e c i p r o c a I e ( ( e c t s a n d m u l t i l a t e r a l r e l a t i o n s i n h e r e n t t o t h e s o c i a l a c t i o n . O n t h e o t h e r h a n d , t h e g r e a t s u p r a - i n d i v i d u a l s y s t e m s a n d o r g a n i z a t i o n s , s u c h a s t h e s t a t e , t h e c l a s s s t r u c t u r e s a n d t h e m a r k e t , i n a c c o r d i n g t o S i m m e l , r e p r e s e n t n o t h i n g e l s e t h a t l a s t i n g c o n i i g u r s t i o n s , w h i c h i n v o l v e s i n t e r a c t i v e r e l a t i o n s h a p p e n i n g a m o n g s t t h e d i ( ( e r e n t i n d i v i d u a I s a r p e r s o n s a t e v e r y m o m e n t o i t h e i r M e . W i t h r e ( e r e n c e t o t h e n o t i o n o(" t r e g e d y o i c u l t u r e " , i t i s n e c e s s a r y t o e m p h a s i z e t h a t i t h a s o n e d o u b l e d i m e n s i o n . O n t h e o n e h a n d t h e " t r e g e d y o i c u l t u t e " i s a l r e a d y

p r e s e n t i n t o t h e s t r u c t u r e o i c u l t u r e , e n c r u s t e d a t t h e i r i o u n d e t i o n , a sai o t m o(

63

a n o r i g i n a l i i s s u r e w h i c h n e v e r c a n b e b l o c k e d a r c l o s e d . I t m e a n s t h a t i n t h e i r d e v e l o p i n g p r o c e s s , s u b j e c t a n d o b j e c t i n v o l v e s o n e b a s i c d u a l i s m , c o m p r i s i n g d t i i e r e n t a n d r t o t c o i n c i d i n g i n t e r n a l l o g i c s . T h e s e s i t u a t i o n s e t u p o n e c o n t r a -d i c t o r y a n -d i n c o n g r u o u s -d y n a m i c , w h i c h c a n n o t t o s e t i n m o t i o n o n e c o m p l e t e i d e n t i t y b e t w e e n s u b j e c t a n d o b j e c t , i n t h e s o c i a l a n d h i s t o r i c a l p r o c e s s e s . O n t h e o t h e r h a n d , t h e " t r a g e d y o( c u l t u t e " i n t h e m o d e r n i t y i s e s t a b l i s h e d , a c c o r d i n g t h e a u t h o r , w i t h t h e d e v e l o p i n g o i d i v i s i o n o i l a b o r , t h e l i b e r a t i o n o ( m o n e t a r y r e l a t i o n s , a n d c o n s e q u e n t l y w i t h t h e i n c r e a s i n g a u t o n o m y o ! t h e e c o n o m i c , p o l i t i c a l , i n s t i t u t i o n a l a n d c u l t u r a l h u m a n o b j e c t i v e c o n s t r u c t i o n s . I n o t h e r w o r d s , e v e n H t h e c u l t u r a l p r o d u c t i o n s o n t h e b r o a d s e n s e a r e p r o d u c e d

o ! h u m a n b e i n g s

xwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

to s e r v e t h e m s e l v e s , n e v e r t h e l e s s l h e y a s s u m e , i n o b j e c t i v e t e r m s , o n e i n d e p e n d e n t a n d i e t i s b i s t i c l o g i c a l c o u r s e , s t r a n g e t o m a n k i n d .

Key-Words: Oivision of labor; Monetarisrn; Alienation and Tragedy of culture.

(3)

Hildemor Luiz Re(h

NMLKJIHGFEDCBA

Introdução

xwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

A

sociologia e as dem ais ciências sociais, desde o seu surgim en-to, têm convivido, de form a perm anente, com a presença da crise na

construção de seu objeto. A s diversas disciplinas desse

baZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

v a s t o cam po de estudos sem pre se sustentaram , de form a dinâm ica e m aleável, sobre

um conteúdo central que, porém , jam ais apresentou fronteiras seguras. A construção de seu objeto jam ais com portou consensos teóricos e m etodológicos. Suas construções conceituais, teóricas e paradigm á-ticas resultaram , ao longo do tem po, em abordagens e interpretações com plexas, plurais e divergentes, envolvendo processos de perm anente recom posição e redefinição em term os de suas perspectivas de análise e de sua escolha tem ática.

A dem ais, no que se refere à análise da interação entre indivíduo e sociedade; entre ator social, de um lado, e as construções institucionais, as dinâm icas de classes, as regularidades econôm ico-sociais e as configurações políticas, jurídicas, culturais e históricas, de outro lado, as diferenças e a

64

pluralidade entre as diversas form as de abordagem têm proliferado.

A objetividade científica nas ciências sociais tem sido acom panha-da, ao longo do tem po, por-divergências na leitura da realidade social,

pois os enfoques teóricos e m etodológicos sem pre obedeceram a diferentes orientações, em term os da com preensão e da explicação das form ações e configurações sociais e das form as de conflito e de interação social. A s próprias ações e relações sociais, enquanto objeto de análise, no contexto da m odernidade e da m odernidade tardia, com preendem interações e processos sociais sem pre contraditórios, acom panhados por traços de incongruência, am bigüidade, contradição, conflito e diferença.

Portanto, independentem ente dos m odelos teóricos adotados, a lógica interna de articulação e explicação dos conteúdos das ciências sociais não está livre de contradições, equívocos e lacunas - visto que as ações, os fatos e as relações sociais com preendem paradoxos, am bigüi-dades, im previsibilidades e contingências.

D e acordo com G eorg Sim m el - que construiu suas análises na virada do século X IX para o X X -, a sociologia, sendo ciência de crises não pode concentrar-se, exclusivam ente, em aspectos práticos, em píricos e quantitativos, m as deve dedicar-se com determ inação à

análise teórica concentrada da situação crítica. Esse autor apresentou

(4)

Registro Sociológico e Tragédia da Cultura em Georg Simmel

xwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

uma visão dinâmica e inter-relacional da vida social, de modo que a

racional idade sistêmica que amarra a trama social não é visualizada

como uma realidade estrutural objetiva estática, mecânica e

determinis-ta frente ações e relações sociais, mas como arranjo provisório e uma

realidade cultural objetiva dinâmica, incidente sobre a racional idade

e a ação cultural subjetiva.

Karl Marx, anteriormente a Simmel, construiu uma matriz teórica e

metodológica complexa e desenvolveu uma análise clássica e referencial

obre a lógica contraditória da produção e reprodução capitalista, sobre o

fetichismo da mercadoria e sobre os conflitos e as lutas de classes sociais

inerentes às formações histórico-sociais balizadas pelo movimento do

ca-pital. Émile Durkheim, contemporâneo de Simmel, apresentou uma leitura

estrutural-funcionalista sobre a anomia, as patologias sociais, a divisão do

trabalho e as condições da "solidariedade social" na sociedade industrial

moderna. E Max Weber (utilizando uma análise teórica e metodológica

compreensiva), investigou a burocratização institucional e a racionalização

das condutas individuais no quadro das formações sociais modernas.

