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O GÊNERO RECEITA CULINÁRIA NO SÉCULO XIX NA PERSPECTIVA DA HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA

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Raquel Cristina de Camilo Diniz

O GÊNERO RECEITA CULINÁRIA NO SÉCULO XIX NA

PERSPECTIVA DA HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA

MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA

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Raquel Cristina de Camilo Diniz

O GÊNERO RECEITA CULINÁRIA NO SÉCULO XIX NA

PERSPECTIVA DA HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA

MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA

Dissertação apresentada à Banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Língua Portuguesa, com a orientação do Professor Doutor João Hilton Sayeg Siqueira.

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Banca Examinadora

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A Deus, que me deu forças nos momentos mais difíceis e de maior aflição;

Ao meu orientador, Prof. Dr. João Hilton, pelo amparo e pela condução neste processo;

Ao Prof. Dr. Jarbas Nascimento e à Prof.ª. Dra. Zilda Aquino, pela valiosa contribuição com sugestões e observações feitas no Exame de Qualificação;

A minha família, pelo suporte emocional e afetivo;

Ao meu marido, companheiro de toda hora, pelo apoio, compreensão, paciência e amor.

Aos professores do Programa de Pós-graduação em Língua Portuguesa e aos colegas da PUC-SP, que me incentivaram e contribuíram para o meu crescimento intelectual;

Aos colegas de trabalho, que colaboraram e compreenderam este momento tão importante;

A todos aqueles que, de algum modo, colaboraram para a realização deste trabalho;

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DEDICATÓRIA

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O presente trabalho procurou verificar em que medida as manifestações linguísticas e socioculturais, materializadas no gênero receita culinária, caracterizam a cultura do Brasil no século XIX. A receita culinária adquire importância, pois sempre esteve vinculada ao limite socioeconômico-linguístico-cultural da sociedade que faz parte, revelando, assim, a cultura da época entrelaçada à língua e a história. Ao realizarmos um estudo historiográfico-linguístico, resgatamos, na contextualização, os principais fatos históricos que influenciaram no clima de opinião da época das receitas; na imanência, analisamos as receitas de acordo com o gramático do período e, na adequação teórica, comparamos as receitas do início século XIX com outras atuais. Deste modo, a presente pesquisa constatou que as receitas do século XIX apresentam elementos culturais característicos de seu tempo; assim como, trazem léxico, ortografia e sintaxe condizente à gramática de seu período.

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This study sought the extent to which socio-cultural and linguistic expressions, materialized in the genre cooking recipe, featuring the culture of Brazil in the XIX century. A cooking recipe acquires importance as it has always been linked to the limit socioeconomic-cultural-linguistic part of society, revealing thus the culture of the time intertwined with language and history. When we conduct a study historiographical linguistic, rescued, in context, the major historical events that have influenced the climate of opinion at the time recipe, in immanence, analyze revenues according to the grammarian of the period, and the theoretical adequacy, comparing recipes early XIX century with other current. Thus, the present study found that the cooking recipe of the XIX century have cultural elements characteristic of his time, as well as bring lexicon, syntax and spelling to grammar befitting your period.

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INTRODUÇÃO ... 10

CAPÍTULO I – HISTORIGRAFIA LINGUÍSTICA ... 16

1.1 Historiografia Linguística ... 16

1.2 Os sentidos da palavra história ... 16

1.3 As tendências do Século XX em relação às formas de se fazer história ... 21

1.4 O conceito de Historiografia: seus princípios e procedimentos ... 25

CAPÍTULO II – GÊNEROS E RECEITAS CULINÁRIAS ... 29

2.1 Gêneros ... 29

2.2 Língua, Texto e Práticas Sociais ... 29

2.3 Os gêneros textuais como ação social ... 32

2.4 Receita culinária e seus conceitos ... 38

2.5 A história do gênero receita culinária ... 39

CAPÍTULO III – ANÁLISE SEGUNDO OS PRINCÍPIOS DE KOERNER ... 51

3.1 Contextualização ... 51

3.1.1 Cenário histórico do Século XV ao início do Século XIX ... 52

3.1.2 A chegada da Família Real ... 54

3.1.3 Breve panorama linguístico ... 57

3.1.4 Sobre as receitas e seus ingredientes ... 60

3.2 Imanência ... 61

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Portugueza ... 3.2.4 Da Orthografia ou Boa Escriptura da Lingua

Portugueza ... 72

3.2.5 Da Etymologia ou partes da Oração Portugueza ... 74

3.2.6 Da Syntaxe e Construção ... 77

3.3 Adequação ... 81

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 87

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INTRODUÇÃO

Este trabalho tem por tema um estudo histórico-historiográfico da língua portuguesa, tomando como objeto de análise o registro do gênero receita culinária, no início do século XIX. Para isso, foram selecionadas três receitas do livro “Cozinheiro Imperial ou Nova Arte do cozinheiro e do copeiro em todos os seus ramos, methodo para trinchar e servir bem a meza” de

R.C.M, de 1843, o primeiro livro de receitas publicado no Brasil.

O assunto desta Dissertação se sobressai na medida em que propomos uma discussão que engloba a relação língua, cultura1 e história. É

dentro dessa perspectiva interdisciplinar que será feito o estudo da Língua Portuguesa no gênero receita culinária, escrito no Brasil, na primeira metade do século XIX. Além disso, a relevância de nossa investigação está no fato de que os pesquisadores brasileiros pouco se detiveram ao gênero receita culinária, tornando, assim, sua exploração escassa, principalmente, no foco linguístico.

A receita culinária ganha relevo, pois a cada época manteve-se atrelada ao limite socioeconômico-linguístico-cultural da sociedade na qual estava inserida. Além disso, revela a cultura da época, desvelando aspectos da construção da identidade nacional.

Para contextualizar o documento examinado, consideramos a história de Portugal a partir do século XV, visto que, em plena fase de expansão marítima e territorial, os portugueses aportaram no Brasil e

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mantiveram relações interculturais entre colonizadores e colonizados. Dessa forma, com sua forte influência social e cultural, trouxeram para o Brasil mudanças que provocaram novas perspectivas culturais.

Em 1808, com a vinda da família real, intensifica-se a possibilidade de perpetuação da língua e da cultura portuguesa. D. João VI chega ao Brasil acompanhado de sua família, dos súditos, da corte, do tesouro nacional e da imprensa. É nesse contexto sociocultural que, a partir dos hábitos alimentares, as receitas portuguesas, também, começam a passar para a cultura brasileira.

Considera-se que, desde então, a corte portuguesa exerce maior influência e contribui para sustentar políticas linguísticas implantadas no Brasil, como mais uma das formas de assegurar a identidade cultural europeia, firmando-se pela divulgação do Português como língua de unidade nacional. É nesse âmbito que o gênero receita ganha relevo.

Para esse estudo, abordaremos como o gênero receita é visto, inserido em um contexto histórico e social, apresentando sua influência e prática na sociedade desde a antiguidade até os dias atuais, para depois nos fixarmos na análise das receitas selecionadas.

Torna-se pertinente destacarmos que apresentamos considerações sobre Historiografia Linguística, gêneros do discurso e história da culinária para, posteriormente, refletirmos sobre as manifestações linguístico-culturais, materializadas no gênero receita culinárias, caracterizando o português no Brasil, referente àquela época.

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homem. Assim, o tema desta pesquisa consiste na questão: em que medida as manifestações linguísticas e socioculturais, materializadas no gênero receita culinária, caracterizam a cultura do Brasil no século XIX?

Koerner (1996) assinala que a tarefa do historiógrafo é estabelecer princípios que o guiem na (re)leitura e interpretação do(s) documento(s) selecionado(s). Assim, embasamo-nos nos princípios metodológicos da disciplina Historiografia Linguística (HL), citados pelo autor, que são: princípio da contextualização; princípio da imanência e princípio da adequação teórica; eixos condutores desta pesquisa.

A HL entende a língua como produto histórico-social; pois o homem a utiliza para interagir socialmente. Além disso, antes de ser social, o homem é um ser linguístico que se utiliza da língua para materializar sua ideia.

