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Os saberes para ensinar e saberes a ensinar aritmética no concurso de professores do curso primário das Escolas de Aprendizes Artífices

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Os saberes para ensinar e saberes a ensinar aritmética no concurso de professores do curso primário das Escolas de Aprendizes Artífices

Cleber Schaefer Barbaresco1 David Antonio da Costa2

RESUMO

As Escolas de Aprendizes Artífices foram uma importante rede de ensino profissional no Brasil no período da República. Além de oferecer o ensino profissional, essas escolas ofereciam o ensino elementar por meio do seu curso primário. No decorrer de sua história, esta rede ensino profissional passou por muitas mudanças. Dentre uma delas refere-se a contratação de professores para o curso primário. A partir do Decreto n. 13.064 o provimento para o cargo de professores para o ensino elementar seria por meio de concurso. Sendo assim, o propósito deste artigo é avaliar como as prescrições deste concurso se alinham ao “perfil do professor” da Escola de Aprendizes Artífices no que diz respeito ao ensino de aritmética. Para tanto, utilizaremos o ferramental teórico- metodológicos desenvolvido pela Equipe de Pesquisa em História Social da Educação: saberes para ensinar e saberes a ensinar. Apoiados nesse referencial identificaremos elementos sobre o ensino de aritmética que delineiam o “perfil do professor” do ensino elementar das Escolas de Aprendizes Artífices. Em seguida, identificaremos quais elementos dos saberes a ensinar e saberes para ensinar aritmética encontravam-se nas prescrições do concurso. O estudo apontou para uma prevalência dos saberes a ensinar aritmética em relação aos saberes para ensinar aritmética.

Palavras-chave: Escola de Aprendizes Artífices, Saberes para ensinar aritmética, Saberes a ensinar aritmética.

INTRODUÇÃO:

A Escola de Aprendizes Artífices (EAAs) representa um marco para a rede de ensino profissional no Brasil. Foi criada a partir do Decreto n. 7566, de 23 de setembro de 1909, pelo então presidente Nilo Peçanha. Sob jurisdição do Ministérios da Agricultura, Indústria e Comércio, esta rede de ensino profissional, inicialmente, contou com a instalação de 19 escolas nas capitais dos estados brasileiros, exceto Rio de Janeiro3, que teve a sede da escola instalada na cidade de Campos, e Rio Grande do Sul4, que possuía o

1 Mestrando da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC.

E-mail:cleberbarbaresco1@gmail.com

2 Docente da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC.

E-mail: david.costa@ufsc.br

3 A instalação da escola em outra cidade do estado do Rio de Janeiro teve motivações políticas, pois, segundo Soares (1982), o então Presidente do Estado do Rio de Janeiro, Oliveira Botelho, não quis subvencionar a escola.

4 As instalações das escolas nas capitais dos estados dependiam de um subsidio do governo do estado. O estado do Rio Grande do Sul por ter o Institui Técnico Profissional de Porto Alegre, que realizava um trabalho similar ao que estava proposto pelas Escolas de Aprendizes, considerou que não haveria a necessidade de subvencionar outra escola de ensino profissional. Porém, o Decreto n. 9070 diz que fica

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Instituto Técnico Profissional de Porto Alegre, mais tarde denominado de Instituto Parobé.

No preâmbulo do decreto encontram-se as motivações do presidente para a criação dessas escolas:

Que o augmento constante da população das cidades exige que se facilite ás classes proletárias os meios de vencer s dificuldades sempre crescentes da lucta pela existência; que para isso se torna necessário, não só habilitar os filhos dos desfavorecidos da fortuna com o indispensável preparo technico e intelectual, como faze-lo adquirir hábitos de trabalho profícuo, que os afastará da ociosidade ignorante, escola do vicio e do crime (BRASIL, 1909).

Em um primeiro momento, observa-se um aspecto filantrópico da escola, onde se buscava, por meio do seu ensino profissional, oferecer aos alunos uma assistência social de modo que os jovens pudessem sair da condição de vulnerabilidade social em que se encontravam. Mas, segundo Cunha (2010), nas primeiras décadas do período Republicano processos sociais e econômicos ocorreram e que mudaram a estrutura social das principais cidades. Diante deste panorama, Nilo Peçanha tenta responder as demandas políticas, sociais e econômicas que surgem a partir desta mudança.