No cerne do debate sociológico, uma questão central que adquiriu

crescente relevância, na virada do século XIX ao XX, foi o problema da

relação entre indivíduo e sociedade, tendo o conceito de sociedade

dei-xado gradativamente de ser a categoria diretriz unificadora e definidora

do objeto da soéiologia. Naquela época, a problemática teórica na análise

das relações sociais e da ação do i ndivíduo deslocou-se e transfigurou-se

de forma qualitativa, no quadro das leituras sociológicas em geral, o que

propiciou o surgimento de uma pluralidade de interpretações. Enquanto

autores da vertente marxista, como Georg Lukács, re-Iapidaram os

concei-tos de consciência e luta de classes, Weber adotou como núcleo basilar

de seu edifício teórico a categoria de ação social, Durkheim utilizou o

conceito de consciência coletiva e Simmel partiu da noção de "sociação"

(Vergesellschaftung)', por entender que ela exprimiria mel hor o caráter

dinâmico, transitório e inter-relacional da vida social.

Graças à relevância dos conteúdos abordados, à densidade das

construções explicativas, à coerência na articulação dos argumentos e à

complexidade dos procedimentos de investigação metodológica e teórica

apresentados por esses autores em suas obras - no campo da sociologia,

da economia política, da antropologia, da história e da teoria política

-estas são mantidas até hoje como referências emblemáticas no campo

das ciências sociais.

p.62 a 84 Educaçõo em Debate· Fortaleza·

baZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

v .1 ev .2, n. 53 e 54, ano 29 • 2007

(5)

Hildemar Luiz Rech

NMLKJIHGFEDCBA

Apontam entos sobre o Enfoque Teórico e Epistem ológico da Sociologia

Filosófica de G eorg Sim m el

66

xwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

Em uma primeira etapa de suas elaborações sociológicas, Simmel

esforçou-se para Iigar a tradição da filosofia transcendental kantiana com

as concepções naturalista-darwinianas e positivistas, então muito presentes

na análise das ciências sociais. Entretanto, a filosofia racional subjetivista

de Kant - caracterizada por categorias universais e apriorísticas da Razão

e tomadas como fundamento do conhecimento, da justiça, da moral e da

liberdade - dificilmente poderia ser reconciliada com o evolucionismo

sociológico e o darwinismo social que, de modo insistente, colocava em

dúvida a racional idade da ação individual, substituindo-a pela

funcio-nalidade e pelo "inerente-estruturismo" das necessidades objetivas de

desenvolvi mento. 2

O vacilar inicial de Simmel entre duas epistemologias

profundamen-te divergenprofundamen-tes - a transcendental-subjetivista e a naturalista-evolucionista

- resultou, finalmente, na produção de uma epistemologia sociológica

original, no cerne da qual a harmonia entre a racional idade individual

e a dinâmica da estrutura social não mais é pressuposta, o que,

teorica-mente, corresponde ao diagnóstico de permanentes problemas estruturais,

contradições sócio-culturais, instabilidades institucionais e mutações

de identidade individual e social no âmago da subjetividade moderna,

resultando na existência de uma crise social e cultural permanente da

modernidade. Ou seja, o autor concebeu sua epistemologia sociológica

a partir da convicção da incongruência e da cisão entre a racional idade

da ação e a racional idade sistêmica.

Simmel construiu uma teoria do conhecimento em que o decisivo

é o processo do conhecer marcado por uma orientação inteiramente

universal do espírito moderno, não determinada por nenhum conteúdo

ontologicamente substancial, sendo, antes, o conteúdo algo criado e

ordenado por uma atitude de mobilidade não-dogmática e autônoma

do espírito. Desse modo, consuma-se uma separação entre processo e

conteúdo do conhecimento, embora, esse último, caracterizado por

evi-dências empíricas e material idades factuais, seja visto como sendo tão

imprescindível quanto o primeiro - o processo de conhecimento - para

o desenvolvimento de sua sociologia filosófica, com sua peculiar atitude

de questionamento e seu original padrão de conhecimento. Ou seja, o

(6)

Registro Sociológi<o e Tragédio do Culturo em Georg Sim mel

BCH-PER'OD'CO~

xwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

que torna o processo do pensamento efetivamente complexo é a atitude,

a orientação de profundidade, que vê seus objetos, de antemão, como

incongruentes, assimétricos, ilimitados e dinârnicos.?

Para Simmel, somente uma comunidade envolvida com o

conhe-cimento das ciências sociais, com modo de pensar ou forma de

pensa-mento aberta e marcada por atitudes de elevada plasticidade, consegue

dar unidade provisória para as investigações - por mais diferenciadas,

incoerentes, heterogêneas e contraditórias que elas sejam quanto ao

seu conteúdo. Isso é possível porque a atitude do espírito que perpassa

o impulso filosófico-sociológico não perde sua integridade e unidade

processual-dinâmica, pois se realiza tendo como forma de procedimento

a separação entre processo e conteúdo, sendo o caráter do primeiro não

atingido pelo conjunto das contradições, equivocidades e incongruências

de seus conteúdos ou resultados.

O desenvolvimento de uma teoria da ação como abordagem

sociológica geral foi desenvolvida especialmente pelos clássicos da

sociologia, no final do século XIX e nas primeiras décadas do século

XX.

Tais elaborações sociológicas compreendem uma mescla entre

reflexões epistemológicas e análises sócio-teóricas. A ênfase na teoria

da ação, contudo, negligenciou a ruptura que ocorreu com os

princí-pios sócio-teóricos do século XIX, ancorados fundamentalmente sobre

a idéia de progresso.

A propósito, as teorias de Saint-Simon, Comte e Spencer

nutriram-se de um otimismo positivista e de uma concepção evolucionista linear

quanto à noção de progresso.

67

Porém, na virada do século, no cerne das novas abordagens teóricas

do desenvolvimento social, adquiriu expressão uma análise tendente ao

pessimismo, que colocou em dúvida a solução positiva da relação entre

indivíduo e sociedade, apontando para a persistência de relações de

con-flito e de problemas estruturais permanentes nas sociedades existentes.

Simmel, mais notadamente nos seus trabalhos sociológicos->

es-pecialmente em sua "teoria da diferenciação social" e em sua "teoria do

dinheiro" -, não visualiza o desenvolvimento social da época moderna

com base em uma visão otimista, embora a sua orientação teórica também

não apresente uma perspectiva pessimista. O objeto de análise do autor

não é nem o indivíduo e nem a sociedade. O seu interesse se focaliza

sobre a interação criadora entre esses dois pólos extremos.

(7)

Hildemar Luiz Re(h

Para o autor, as m otivações que dirigem o agir hum ano não con-form am arbitrária e espontaneam ente o conteúdo da ação hum ana. D as ações hum anas recíprocas resultam , enquanto produto, form as sociais

objetivas que com prom etem , circunscrevem e m esm o constrangem as ações individuais, socialm ente im bricadas. O u seja, na visão do autor, o vínculo social ocorre por interm édio da perm anente conform ação dos

indivíduos pelas form as ou estruturas sociais, ou seja, pela sociedade, e, sim ultaneam ente, tam bém por um a perm anente produção da sociedade pelos indivíduos.

Sim m el abordou a am pliação do espaço das possibilidades da ação hum ana, com base no duplo conceito "individualização-objetivização",

captando o caráter contraditório e am bivalente da crescente autonom i-zação, individualização e diferenciação social m oderna.