Em nossos estudos, as três receitas culinárias retiradas do livro “Cozinheiro Imperial ou Nova arte do cozinheiro e do Copeiro em todos os seus ramos, methodo para trinchar e servir bem a meza”, de R.C.M (1843), são

examinadas em seu contexto histórico, cultural e linguístico. Além disso, são observadas as pistas lexicais que trazem e sua contribuição para a identificação do perfil da sociedade, do homem e da língua em uso daquela época. Partimos de reflexões multilaterais, na medida em que não nos atemos apenas aos documentos, mas, também, aos aspectos histórico-culturais e outras áreas de estudo como: gastronomia, nutrição, história e linguística.

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 Princípio da contextualização: versa sobre o levantamento e resgate do clima de opinião da época em que as receitas foram escritas, procurando verificar o contexto histórico-cultural, as concepções linguísticas, socioeconômicas e políticas, para identificar e entender as possíveis influências sobre o texto.

 Princípio da imanência: versa sobre o levantamento de informações e compreensão das receitas, no que diz respeito às teorias linguísticas. Ou seja, é o entendimento do texto/documento em si, levando em conta o contexto que o cerca. Deve ser respeitada sua originalidade e seu tempo, para que não sofra alterações e não interfira na sua compreensão, considerando o período em que foi produzido. Para isto, utilizaremos a Gramatica philosophica da língua portuguesa ou princípios de gramatica geral aplicados à nossa linguagem, de Jeronymo

Soares Barbosa, de 1822, visto que é a gramática da época.

 Princípio da adequação teórica: versa sobre a possibilidade que o historiógrafo tem para reatualizar o documento e aproximá-lo das ideias e teorias atuais. Ou seja, é adequar os textos analisados para os tempos de hoje, fazendo as adaptações e as escolhas lexicais mais próximas acerca da atualidade. No caso das receitas, comparamos aquelas encontradas no livro de R.C.M (1843), com outras que foram extraídas de um site, conhecido como “tudo gostoso”2; visto que, trata-se de uma

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publicação atual e contém receitas culinárias semelhantes às eleitas para análise.

A nossa proposta tem, por sua vez, o objetivo de delinear a trajetória histórica do gênero receita culinária, a fim de Identificar, nos documentos selecionados, em que medida o português em uso, por meio de seu vocabulário, traz pistas culturais, econômicas e sociais que evidenciam características da identidade brasileira da época.

A nossa pesquisa está organizada da seguinte forma:

No primeiro capítulo, tratamos do arcabouço teórico que diz respeito à Historiografia Linguística: abordamos sobre a relação e o percurso entre história e historiografia; explanamos quais foram as tendências do século XX em relação às formas de se fazer história; o conceito de historiografia e os princípios da Historiografia Linguística estabelecidos por Koerner (1996).

No segundo capítulo, tratamos sobre a concepção de gêneros na vertente norte-americana, dando enfoque às práticas sociais; levantamos os conceitos que envolvem as receitas culinárias e fazemos uma breve introdução a este gênero. Abordamos, ainda, a trajetória histórica do gênero receita culinária, com evidência em Flandrin & Montanari (1998).

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CAPÍTULO I – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1.1 Historiografia Linguística

Para refletir sobre a pluralidade de maneiras de se fazer um estudo histórico/historiográfico, parece-nos relevante apontar, através dos tempos, os modos de descrição e explicação dos fatos humanos em momentos e lugares diversos. Assim é que, nesse trabalho, pretendemos iniciar a reflexão pelo fazer histórico/historiográfico, que busca metodologias em ciências sociais, filosofia e demais saberes já constituídos, que possam contribuir com os princípios norteadores do processo em questão.

Importa-nos investigar, portanto, em primeiro lugar, os sentidos da palavra história; em segundo lugar, as tendências do século XX em relação às formas de se fazer história; e, por fim, o conceito de historiografia, seus princípios e procedimentos.

1.2 Os sentidos da palavra história

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futuro, assentado nas experiências vividas, conhecendo, assim, maneiras de organizar as próximas etapas a serem realizadas.

Olhando para o passado, encontramos, na Grécia, a origem da palavra história para nomear o “desejo desinteressado de conhecer elementos característicos da nossa civilização” (BESSELAAR, 1974, p.03). Designava, em um primeiro momento, qualquer tipo de investigação científica, que buscava desvendar questões relacionadas ao universo, aos seres humanos, aos costumes, às origens e ao passado em geral. No entanto, foi na Antiguidade que o termo passou a ser utilizado para designar a narração dos fatos e acontecimentos do passado em uma sucessão temporal.

Assim, considerando o homem um animal histórico por excelência, pode-se asseverar que os seres humanos não vivem, em qualquer fase de suas vidas, sem contar uma boa história. Crianças ouvem histórias de fadas, duendes, monstros e heróis poderosos; jovens distanciam-se da ficção, ligam-se ao real, distinguem estórias da História, postura que ligam-se firma na vida adulta. E a palavra história permanece em todos os idiomas, com nuances que vão desde a mistura de fatos reais e fictícios até pesquisa e crítica sistemática dos fatos. Porém, o que se procura, aqui, é determinar o conteúdo do termo de acordo com cada um dos momentos e lugares em que ele esteja contextualizado.

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com intenções morais, mas também com intenções patrióticas, por fornecer bons exemplos de condução da pátria a serem seguidos e maus exemplos a serem evitados.

Em relação à Idade Média, a história toma uma dimensão filosófica baseada na nova visão de mundo imposta pelo cristianismo triunfante. Os estudos históricos assentam-se na busca dos sinais precursores da vinda do Salvador à Terra. Segundo Glénisson (1986, p.18), “E a vinda de Cristo tinha um sentido para todos os homens. Exigia-se, portanto, uma nova concepção da história universal, na medida em que esta deveria ser dotada de uma unidade”.

Já nos séculos XVI a XVIII, nascem as técnicas modernas da história. De acordo com o mesmo autor:

Constitui-se o que se conhece pelo nome de “ciências auxiliares da história”, surgem os requisitos necessários para erigir-se uma verdadeira doutrina da crítica erudita. É no século XVII, aliás, que “o nome crítica, até então designando apenas uma qualidade do gosto, assume também o sentido de um julgamento de veracidade. De estética que era, a crítica passou a ser, igualmente, histórica. (GLÉNISSON, 1986, p.19)

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Durante os séculos XVII e XVIII, os historiadores eram eruditos e, geralmente, ligados ao clero. Aos laicos, cabia a tarefa de complementação da disciplina dos mosteiros, por meio de uma organização espontânea, agrupando-se em cenáculos, cedendo suas excelentes bibliotecas, pesquisando e colecionando informações sobre filologia, numismática, matemática, física, história, arqueologia grega, botânica, orientalismo, filosofia, astronomia. Caracteriza-se, então, uma erudição histórica à base do espírito crítico nascido nesse momento de crítica histórica.

No século XIX, no entanto, além da passageira euforia ligada à questão do patriotismo, renasce a erudição com rigor científico, pesquisa de documentos de toda natureza como: manuscritos, inscrições, monumentos, tudo o que é útil à história. Os eruditos reúnem-se em Academias de onde surgem produções extensas e variadas. Em consequência, organizam-se, nas nações europeias e americanas, as bibliotecas nacionais: “A do Rio de Janeiro foi fundada por decreto de 29 de outubro de 1810, ficando provida dos 60.000 volumes que o Príncipe-Regente, o futuro D. João VI, trouxera da sua biblioteca do Palácio da Ajuda”. (BESSELAAR, 1974, p.153)

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apenas possível”. (BESSELAAR, 1974, p.158), dividindo-se em crítica externa e crítica interna.

Da primeira, crítica externa, deve-se lembrar de que as perguntas a serem respondidas referem-se: 1) ao documento e seu estado original: crítica da restauração; 2) ao autor, local em que viveu, momento em que escreveu, em que circunstâncias se achava no momento de escrever o documento: crítica da autoria; 3) aos conhecimentos diretos ou indiretos que o autor tinha dos fatos e, sendo indiretos, de que fontes teria retirado os documentos: crítica da procedência.