Com a criação das EAAs o então presidente tinham como propósito inculcar nos jovens valores sociais a partir do trabalho. Com isso, esperava-se conter os movimentos sociais e sindicais que manifestavam nesta época. Quanto ao setor econômico desejava-se ampliar a mão de obra qualificada, visto que, as profissões relacionadas a manufatura ainda eram discriminadas por homens livres5, uma vez que, essas profissões por muito tempo estiveram relacionadas ao trabalho escravo. No setor político a escola contribui um movimento alfabetização das classes proletariadas, já que a Constituição de 1891, em seu art. 70, não dava direito eleitorais para cidadãos analfabetos (BRASIL, 1891).

No decorrer de sua história, as EAAs passaram por diversas mudanças que procuravam trazer novos regulamentos que pudessem estruturar melhor seu funcionamento e ensino. A primeira mudança ocorre com o Decreto n. 7649, de 11 de novembro de 1909, que regulamenta o cargo de professor do curso primário e de desenho para as escolas.

Anterior a isto, esses cursos eram ministrados pelo próprio diretor da escola, o que estava ocasionando uma sobrecarga ao mesmo (BRASIL, 1909b). Em seguida, cria-se o Decreto n. 7763, de 23 de dezembro de 1909, que consolida os dois decretos anteriores. É no Decreto de n. 9070, de 25 de outubro de 1911, que verifica-se mudanças, pois este

mantida como a Escola de Aprendizes do Rio Grande do Sul o Instituto Técnico-Profissional de Porto Alegre.

5 Homens que não eram escravos.

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documento traz novos regulamentos para as EAAs. É com este decreto que se institui o cargo de professores adjuntos, cuja contratação ocorreria quando o número de alunos excedesse 50 por sala (BRASIL, 1911). Por fim, o Decreto n. 13.064, de 12 de junho de 1918, traz novos regulamentos às EAAs. É neste documento que o concurso para provimento de professores ganha uma redação. De acordo com seu texto, os concursos seriam realizados mediante a aplicação de provas práticas, com base em instruções que seriam expedidas para tal fim (BRASIL, 1918). No entanto, o decreto não deixa claro as instruções dessas provas práticas. É no documento de Consolidação dos Dispositivos Concernente às Escolas de Aprendizes Artífices6, proposto pelo Serviço de Remodelação de Ensino Profissional e Técnico7, que é possível verificar esses apontamentos.

Os sucessivos decretos e o documento de Consolidação apontam para mudanças ocorridas no ensino profissionalizante, mais especificamente, nas EAAs. Mas, é com o apoio dos relatórios do Serviço de Remodelação, presentes nos relatórios ministeriais do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, que é possível apreender a sistematização, organização e implementação de elementos que estabelecem uma base para o ensino profissional. Então, a partir desses documentos, é possível extrair elementos acerca do ensino, estes podendo ser desde proposições que remetem a ideias de valores e concepções, sobre o ensino profissional, até prescrições dos conteúdos, que sejam próprios para esta modalidade de ensino. Com base nesses elementos é possível delinear o “perfil do professor”8, compreendido aqui como um conjunto de saberes que devam ser mobilizados para a ação docente, para atuar no curso primário e que esteja de acordo com os pressupostos do ensino profissional presente nas EAAs. Diante disto, este artigo se debruça em identificar os elementos que se associam aos saberes voltados ao ensino de aritmética, com propósito de investigar como as instruções das provas dos concursos para provimentos de professores do curso primário se alinham ao “perfil do professor” do ingressante no que tange o ensino de aritmética. Para tanto, são analisados relatórios ministeriais de 1909 a 1926 e os decretos de 1909, 1911 e 1918 com a finalidade de identificar os elementos que compõem o “perfil do professor”. Também, o documento de Consolidação dos

6 Neste trabalho, por questões de praticidade de escrita e leitura, passaremos a nos referir a este documento apenas de documento de Consolidação.

7 Por questões de praticidade de escrita e leitura, escreveremos Serviço de Remodelação quando estivermos nos referindo ao Serviço de Remodelação do Ensino Profissional Técnico.

