• Nenhum resultado encontrado

Palavras-chave: Gênero discursivo/textual; Receita culinária; Receita médica; PCNs.

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Palavras-chave: Gênero discursivo/textual; Receita culinária; Receita médica; PCNs."

Copied!
8
0
0

Texto

(1)

Análise de parte da Sequência Didática de língua portuguesa proposta no Caderno do aluno 7ª série/8° ano da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo à luz da

teoria dos gêneros e dos PCNs

Viviane Marques Miranda

RESUMO

Este artigo tem por objetivo analisar e discutir parte de uma sequência didática da disciplina de língua portuguesa para a 7ª série/ 8° ano, proposta no material de apoio ao currículo do estado de São Paulo à luz da teoria dos gêneros discursivos e dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa a fim de encontrar aproximações e distanciamentos entre as perspectivas cotejadas. Será analisada parte da

“situação de aprendizagem 1”, a qual focaliza o trabalho com o gênero receita culinária e receita médica e propõe uma sistematização dos conteúdos por meio de atividades. A relevância de semelhante análise explica-se por se tratar do material de apoio distribuído para toda a rede pública do estado de São Paulo, que tem em torno de 4,3 milhões de alunos regularmente matriculados; a necessidade da qualidade na educação oferecida a esse número de alunos deve, portanto, ser garantida uma vez que um projeto educativo comprometido com a qualidade é de responsabilidade da Escola. O exame de parte do material, objeto de análise deste artigo, levou-me a concluir que nele há inúmeras falhas que o aproxima mais do conceito de cartilha do que do conceito de gênero discursivo/textual.

Palavras-chave: Gênero discursivo/textual; Receita culinária; Receita médica; PCNs.

(2)

CONCEITO DE GÊNERO E DESCRIÇÃO DA SITUAÇÃO DE APRENDIZAGEM 1

De acordo com Bakhtin (2003) os gêneros discursivos são fenômenos históricos, profundamente vinculados à vida cultural e social das pessoas e contribuem para ordenar e estabilizar as atividades comunicativas do dia-a-dia; são tipos relativamente estáveis de enunciados elaborados pelas mais diversas esferas da atividade humana e apresentam características sociocomunicativas definidas por algumas categorias:

conteúdos temático, forma ou construção composicional e estilo.

Assim, os gêneros discursivos/textuais servem, muitas vezes, para criar uma expectativa no interlocutor e prepará-lo para uma determinada reação, sendo que caracterizam-se como eventos textuais altamente maleáveis, dinâmicos e plásticos (BAKHTIN, 2003). São, em última análise, o reflexo de estruturas sociais recorrentes e típicas de cada cultura e surgem emparelhados a necessidades e atividades socioculturais, bem como na relação com inovações tecnológicas.

Considerando o conceito de gênero discursivo/textual, iniciarei descrevendo parte da “situação de aprendizagem 1” da 7ª série/ 8° ano, proposta no material de apoio ao currículo do estado de São Paulo, e tecendo considerações acerca dos textos e atividades recomendados a fim de verificar se estão de acordo ou em desacordo com a teoria dos gêneros.

O material começa propondo a leitura de uma receita de brigadeirão, a qual aparece sem fonte e sem data, não é usada nenhuma representação visual da receita para parecer uma folha de livro de receitas; e as condições de produção e de circulação são ignoradas. Em seguida, são feitas duas perguntas formais sobre a identificação do gênero, sua esfera de circulação, composição formal e função social.

De acordo com Bakhtin (2003), os gêneros discursivos/textuais não se caracterizam nem se definem por aspectos formais, sejam eles estruturais ou linguísticos, e sim por aspectos sociocomunicativos e funcionais. A receita omite informações sociocomunicativas relevantes, essenciais para situá-la em um contexto sociointerativo (MARCUSCHI, 2008, p. 62).

(3)

Outro texto proposto, a seguir, é uma receita médica também sem fonte e sem data, sem o design de uma receita escrita de próprio punho com letra cursiva ou bastão à caneta, sem o carimbo do médico, sem número do CRM, sem assinatura e sem o cabeçalho do hospital – informações que são essenciais para a contextualização do gênero.