Da segunda, crítica interna, deve-se lembrar de que o objetivo é o valor do depoimento dado pelo documento e, na parte chamada Hermenêutica, as perguntas a serem respondidas referem-se: 1) ao dito do autor, na busca do sentido da comunicação feita pelo documento; 2) à intenção do autor, levando-se em consideração o auditório e, ainda, enquadrando o documento na época e no lugar onde foi escrito.

Na parte intitulada Crítica da Objetividade, consideram-se três partes: crítica da competência – verificar se pode a testemunha original, a que remonta o documento, atribuir credibilidade; crítica da sinceridade – verificar, por meio de depoimentos, a fidedignidade da testemunha; e crítica de controle – verificação de mais de uma testemunha em confronto.

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havendo necessidade de se retomar estudos já realizados por não se admitir mais o pensamento histórico que as perpassa. Posto isso, passamos a perscrutar o século XX, observando as inclinações relativas ao fazer histórico, tanto francesas, quanto britânicas e norte-americanas.

1.3 As tendências do século XX em relação às formas de se fazer história

Após a nova história eclodir na França, nos anos 900 a.C., passou a vigorar uma tendência historiográfica que se volta para a recuperação da historicidade sem deixar de lado a dinâmica social que impulsiona os movimentos humanos.

As inovações que se manifestaram, por meio da intelectualidade do início do século XX, dizem respeito a três tendências na França: 1) a substituição da tradicional narrativa de acontecimentos por uma história-problema; 2) a história de todas as atividades humanas e não apenas a história política; 3) a colaboração de outras disciplinas tais como: geografia, sociologia, psicologia, economia, linguística, antropologia social e outras.

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A periodização não era uma preocupação dos historiadores, pois não se limitavam a um período histórico convencional. Escolhia-se um período para localizar um problema, o que significava que se deveria escrever uma história de longa duração e, por meio da busca de solução do problema, enfocava-se o fenômeno histórico e explicava-se em termos de seu tempo e não em função de tempos anteriores.

Representantes iniciadores desse movimento, considerados como a primeira geração da Escola dos Annales, são Lucien Febvre (1985) e Marc Bloch (2002), ambos da Escola Normal Superior de Paris. O primeiro introduz a geografia que abalizava perfil nítido dos contornos da região, traçando assim o percurso de uma geografia histórica; o segundo revela interesse menor pela geografia e maior pela sociologia. Pertencente à segunda geração, consideremos Braudel (2007), professor na USP, entre 1935 e 1938, que enfatiza a insignificância dos eventos e as limitações impostas à liberdade de ação dos indivíduos situados num contexto. Conforme Burke (1997, p.49), “A verdadeira matéria do estudo é essa história ‘do homem em relação ao seu meio’, uma espécie de geografia histórica, ou como Braudel preferia denominar, uma ‘geo-história’.”.

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A terceira geração, depois de 1968, apresenta três correntes, a saber: 1) a redescoberta da história das mentalidades; 2) a tentativa de empregar métodos quantitativos na história cultural; 3) a reação contrária a tais métodos que tende para um ressurgimento da narrativa, um retorno à política e uma antropologia histórica.

Dessa forma, podemos asseverar que os movimentos influentes na história levaram as inovações associadas aos mencionados franceses, que utilizaram métodos comparativos e quantitativos, voltaram-se para a interdisciplinaridade e assumiram uma história de longa duração. Mostraram-se voluntaristas, deterministas históricos ou geográficos, contribuindo com diversas possibilidades de se fazer história: história problema, história comparativa, história psicológica, geo-história de longa duração, história serial e antropologia histórica.

No entanto, não podemos deixar de mencionar a diferença entre a tradição francesa com sua abrangência interdisciplinar, voltada para a conjuntura e para as mentalidades coletivas e a tradição inglesa empirista voltada para o seu individualismo metodológico.

É na tradição historiográfica norte-americana que nos apoiaremos a seguir, para a continuidade do panorama atual da historiografia. Segundo Moura (1995, p.14), a historiografia norte-americana no século XX deve ser pensada

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“internalista” e “externalista”; em outras palavras, procura ver o movimento da idéias como desenvolvimento e transformação de correntes de pensamento pretéritas e, ao mesmo tempo, procura verificar de que modo os contextos (social, nacional, internacional) condicionam (ou se relacionam) aquelas idéias e sua transformação. (MOURA, 1995, p.14)

Convém mencionar que a historiografia americana influenciou a história social, a história política, a história intelectual, a história diplomática e outras, fragmentando o conhecimento histórico como seguidora de tendências vigentes de um modo geral, em todo o mundo.

Em seguida, devemos citar, na historiografia norte-americana, a abertura da história ao diálogo com outras ciências humanas e sociais, em um processo de mútuo enriquecimento, o que também ocorreu para os seguidores da Escola dos Annales. Paralelamente, ocorre uma abertura maior para as correntes historiográficas estrangeiras: a social britânica, voltada para o renovado interesse pelo marxismo, e a Nouvelle Histoire, francesa, “com uma grande preocupação com tendências de longa duração e uma relativa despreocupação com pensadores individualizados.”. (BURKE, 1997, p.118).

Tendo acompanhado o percurso da história/historiografia, em diversos momentos, atendo-nos às ocorrências de mudanças nos posicionamentos, passaremos a contemplar a historiografia linguística com vistas ao fazer historiográfico em Língua Portuguesa.  

 

 

 

 

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1.4 O conceito de Historiografia: seus princípios e procedimentos

A Historiografia tem sido entendida como uma disciplina que tem como principais objetivos: “descrever e explicar como se produziu e desenvolveu o conhecimento de qualquer natureza em um determinado contexto social e cultural, através do tempo”. (ALTMAN, 1998, p.25).

Em suas pesquisas, Koerner (1996) explica, tanto quanto possível, as razões da mudança de orientação e de ênfase e a possível descontinuidade que delas se pode observar. Sua prática requer, ainda, capacidade de síntese, para poder retirar dos fatos empíricos, coligidos a partir de fontes primárias, o que for essencial, trazendo essas descobertas empíricas para a perspectiva correta, para interpretá-las e oferecer uma explicação adequada dos fatos.

De acordo com Bastos (2004) nas pesquisas de Koerner, o historiógrafo explica, tanto quanto possível, as razões da mudança de orientação e de ênfase e a possível descontinuidade que delas se pode observar e acrescenta que a prática do historiógrafo

...requer, ainda, capacidade de síntese para poder retirar dos fatos empíricos coligidos a partir de fontes primárias o que for essencial, trazendo essas descobertas empíricas para a perspectiva correta para interpretá-las e oferecer uma explicação adequada dos fatos. (BASTOS, 2004, p.76)

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sobre a história geral, estabelecer o quadro de definição do período em que se apoiarão as análises das fontes primárias escolhidas como corpus.

Há opções metodológicas que devem ser observadas: periodização, materiais e parâmetros de análise e os três princípios traçados por Koerner (1996):

1º Princípio de contextualização: - traçado do clima de opinião (espírito da época), observando-se as correntes intelectuais do período e a situação socioeconômica, política e cultural;

2º princípio de imanência: - entendimento completo tanto histórico quanto crítico, possivelmente filológico, do texto linguístico em questão, mantendo-se fiel ao que foi lido, para o estabelecimento de um quadro geral da teoria e da terminologia usada (quadro de definição acima referido), que devem ser definidos internamente e não em referência à doutrina linguística moderna;

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Ainda, segundo Bastos (2004, p.78),

Considerando os princípios acima arrolados como fios condutores do trabalho historiográfico, resta-nos afirmar que o historiógrafo deve detectar, analisar e explicar as mudanças que houve, durante o percurso a ser investigado, sem que se deixe envolver pela novidade, pela originalidade e pela criatividade, usualmente feitas pelas gerações posteriores que lhe são imediatamente subseqüentes.

Assim, a historiografia não pode ser vista como uma simples "crônica", ou seja, listas de datas, nomes, títulos e eventos ligados às línguas e à linguagem. A atividade historiográfica requer seleção, ordenação, reconstrução e interpretação dos fatos relevantes para o quadro de reflexão que o historiógrafo constrói.