8 Utilizaremos as aspas para alertar ao leitor que esta expressão está sendo usada em conformidade com o que foi exposto neste trabalho.

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Dispositivos Concernentes às Escolas de Aprendizes Artífices com o intento de analisar as instruções para a prova de concurso para o provimento do cargo de professor do curso primário das Escolas de Aprendizes Artífices. Para delinear o “perfil do professor”, apoia- se no referencial teórico saberes para ensinar e saberes a ensinar desenvolvido pela Equipe de Pesquisa em História Social da Educação (ERHISE9) a partir de seus estudos sócio-históricos acerca da formação de professores. Essas duas categorias de saberes são compostas de elementos que agem sobre o trabalho docente, definindo os seus objetos e oferecendo suas ferramentas. No contexto deste trabalho, os saberes a ensinar10 são entendidos como saberes que determinam os seus objetos, ou seja, o que deve ser ensinado no ensino profissional. Os saberes para ensinar11 são compreendidos como os saberes que se relacionam com as suas ferramentas. Sendo assim, estão associadas com as prescrições que orientam as práticas do ensino profissional como: os métodos, os procedimentos, os dispositivos, a escolha e organização dos saberes a ensinar próprios para esta modalidade de ensino. Como, em parte, as instituições de ensino definem a atividade profissional docente, estabelecendo o que e como se deve ensinar a partir dos documentos que fornecem prescrições, ambos os saberes se ligam a elas. As finalidades das instituições de ensino também impactam na determinação destes saberes. Partindo desta compreensão, busca-se identificar os saberes a ensinar e saberes para ensinar aritmética presentes no curso primário da EAAs, a partir dos documentos inventariados, de modo que se possa delinear o “perfil do professor”, estabelecendo os seus objetos e seu ferramental de trabalho. Em seguida, esses saberes são confrontados com os saberes para ensinar e saberes a ensinar aritmética prescritos nas instruções do concurso para o provimento do cardo de professor do ensino elementar das EAAs, com o propósito de observar como esses saberes se alinham aos saberes presente no “perfil do professor”.

Este trabalho ainda se fundamenta nos pressupostos teóricos da História Cultura de Chartier (2002). De acordo com este autor, “a história cultural, tal como a entendemos, tem por principal objeto identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler” (CHARTIER, 2002, p.16).

9 ERHISE é o acrônimo de Equipe de Recherche em Histoire Sociale de l’Education. O grupo é coordenado pela Rita Hofstetter com a colaboração de Joëlle Doux.

10 Opta-se por manter em itálico por compreendermos que expressão possui um conceito próprio defendido por seus idealizadores.

11 Opta-se por manter em itálico por compreendermos que expressão possui um conceito próprio defendido por seu idealizadores.

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Diante disto, o artigo em questão está interessado em apreender uma realidade presente no ensino profissional das EAAs. Para tanto, apoiamo-nos no conceito de Cultura Escolar, entendida aqui de acordo com os pressupostos de Julia (2001):

é um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas (JULIA, 2001 p.10).

Portanto, para apreender a realidade presente nas EAAs, focamos nossa atenção e estudo nas normas e prescrições práticas com a finalidade compreender como tais elementos determinam o perfil profissional desejável do professor do curso primário para as EAAs e como isto estavam presentes nas prescrições dos concursos para o provimento de tal cargo.

O “PERFIL PROFISSIONAL” DO PROFESSOR DO CURSO PRIMÁRIO DA ESCOLA DE APRENDIZES ARTÍFICES

O Decreto de n. 7566 estrutura o ensino profissional nas Escolas Aprendizes Artífices (EAAs) em três partes: curso primário, curso de desenho e cursos profissionais.