D e acordo com as reflexões do autor:

68

Se as form as sociais (jurídicas, artísticas, habituais, etc.) constituem o produto dos seres hum anos e de suas interações recíprocas, acham -se tam bém , m uitas delas, em via constante de objetivação. Esse processo de abstração Ihes confere um a lógica de funcionam ento

autônom o que as faz parecer estranhas aos sujeitos que as geram ."

Portanto, se as form as sociais são elem entos necessários e inexo-ráveis ao percurso da vida cotidiana e social, oferecendo um quadro de regularidade aos vínculos sociais, por outro lado, de form a paradoxal, as form as sociais tam bém nutrem um a constante tendência à coisificação, ao estranham ento, à alienação e ao constrangim ento das relações hum a-nas, processo esse que está no cerne daquilo que Sim m el denom ina de tragédia cultural da m odernidade.

NMLKJIHGFEDCBA

Refexões sobre a Divisão do Trabalho, a Econom ia M onetória e a Tragédia

da Cultura em

Sim mel

Sim m el com preendeu o caráter, ao m esm o tem po com plem entar e contraditório, do desenvolvim ento da divisão do trabalho e da eco-nom ia m onetária, de um lado, e da diferenciação social e da liberdade

(8)

Registro Sociológico e Tragédia da Cultura em Georg Sim mel

crescente de agir no m undo m oderno, de outro lado. Segundo Sim m el, esse desdobram ento representou, de m odo contraditório, a afirm ação da individualidade (em um quadro de relações sociais m ais dinâm icas, m últiplas e rarefeitas) e a libertação da personalidade de dependências, obrigações e de constrangim entos sociais e m orais (que predom inavam no contexto das relações sociais pré-m odernas). M as, concom itante-m ente, dentro desse desenvolvim ento, tam bém ocorreu a cristalização de um processo crescente de alienação, racionalização, insensibilidade, indiferença, institucionalização, com petição, m onetarização e de culto do consum ism o no quadro das relações sociais."

Portanto, Sim m el percebeu a inter-relação e a contradição entre a

ex-pansão dos espaços de liberdade e de autonom ia de ação e, de outro lado, a dissem inação de novas form as de constrangim ento, im pressas nas form as de com plexa e dissem inada dom inação funcional, que passaram a se im por, com cada vez m ais intensidade, sobre o hom em singular, a partir da objetivação crescente das estruturas e das form ações sociais m odernas.

O enfoque interpretativo que é adotado por Sim m el em sua cultura filosófica e em seus trabalhos sobre a sociologia da cultura - entre os quais

é tem atizada a tragédia da cultura em term os do processo de alienação

xwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

69

e de tolhim ento da criatividade do sujeito no contexto civilizatório m o-derno - apresen~a essa m esm a m obilidade e plasticidade.

A sociologia da cultura de Sim m el procura sem pre abordar o cam

-po pendular de forças que se estabelece de form a tensa entre sujeito e objeto, m as sem abrir m ão da pretensão de totalidade ou unidade, ainda que provisória. D esse m odo, Sim m el, a cada perspectiva adotada, habilita os m ais díspares fragm entos do real, abordando os objetos em sua m ulti-determ inação e variedade inesgotável de sentidos. O u seja, a tarefa, que o autor se im põe a si, não term ina nunca, visto que os variados "approaches"

que ele se propõe a adotar, na interpretação da realidade, representam sem pre o esforço de um a plural idade de perspectivas adotadas, visando desvendar a pluralidade das possibilidades do objeto.

Para Sim m el:

As coisas são, a partir de uma atitude incansável do pensamento, viradas e reviradas, postas em novas relações e novamente em outras relações como num caleidoscópio, até que mesmo no insignificante a fonte última se esgote nas elucidações mais profundas."

(9)

70

xwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

Hildemar Luiz Re(h

xwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

o

autor enfatiza o processo factual da realidade, m ediado pela subjeti-vidade, em si m esm a, independente de seus resultados, sendo a própria idéia de fim , m eta e objetivo, no sentido substancial, considerada inoportuna. Isso significa que a análise tem seu m om ento privilegiado nos diversos instantes

em que, trabalhando sobre o objeto, o sujeito écapaz de explorá-Ia e

expô-10

na sua diversidade e nas suas m últiplas facetas e nuances, sem que isso convirja para um a apresentação acabada, conclusiva e final.

A m obilidade que o m esm o autor defende em seus trabalhos não é

resultado de um apaziguam ento dos contrastes que m arcam a realidade. D e form a distinta, o autor procura nos pólos opostos enfrentar essa rea-lidade nas suas m ais am plas discrepâncias.

O ponto final alcançável na relação entre sujeito e objeto deve ser sem pre encarado com o o penúltim o e não o últim o. Isso significa que há sem pre um a nova perspectiva a ser vislum brada, um novo cam inho a ser percorrido. E a idéia de perspectiva está relacionada com os m ovim entos

infindáveis de distanciam ento-aproxim ação do sujeito em relação ao objeto, sendo que tam bém a verdade está inscrita nessa constelação, ou seja, ela está ligada à relação que se estabelece, a cada m om ento, entre sujeito e objeto, à distância, à perspectiva. Portanto, Sim m el assum e a idéia de um a "unidade do m ovim ento do pensam ento", e é isso que lhe perm ite desvincular-se de todos os conteúdos, para m anter-se em m eio aos processos vários em que os conteúdos ganham corpo.

A própria idéia de sentido é um a noção com plexa para Sim m el,

pois há sem pre um a pluralidade de sentidos - um a constelação e um com plexo de sucessões; um em aranhado de interconexões e de coexis-tências; e, ao m esm o tem po, um entrelaçado de contradições, paradoxos, incongruências, assim etrias - que faz da interpretação um a arte. Segundo Sim m el, interpretar é despertar algo que se encontra adorm ecido. Por isso, interpretar é sem pre um ato de libertação, m as de um a libertação que ao

m esm o tem po ata, delim ita e com prom ete o sujeito.

O que vale é a necessidade e a determ inação interior do espírito, é a atitude do incansável escavar, é o percurso de um cam inho, e não propriam ente o que se encontra com o final ou com o resultado.

A idéia de um a cultura filosófica exige de Sim m el o delineam en-to de um a filosofia da cultura. A filosofia da cultura não perde de vista o m undo e a vida e por isso ela não pode ser considerada m etafísica. Pensam ento abstrato e pensam ento concreto articulam -se, em Sim m el,

(10)

Registro Sociológico e Trogédio do Culturo em Georg Simmel

xwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

em uma constelação que comporta tanto a filosofia da cultura - que é

a constelação-guia do processo de interpretação -, como a análise do

presente e a teoria da modernidade.

Em seu trabalho denominado O

baZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

c o n c e i t o e a t r a g é d i a d a c u l t u r a l ,

que está inserido na elaboração intitulada "Para a filosofia da cultura",

Simmel mostra que as incontáveis tragédias na relação entre sujeito e

ob-jeto estão já postas na própria origem sempre conflituosa dessa relação:

Simmel concebe a relação do homem com a natureza, enquanto uma relação de sujeito e objeto, como uma relação conflituosa que está posta inclusive no interior do próprio espírito. O espírito produz as mais diversas formações, que passam a ter uma autono-mia própria; o sujeito, com isso, passa a confrontar-se com essas formações. Nestas, o espírito converte-se em objeto."