Não se deve, portanto, fazer a inclusão de quaisquer fatos passados, só por serem passados, ou, ainda, fixar-se nos acontecimentos relevantes de um passado das grandes personalidades. Entretanto, deve-se deslocar a observação para os acontecimentos do cotidiano, dos seres humanos sem qualquer proeminência, das mentalidades, dos grandes movimentos sem sujeito – movimentos de massa, classes sociais, clima de opinião em que se insere o documento a ser analisado.

Podemos afirmar que nosso objetivo de refletir sobre a pluralidade de maneiras de se fazer um estudo histórico/historiográfico foi observado por meio da abordagem dos sentidos da palavra história, da verificação das tendências do século XX em relação às formas de se fazer história e da busca do conceito de historiografia, seus princípios e procedimentos.

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receita culinária, parece significativo, pois ao descrevermos e explicarmos como se produziu e desenvolveu o conhecimento linguístico desse gênero em um determinado contexto social e cultural, através do tempo, estamos implicados com questões relacionadas à nossa identidade, políticas linguísticas e educação do povo. Nesse sentido, lembremos, então, as palavras de Hull (2003, p.5) “o povo não deve voltar as costas ao passado para não se tornar uma nação de amnésicos.”

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CAPÍTULO II – GÊNEROS E HISTORIOGRAFIA

2.1 Gêneros

De acordo com Marcuschi (2010), os gêneros são instrumentos flexíveis, dinâmicos e plásticos que surgem paralelamente às necessidades dos seres humanos, acompanhando suas atividades socioculturais, assim como suas inovações tecnológicas. Os gêneros textuais são de natureza histórica, integrados funcionalmente à vida cultural e social. Importa-nos investigar, portanto, em primeiro lugar, os sentidos da palavra língua, texto e gêneros; em segundo lugar, as tendências do gênero textual na vertente norte-americana; para, no próximo capítulo, entrelaçar o gênero receita culinária e a sua história.

2.2 Língua, Texto e Práticas Sociais

Para abordarmos o gênero receita, devemos tecer considerações sobre texto e, posteriormente, sobre gêneros. Faremos uma breve reflexão sobre língua, pois, a partir dessa, iniciam-se nossas ponderações.

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As pessoas estão constantemente se comunicando. Isso é possível, pois fazem parte de um sistema organizado e se utilizam de uma língua para fazê-lo. Por meio da língua, podemos perceber qual é o propósito do falante em uma determinada situação. No entanto, para isso acontecer, é necessário que os usuários estejam inseridos em contextos sociohistóricos para ocorrer seu entendimento. Ou seja, a produção de sentido só se faz mediante determinada situação.

Segundo Marcuschi (2011), a língua é um conjunto de práticas sociais e cognitivas historicamente situadas. Necessitamos observar como ela é inserida e aceita no grupo para cumprir o papel da comunicação e como ocorre a relação cognitiva do individual para o coletivo e vice e versa, considerando-a como uma atividade sociointerativa.

A forma de materialização da língua, seja oral ou escrita, chama-se texto, que é produzido frequentemente nas mais diversas situações. No entanto, é necessário que os textos tenham uma aceitabilidade pela sociedade para tornarem-se válidos e não expirarem em si mesmos.

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utilizou-se de padronizações, a fim de evitar mal entendidos e facilitar a comunicação:

Se começarmos a seguir padrões comunicativos com os quais as outras pessoas estão familiarizadas, elas podem reconhecer mais facilmente o que estamos dizendo e o que pretendemos realizar. Assim, podemos antecipar melhor quais serão as reações das pessoas se seguimos essas formas padronizadas e reconhecíveis. (BAZERMAN, 2009, p.29)

Cabe a nós verificarmos como essas padronizações foram estabelecidas. Ou seja, o que fez com que certos textos se tornassem familiares e reconhecidos pelas pessoas, tornando-se gêneros.

Beaugrande e Dressler (apud MARCUSCHI, 2011) postulam sete princípios de textualidade: coesão, coerência, intencionalidade, aceitabilidade, informatividade, situacionalidade e intertextualidade. Um texto sempre traz uma intenção de comunicação, é dirigido a alguém em uma determinada situação e torna-se aceito aquele momento de acordo com as regras sociais.

Constantemente, estamos expostos a diversas situações nas quais adotamos certas atitudes e nos comunicamos de maneira específica, por exemplo, no trabalho, em um velório, em um aniversário, em uma sala de aula e outros. Essas situações, por acontecerem repetidas vezes semelhantemente, são consideradas recorrentes.

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pessoas e os momentos são únicos, apenas podemos reconhecer suas similitudes.

Por tanto, notamos que os textos são a materialização da comunicação, que possuem tipos que se assemelham, tornando-se familiares e padronizando-se a partir das situações recorrentes, a fim de facilitar o entendimento. Ou seja, o texto é um evento comunicativo. A essa padronização de textos chamamos de gêneros, que será o tema de estudo do trecho a seguir.

2.3 Os gêneros textuais como ação social

De acordo com Bazerman (2004), os gêneros textuais são as formas de comunicação reconhecíveis e autorreforçadoras, usados pela própria pessoa e pelos outros. As pessoas normalmente vivem papéis que dependem do sistema de atividade ao qual estão inseridas. Por exemplo, se estão em uma escola como alunos, fazem parte do sistema de atividades dessa escola e têm funções sociais de alunos. No entanto, se estão como professores, elas participam desse mesmo sistema, mas cumprindo outra função social.

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Segundo o autor, os gêneros textuais servem como uma forma de comunicação, pois são mais facilmente reconhecidos entre os grupos de uma mesma atividade social. Nas atividades sociais, as pessoas se comunicam e o estilo de comunicação apresenta regularidades que se tornam padrão, mesmo que intuitivamente. Essa padronização faz surgir os gêneros. No entanto, lembramos que as atividades humanas são mutáveis. Consequentemente, refletem essas transformações na sua forma de comunicação. Sendo assim, os gêneros também sofrem alterações, acompanhando essas mudanças e podem variar em diferentes situações e períodos. 

Atentamos que os indivíduos se unem de acordo com suas necessidades ou afinidades, fazem parte de um grupo social e utilizam-se dos gêneros textuais em uma determinada situação e por algum motivo. O gênero não é utilizado aleatoriamente, fora de uma situação específica ou com um fim em si mesmo; ele necessita ter serventia em uma circunstância real:

... pois cada gênero textual tem um propósito bastante claro que o determina e lhe dá uma esfera de circulação. Aliás, esse será um aspecto bastante interessante, pois todos os gêneros têm uma forma e uma função, bem como um estilo e um conteúdo, mas sua determinação se dá basicamente pela função e não pela forma. (MARCUSCHI, 2011, p.150)

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Conforme Miller (2009), o gênero textual é considerado uma ação social, pois faz parte da ação humana, é interpretável em um contexto e atende a uma exigência construída socialmente para satisfazer um objetivo. O Autor propõe, ainda, que o gênero seja classificado com base na prática retórica, de forma aberta, levando em conta o conhecimento que a prática cria, organizado em torno de ações situadas, pois os gêneros se desenvolvem, decaem e dão origem a novos gêneros.

Os gêneros não são estruturas fixas, estanques, que não admitem mudanças. Por serem eventos comunicativos, integram-se como elementos da ação humana e atendem às necessidades sociais, ajudando-as em sua organização. Eles se modelam e são flexíveis de acordo com a evolução e transformação dessa comunidade.

Percebemos, até então, que os gêneros textuais fazem parte da comunicação das pessoas e são utilizados pela e para a sociedade, têm um objetivo, uma função social com propósitos comunicativos e apresentam características próprias. Os textos são considerados deste ou daquele gênero de acordo com a analogia de suas propriedades, sempre considerados como uma atividade social.

Sabemos que os gêneros são marcados pelas situações recorrentes, que apresentam forma, estilo, conteúdo, função e propósito comunicativo. Consideramos, ainda, que são flexíveis e mutáveis, acompanhando a evolução da humanidade, já que são uma ação social.

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eventos comunicativos que compartilham um propósito comunicativo e apresentam lógica subjacente reconhecida pela comunidade discursiva a qual utiliza terminologia própria passada dos mais experientes aos membros mais novos.