De acordo com este documento o curso primário era ministrado no período noturno e estava destinado para jovens que não sabiam ler, escrever e contar, ou seja, para alunos que ainda estavam em condição de analfabetismo. Do mesmo modo, o curso de desenho era ministrado no período noturno e estava destinado a jovens que não tinham conhecimento em desenho. Já as aulas dos cursos profissionais eram realizadas no período diurno e eram de frequência obrigatório para todos os alunos. O documento não faz referências aos cargos de professor do curso primário e desenho, mas faz menção sobre mestres de oficinas, que corresponde ao cargo de professor dos cursos profissionais. Assim, diferentemente dos cursos profissionais, no art. 9 do decreto, fica delegado aos diretores das escolas a ministrarem as aulas do curso primário e de desenho (BRASIL, 1909a). Esta condição cria uma sobrecarga no trabalho dos mesmos, circunstância retratada na mensagem do então ministro da Agricultura, Indústria e Comércio o Sr. Antônio Cândido

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Rodrigues12. Diante disto, entra em vigor o decreto de n. 7649, de 11 de novembro de 1909, que revoga o art. 9º do decreto anterior, e cria o cargo de professor de curso primário. Neste documento, em seu art. 1º, há indicações delegando às professoras normalistas a ocupação deste cargo (BRASIL, 1909b).

A partir desses dois decretos é possível identificar um elemento de aspecto formativo sobre o “perfil do professor” do curso primário das EAAs. Entende-se, quando o decreto n. 7649 delega às professoras normalistas as aulas do curso primário, que o “perfil do professor” do curso primário deve coincidir com o proposto pelo modelo de formação adotado pelas escolas normais. Bertini, Morais e Valente (2017) afirmam que “as escolas normais oferecem uma formação tanto geral como profissional” (BERTINI, MORAIS, VALENTE, 2017, p. 12). Nesta perspectiva, estes autores apontam que a formação geral era ministrada em nível secundário e era responsável por ensinar os conhecimentos das disciplinas escolares. A formação profissional teria o papel de transmitir saberes com origem das ciências da educação. Portanto, na formação geral seriam adquiridos os saberes a ensinar, enquanto na formação profissional proporcionariam o desenvolvimento dos saberes para ensinar.

No Decreto de n. 7566 não se encontram elementos que descrevam com clareza a função do professor do curso primário. Mas, a partir dele é possível extrair elementos que apontam para finalidades do curso primário da EAAs e que irá compor o “perfil do professor”. Em consonância com Soares (1982), o Decreto n. 7566 estabelece como finalidade do curso primário a alfabetização dos alunos. Este intento se confirma a partir do texto do seu art. 8, que designa o curso primário noturno para jovens que não saibam ler, escrever e contar, condição esta compreendida aqui como de analfabetismo (BRASIL,1909a). Portanto, a partir desse documento, compreende-se que a função dos professores do curso primário era de alfabetizar esses alunos que ingressassem na escola.

Portanto, o mesmo deve mobilizar saberes a ensinar e saberes para ensinar aritmética que pudessem atender este propósito.

12 Esta mensagem encontra-se anexada a Decreto de n. 7649 de 11 de novembro de 1909 (BRASIL, 1909b).

Disponível em: <

https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/116789/Exposi%c3%a7%c3%a3o%20de%20motivos

%20a%20que%20se%20refere%20o%20decreto%207649%20de%201909.pdf?sequence=4&isAllowed=y >

Acesso em: 01 jan. 2018.

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No Decreto de n. 7763, de 23 de dezembro de 1909, encontram-se elementos que permite avaliar quais saberes a ensinar aritmética devem fazer parte do “perfil do professor” em relação ao ensino de aritmética do curso primário. Sendo uma consolidação dos dois decretos antecedentes, este decreto não traz em sua redação prescrições sobre conteúdo. O que chama atenção neste documento são as Instruções13 presentes na forma de anexo. Em seu art. 3, inciso 2, tem-se a prescrição dos conteúdos de matemática do curso primário: aritmética até regra de três. Ainda que o texto seja um pouco dúbio, dando a entender, para um leigo, ou ainda, um leitor desatento a impressão de que aritmética e regra de três são conteúdos distintos; compreende-se que o texto estabelece uma orientação de percurso, em que o professor deve é iniciar pelo conceito base da aritmética e ir perpassando pelo demais conteúdos aritméticos até chegar em regra de três. No entanto, nesta orientação existe um problema quanto a escolha dos conteúdos aritméticos, que não estão expostos. É a partir do relatório do diretor da Escola de Aprendizes Artífices de Santa Catharina, Sr. Heitor Blum, de 1916, que é possível ter noção de qual caminho devia-se percorrer nos conteúdos de aritméticos até chegar-se a regra de três:

Quadro 1: Programa do Curso Primário da Escola de Aprendizes Artífices de Santa Cathatina.