Ademais, algumas questões são levantadas nos mesmos moldes das primeiras, além de questionar o que há em comum entre os dois textos, ou seja, entre a receita médica e a receita culinária.

Em seguida, um excerto de texto é proposto em forma de diálogo, sem fonte, sem data e sem título; assim sendo, inicia-se uma sequência de questões que exploram o modo imperativo do verbo, procurando estabelecer uma relação com os três textos propostos a partir do enfoque do modo verbal. Por último, nessa altura, pede-se um resumo do que o aluno compreendeu das explicações dadas pelo professor e do que foi estudado sobre as características dos textos injuntivos e prescritivos.

Considero que o projeto gráfico do material de apoio ao currículo do estado de São Paulo é desfavorável ao aprendizado uma vez que os recursos mais largamente utilizados são, basicamente, negrito e itálico e embora a presente análise esteja centrada somente em parte da “situação de aprendizagem 1”, as características descritas predominam no volume todo. A construção do leiaute desconsidera características básicas de composição visual, como hierarquia das informações, o tamanho da letra em função da hierarquia da informação e do público-alvo, contraste e legibilidade. Além dessas questões de ordem gráfica, há outras de ordem discursiva, a saber: muitos textos são “elaborados especialmente para São Paulo faz escola” (Caderno do Aluno, p. 6) e identificados como “texto A” (Caderno do Aluno, p. 31) ou “texto B” (Caderno do Aluno, p. 32), sem fonte, sem contextualização e sem título.

Nota-se que tal “situação de aprendizagem” parte de uma concepção de língua em que se trabalha com os elementos da comunicação e com as funções da linguagem e, por conseguinte, com as limitações impostas por essas concepções. Portanto, a visão de língua subentendida nessa sequência de atividades é de língua como código, como sistema homogêneo (PCNs, 1998, p. 23)

(4)

Aqui vale dois parágrafos para esclarecer melhor: elementos da comunicação pressupõem: a) unilateralidade, isto é, emissor que envia uma mensagem e receptor que a recebe, em outras palavras, posições imutáveis e hierarquizadas; e b) mensagem fechada, emissor envia uma mensagem inalterável que detém um conteúdo de per si, desconsiderando a discursividade: as condições de produção e recepção são capitais para a construção de sentidos possíveis.

Além de se trabalhar com as limitações impostas por esse modelo dos elementos da comunicação, as funções da linguagem também partem de um pressuposto de língua que a entende como limitada a quatro funções estanques e separadas: fática, conativa, expressiva e referencial; porém a língua/linguagem não traz essas funções de per si;

esses atributos são alteráveis e plásticos e dependem da discursividade, ou seja, da interação entre os interlocutores, de seus conhecimentos prévios, do contexto histórico, das intenções do autor – dados que afetarão a construção dos sentidos. Sem embargo, a sequência didática analisada não explicita o conceito de elementos da comunicação, tampouco o de funções da linguagem, porém essas idéias ficam subentendidas na medida em que se aborda função injuntiva e tipologia textual.

As atividades trabalham, estritamente, com a função conativa da linguagem, desperdiçando a oportunidade de tratar do gênero receita culinária, de modo a explorar sistematicamente suas condições de produção e circulação.

O ato social de utilizar a receita com a finalidade de fazer uma confraternização em que os alunos deverão utilizar esse gênero para preparar um prato e compartilhá-lo com a turma não é sequer cogitado.

Outras idéias de possíveis suportes para o gênero e outras esferas de circulação tampouco aparecem, como receitas culinárias de programas televisivos em que se mostra a realização da receita em tempo real e seu produto final e em que as múltiplas linguagens aparecem com apelo mais forte que na receita escrita/impressa.

Segundo Marcuschi (2002) a tecnologia enseja o surgimento de formas inovadoras, mas não absolutamente novas, e pode favorecer a “transmutação” dos gêneros e a assimilação de um gênero por outro, gerando novos. Seria, portanto, conveniente oferecer essa situação didática, descrita no parágrafo anterior, que

(5)

viabilizasse a comparação dos mesmos gêneros em diferentes suportes e esferas de circulação – o que o material de apoio analisado não leva a efeito.