Para Swales (2009) os gêneros são realizados com um ou mais objetivos, que são chamados de propósitos comunicativos. Ou seja, existe um motivo para o gênero ser concretizado. No entanto, considera de difícil identificação por ser subjetivo e não estar aparente. Outra característica explicitada pelo autor é a prototipicidade que é o critério utilizado para classificar os gêneros a partir de suas semelhanças, prevalece-se de protótipos, ou seja, modelos mais típicos de um grupo que apresentam atributos específicos para atender determinada situação comunicativa.

Mais um conceito citado pelo autor, na análise de gêneros, é o de comunidade discursiva, formada por um grupo que tem convenções específicas, objetivos compartilhados e capacidade de desenvolver seu próprio repertório de gêneros que é passada aos novos membros. Os participantes da comunidade discursiva trocam informações, motivando-se a participar das atividades realizadas pelo grupo, utilizando a forma textual de comunicação por eles estabelecida. A comunidade discursiva apresenta léxico com significados específicos compreendidos pelos participantes da classe.

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são usados em contextos culturais e sociais diferentes. Gênero, para o autor, é definido como:

Qualquer enunciado considerado isoladamente é, claro, individual, mas cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que denominamos gêneros do discurso. (BAKHTIN, 1997, p.279)

Como os gêneros são determinados a partir das atividades da comunidade, a variedade dos gêneros do discurso é infindável, já que as atividades humanas são inesgotáveis. Cada esfera dessa atividade humana comporta um repertório de gêneros do discurso que se amplia e modifica-se à medida que esta esfera se desenvolve (BAKHTIN, 1997). Os gêneros, segundo o autor, são compostos por três elementos: conteúdo temático, estilo verbal e construção composicional.

O conteúdo temático refere-se à maneira como o assunto é abordado no texto; o estilo verbal demonstra a escolha lexical, a estrutura sintática; enquanto a construção composicional pode ser entendida como a estrutura, forma física do texto, sua organização no sentido de distribuição das informações.

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Para Bakhtin (1997), os gêneros são aprendidos no curso de nossas vidas como participantes de determinado grupo social ou membro de alguma comunidade. Logo, tem-se que gêneros são padrões comunicativos que, socialmente utilizados, funcionam como uma espécie de modelos comunicativos globais que representam o conhecimento social localizado em situação concreta.

Os gêneros são utilizados por indivíduos que estão situados em uma determinada cultura de acordo com o funcionamento daquela sociedade. É, por isso, que consideramos também, nesta pesquisa, o estudo histórico-cultural do gênero receita culinária, pois

...os gêneros são formas típicas de usos discursivos da língua desmembradas de formas anteriores, pois os gêneros nunca surgem num grau zero, mas num veio histórico, cultural e interativo dentro de instituições e atividades preexistentes. (BAZERMAN, 2009, p.10)

Segundo o autor, não devemos considerar os gêneros como formas típicas prontas, pois dessa forma, estaríamos ignorando a criatividade da comunicação para satisfazer novas necessidades, as diferenças de percepção e compreensão e a mudança na maneira de compreender o gênero ao longo do tempo. Para Bazerman (2009), o gênero é uma categoria essencialmente sociohistórica sempre em mudança.

(38)

2.3 Receita culinária e seus conceitos

Explanamos os conceitos de receita, culinária, gastronomia e arte encontradas no dicionário Aulete3:

(re.cei.ta)

sf.

1. Cul. Relação dos ingredientes e do modo de preparar um prato. 2. Farm. Fórmula que expõe a composição e o modo de preparar um remédio.

3. P.ext. Med. Prescrição médica anotada em papel apropriado. 4. Cada uma das folhas desse papel.

5. Fig. Fórmula para se obter o melhor resultado em relação a algo: "Receita de mulher"é um belo poema de Vinícius de Moraes

6. Renda, montante arrecadado, quantia recebida: "A gente só fala assim quando a receita não cobre a despesa" (Graciliano Ramos,

São Bernardo))

7. Bras. (Com maiúscula) Receita Federal. Órgão do governo federal que se ocupa da arrecadação de impostos: Ele está tendo problemas com a Receita.

[F.: Do lat. recepta, orum.]

(cu.li..ri:a)

sf.

1. A arte de cozinhar, esp. na criação de pratos sofisticados em seus ingredientes e combinações: curso de culinária.

2. O conjunto de pratos característicos de determinada região: A culinária francesa é muito apreciada.

[F.: Fem. substv. de culinário.]

(gas.tro.no.mi:a)

sf.

1. O conjunto dos conhecimentos relativos à preparação de alimentos saborosos com apresentação atraente

2. A arte, o gosto de apreciar comida de fina qualidade [F.: gastr(o) - + -nomia.]

(ar.te)

sf.

1. Capacidade e aptidão do ser humano de aplicar conhecimentos e habilidade na execução de uma ideia, de um pensamento; essa aplicação e essa execução: Esse quadro revela toda a arte de da Vinci. [Cf. teoria, ciência.]

2. Atividade criadora do espírito humano, sem objetivo prático, que busca representar as experiências coletivas ou individuais através de

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uma impressão estética, sensorial, emocional, como tal apreendida por seu apreciador [Designa esp. as belas-artes, contrapondo-se à ciência e à tecnologia. Cf. estética.]

3. Produto dessa atividade: obras de arte.

4. Conjunto de preceitos, regras, técnicas etc. indispensáveis à realização de qualquer atividade criadora, ofício etc; esses preceitos etc. aplicados à alguma atividade, algum ofício etc.: arte de pintar: arte da ourivesaria.

5. Cada campo específico dessa atividade e de seu produto, de acordo com o tipo de expressão estética e sensorial, os meios de realizá-la etc.: a arte da música, da poesia, da escultura etc.

6. Conjunto das obras de arte de um povo, país, época, artista etc. (arte brasileira; arte clássica).: exposição da arte de Rodin

O gênero receita culinária abarca esses quatro conceitos que se relacionam entre si, trazendo-nos maior possibilidade de sentidos quando refletido em sua amplitude. A receita é a forma sistematizada e organizada do registro da culinária, seja em forma de texto oral ou escrito. A culinária é a prática desse texto, é a arte de cozinhar, conhecido na gastronomia como todo o conhecimento adquirido sobre a preparação dos alimentos, a fim de torná-los mais apetitosos e atraentes. Enquanto que, arte é a manifestação humana em suas atividades expondo suas experiências coletivas ou individuais por meio de impressão sensorial, estética, emocional como arte da poesia, arte da pintura, arte da música, arte da escultura e, acrescentamos aqui, arte da culinária sobre a qual descrevemos.

2.5 A história do gênero receita culinária

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correspondência entre a cultura popular e os textos culinários que a refletem, assim como

O comer e o beber são uma das manifestações mais importantes da vida do corpo grotesco. As características especiais desse corpo são que ele é aberto, inacabado, em interação com o mundo. É no comer que essas particularidades se manifestam da maneira mais tangível e mais concreta: o corpo escapa às suas fronteiras, ele engole, devora, despedaça o mundo, fá-lo entrar dentro de si, enriquece-se e cresce às suas custas. O encontro do homem com o mundo que se opera na grande boca aberta que mói, corta e mastiga é um dos assuntos mais antigos e mais marcantes do pensamento humano. O homem degusta o mundo, sente o gosto do mundo, o introduz no seu corpo, faz dele uma parte de si. (BAKHTIN,1993, p.245)

A relação do homem com a alimentação nasce junto com o surgimento da humanidade, visto que, a ingestão de alimentos inicia-se na vida intrauterina, pois se trata de uma necessidade fisiológica e vital. Segundo Cascudo (1983), o homem necessita de sua alimentação, gorduras, sais, proteínas, água, hidratos de carbônio, os quais se encontram em carnes, vegetais e minerais. Inicialmente, o homem se alimentou de raízes e frutos, imitando os animais e mesmo quando passou a se alimentar de carne, digeria-a em seu estdigeria-ado ndigeria-aturdigeria-al. Somente, muito depois, pdigeria-assou digeria-a cozinhdigeria-ar os alimentos, decorrendo de métodos mais rudimentares até chegar aos nossos dias, deparando-se com sofisticas receitas culinárias, envolvendo a ciência da nutrição.

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acompanham os primeiros vestígios de fogueiras (FLANDRIN & MONTANARI, 1998).