Ano Conteúdo de Matemática do Programa do Curso Primário

1º anno

Estudo e construção dos algarismos arábicos e romanos; números absolutos e relativos; grandezas; quantidades homogêneas e hecterogeneas, definições preliminares, exercícios mental sobre as taboadas de somar e diminuir.

2º anno Unidade, formação das unidades; leitura dos números; numeração falada e escripta; números pares e impares; abstractos e concretos; somma e diminuição, exercícios mentaes sobre as taboadas de multiplicar e dividir.

3º anno

Systema decimal de numeração, multiplicação e divisão dos numeros inteiros por um ou mais algarismos; simplificação das operações sobre numeros inteiros, provas arithmeticas, caracteres de divisibilidade; máximo divisor comum; numeros primos e suas propriedades, fracções ordinarias e decimaes; redução de fracções; quatro primeiras operações sobre fracções ordinarias e decimaes.

4º anno

Quadrados e cubos; systema metrico decimal, numeros complexos;

operações sobre numeros complexos, razão arithmetica: proporção e progressão, cambio, conversão e redução de moedas; moeda brasileira;

formulas de juros; regra de trez simples e compostas.

13 Disponível em: <

https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/182545/Instru%c3%a7%c3%a3o%20a%20que%20se

%20refere%20o%20decreto%207763%20de%201909.pdf?sequence=3&isAllowed=y >Acesso em: 01 jan.

2018.

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Fonte: Relatório de gestão referente ao ano de 1916, publicado em 1917, do diretor Heitor Blum da Escola de Aprendizes Artítices de Santa Catharina.

É importante salientar que as escolas possuíam autonomia para a elaboração dos seus programas de ensino. Este é um exemplo que foi executado na Escola de Aprendizes de Santa Catarina e elaborado pela professora do curso primário Clélia Nunes Pires. O que se pode concluir é que este programa está em consonância com o que está prescrito no Decreto n. 7763. Também, é possível constatar a presença de um ensino de Aritmética teórica e prática. Mas, este programa aponta para conteúdos de aritmética prática associados ao cotidiano da indústria e do comércio como, por exemplo, cambio, conversão e redução de moedas, juros, sistema métrico decimal, números complexos e moeda brasileira. Parafraseando Cunha (2000), o ensino de aritmética deveria ser ensinado sob o ponto de vista industrial. Sendo assim, havia uma necessidade de escolher saberes a ensinar aritmética que fossem próprios para o ensino profissional, ou seja, com viés industrial e comercial.

A autonomia das escolas em elaborar seus programas de ensino é apontada como um dos fatores que contribuem para que houvesse uma falta de qualidade no ensino profissional nessas escolas. Ainda, segundo Soares (1982), “lamenta-se a má orientação dos professores, devido a excessiva liberdade do regulamento, que nada fixa e nada diz sobre matérias e modo de lecioná-las” (SOARES, 1982, p.79). O governo reconhece a defasagem no que diz respeito aos saberes dos professores do curso primário e passa a reivindicar que os cursos primários proporcionem aos seus alunos uma formação voltada para indústria. No relatório do ministro Ildefonso Simões Lopes, de 1920 é possível encontrar tal reivindicação:

Não é, tão pouco, aconselhável deixar de correr parallelamente, sem nexo de uma com a outra, a aprendizagem manual dos officios e a educação humanística:

deve haver a mais intima ligação entre as aulas theorico-praticas e os trabalhos de officina, para que com poucos padrões educativos de obras a serem executadas pelo alunnos, se lhes possa dar, além de elementos de tecnologia e desenho industrial, as noções imprescindíveis de mathematica elementar e rudimentos de sciencias naturaes aplicadas ás profissões, de vernáculo aplicado á redacção da correspondência e contabilidade das industrias, tudo diretamente ilustrado com casos concretos dos problemas, que ocorrem na execução dos trabalhos de aprendisagem.[...] (BRASIL, 1920).

