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A política externa brasileira: a busca da autonomia, de Sarney a Lula*

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Academic year: 2021

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* Editora Unesp, São Paulo, 2011, 192 págs.

A política externa brasileira: a busca da autonomia, de Sarney a Lula*

Tullo Vigevani e G. Cepaluni

Já no prefácio somos alertados pelo profes- sor Phillipe C. Schmitter que um dos pontos centrais da análise da política externa levada a efeito por Vigevani e Cepaluni diz respeito à

possibilidade de Estados periféricos terem uma política externa própria. Isto bastaria para justificar a leitura do texto que vem a seguir, pois os autores cumpriram plenamen- te a tarefa a que se propuseram e, assim, elaboraram sólido estudo fundado em bases empíricas, exposto com precisão e sem rodeios, no qual quebram velhos modelos analí- ticos, não raro eivados de ideologia, que insistem em sobreviver.

Mesmo incorporando alguns textos publicados, mas agora amplamente modificados, o livro está bem estruturado, tem rígida coerência interna e traz informações firmes e imbricadas no contexto interno. Há reiterações, mas feitas conscientemente pelos auto- res, nos lugares certos e em prol da clareza, o que dá ao texto um didatismo em dose adequada, permitindo sua leitura parcial, pois seus capítulos guardam unidade. O tra- balho é enriquecido com tabelas ilustrativas e gráficos, coerentes com o corpo do texto.

Além disso, foram apensados um quadro sobre os presidentes da República e seus res- pectivos ministros das Relações Exteriores, um organograma do Ministério das Relações Exteriores e uma cronologia das relações exteriores do Brasil no período 1985-2008.

O conceito-chave do texto, coerentemente com seu título, é o de autonomia. O leitor mais crítico poderia polemizar a respeito das adjetivações que tal conceito comporta, uma vez que não raro se sentencia que somente alguns Estados têm atributos suficientes

Por Clodoaldo Bueno**

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que lhe permitem agir de modo autônomo no meio internacional. Em palavras simples: ela existe ou não existe.

A hipótese positiva implica o reconhecimento de que determinadas unidades estatais têm peso suficiente para, se não escapar, pelo menos amenizar as constringências do contexto internacional. Mesmo na hipó- tese negativa, isto é, de que, a rigor, nenhuma nação desfruta de total autonomia, pode-se discutir seu nível. Os autores registram que estão conscientes das limitações que se impõem às pretensões das unidades estatais que buscam o alargamento da abrangência de sua autonomia, e por isso trabalham em um padrão conceitual mais sofisticado do que aquele usado na linguagem corrente. Autonomia é vista por eles como

“um conceito político, um instrumento de salvaguarda contra os efeitos mais nocivos do sistema internacional.” (p. 28)

O conceito foi tratado e dissecado em três níveis, conforme sucede- ram-se os períodos balizados pelas gestões presidenciais.

Ao refazer e interpretar a política externa brasileira, respeitando rigorosamente o critério cronológico adotado, os autores observam que a mudança de regime político que se inaugurou com a posse de José Sarney não provocou “nenhum tipo de ruptura” na política externa brasileira. (p. 39) Mas, as fortes pressões internacionais, sobretudo dos Estados Unidos por causa da negociação da dívida externa, dos conten- ciosos da informática e das patentes farmacêuticas, bem como de suas diferentes posições no âmbito da Rodada Uruguai do GATT, levaram o governo brasileiro a provocar mudanças tanto na política externa quan- to interna. Quando Sarney terminava seu mandato, a estratégia guiada pela lógica da “autonomia pela distância”, que caracterizou a diploma- cia brasileira do tempo da Guerra Fria, estava dando lugar à “autono- mia pela participação”. (p. 67)

Vigevani e Cepaluni reconhecem a importância do período Collor na história recente do país pelo fato de ele ter dado início a mudanças na sua política externa que tiveram continuidade, com diferenças e adap- tações, pelos seus sucessores, inclusive Lula. Entre as modificações destacam-se a ampliação das importações e a defesa aberta do livre- -comércio internacional. O estudo de Mônica Hirst e Letícia Pinheiro, publicado em 1995, apoia os autores na afirmação de que a política exterior de Collor atualizou a agenda internacional do país, adequando-a aos novos temas, tais como propriedade intelectual, meio ambiente, direitos humanos e tecnologias sensíveis. Afora isso, construiu uma agenda positiva com os Estados Unidos, descaracterizou a política externa brasileira como terceiro-mundista e manteve o referente às rela- ções com o Cone Sul, com ênfase para a assinatura do Tratado de Assunção, de março de 1991, que criou o Mercosul, adaptado aos novos tempos, isto é, posto no rumo do regionalismo aberto.

A partir da posse de Celso Lafer no Ministério das Relações Exterio- res, o presidente (envolto em séria crise política interna) delegou a este a formulação da política externa que, assim, iniciou uma nova fase.

Itamar Franco, que assumiu após o impeachment e a renúncia de Collor,

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manteve o processo decisório da política externa no âmbito do ministé- rio nas mãos de Fernando Henrique Cardoso, inicialmente, depois nas de Celso Amorim. Neste período foram resgatados temas tradicionais da diplomacia brasileira direcionados para a ampliação da autonomia nacional, simbolizada pelo afã de ocupar um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.