Segundo Flandrin & Montanari (1998), as receitas mais antigas conhecidas são da Mesopotâmia, do segundo século A.C. Acredita-se que os mesopotâmios tinham seus motivos para registrarem sua alimentação. No entanto, necessitavam de alguém que soubesse escrever para poder fazê-lo. Dessa forma, contaram com a ajuda dos egípcios que as registravam. Nota-se, desde então, a possibilidade de preocupação com a arte culinária e com seus registros. Brota, assim, o despertar da relação entre a cultura e a linguagem escrita, sugerindo o início de um futuro gênero textual: receita culinária.

De acordo com os autores, no período paleolítico, o homem já tinha conhecimento de diversos modos de conservação de alimentos, assim como de preparo, passa a escolher como e do que se alimentar, a partir de preferências culturais, que provavelmente, são passadas de geração em geração. Ou seja, já notamos, nesse momento, o surgimento da receita. Sabe-se também, no Egito antigo, a existência de legendas em hieróglifos que citam a receita de bolos especiais preparados com farinha de tubérculos de junça, a partir de uma cena da tumba tebana de Rekhmire (vizir do faraó Tutmósis III, 1504-1450 a.C.).

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O homem civilizado come não somente por comer (e menos) por fome, para satisfazer uma necessidade elementar do corpo, mas, também, (e sobretudo) para transformar essa ocasião em um momento de sociabilidade, em um ato carregado de forte conteúdo social e de grande poder de comunicação: “Nós não nos sentamos à mesa para comer – lemos em Plutarco – mas para comer junto”. (FLANDRIN & MONTANARI, 1998, p.108)

Assim, surgem os banquetes. Ou seja, as refeições passam a ser feitas em grupo. Com isso, muda-se a relação entre as pessoas, fortalecendo laços; embora, o comer junto, pode não só unir, como também desunir, excluir, marcando diferenças sociais e revelando poder. A alimentação se torna importante meio para reuniões. Então, passam a existir banquetes mais complexos e, consequentemente, aparecem os cozinheiros como uma nova profissão. Com essa nova tarefa e somado a tudo isso, elaboram-se regras para se fazer uma refeição civilizada.

Os hábitos alimentares e o modo de preparo dos alimentos variam muito de um povo para outro, ainda que sejam os mesmos alimentos. Isso dependerá do estilo de vida de cada um deles, seja no aspecto social, tecnológico, religioso ou econômico. Essas variações sociais podem ser notadas em uma receita culinária a partir de pistas deixadas no texto, como por exemplo, além dos ingredientes, suas quantidades abundantes ou não, os utensílios apresentados, a escolha lexical e outros.

Além disso, a partir das receitas, nota-se troca cultural entre nações, tanto em alimentos quanto em língua:

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substrato inicial e de diversas influências posteriores. (FLANDRIN & MONTANARI, 1998, p.374)

O registro de uma receita nos permite fazer relações sobre a cultura, modo de vida, economia, enfim, sobre características de um grupo social, que mostraremos em nossa análise. Por meio do próprio título da receita, já se tem uma informação valiosa, pois se pode inferir a sua origem, mas é claro que somente esse dado não é suficiente, é necessário, também, fazer uma análise de seu conteúdo, seu vocabulário, sua sintaxe, seu modo de preparo, os ingredientes e os utensílios. Ou seja, colher e examinar o máximo de informações que o texto traz.

Além das diferenças entre os povos, conseguimos perceber nas receitas, por meio de um estudo diacrônico, as evoluções e transformações de uma mesma sociedade, que com o surgimento de novas tecnologias e práticas, adotam modos de preparo e conservação distintos, como antes e depois do surgimento do refrigerador ou do liquidificador, que apresentaremos na adequação teórica, em que comparamos as receitas examinadas de 1843 às receitas do século XXI.

Ressaltamos, até aqui, uma visão ampla da história inserida no domínio discursivo da esfera de alimentação, para demonstrar o longo trajeto do gênero receita culinária, apontando as primeiras influências sociais recebidas e como ele está extremamente vinculado à prática cultural.

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língua, de um gênero discursivo, que a sociedade manifesta sua cultura e reflete a vida cotidiana de sua comunidade, retratando sua época.

Consideramos, a partir desses estudos, que a manifestação do gênero receita culinária é um dos mais antigos encontrados; visto que, a preocupação com a alimentação iniciou-se juntamente com a presença do homem, mesmo que por meio de listas envolvendo a agricultura, esta não se dissocia da intenção de se alimentar e da primeira parte de uma receita, os ingredientes. Com isso, percebemos os indícios de seu surgimento desde a antiguidade: As plaquetas de barro do templo da Cidade de Uruk, feitas aproximadamente seis mil anos atrás, com listas de cereais e cabeças de gado, são as formas de escrita mais antigas encontradas. (HORCADES, 2007)

Como já mencionado, além de listas, vimos que foram encontrados, também, legendas em hieróglifos (1504 a.C.) com receitas de bolo. Ainda, existem livros referentes a receitas culinárias escritos há muito tempo, como alguns exemplos de obras que citamos abaixo. No entanto, consideramos, aqui, apenas os mais antigos e os de origem europeia:

- Hedypatheia de Arkhestratus da Grécia clássica. (384-322 a.C); - Deipnosophistai, obra de Athanaeus, escrita por volta do ano 200;

- De re coquinaria é uma coletânea de 468 receitas, verdadeira

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- O Livro de cozinha da infanta d. Maria, o primeiro manuscrito em português, escrito no século XVI;

- Le cuisinier François foi publicada por François Pierre de La

Varenne (1650), obra fundadora da moderna cozinha europeia; - Arte de Cozinha, de Domingos Rodrigues (1680)- primeiro livro de receitas editado em Portugal;

- Cozinheiro Moderno de Lucas Rigaud (1785);

- Cozinheiro imperial, de R.C.M., cozinheiro-chefe da corte, o primeiro livro de receitas editado no Brasil, publicado no Rio de Janeiro (1840);

- Cozinheiro nacional de autor anônimo (século XIX) – décima edição publicada em 1910.

Importa-nos aqui, o livro Cozinheiro Imperial de Portugal, de R.C.M (1843), que, como já mencionado, será o objeto de análise desta pesquisa. Foi escolhido por ser o primeiro livro de receitas editado no Brasil, salientamos que este é a segunda edição, pois a primeira foi em 1840.

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identidade cultural portuguesa aqui no Brasil, como explanaremos mais adiante.

Para ilustrar algumas transformações desse gênero, retiramos duas receitas culinárias de Canja de galinha, a primeira delas, de um livro escrito pelo cozinheiro imperial em 1843 e a outra do Site da Dona Benta4 de aproximadamente 1990.

Exemplo 1:

Caldo para doentes e para sãos

Mettão em uma panella de barro, dous arrateis de polpa de vitella, e uma

gallinha, deitem-lhe canada e meia de agua, escume-se, quando for tempo,

tempere-se depois de sal, deitem-lhe uma cebola com dous cravos, e deixe-se

ferver pouco e pouco; cozida a carne e a gallinha, e o caldo reduzido a

ametade, passa-se este pelo peneiro, tire-se-lhe a gordura, e sirvão-se d’elle

segundo for necessario.

Arrátel – é a libra portugueza, igual à libra brasileira no pezo.

Exemplo 2: Canja de Galinha

Ingredientes

- 1 xícara (chá) de arroz

4

(47)

- 1 galinha caipira

- 3 colheres (sopa) de óleo ou banha

- Cebolinha verde a gosto

Modo de Preparo

Cortar a galinha em pedaços. Temperar. Fritar, corando um pouco, e passar os

pedaços para uma vasilha à medida que se corem. Escorrer o óleo ou gordura.

Juntar um pouco d´água e levar ao fogo. Quando a galinha estiver cozida, tirar

os pedaços, desossando-os e desfiando-os. No caldo que ficou na panela,

cozinhar o arroz. Juntar a galinha desfiada e, se preciso, mais água. Quando a

canja ficar pronta, servir em prato fundo (sopa).