Com isso, surge um movimento com a finalidade remodelar o ensino profissional das EAAs. Então, em 1920, é criada a comissão de Serviço de Remodelação, que conduz remodelação do ensino profissional nas escolas, a partir de novas orientações, com o

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propósito de melhorar seu ensino. Neste movimento, o trabalho do professor curso primário é entendido para além da alfabetização. Em conformidade com o “novo” perfil, caberia ao professor formar os alunos para a prática, aproximando os conhecimentos obtidos no curso primário com conhecimentos técnicos, como aponta o relatório ministerial de 1920. Esta finalidade associa-se aos saberes para ensinar aritmética.

Todas as mudanças e exigências acerca do “perfil do professor” do curso primário das EAAs se manifestam no documento de Consolidação. Este documento é resultado do Serviço de Remodelação, que tinha a finalidade de propor uma remodelação para o ensino profissional das EAAs. Como propostas de mudanças, este documento sugere a adoção de uma estrutura curricular comum por todas as escolas. Além disto, apresenta uma redação complementar para os dispositivos em vigor, ou seja, os regulamentos do Decreto n.

13.064. Também, dá novos regulamentos para as EAAs. Contudo, diferentemente de um decreto, este documento foi oficializado na forma de uma portaria assinada em 13 de novembro de 1926.

A frente do Serviço de Remodelação tem-se o Sr. João Luderitz, considerado aqui neste trabalho como um expert, uma vez que, ele detém a expertise, definida como:

Uma instância, em princípio reconhecia como legítima, atribuída a um ou a vários especialistas – supostamente distinguidos pelos seus conhecimentos, atitudes, experiências -, a fim de examinar uma situação, de avaliar um fenômeno, de constatar fatos (HOFFSTETTER; SHNEUWLY; FREYMOND, 2017, p. 57).

A escolha de Luderitz deve-se a sua experiência e conhecimentos no ensino profissional. Antes de assumir a coordenação do Serviço de Remodelação, ele foi diretor do Instituto Técnico-Profissional de Porto Alegre, que mais tarde passa a denominar-se de Instituto Parobé. Como diretor, conduziu uma reforma neste mesmo instituto. Para tal propósito, viajou para a Europa e Estado Unidos, com o intento de encontrar novos modelos profissionais que pudessem ser aplicados na reforma (QUELUZ, 2000). Com isso, o Instituto Parobé passa a oferecer um ensino profissional de qualidade e que é reconhecida por autoridades do governo federal. Diante deste reconhecimento legítimo atribuído ao seu trabalho, ele é escolhido para assumir o Serviço de Remodelação, com a finalidade de avaliar o ensino profissional das EAAs e propor uma remodelação para o mesmo. Com isso, ele monta uma comissão compostos de especialistas vindos do Instituto Parobé.

De acordo com Queluz (2000), “defendia [...] o melhor preparo dos professores encarregados da área humanística, e que as aulas de educação elementar estivessem

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intimamente conectadas com a aprendizagem manual dos ofícios” (QUELUZ, 2000, p.

160). Portanto, a aproximação entre os conteúdos da formação geral e profissional será um dos elementos nas discussões que concerne a reforma proposta pelo Serviço de Remodelação para o ensino profissional. Diante disto, se faz necessário uma reformulação nos saberes a ensinar aritmética.

No programa da Escola de Aprendizes Artífices de Santa Catarina, nota-se que aritmética é tida como uma matéria escolar, uma vez que, ela se apresenta na forma de um conjunto de conteúdos teóricos e práticos interligados (VALENTE, 2015). No documento de Consolidação temos que o ensino de aritmética é dividido em duas disciplinas: Contas e Arithmética. Nota-se que há uma transformação quanto a natureza dos saberes a ensinar aritmética.

Apesar das mudanças propostas pelo Serviço de Remodelação, pelo documento do Consolidação o ensino elementar, que era oferecido nos 4 primeiros anos, ainda era considerado primário (QUELUZ, 2000). Assim, é possível realizar um paralelo com o programa do curso primário da Escola de Aprendizes Artífices de Santa Catharina (EAA- SC) a fim de problematizar os propósitos das disciplinas Contas e Arithmética. Segundo Chervel (1990):

Uma “disciplina”, é igualmente, para nós, em qualquer campo que se a encontre, um modo de disciplina o espírito, quer dizer de lhe dar os métodos e as regras para abordar os diferentes domínios do pensamento, do conhecimento e da arte (CHERVEL, 1990, p. 180).