Na gestão presidencial de Fernando Henrique Cardoso as propostas brasileiras em política externa sempre partiam de uma perspectiva coo- perativa, mas não deixavam de reiterar a denúncia das assimetrias internacionais e de criticar as políticas apoiadas no poder e no abuso do unilateralismo, nomeadamente as dos Estados Unidos ao tempo de George W. Bush. A congruência com a agenda global foi a marca da política externa, que pôde, assim, ser reduzida à fórmula “autonomia pela participação”, isto é, não isolacionista e articulada com o meio internacional, com a qual se aspirava uma posição fortalecida na arena global. O prestígio intelectual do presidente Cardoso granjeou-lhe res- peito na comunidade internacional, acompanhado de audição respeito- sa nos foros globais, mas sem refletir resultados concretos em favor do Brasil, que segundo os autores, tinha uma imagem deteriorada em razão de certos temas sensíveis, como direitos humanos, minorias, crianças, povos indígenas, criminalidade, meio ambiente e tráfico de drogas. O ativismo governamental e a estabilidade macroeconômica não foram suficientes para reverter esse quadro. Mesmo assim, graças sobretudo à diplomacia presidencial, o Brasil alinhou-se aos países que aderem a valores considerados universais, registrando melhora do con- ceito internacional do Estado brasileiro, pacífico e respeitado por suas posições construtivas. Mas, incapaz de promover o desenvolvimento, manteve-se a tendência de encolhimento do peso do Brasil na economia mundial, o que contribuía para enfraquecê-lo em negociações interna- cionais relevantes, até mesmo na América Latina. Se por um lado as limitações apontadas, nomeadamente as internas, não permitiram ao governo Fernando Henrique Cardoso obter grandes conquistas na área externa, por outro não houve perdas, conforme concluíram os autores.

Na demonstração da continuidade que houve nas políticas externas de Cardoso e Lula, eles interpretam que, embora não tenha havido ruptura significativa com paradigmas históricos da política externa do Brasil, com Lula houve mudança importante na ênfase dada a certas opções já abertas. Os governos Cardoso e Lula representaram tradições diplomáticas distintas e, por isso, revelaram diferenças em suas ações, preferências e crenças, levando-os a almejar diferentes resultados na política externa.

Os autores lidam ainda com outra forma de autonomia: a que é bus- cada pela “diversificação”, própria do governo Lula, e que “implica aproximação aos países do Sul para obter maior inserção e maior poder no quadro dos regimes internacionais, apostando em soluções multila- terais, em vez de em um mundo unipolar”. Buscam-se, assim, pela diversificação, parceiros internacionais distintos, rupturas (ou a provo-

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cação destas) com os países centrais, tendo como horizonte o fortaleci- mento do país em um mundo que se apresenta multipolar e o melhor equilíbrio entre os Estados. (p. 30)

As diretrizes da política externa de Lula no primeiro mandato foram sintetizadas em quatro itens que diziam respeito (1) à contribuição em prol de maior equilíbrio internacional e atenuação do unilateralismo;

(2) o incremento do aumento do peso do país nas negociações políticas e econômicas internacionais por meio do fortalecimento de negociações bilaterais e multilaterais; (3) ao aprofundamento de relações diplomáti- cas tendo em vista maior intercambio econômico, financeiro, tecnológi- co e cultural; (4) a evitação de acordos que pudessem comprometer o desenvolvimento do país no longo prazo. No segundo mandato essas diretrizes foram ampliadas, ganhando ênfases e especificidades: “(1) intensificação das relações com os países emergentes, como Índia, China, Rússia e África do Sul; (2) ação destacada do país na Rodada Doha da OMC, assim como em algumas outras negociações internacio- nais; (3) manutenção de relações amigáveis e maior desenvolvimento das relações econômicas com os países ricos, inclusive com os Estados Unidos; (4) retomada e estreitamento das relações com os países africa- nos; (5) campanha pela reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas, com o objetivo de conseguir uma vaga de membro permanente para o Brasil; (6) defesa de objetivos sociais que permitiriam maior equilíbrio entre Estados e populações; (7) ativa participação em organi- zações internacionais e fóruns multilaterais que discutiam governança global” (p. 137-38).

A “autonomia pela diversificação” aprofundou-se no segundo man- dato, visível na busca de novos parceiros. A crise econômica de 2008 colocou em evidência a importância da manutenção da proximidade dos países emergentes, nomeadamente China e Índia. Os autores avaliam que Dilma Rousseff provavelmente dará continuidade ao principal da

“autonomia pela diversificação”, com adaptações exigidas pelos novos cenários internacionais.

Chama atenção o capítulo seis pela síntese interpretativa que o mesmo encerra a respeito da contradição existente entre as pretensões brasileiras de global trader e global player e as de aprofundamento da sua atuação no Mercosul. A busca da diversificação de parcerias com outros grandes países em desenvolvimento (China, Índia, África do Sul, Rús- sia) obstaculiza potencialmente o aprofundamento de acordos e de concessões ao Mercosul, sem contar que uma integração regional ainda mais institucionalizada acarretará ao país perda de soberania e de auto- nomia internacional. Ao diversificar parcerias, concentrar-se-iam recur- sos e esforços cooperativos em atores mais estratégicos que os vizinhos do Mercosul. Patrocinar a integração importa em custos, já questiona- dos por lideranças políticas e empresariais brasileiras. Complementan- do o pensamento, lembram que os países da América do Sul, pobres, não possuem economias que se complementam e normalmente são direcionadas aos mercados desenvolvidos, tradicionais importadores

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de commodities. Mesmo o comércio com a China não escapa do padrão

“Norte-Sul”, uma vez que o país asiático é, também, grande comprador de commodities.

Pelas suas qualidades e abrangência, o livro de Vigevani e Cepaluni é consulta obrigatória para os estudiosos da política externa brasileira interessados no período democrático iniciado em 1985.

** Clodoaldo Bueno, professor titular da UNESP.

Referências

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