É incrível a riqueza da diferença entre essas receitas para exploração e comparação, pois podemos notar o estilo da época como em: panella de barro / vasilha, as formas linguísticas em uso: gallinha/ galinha, a

gramática discursiva: tire-se-lhe a gordura / escorrer o óleo ou gordura, os empréstimos e as pistas textuais que demarcam uma realidade sociocultural: sirvão-se d’elle segundo for necessário (aqui, podemos inferir abundância).

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Essas características, também, estão presentes nas receitas culinárias; à medida que pesquisamos sua natureza histórica e observamo-las em diferentes contextos e época. Notamos que, muitas vezes, exercem diferentes papeis. Comentamos outros exemplos que, igualmente aos anteriores, ilustram essa plasticidade do gênero receita culinária.

Houve uma época, na fase da ditadura, que as receitas culinárias apareciam em evidência nos jornais mais conceituados do país. Para que algum conteúdo fosse censurado, os jornais publicavam naquele espaço uma receita culinária. Desse modo, a receita apresentava-se em outro sistema de atividade e com outro propósito comunicativo, porém mantinha a mesma forma, estrutura, estilo e conteúdo. 

O gênero estudado, também aparece em outra disposição, por exemplo, como em um concurso no Twiter promovido pelo jornal Folha de São Paulo: “As melhores receitas em 140 caracteres”. No qual, os participantes

deveriam escrever uma receita no espaço disponível, com a devida quantidade de caracteres. Além disso, foi permitido o uso de algumas abreviações, conforme descritas nas regras de participação. Novamente, aqui, encontramos o gênero receita em uma situação diferenciada com outro propósito comunicativo: ganhar a premiação. Vimos ainda que a forma, a estrutura e o estilo utilizados também foram outros, pois os participantes tiveram de se adaptar àquela situação, conforme modelos5 abaixo, das receitas vencedoras:

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1º - FRUTAS ASSADAS, de @jpesce

Picar 3 peras, 3 goiabas, 3 maçãs. Cobrir c/ 75 g açúcar mascavo,

50 g açúcar refinado, 125 ml mel, 250 ml suco laranja. Assar 30

min

2º - BATATAS, de @FernandaDolci

500 g baby potato, 20 dentes de alho-roxo com casca, alecrim,

pimenta-do-reino, sal, azeite de oliva. Forno até dourar

3º - PENNE REFOGADO, de @rmsa73

2 alhos-poró gr. refogados, 500 g ricota, passas brancas e azeite a

gosto. Junte 1 pacote de penne já cozido. Quente ou frio (Rafaella

Stallone)

Conforme os exemplos citados de receitas culinárias, mesmo em diferentes ocasiões, com propósitos comunicativos distintos e estruturas diversas, ou seja, sofrendo algumas alterações, notamos que as receitas continuaram concebidas como sendo o mesmo gênero. 

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CAPÍTULO III – ANÁLISE SEGUNDO OS PRINCÍPIOS DE KOERNER

3.1 Contextualização

A análise do prefácio e de três receitas do livro O cozinheiro imperial, de R.C.M., de 1843, fundamenta-se nos princípios de historiografia linguística de Koerner (1995). A nossa intenção é analisar o uso da língua nesses documentos, levando em consideração sua época, suas influências, pois “como processo e produto histórico, queremos dizer que a língua resulta de cada instante de interação entre o passado e o presente em meio ao contexto sociocultural.”. (NASCIMENTO, 2005, p.11)

Dessa forma, fizemos um recorte histórico compreendendo desde as grandes navegações até o início do século XIX, época da obra a ser analisada, a fim de contextualizar o documento apresentado, considerando o clima de opinião do período.

Como citado anteriormente, foram selecionadas três receitas: a primeira como constatação das categorias de análise; a segunda como confronto para validação das categorias de análise; e a terceira como comprovação das categorias de análise.

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publicação é a Livraria Universal Laemmert6·. O autor utiliza apenas suas

iniciais “R.C.M.” e não assina o livro.

Para nossas ponderações, foi preciso buscar a origem do Livro na História contextualizando-o, para compreender de que maneira ele refletiu e é reflexo de uma época, esclarecendo os valores culturais, sociais e econômicos de uma sociedade. Dessa forma, reportamo-nos inicialmente ao século XIV, XV e XVI, em que Portugal estava no apogeu de sua expansão marítima, para, depois, chegarmos aos tempos da obra.

3.1.1 Cenário histórico do Século XV ao início do Século XIX

Nesse período, Portugal estava forte, organizado e tinha interesse em ampliar seu comércio, especialmente com os países do Oriente. Sua posição em relação ao oceano era favorável, tinha possibilidades de investir nas embarcações e nas políticas de expansão marítima, sendo, então, o pioneiro nas grandes navegações.

Posto isso, passou a explorar os oceanos, com mais intensidade, à procura de comércio marítimo, a fim de obter mais lucro e também por interesses religiosos. Foi criada a escola de Sagres, com o objetivo de aperfeiçoar as naus e as técnicas de navegação. De fato, adquiriu bons

6Laemmert é o sobrenome dos irmãos Eduardo e Henrique Laemmert, nascidos no Grão‐ducado de

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resultados, conquistou Ceuta, enfrentou e ultrapassou o Cabo das Tormentas, vencendo os limites da época e em 1500 chegou ao Brasil.

De acordo com Câmara Jr. (1975), por ocasião do descobrimento, a costa brasileira era habitada por população indígena, as tribos Tupis. Os portugueses subjugaram e aculturaram esses índios, que os guiaram terra adentro. Nessa convivência, estabeleceu-se a Língua Geral Tupi ao lado do Português, no Brasil colônia.

Nesse período, cujas naus lusitanas percorriam os oceanos, a Língua Portuguesa espalhava-se rapidamente e servia de instrumento à literatura, Coutinho (1958). O português não pode se manter tão rígido, pois fora levado a terras distantes com diferentes clima, costumes, topografia, crenças e hábitos linguísticos. No entanto “ De que se falou, nas regiões conquistadas, um idioma muito semelhante ao da metrópole, testemunha Duarte Nunes do Leão...” (COUTINHO, 1958, p.62)

No Brasil, apesar do prestígio que a Língua Portuguesa possuía, não conseguiu a imediata vantagem sobre o tupi,

Época houve em que se observou até uma certa predileção para com o tupi , sobretudo nas famílias paulistas, conforme o testemunho de Vieira: “ É certo que as famílias dos portugueses e índios de S. Paulo estão ligadas hoje umas com as outras que as mulheres e os filhos se criam mística e domèsticamente, e a língua que nas ditas famílias se fala é a dos índios, e a portuguêsa vão os meninos aprender à escola...” (COUTINHO, 1958, p.354)

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características dogmáticas e abstratas, não atendia as reais necessidades dos jovens nativos.

Para Leite (2006), somente após a expulsão dos jesuítas, no final do século XVIII, ordenada pelo Marquês de Pombal, a Língua Portuguesa passou a existir como língua da nação brasileira. Sem os jesuítas, o Tupi enfraqueceu e deu lugar a língua europeia também como língua do povo.

De qualquer modo, a identidade portuguesa foi imposta no Brasil desde a colonização. Os portugueses pregavam sua religião, sobrepunham seus hábitos cotidianos, seu modelo artístico e sua língua.

3.1.2 A chegada da Família Real

Portugal, ao final do século XVII e início do XVIII, já não possuía a mesma força de antes, tinha se tornado um país enfraquecido após sucessivas crises, era um império em decadência. Sua aliança comercial passou a ser com a Inglaterra, enquanto que a França começava a se recuperar da revolução sob o comando de Napoleão, que travou várias batalhas com sucesso.

D. João VI, em 29 de novembro de 1807, sai às pressas de Portugal, rumo ao Brasil. Ideia, essa, que já era planejada há tempos, mas que fora feita antecipadamente e com urgência devido à situação em que o país se encontrava:

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ao bloqueio continental. A segunda, aceitar a oferta dos aliados ingleses e embarcar para o Brasil levando junto a família real, a maior parte da nobreza, seus tesouros e todo aparato do Estado. (GOMES, 2008, p.34)

A viagem durou quase dois meses, a família real aportou no Brasil, em Salvador, no dia 22 de janeiro de 1808, ficando por lá aproximadamente cinco semanas e depois partindo para o Rio de Janeiro, desembarcando em 7 de março.