Em concordância com autor, a criação das disciplinas Contas e Arithmética apesar de abordarem métodos e regras da aritmética, elas tinham propósitos diferentes em relação a “disciplinar o espírito” dos alunos. Levando em consideração que a disciplina de Contas está presente nos dois primeiros anos, em comparação ao programa da EAA-SC, ela teria o propósito de abordar os aspectos básicos da aritmética. A disciplina de Arithmética aparece, na grade curricular presente no documento de Consolidação, nos anos subsequentes, ou seja, no 3º e 4º ano, após a disciplina de Contas, com isso, relacionando com a distribuição dos conteúdos presentes no programa da EAA-SC, pode-se pensar que esta disciplina dará ênfase a métodos e regras que compreendam os aspectos práticos.

Em relação aos saberes para ensinar, as referências são notadas a partir dos compêndios adotados pela escola. Em 1924 foi nomeada uma comissão com profissionais especializados em educação com a finalidade de deliberar a adoção de livros escolares

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(BRASIL, 1924). Em 1925, no fim de seus trabalhos, a comissão emite um relatório onde faz a indicação das obras que deveriam merecer preferência na adoção. Entre as obras indicadas tem-se: “Arithmetica Pratica e Formulario” de Ruy de Lima e Silva;

“Arithmetica” de Olavo Freire (curso elementar e médio) e “Arithmetica elementar” de Antônio Bandeira Trajano. Pesquisas realizadas pelo grupo GHEMAT como, por exemplo, Trindade (2016) e Oliveira (2013), apontam que as obras de Freire e Trajano estão voltadas para o método intuitivo. Método este predominante nas escolas do período republicano.

O Serviço de Remodelação vai estabelecer ao “perfil do professor” do curso primário referências para os saberes a ensinar e saberes para ensinar aritmética. Quanto aos saberes a ensinar as referências são as disciplinas Contas e Arithmética. A primeira composta de saberes a ensinar aritmética teóricos, com o propósito formativo do aluno, por meio do ensino de conhecimentos básicos e notações matemáticas. O segundo é composto de saberes a ensinar aritmética que tinham o propósito de instrumentalizar o aluno com elementos que pudessem ser aplicados para resolver problemas do cotidiano das oficinas, com um viés industrial e comercial. Em relação aos saberes para ensinar aritmética, há uma prevalência de uma concepção no qual os conteúdos aritméticos devem estar intimamente ligados ao cotidiano das oficinas, ou seja, de uma aritmética prática, que deveria ser ensinado apoiado no método intuitivo.

O CONCURSO PARA O CARGO DE PROFESSOR DO CURSO PRIMÁRIO DA ESCOLA DE APRENDIZES ARTÍFICES

Antes mesmo do Serviço de Remodelação, nota-se um cuidado por parte do governo em relação a contração dos professores para aturarem nos cursos das Escolas de Aprendizes Artífices (EAAs). No Decreto de n. 9070, de 25 de outubro de 1911, em seu art. 18, o texto diz que: “Os cursos primários e de desenho serão providos por professores de comprovada competência” (BRASIL, 1911). O documento não faz referência sobre o que seriam essas competências e de que forma elas seriam verificadas. Mas, compreende- se que o termo “competência” esteja atrelado ao domínio de saberes exigidos para a ação docente. No Decreto n. 13.064, de 12 de junho de 1918, encontram-se orientação de que o

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provimento dos cargos de professores, mestres e contramestres seriam provimento seria por meio de concurso:

Art.19 - o provimento dos cargos de professores e adjuntos de professor e de mestre e contra mestres será feito mediante concurso de provas práticas, presididas pelo diretor da escola e de accôrdo com as instruções que para tal fim forem expedidas. Em igualdade de condições, serão preferidos para os cargos de professores e mestres os adjuntos de professor e os contra mestres (BRASIL, 1918).