Portanto, a relação entre o espírito e aquilo que dele se origina e

toma distância, ou seja, a relação entre o sujeito e o objeto produzido, que

dele se autonomiza, é marcada por uma infinidade de tensões, e, por isso,

Simmel, fala nas incontáveis tragédias que vivem nessa profunda oposição

71

formal, oposição entre a vida subjetiva, que é incessante, mas

temporal-mente finita, e seus conteúdos, que, uma vez criados, apresentam um

formato de maior durabilidade, regularidade e solidificação temporal.

Assim, as próprias criações culturais transformam-se em

diversifi-cadas formações espirituais externas que se autonomizam e tornam-se

objetos, a ponto de constrangerem o próprio espírito. Isso ocorre com a

arte e os costumes, a ciência e os objetos formados de acordo com um

fim, a religião e o direito, a técnica, a política e as normas sociais.

O conceito de cultura está imbricado em meio a esse processo entre

espírito e forma, em que o espírito se converte em formas independentes,

as quais, no entanto, o sujeito deve abarcar em si mesmo, para que

rea-lize a própria idéia de cultura, ainda mais no contexto da modernidade.

Ou seja, o processo da cultura está inserido, para Simmel, na dialética

distância-aproximação entre sujeito e objeto, que marca os pólos opostos,

incongruentes, inassimiláveis e inconciliáveis desse processo:

Essadialética oscila entre a nostalgia e a antecipação de uma

recon-ciliação. Nostalgia que remete a um passado de indiferenciação, a

uma 'unidade originária, anterior à diferenciação' - já que o autor

interpreta o processo social como um processo de diferenciação

(11)

Hildemar Luiz Re(h

xwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

crescente -, caracterizada, 'por um remetimento ao passado', por

uma identidade inocente de sujeito e objeto, quando espírito e

natureza não se distinguem, como, 'mais ou menos ocorreu, por exemplo, no contexto das cosmovisões míticas e das crenças

totê-micas'. Antecipação de um futuro na verdade utópico, no qual a

cisão radical de sujeito e objeto possa ser superada; reconciliação que significa que a relação de espírito e natureza não se faz mais

sob o signo da dominação. Nostalgia e antecipação são como

uma cabeça de medusa que olha para lados opostos. Em meio a

isso permanece a dialética sem conciliação que, se repousa por

um momento, é para tomar fôlego e logo retomar seu movimento incessante. Por isso, as pontes de que Simmel fala são sempre pro-visórias, momentâneas, singulares, efêmeras I... [. O processo de cultura é essa fusão momentânea, subjetivação do que é objeto e objetivação do que é sujeito."

Sim m el distingue cultura e civilização, ou seja, enquanto a cultura

tem em vista a síntese entre sujeito e objeto que leva a um a

subjetivida-de enriquecida, a idéia de civilização está ligada com o que é exterior,

72

apenas com as coisas, com as form ações objetivas enquanto separadas do processo cultural, com preendendo inclusive as form ações sociais e as instituições.

Portanto, o processo da cultura é, para Sim m el, essa corrente de sujeitos, passando por objetos, a sujeitos, ou seja, um a teia perm anente

de relações. N esse processo, os objetos têm um a função e um a posição

m ediadora: eles existem com o objetivação do espírito subjetivo, m as são

sem pre m eios desse espírito, porque o fim são os sujeitos.

M as, na m odernidade, a experiência histórica - na qual se

concre-tiza a relação de sujeito e objeto - testem unha um a m udança altam ente

significativa nessa "corrente". O corre agora que o objeto tende a sair de

sua posição m ediadora, ganhando um a autonom ia própria e rom pendo com o processo cultural, tal com o Sim m el o com preende.

O s objetos adquirem um a dinâm ica própria e eles se isolam dos su-jeitos, em um processo de autonom ização cada vez m ais acentuado. D esse

m odo, ao instaurar-se um a conexão autônom a dos objetos, im põe-se o

isolam ento dos m esm os em relação ao sujeito, quebrando-se as relações existentes em favor de um estado de não-relacionam ento. É assim que

se consum a a alienação dos objetos em relação aos sujeitos, ou seja, os

(12)

Registro Sociológico e Tragédia da Cultura em Georg Simmel

próprios objetos perdem sua posição m ediadora, tornando-se o próprio

fim da corrente e bloqueando o processo cultural.

A ssim , a m odernidade inaugura o ciclo m ais profundo de transfor-m ação dos objetos-m eios em fins, o que representa um a inversão instru-m entalizadora da subjetividade. A análise desse processo de alienação

é desenvolvida por Sim m el, principalm ente, em seu trabalho intitulado

liA filosofia do

xwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

dinheiro!"," no qual ele afirm a que o dinheiro é o caso fundam ental e m ais acabado dessa transform ação em que um objeto

se autonom iza e se aliena dos sujeitos, bloqueando o processo de

re-subjetivação e 'intersubjetivação'. A origem dessa alienação situa-se na divisão do trabalho. O u seja, na proporção que ela avança, desprende o

produto final daqueles que contribuíram para a sua concreção e perde-se a finalidade da produção de um determ inado objeto; ele aparece com o

um a objetividade autônom a que não tem m ais nada a ver com o que eram

seus fins, ou seja, agora ele próprio é um fim em si m esm o.

Entretanto, para Sim m el, a tragédia da cultura 11 possui um a dupla dim ensão. O u seja, ela já se encontra, por um lado, na própria estrutura da cultura, junto a seu fundam ento, na form a de um a fenda original que

nunca se deixou e não se deixa vedar jam ais. D esse m odo, as sínteses

históricas entre sujeito e objeto deparam -se, no final, sem pre com essa fenda original trans-histórica ou m esm o a-histórica, o que representa um

paradoxo e m esm o já um a tragédia. D e outro lado, as sínteses entre su-jeito e objeto apresentam um a "efetividade histórica" própria, tanto que o objeto assum e um a "objetividade histórica". Porém , em seu desdobra-m ento, sujeito e objeto com preendem um dualism o básico, encerrando

lógicas internas distintas e não coincidentes, que conferem aos processos históricos sem pre um caráter de transitoriedade.

73

NMLKJIHGFEDCBA

M ais Ponderações sobre a Filosofia do D inheiro M oderna e a Tragédia da

C ultura

O desenvolvim ento da m odernidade culm ina em um a sociedade to-talm ente atravessada pela econom ia m onetária do dinheiro. Esse processo é analisado por Sim m el em seu trabalho "Filosofia do dinheiro.V"

O fator estrutural m ais im portante da m odernidade, para Sim m el, é o advento da econom ia m onetária, cuja análise é m arcada por um a am

(13)

Hildemar Luiz Rech

güidade fundam ental: o dinheiro desem penha um papel central, tanto na constituição da liberdade quanto da tragédia m oderna. O autor percebe a liberdade com o o resultado da "m udança de constrangim entos", ou seja, ela não se dá num vácuo, m as num contexto de obrigações e relações.

O papel do dinheiro na constituição da liberdade especificam ente

m oderna fica de todo evidente quando pensam os na substituição progres-

baZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

s iv a e paulatina das obrigações pessoais em espécie na sociedade feudal

por contra prestações m onetárias im pessoais na sociedade capitalista.

A econom ia m onetária, em conjunção com a divisão social do

trabalho, perm ite à personalidade, libertada de constrangim entos éticos e pessoais, um a m aior oportunidade de autodeterm inação e

desenvol-vim ento, posto que torna a teia de dependências sociais m ais rarefeita e m últipla.