A comparação entre receitas de diferentes épocas seria uma rica oportunidade de se trabalhar a língua em seus usos reais e históricos, comparando modos de dizer de diferentes períodos, formas de escrever e estabelecendo relações entre esses dados;

receitas de diferentes culturas também poderiam oportunizar um trabalho na perspectiva dos gêneros discursivos/textuais, cotejando hábitos alimentares e nomes de alimentos, dentre outras inúmeras possibilidades.

Uma vez que o conceito de gênero não se limita a aspectos estruturais, mas compreende também o caráter social e histórico visto que as condições de produção de um enunciado são fundamentais para sua compreensão e para a produção de outros enunciados, é que se considera que o trabalho com gêneros possibilita que os alunos ampliem sua visão de mundo, tenham condições de ler nas entrelinhas, desvendem as intenções do enunciador e desenvolvam uma leitura crítica.

Conforme consta no caderno do professor, os conteúdos e temas a serem trabalhados nessa “situação de aprendizagem 1” são, dentre outros: “tipologia

“descrever ações”, conceito de verbo, modo imperativo nas variedades padrão e coloquial” (Caderno do Professor, 2013, p. 12). Ao invés de trabalhar no enfoque dos gêneros, o material de apoio analisado trabalha com a função injuntiva da linguagem e a partir disso traz outros textos e excertos descontextualizados e artificiais (discussão entre a esposa e o marido em que ela dá ordens a ele (Caderno do Aluno, 2014, p. 6);

um cliente ligando para pedir uma pizza (idem, p. 8); dois jovens conversando em uma lanchonete (idem, p. 15); letra de música (idem, p.18) etc) a fim de explorar os verbos no imperativo e a “característica dos textos que procuram orientar comportamento (os chamados textos injuntivos e prescritivos)” (Caderno do Aluno, 2014, p. 7 ).

A produção escrita proposta no tópico seguinte da „situação de aprendizagem 1”

é um diálogo, que deve ser “organizado de forma prescritiva ou injuntiva” (Caderno do Aluno, 2014, p. 8), sem antes ter explicitado em uma caixa de texto destacada o sentido de tais termos para consultas posteriores, caso o aluno esqueça a explicação do professor. A sugestão dessa produção de texto deve ocorrer a partir de uma passagem

“elaborada especialmente para o São Paulo faz escola” e que se constitui na narração e descrição de uma cena em que o aluno deverá criar um diálogo. Em outras palavras, a

(6)

proposta não deixa claro quem serão os leitores dos textos produzidos e onde os textos circularão; acaba se constituindo, portanto, numa escrita sem função social, sem leitores e sem circulação, uma escrita tipicamente escolar.

PÂRAMETROS CURRICULARES NACIONAIS

Segundo os PCNs de língua portuguesa, entre as críticas mais freqüentes que se faziam ao ensino tradicional destacavam-se, dentre outros, a excessiva escolarização das atividades de leitura e escrita e o uso do texto como pretexto para se ensinar aspectos gramaticais (p. 18). Na “situação de aprendizagem 1” proposta no material de apoio ao currículo do estado de São Paulo, pode-se, portanto, notar ainda a forte presença de um ensino tradicional conforme a descrevemos acima.

Vimos que na “situação de aprendizagem 1” não houve grande preocupação com conceitos fundamentais quando se trabalha língua e linguagem numa perspectiva discursiva, uma vez que

“interagir pela linguagem significa realizar uma atividade discursiva: dizer alguma coisa a alguém, de uma determinada forma, num determinado contexto histórico e em determinadas circunstâncias de interlocução. Isso significa que as escolhas feitas ao produzir um discurso não são aleatórias (...) mas decorrentes das condições em que o discurso é realizado.” (PCNs, 1998, p. 21)

Pelo contrário, constatou-se que não houve contextualização, aos textos faltam referências sócio-históricas fundamentais e priorizou-se o trabalho com base na tipologia descritiva (descrever ações) e na função injuntiva a partir de fragmentos soltos. Inverteu-se o princípio do texto como unidade de ensino, colocando o conteúdo gramatical como ensejo para criação de excertos fora de contexto, ou seja, o oposto do que os PCNs de língua portuguesa defendem (1998, p. 23) e do que o trabalho na perspectiva dos gêneros preconizam (MARCUSCHI, 2008, p. 51).