De acordo com Gomes (2008), além dos arquivos da monarquia, foi trazida também uma máquina de imprensa, contradizendo a proibição feita anteriormente por D. João VI, que vetava toda e qualquer atividade de publicação de jornais, panfletos ou livros; a fim de evitar propagação de ideias revolucionárias. Em relação aos alimentos trazidos nessas embarcações, notava-se muito a preocupação com o carregamento de galinhas, tipo de comida considerada apreciada pelos nobres portugueses.

E assim, com a chegada da corte portuguesa ao Brasil, intensifica-se o entrelaçamento cultural e algumas medidas de melhoria ao acesso de bens culturais são tomadas, como inauguração de teatro, instalação de escolas, fundação do Museu Nacional, do jardim botânico, da Academia de Belas Artes e da Biblioteca Real. Além disso, foram abertos portos e nasceu a imprensa brasileira.

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de imprensa e a surgir vários movimentos revolucionários. Em 7 de setembro de 1822, foi proclamada a independência do Brasil.

Em 1824, foi outorgada a primeira constituição, que determinava que a Monarquia fosse Constitucional, hereditária e vitalícia de maneira Imperial. A Constituição garantia direitos de igualdade, mas não aos negros. Nessa época a religião oficial continuava a ser o catolicismo.

Em 1831, D. Pedro, em função de dificuldades econômicas do país, desprestígio de popularidade e necessidade de reassumir o trono português, abdicou deixando como imperador, seu filho D. Pedro II, de cinco anos de idade.

Nesse período, conhecido como regencial, o país era governado por regentes de quatro em quatro anos. Foi um momento de muito agito na história do Brasil devido ao descontentamento do povo pela centralização de poder e pela semelhança de governo com o da Coroa Portuguesa. O primeiro regente foi o padre Feijó, de 1835 a 1837, e, depois, foi Araújo Lima, de 1837 a 1840.

Em 1840, a maioridade de D. Pedro II foi antecipada como determinado pela Constituição do Império, que continuou enfrentando conflitos e descontentamentos.

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3.1.3 Breve panorama linguístico

Para Coutinho (1958), as transformações ocorridas na língua obedecem a uma tendência natural de hábitos fonéticos espontâneos, não são criadas por moda ou capricho. A Gramática Histórica estuda princípios e leis formuladas a partir da constância e regularidade destas modificações no tempo e no espaço.

Segundo o autor, a Gramática Histórica divide-se em Lexiologia e Sintaxe: Lexiologia – estuda a palavra isoladamente, sua sonoridade e forma; por isso a subdivisão em Fonologia e Morfologia; Sintaxe – estuda as palavras relacionadas entre si.

A relação entre fatos de uma língua com outra, para descobrir sua origem ou procedência, por meio de suas semelhanças, consiste no Método Comparativo. A ascendência e o desenvolvimento da linguagem são estudados pela ciência conhecida por Glotologia. Esse movimento é dividido em quatro fases: fisiológica, filosófica, histórica e comparativa.

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Câmara Jr. (1975, p.31) escreve que:

No séc. XIX, o movimento literário do Romantismo, que se manifestou algumas décadas depois da independência do Brasil (1822), aproximou bastante a língua literária da língua oral comum do país. Fenômeno análogo se verificava paralelamente com a língua literária de Portugal. Assim se firmaram certas divergências para a língua escrita e literária entre as duas nações de língua portuguesa.

Ainda em Câmara Jr. (1975:32), selecionamos afirmações que correspondem ao objetivo de nossa pesquisa: “No Brasil tem havido momentos de tentativa para uma disciplinação rígida da língua escrita, em moldes estritamente europeus”.

Apesar da imposição e implantação do português no Brasil, cada nação teve a sua evolução linguística; não obstante, mesmo com as estreitas ligações sociais e culturais.

Leite (2006, p.58) corrobora a afirmação de Câmara Jr (1975) quando alega que: “A diferença linguística do português do Brasil em relação ao de Portugal era um fato vivido e observado, mas não admitido pela elite aristocrática que detinha o poder, e ainda insistia em viver de acordo com padrões europeus”.

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Franco (2004) enfatiza que, os estudos linguísticos desse período procuravam estabelecer regras para a língua que era fixa. Sendo assim, as gramáticas abordavam regras para bem falar e bem escrever, até fins do século XIX.

A identidade brasileira ainda é muito ligada à portuguesa, que se prevalece da cultura de imitação; visto que consideravam os padrões europeus superiores aos do Brasil. “A impressão que se tem é a de que o nacionalismo, que vigorou principalmente no período romântico, foi mais literário do que linguístico.”(NOGUEIRA JR., 2005, p.52)

No campo linguístico, quase nada se sabe, como aponta Castro (1996, p.136), sobre o “desconhecidíssimo século XIX”. Ou seja, estudou-se muita literatura e nem tanto a língua. Posto isto, tivemos escassas pesquisas gramaticais nesse período.

No século XV e XVI, temos alguns gramáticos que serviram como fonte de estudo para os historiógrafos linguísticos, como é o caso dos humanistas Fernão de Oliveira e João de Barros. Após estes, no início do século XIX, Jerônimo Soares Barbosa é o gramático português mais estudado em sua Grammatica Philosophica da Lingua Portuguesa (1822).

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3.1.4 Sobre as receitas e seus ingredientes

Convém ressaltar que todas as receitas escolhidas tem como elemento principal a galinha. Essa seleção foi feita intencionalmente, pois a ave naquela época era valorizada e apresentava certo requinte. Conforme Gomes (2008), a Corte Portuguesa era considerada cara no Brasil Império. Em 1820, consumia 513 galinhas, frangos e perus e 90 dúzias de ovos por dia. A demanda era tão grande que todas as galinhas à venda, no Rio de Janeiro, deveriam ser vendidas prioritariamente a serviço do rei. A falta dessa ave ocasionou, até, negociação em mercado paralelo.

Em Cascudo (1983), averiguamos que as galinhas, já no início do século XIX, não eram de fato consumidas por brasileiros. Estes apenas as criavam para vendê-las e também a seus ovos. Os consumidores eram portugueses ou brancos, nobres ou burgueses: “Galinhas e frangos eram prato de preferencia de D. João VI e poucos não bastavam para matar-lhe o apetite”. (CASCUDO, 1983, p.279)

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de Camões ao duque de Aveiro, que lhe enviou um assado e assegurou que seria galinha:

Eu já vi a taverneiro, Vender vaca por carneiro; Mas não vi, por vida minha, Vender vaca por galinha, Senão o duque de Aveiro (CASCUDO, 1983, p.259)

A galinha era um alimento de prestígio social, assim como outros tantos, que se encontram no livro o Cozinheiro imperial. No entanto, atemo-nos a três receitas que envolvem galinha para nossa análise: sopa de leite de galinha, manjar branco e fricassé de galinha. A fim de tomar as receitas sob a perspectiva da Historiografia Linguística, aplicamos adiante o princípio da imanência.

3.2 Imanência

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3.2.1 A receita como gênero

A receita culinária é um gênero primário, pois segundo Bakhtin (1997), conforme visto anteriormente, os gêneros primários são aqueles que fazem parte da vida cotidiana, pertencem à comunicação verbal espontânea, tem relação direta com o contexto imediato e são simples. A receita culinária, normalmente, é de fácil compreensão e faz parte do uso diário da vida doméstica, embora, também, seja utilizada por grandes chefs em restaurantes, hotéis ou qualquer outro tipo de situação que envolva a alimentação. Parece-nos familiar, pois a utilizamos em Parece-nossos lares, trocamos receitas oralmente em reuniões informais. Ou seja, apresenta, ao mesmo tempo, grande emprego caseiro.

Marcuschi (2011), como já mencionado, explica que os gêneros têm uma função e um propósito muito claro que os mantém em uma determinada esfera de comunicação. No caso das receitas, julgamos como principal propósito comunicativo o ensinamento de como preparar um alimento, mesmo que em muitas situações não seja o único a ser estimado. No entanto, ainda assim, não perde sua característica de receita culinária, apresenta estabilidade institucional definida e seu papel já é fixado.

Referências

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