Portanto, o ponto positivam ente valorizado por Sim m el nesse pro-cesso é o de que o dinheiro, ao separar as esferas subjetiva e objetiva, con-tribui para o desenvolvim ento de am bas, na m edida em que perm ite que

cada qual siga um a lógica im anente e própria. N a econom ia m onetária, o

xwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

74

dinheiro dispensa, por assim dizer, as form as de solidariedade tradicional,

nas quais a pessoa - o indivíduo enquanto tal- estava com prom etido. O

poder libertário da econom ia m onetária reside, com o vim os, no fato de um a personalidade jam ais estar em jogo nas transações m onetárias. Essa distância é o que possibilita o desenvolvim ento individual.

Por outro lado, porém , o elem ento alienante do dinheiro advém do

lado escuro desse m esm o fenôm eno, visto que, com o afastam ento e o

dis-tanciam ento de tudo que é pessoal, desaparece, tam bém , a possibilidade de expressão de qualquer qualidade específica não-econôm ica. O poder universalizador do dinheiro com o equivalente geral é de um a uniform iza-ção unilateralm ente dirigida "para baixo", ou seja, com qualidades sendo

transform adas em quantidade, sendo que, sob este ângulo de análise, o indivíduo é constrangido a alienar a sua singularidade qualitativa13.

D esse m odo, com o se pode observar, para Sim m el, a liberdade não pode ser pensada enfaticam ente com o algo absoluto, visto que ela

nem sequer pode ser pensada com o ausência de constrangim entos, m as, apenas, com o perm uta de contingências. A liberdade possível é sem pre um a liberdade em e de m ovim ento. Em sua fórm ula ideal, ela supõe um a m istura "bem -tem perada" entre aproxim ação e distância em relação aos

outros.

(14)

Registro Sociológico e Tragédio do Cultura em Georg Sim mel

A tragédia da cultura, por sua vez, instaura-se para Sim m el, não apenas com a liberação das relações m onetárias, m as com a autonom iza-cão de todas as objetivações hum anas econôm icas, político-institucionais e culturais, ou seja, das produções culturais em sentido am plo, as quais, em bora produzidas por seres hum anos para servi-Ios, assum em , a partir da sua objetivação um a lógica independente da intenção original que

as constitui.

xwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

o

caráter fetichista da produção de m ercadorias no capitalism o,

descoberto por M arx, é para Sim m el, um caso particular desse fenôm eno geral. O hom em , nesse contexto, passa a ser visto com o m ero suporte de constrangim entos que seguem a sua própria lógica.

Para Sim m el, o desenvolvim ento dissem inado da econom ia m onetária e o increm ento da divisão do trabalho estão profundam ente im bricados com a tragédia da cultura no m undo m oderno. O lado trágico, com a m onetariza-ção niveladora, é encontrada por Sim m el no fato de que, na realidade, apenas a cultura objetiva se torna crescentem ente cultivada e rica, seja em relação à técnica, ciência ou arte, enquanto os indivíduos se tornam , paradoxalm ente, cada vez m ais pobres e pouco cultivados. Desse m odo, a autodeterm inação e a auto-realização pessoal, as quais se tornaram possíveis pelo advento da econom ia m onetária, paradoxalm ente, só se exprim em com o um a m era pos-sibilidade e virtual idade no quadro da fragm entação num érico-quantitativa im prim ida pelo m ercado e pela ideologia do consum o.!"

Ainda para Sim m el, a sociedade do Deus-dinheiro produz dois

tipos de personalidades patológicas cotidianas típicas: o

baZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

c í n i c o e o b l e s é . '?

Am bas as form as são fruto da redução de todos os valores da vida à form a equivalente geral do dinheiro, m as diferem em aspectos im portantes.

Para o cínico, o fundam ental é a indistinção dos valores, em que o único sentido do que é altam ente valorado é ser rebaixado e nivelado segundo o padrão quantitativo com um do dinheiro. O cínico, a exem -plo do próprio dinheiro, não reconhece o valor ou a especificidade dos valores não-m onetários, com o convicção, talento, honestidade, beleza, transparência, justiça e virtude. Estes perdem a sua especificidade e são m onetarizados. O cínico, portanto, m anifesta um a reação, ainda que perversa, em relação à esfera dos valores, posto que se com praz e retira satisfação do m ovim ento nivelador da rnesrna.!"

O blasé, por sua vez, possui a sensibilidade valorativa em botada, incapaz de reação ou vontade. Para o blasé, não é decisiva a

desvalori-75

(15)

Hildemar Luiz Re[h

zação de valores que caracteriza o cínico, m as a indiferença em relação aos m esm os, com prom etendo a capacidade de sentim ento e vontade.'?

O fato básico que une as duas figuras é a circunstância de tudo ser com prável e m edido segundo critérios m onetários. Se para o cínico isso é m otivo de prazer, para o blasé significa a ausência da possibilidade de conferir qualquer estím ulo à vida.

A indiferença blasé nasce, em parte, com o produto do calculism o e da racionalização m oderna dos procedim entos - cuja im postação de conduta é em botadora de em oções - e parte com o produto do efeito nivelador do dinheiro. Essa circunstância acarreta perda da sensibilidade para nuances qualitativas e de singularidade e produz um a concentração no m ero estím ulo. Na grande cidade, essa tendência atinge proporções endêm icas. A quantidade de estím ulos, conduzindo ao cansaço e ao stress dos nervos expostos constantem ente a fortes apelos, produz precisam ente a incapacidade de reação que caracteriza a personalidade blasé.

Nesse contexto, Sim m el percebe a tendência do desejo m oderno por estím ulos perm anentes e variados, por im pressões extrem as e por rápidas m udanças ritualísticas com o tentativas de fuga dos desafios, sofrim entos e perigos que se im põe ao hom em no m undo instrum ental m oderno.

76

NMLKJIHGFEDCBA

Apontam entos sobre os Conceitos de Sociedade, Indivíduo, Sofrim ento e

"Sociação", no Q uadro da Sociologia da Cultura de G eorg Sim m el

A burguesia na Europa conseguiu, na virada do século XIX ao século

XX,

cindir o com portam ento econôm ico da problem ática social, im pondo a autonom ia da racional idade organizacional do processo de circulação de m ercadorias em relação à questão social e política. A partir de então, o discurso dom inante passou a falar em "econom ia e sociedade" e não m ais em "econom ia política". Naquele período, o poder das circunstâncias tornou-se m ais forte e constrangedor para os indivíduos. A objetividade racional e a crescente com plexidade sistêm ica - que passou a caracteri-zar a organização da sociedade - tornaram a personalidade e a vida dos indivíduos m ais indiferentes e apáticas.

As características de inconstância, de volatilidade, de recorrente anarquia dos m ercados, de perm anente destruição criativa no quadro das form ações sociais capitalistas européias, passaram a ser dom esticadas, de

(16)

R e g is tr o S o c io ló g ic o

xwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

eT r a g é d ia doC u ltu r aemG e o r g S im m e l

form a enfática, a partir das décadas de 1870-80, de m odo que o sistem a do m odo de produção capitalista, no final do séc. X IX , passou a com preender um controle gradativo da anarquia dos m ercados, dos altos índices de falência e de súbito colapso dos em preendim entos capitalistas, a partir da introdução de m étodos racionalizados de contabilidade, de novos m odelos de divisão e gerenciam ento do trabalho e de m edidas estrategicam ente planejadas de investim ento e de articulação econôm ica, por interm édio de um entrelaçado de instituições de enrijecim ento burocrático no plano das corporações econôm icas e da esfera do Estado.!"