(7)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A confusão teórica é ainda muito grande quando se fala de ensino de língua portuguesa na perspectiva dos gêneros, pois embora documentos oficiais como os PCNs de língua portuguesa mostrem uma concepção condizente com a idéia de gênero, na prática o material que é distribuído para toda a rede que conta com 230 mil professores, dentre os quais estão os de língua portuguesa, está enormemente em desacordo com esse prisma.

As formações continuadas que a Secretaria da Educação oferece também mostram, muitas vezes, essa falta de clareza, como o “Melhor Gestão, Melhor Ensino”

(MGME), extensão à distância que foi oferecida em 2013 para todos os professores de língua portuguesa da rede estadual paulista, nos moldes dos cadernos de apoio do estado de São Paulo.

(8)

BIBLIOGRAFIA

BAKHTIN. Gêneros do discurso In: Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

MARCUSCHI. Produção Textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo:

Parábola, 2008.

MARCUSCHI. Gêneros textuais: definição e funcionalidade, 2002. Disponível em: <

http://pt.scribd.com/doc/61404180/Generos-textuais-definicao-e-funcionalidade-Luiz- Antonio-Marcuschi>. Acesso em: 31 de janeiro de 2014.

Material de apoio ao currículo do estado de são Paulo: Língua portuguesa (Caderno do Aluno). Secretaria da educação do estado de São Paulo, 2014.

Material de apoio ao currículo do estado de são Paulo: Língua portuguesa (Caderno do Professor). Secretaria da educação do estado de São Paulo, 2013.

Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental:

língua portuguesa/Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.

Começa nesta segunda-feira (20) a atribuição de aulas para professores da rede estadual. Disponível em: <http://www.educacao.sp.gov.br/noticias/comeca-nesta- segunda-feira-20-a-atribuicao-de-aulas-na-rede-estadual>. Acesso em 31 de janeiro de 2014.

SP: redes estadual e municipal poderão reprovar mais vezes neste ano letivo.

Disponível em: <http://noticias.terra.com.br/educacao/sp-redes-estadual-e-municipal- poderao-reprovar-mais-vezes-neste-ano

letivo,189d67f2999b3410VgnVCM5000009ccceb0aRCRD.html>. Acesso em 31 de janeiro de 2014.

Referências

Documentos relacionados

A manipulação das massas através do rádio é o mote deste gênero. A propaganda no meio radiofônico é utilizada quase que ao mesmo tempo do surgimento do veículo. Na década de

Para aplicar a abordagem de valor justo, a entidade deve determinar a margem contratual de seguro ou componente de perda do passivo por cobertura remanescente na data de transição

Publicações Técnicas: Elaboração.

Importante: Verifi que a revisão do Manual do Usuário indicada no rótulo do produto e o seu n.º ANVISA para identifi car corretamente o arquivo desejado.. Para obter o Manual

A proposta de anteprojeto modelo de uma casa de mel para o sertão da Paraíba será constituída de acordo com o fluxograma abaixo, exposto na figura 08, com área de 98,55m2 contendo

O Cerrado é o segundo maior bioma brasileiro com 2 milhões de quilômetros quadrados e é reconhecido como a savana mais rica do mundo com 11.627 espécies de plantas nativas,

Na verdade, ainda hoje, mesmo após a criação do ICMBio e a oficialização da pesquisa científica, a mesma não é prioridade dentro da instituição, os argumentos,

(2015) revelaram em sua pesquisa realizada no curso de Ciências Contábeis da Unesc, que para os docentes o uso de metodologias ativas trouxe contribuições positivas no processo