N esse contexto, tam bém passou a ser posto em dúvida o conceito de sociedade com o unidade das partes e da totalidade social. A ssim , não foi m ais possível construir unilateralm ente teorias na sociologia a partir do conceito de sociedade e a partir da noção com plem entar de progres-so, no m esm o sentido com o foi feito no decorrer do século X IX . A ssim ,

na virada daquele século, a sociologia passou a ser caracterizada com o teoria da ação, de m odo que até o próprio conceito de indivíduo passou a ser substituído pelo conceito de ator e depois de ator racional, até que o m ero ato, com o tal, tornou-se um a noção central para a form ação de

determ inadas teorias sociológicas.

xwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

77

N o quadro crítico de m udanças nas form as de abordagem socio-lógica, G eorg Sim jnel tentou, no âm bito de sua elaboração sociológica,

estabelecer um a nova definição de sociedade, com o objeto da sociologia, por m eio do conceito de "sociação". O autor entendeu que a transfor-m ação da teoria social em teoria da ação não superou por com pleto o otim ism o progressista, visto que o conceito de ação transporta de form a sub-reptícia o conceito de progresso:

Simmel descobriu isso nas suas reflexões sobre o fenômeno do

pessimismo, o qual significa, para ele, carência de atividade e so-frimento real ou fictício. O agir por si mesmo só pode ser otimista, pois cada ação enérgica repousa, para não ficar sem sentido, sobre um fundamento mais ou menos otimista. O agir social, como agir racionalmente dirigido a fins, sempre contém uma porção de oti-mismo quanto ao futuro. Conseqüentemente, a teoria sociológica da ação - referida às ações sociais enquanto processos dirigidos a fins no tempo - só pode captar, como seu objeto, o "ato otimista."?

Conform e Sim m el, a teoria da ação, em sua estrutura, não pode entender o hom em que sofre na sociedade. O pessim ista retraído, se ele

(17)

78

xwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

Hildemor Luiz Rech

não superar o seu estado de passividade e de sofrimento e não reaparecer

como homem ativo no mundo, tende a ser ignorado pela teoria da ação.

Simmel leva em conta o pessimismo e o sofrimento corno fatos sociais.

Ele considera a alienação um fenômeno social central na diferenciação

social crescente e numa economia monetária avançada. O pessimismo,

para o autor, é um reflexo da alienação social e mostra-se no sofrimento,

enquanto um conceito oposto ao agir. O sofrimento - que pode ser oriundo

de formas de discriminação, estigmatização, marginalização, opressão

e exploração, ou de outros traumas humanos - é mais freqüentemente

o resultado de um cálculo individual, em que todo esforço e qualquer

ganho da vida não valem a pena.I?

Portanto, o sofrimento pessimista, o sentir-se alienado, é inacessível

à teoria da ação. O sofrimento só se torna acessível à teoria sociológica

moderna, como suicídio, agressão, violência, exploração, opressão,

dis-criminação ete. E,éavaliado por esta como "disfuncional" e perturbadora

da ordem social. Com a sua estrutura teórica, a teoria da ação pode

enten-der, talvez, a zona difusa do sofrimento social, à qual o indivíduo ainda

resiste, mas não pode conceituá-Ia, porque não é ação. Desse modo, a

sociologia liquida o conceito de indivíduo e paga o preço de não poder

mais captar a alienação em toda a sua dimensão.

O próprio Simmel participou inicialmente de programas

socioló-gicos que visaram dissolver a sociedade na ação. Em sua sociologia das

formas sociais de integração, ele concebeu a sociedade como uma rede de

ações, mas constatou que a priorização do conceito de ação em relação

ao conceito de sociedade paga o preço da perda do tema da

individua-lidade na sua plenitude. Por isso, ele retomou o problema tradicional da

relação entre indivíduo e sociedade num outro nível de análise. Ou seja,

ao lado de uma sociologia geral e de uma sociologia formal, ele reconhece

e desenvolve urna sociologia filosófica envolvida com a tematização da

relação indivíduo e sociedade, embora esta não se ligue diretamente à

sua sociologia empírico-teórica geral e formal.

Desse modo, para esse autor, o problema da individualidade, em seus

conceitos básicos, não se limita ao esquema de uma teoria sociológica da

ação, mas envolve também a perspectiva filosófica da individualidade.

Ou seja, a teoria da cultura e o complexo conceito do indivíduo

de Simmel não poderiam ser reconstruídos e entendidos meramente no

bojo de uma "sociologia formal", mesmo sendo partes essenciais de sua

concepção da sociologia.

(18)

Registro Sociológico e Tragédia do Cultura em Georg Sim mel

xwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

BCH-PERIODICO~

D esse m odo, Sim m el é um dos fundadores da sociologia m oderna,

em cuja teoria o problem a do indivíduo, em um a sociedade cada vez

m ais com plexa, se coloca no centro do interesse sociológico, em bora ele ultrapasse as possibilidades de definição da abordagem sociológica

teórico-em pírica e quantitativa.

Com o já foi destacado acim a, Sim m el definiu a sociologia com o

ciência das form as e dos processos de "sociação". Seu objetivo constitutivo

é, conform e o autor, o caráter de efeitos recíprocos e de relações mútuas

bilaterais e m ultilaterais, com o ele se m ostra na ação social. Tendo por

base essa concepção, o autor definiu a "sociedade", tal com o existente,

com o um a plural idade de indivíduos que entram num a inter-relação

com efeitos recíprocos, que produzem , por m eio de sua ação social, um a

unidade que pode distinguir-se de outras unidades sociais por m eio de relações de reciprocidade específicas. N o agir social, no com portam ento

m útuo face a face e na convivência social, constituem -se form as sociais

de socialização que são, com o tais, objetos de pesquisa sociológica.

Essas form as de socialização repousam , em prim eiro lugar, sobre ações

recíprocas. Porém , quando Sim m el fala sobre o agir, o agir de "um para o outro", "um com o outro", "um contra o outro", ele interessa-se pelo

aspecto dinâm ico de ações que produzem , sustentam e tam bém m udam ,

no tem po, a form a da sociedade.

A s finalidades e os m otivos reciprocam ente relacionados dos agentes

coincidem em estados que Sim m el cham ou "m odos de com portam ento", nos quais sem pre se exprim e o caráter m útuo, bilateral e recíproco dos

atores inter-relacionados num cam po de ações e de forças.

D e outro lado, no registro sociológico de Sim m el, são tam bém

com preendidas todas as com plexas configurações sociais, tais com o o

estado, o m ercado, os sistem as jurídicos, os m odelos econôm icos e as

organizações políticas, de classe, religiosas, técnicas, científicas, artísticas

e m orais, em bora estas sejam pouco tem aticam ente abordadas por ele.

Enfim , para o autor:

79

Todos aqueles grandes sistem as e organizações supra-individuais, que se tem de pensar com o conceito de sociedade, não são nada m ais do que solidificações - em m olduras duradouras, configura-ções constrangedoras e form ações autônom as -, ou seja, de forças e entrelaçam entos interativos (w echelw irkungen) que ocorrem

(19)

Hildemar Luiz Re(h

xwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

entre os indivíduos a cada momento e por toda a vida, Com isso estes adquirem decerto uma existência e uma legalidade próprias. com o que elas podem se olJor e se confrontar a essas vidas que se

determ inam mutuamente. 21

80

Em sua "teoria da sociedade", Sim m el raciocina e argum enta, a partir e sobre as condições de am bivalência da liberdade do hom em no

con-texto da sociedade m oderna, sobre o problem a do sentido da 'sociedade' e da existência do social em term os gerais. D aí resulta a necessidade de provar, criticam ente, o sentido da.sociologia em pírico-analítica, de seus princípios de pensam ento e de seus conceitos básicos. Por isso, Sim m el desenvolveu dois conceitos concorrentes de individualidade, os quais se tornaram conhecidos com o "individualidade quantitativo-sociológica" e "individualidade qualitativa". Enquanto o conceito da prim eira é de-senvolvido no âm bito de um a sociologia em sentido m ais estrito, o da segunda só é visado na perspectiva filosófica."

A individualidade, cham ada por Sim m el, "quantitativa" form a-se no processo de "sociação", no ponto de interseção de círculos sociais

(com o, por exem plo, os círculos da fam ília, da universidade, do clube, do sindicato, de am izades, ao partido, do trabalho, da cooperativa, da igreja, etc.), nos quais o indivíduo está inserido e dos quais faz parte, com o ator social. A individualidade quantitativa define-se, analiticam ente, pela

som a de posições de força, de inserção social e de papéis sociais, que é diferente de um hom em para o outro.

N a m edida em que Sim m el diagnostica um a diferenciação social

crescente nas sociedades m odernas, o indivíduo, nessas sociedades, é integrado e condicionado de form a cada vez m ais intensa a círculos de ação crescentem ente diversificados. Entretanto, a dinâm ica de produção da individualidade na sociedade m oderna é contraditória e am bivalente.

O processo de diferenciação social crescente produz a individualidade de hom ens m odernos, que é definida por m eio da variedade disponível de possibilidades do agir e de sistem as existentes de ações. A individualidade e a liberdade, nesse sentido, são m otivadas pela sociedade. N um segundo

passo, porém , paradoxalm ente, a individualidade aparece com o sendo dissolvida pela socialização crescente e pelo im pacto da racionalização das form ações sociais com plexas. D esse m odo, processos de individua-lização tendem a se transform ar, a longo prazo, em processos de nivela-m ento e de alienação social. A s sociedades diferenciadas pela crescente

(20)

Registro Sociológico e Tragédia da Cultura em Georg Sim mel

divisão social do trabalho e dos papéis sociais tendem ao nivelam ento, de m odo que a individualidade, nesse contexto, tende a revelar-se, conform e Sim m el, com o m eram ente quantitativa.

Para Sim m el, a conexão cada vez m ais variada e com plexa de ações, no âm bito da m odernidade, gera, no indivíduo, a im pressão de um m undo

com plexo e sofisticado dem ais para ser com pletam ente com preendido, de m odo que chega a dem andar inclusive a pergunta sobre o sentido da vida. Para o autor, os sistem as de fins da vida tornam -se tão com

plica-dos, as cadeias de ações e de pensam ento tão longas, os interesses e os m ovim entos da vida tão extensos e dependentes de tantas condições, que parecem então desencadear, tanto nos im pulsos obscuros das m assas hum anas, com o na reflexão filosófica, a busca inquieta de um fim , de

um a com preensão unificadora e de um significado para a vida. N essas circunstâncias, esta pergunta tem , propriam ente, m otivos sociais, e por

isso m erece, tam bém , um interesse sociológico.

A sociologia, no sentido estrito de um a teoria da ação, porém , só pode conceber a individualidade com o produto da som a de círculos

so-ciais e enquanto colocada no ponto de interseção deles, de m aneira que essa se m ostra apenas com o individualidade quantitativo-sociológica. Sim m el, no entanto, se pergunta sobre o resto de individualidade crítica

intrínseca ao próprio Eu individual, que não pode integrar-se na estru-tura da ação social e que seja capaz de contrapor-se às características alienantes da sociedade.

O problem a da relação indivíduo/sociedade foi tratado, de m aneira

extensa e concentrada por Sim m el, no seu excurso

baZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

C o m o ép o s s í v e l as o -c i e d a d e , publicado em

xwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

1908, e integrante de sua grande sociologia.P

Para Sim m el, a vida é sem pre m ais que convivência social. Ele in-troduz o conceito de "experiência de vida" ou de "vivência" (Erlebnis)24, indicando a recepção de algo na experiência vivida, que pode ser um a im pressão, um a lem brança, o sofrim ento de um a discrim inação ou

estig-m atização, um traum a, um a frustração, um a realização, um êxito, um a lição no sentido de um efeito interno, espiritual e im aterial.

O conceito de "vivência" é introduzido pelo autor com o um a cate-goria oposta à ação social, porque perm ite captar a im pressão da sociedade

no sujeito. Em oposição àperspectiva da teoria da ação, resulta, agora, essa im agem : "A totalidade do conteúdo da vida, m esm o sendo perfeitam ente

explicável por m eio de antecedentes sociais e de inter-relações recíprocas,

p. 62 a 84 Edu(açõo em Debate· Fortaleza· v. 1 e v. 2, n. 53 e 54, ano 29 • 2007

(21)

Hildemor Luiz Rech

tem de ser vista, sim ultaneam ente, sob a categoria da vida singular, com o

vivência do indivíduo e inteiram ente orientada a ele.25"

Portanto, o conceito de vivência é im portante para Sim m el porque, no seu entendim ento, ocorre um a série perm anente de conflitos reais entre o hom em singular e a sociedade. A ssim , com o isso constitui um fato social

relevante, ele deve ser, com o tal, objeto da sociologia filosófica.

NMLKJIHGFEDCBA

A

Título de Conclusão

N a visão de Sim m el, o vínculo social ocorre por interm édio da per-m anente conform ação dos indivíduos pelas form as ou estruturas sociais,

ou seja, pela sociedade, e, sim ultaneam ente, tam bém por um a perm anente produção da sociedade pelos indivíduos.

Sim m el abordou a am pliação do espaço das possibilidades da ação

hum ana, com base no duplo conceito "individualização-objetivização",

captando, por um lado, a crescente liberdade de m ovim entos dos indiví-

xwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

82

duos e, por outro lado, o caráter contraditório, alienante e am bivalente

dessa crescente autonom ização, individualização e diferenciação social m oderna.

D e acordo com as reflexões do autor, se as form as sociais (jurídi-cas, artísti(jurídi-cas, habituais, etc.) representam o produto dos seres hum anos e de suas interações recíprocas, acham -se tam bém , m uitas delas, em via constante de objetivação. Esse processo de abstração Ihes confere um a lógica de funcionam ento autônom o, que as torna estranhas os sujeitos que as geram . Portanto, se as form as sociais são elem entos inexoráveis ao percurso da vida cotidiana e social, oferecendo um quadro de

regularida-de aos vínculos sociais, por outro lado, de form a paradoxal, as m esm as form as sociais tam bém nutrem um a constante tendência à coisificação, ao estranham ento,

à

alienação e ao constrangim ento das relações hum a-nas, processo este que está no cerne daquilo que Sim m el denom ina de tragédia cultural da m odernidade.

A sociologia, para o autor, é a ciência que estuda as form as e os processos de socialização ou "sociação". Essa últim a é a conceituação do caráter de efeitos recíprocos e de relações m útuas, bilaterais e m ul-tilaterais, que conform am a ação social, com os atores se encontrando envolvidos num cam po de ações e de forças que resulta em processos de

(22)

Registro So(iológi(o e Tragédia da Cultura em Georg Sim mel

xwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

conflito e de cooperação, tendentes a uma unidade que pode distinguir-se de outras unidades sociais por meio de relações de reciprocidade específicas. Desse modo, a sociologia de Simmel também não ignora as complexas configurações sociais tais como o estado, o mercado, os sistemas jurídicos, os modelos econômicos e as organizações políticas, de classe, religiosas, técnicas e científicas, embora essas sejam pouco tematicamente abordadas por ele.

Notas

1 A este respeito ver: SIMMEL, Georg.

baZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

Q u e s t õ e s f u n d a m e n t a i s d a s o c i o

-l o g i a . Rio de Janeiro: Zahar Editor, 2006.

2 A este respeito ver: RAMMSTEDT, Otthein & DAHME, Heinz-)ürgen.

A Modernidade atemporal dos clássicos da sociologia: reflexões sobre

a construção de teorias em Émile Dürkheim, Ferdinand Tõnnies, Max

Weber e, especialmente, Georg Simmel. In: JESSÉ,Souza & OELZE, Berthold (Orgs.). 5 i m m e l ea m o d e r n i d a d e , Brasília: Editora Universi-dade de Brasília, 2. ed. 2005. p. 187-218.

:1 A este respeito ver: WAIZBORT, Leopoldo. A s a v e n t u r a s d e C e o r g

5 i m m e l . Sã? Paulo, Editoções 34, 2000.

4 A este respeito ver: LALLEMENT, Michel. H i s t ó r i a d a s i d é i a s s o c i o l ó g i c a s

( D a s o r i g e n s a M a x w e b e r ) . Petrópolis, RJ:Vozes, 2003. p.l 74.

S A este respeito ver: SIMMEL, Georg. A divisão do trabalho como causa

da diferenciação da cultura subjetiva e objetiva (1900). In: SOUZA,

lessé & OELZE, Berthold (Orgs.).5 i m m e l e am o d e r n i d a d e . 2. ed. Bra-sília: Editora Universidade de Brasília, 2005. p. 41-76.

6 A este respeito ver: LEWINSOHN,R., apud WAIZBORT, Leopoldo, Op.

cit.. p.26.

7 A este respeito ver: SIMMEL, Georg. O conceito e a tragédia da cultura.

In: SOUZA, lessé & OELZE, Berthold (Orgs.).5 i m m e l ea m o d e r n i d a d e . Brasília. 2. ed. Editora Universidade de Brasília, 2005. p77-1 05.

(3 Cf. WAIZBORT, Leopoldo, Op. cit, p.116.

l) Cf. WAIZBORT, Leopoldo, Op. cit., p.119.

10 A esterespeitover: SIMMEL,Georg. O dinheiro ra cultura moderna (1896).

In: SOUZA, lessé & OELZE, Berthold (orgs.)S i m t n e l ea m o d e r n i d a d e .

Brasília. 2. ed. Editora Universidade de Brasília, 2005. p.23-40.

83

(23)

Hildemar Luiz Re(h

xwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

11 A este respeito ver: SIM M EL, G eorg. O conceito e a tragédia da cultura.

In: SO U ZA , jessé & O ELZE, Berthold (O rgs.).

baZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

S i m m e l e a m o d e r n i d a d e .

Brasília. 2. ed. Editora U niversidade de Brasília, 2005. p77-1 05.

12

O .

SIM M EL, G eorg. P h i l o s o p h i e d e s C e l d e s . Leipzig: D uncker & H um -blot,1900.

13 A este respeito ver: SO U ZA , jessé. A crítica do m undo m oderno em

G eorg Sim m el (Introdução). In: SO U ZA , jessé & O elze (O rgs.). op. cit., p.9-20.

14 A este respeito ver: SIM M EL, G eorg. O Conceito e a tragédia da cultura.

In: SO U ZA , jessé & O elze (O rgs.). O p. cit. p. 77-105.

15

O.

SO U ZA , jessé. A crítica do m undo m oderno em G eorg Sim m el

(Introdução). In: SO U ZA , jessé & O elze (O rgs.). O p. cit. p.9-20.

16 Idem , p.14-15.

17 Idem , ibidem .

18 A este respeito ver: SEN N ETT, Richard. A c u l t u r a d o n o v o c a p i t a l i s m o .

Rio de janeiro: Record, 2006.

84

19 A este respeito ver: RA M M STED T, O tthein & D A H M E, H einz-jürgen .

A M odernidade atem poral dos clássicos da sociologia: reflexões sobre a construção de teorias em Ém ile D ürkheim , Ferdinand Tõnnies, M ax W eber e, especialm ente, G eorg Sim m el. In: jESSÉ, Souza & O ELZE, Berthold (O rgs.). S i m m e l e a m o d e r n i d a d e . 2. ed. Brasília, Editora U niversidade de Brasília, 2005. p.206.

20 Idem .

21

O .

SIM M EL, G eorg apud W A IZBO RT, Leopoldo, op. cit.; ver nota de pé de página n04, p.ll 7.

22 A este respeito ver: RA M M STED T, O tthein & D A H M E, H einz-jürgen, op. cit., pp. 187-218.

23 Cf. SIM M EL, G eorg. " U n t e r s u c h u n g i i b e r d i e F o r m e n d e r V e r g e s e l l s -c h a f t u n g " . 5. ed. Soziologie. Leipzig, D unker & H um blot 1908.

24 A este respeito ver: RA M M STED T, O tthein & D A H M E, H einz-jürgen, op. cit., p.211 .

25

O.

SIM M EL, G eorg (1908, p.28), apud RA M M STED T, O . & D A H M E, H .j., O p. cit., p.213.

Enviado poro publicação: 04.07. 2007 Aceito poro publicação: 10.09. 2007

Referências

Documentos relacionados

Já com novas descobertas de outros cientistas sobre o desenvolvimento infantil como “o construtivismo de Constance Kamii, os trabalhos sobre a psicogênese da língua escrita

A Parte III, “Implementando estratégias de marketing”, enfoca a execução da estratégia de marketing, especifi camente na gestão e na execução de progra- mas de marketing por

AC AC TROMBONE II a VIII JLA JLA METAIS 4. AC AC

Még épp annyi idejük volt, hogy gyorsan a fejük búbjáig húzták a paplant, és Mary Poppins már nyitotta is az ajtót, és lábujjhegyen átosont a

“O autor foi convencido a comprar o modelo, mais caro, pois este veículo era equipado com “airbag” duplo, que, além de proteger o autor em caso de qualquer

Com a concorrência cada vez mais acirrada, as organizações precisam desenvolver um processo de marketing que utilize ferramentas que potencializem os resultados de suas ações,

La tendance à la stagnation ne s’explique pas de la même manière dans les grands pays latino-américains. Elle a des causes communes certes, mais le poids de chacun des

No Cap´ıtulo 3 formalizamos a defini¸c˜ao da integral fracion´aria, apresentamos t´ecnicas para o seu c´alculo, bem como alguns exemplos, estabelecemos uma rela¸c˜ao entre