A motivação desta mudança na contração de professores e mestre está relacionada a uma fala do então presidente da época Venceslau Bráz Pereira Gomes:

Na mensagem recente apresentada ao Congresso Nacional ponderou V. Ex. que,

<<cumprindo ao paiz educar e robustecer as gerações futuras na escola e na officina nacional, não é por demais repetir que as grandes despesas em que importa a manutenção das mesmas serão feitas em absoluta perda si o recrutamento do seu pessoal de ensino não se exercer tendo em vista as mais imparciaes condições de acerto e o criterio mais rigoroso na verificação da capacidade profissional>>.

Tendo em vista essa prudente observação, o novo regulamento provê, desde já, ás futuras escolhas de diretores e professores dos nossos estabelecimentos o critério da nomeação por concurso. Por essa forma, serão apuradas as idoneidades legitimas, imprimindo-se ao desempenho dos referidos cargos a importância que não pode deixa de ter, em vista de seu fim educativo (BRASIL, 1918, p. 372).

Nota-se que nomeação por meio de concurso de professores, mestres e contramestre, segundo as palavras do então presidente, endossada pelo Ministro da Agricultura Indústria e Comércio João Gonçalves Pereira Lima, era a melhor forma de verificar a capacidade destes profissionais e garantir o recrutamento dos mais capacitados para o ensino profissional.

Segundo Charlot (2000):

Não há saber senão para um sujeito, não há saber senão organizado de acordo com relações internas, não há saber senão produzido em um “confrontação interpessoal”. Em outras palavras, a ideia de saber implica a de um sujeito, de atividade do sujeito, de relação do sujeito com ele mesmo (deve-se desfazer do dogmatismos subjetivo), de relação desse sujeito com os outros (que co- constroem, controlam, validam, partilham esse saber) (CHARLOT, 2000, p. 61).

A prova de concurso tem em seu centro o propósito de aferir o domínio de um conjunto de saberes do candidato. Sendo assim, partindo da ideia de Charlot (2000), a prova de concurso deveria destinar-se a um sujeito, avaliar os saberes mobilizados para atividade desse sujeito e, ainda, possibilitar a “confrontação interpessoal”, que validará os seus saberes em relação aos saberes já estabelecidos em um determinado cargo em uma

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instituição específica. Então, de algum modo esses elementos, que fazem parte do saber, devem estar contemplados nas instruções e execução de uma prova de concurso.

Como já foi discutido, as EAAs vão dispor de um conjunto de saberes próprios para as suas especificidades em relação ao ensino profissional. Diante disto, a prova de concurso dessas escolas busca aferir os saberes que implicam na atividade do sujeito. Os candidatos ao cargo de professores e mestres são de origens diversas, desde Escolas Normais até outras escolas profissionais, posto isto, a prova, por meio de uma

“confrontação interpessoal”, terá a finalidade, também, de verificar como os saberes dos candidatos alinham as especificidades do ensino profissional.

O art. 19 do Decreto n. 13.064, descreve o concurso como sendo a aplicação de uma prova prática, é uma primeira iniciativa prescrita oficialmente em documentos normativos de se verificar os saberes para ensinar e o saberes a ensinar do professor de acordo com o perfil docente desejado nas Escolas de Aprendizes Artífices. No entanto, o documento não traz as prescrições das instruções de como correriam essas provas como, por exemplo, quais conteúdos seriam exigidos do professor. É no documento de Consolidação que se encontra as instruções acerca dos concursos, que tinham a intenção de averiguar os elementos que fazem parte do saber dos candidatos a professores e adjuntos do curso primário. A partir desses elementos, busca-se verificar um conjunto específico de saberes que são os saberes para ensinar e saberes a ensinar desejáveis para provimento dos cargos de professores e adjuntos de professores das EAAs.

Na redação complementar do artigo 19, parágrafo V, do documento de Consolidação, encontram-se as indicações dos conteúdos que incidiam sobre o concurso, isto é, as indicações dos saberes a ensinar:

Para provimento dos cargos de professor ou adjunto de professor do curso primario e do de desenho, o exame de habilitação versará sobre as seguintes matérias: portuguez, arithmetica pratica, geografia (especialmente do Brasil), noções de historia do Brasil e instrucção moral e cívica, além de calligraphia para os candidatos do curso primario e geometria pratica para os do curso de desenho (BRASIL, Parágrafo V, 1926).

As instruções também designam uma comissão para a aplicação da prova do concurso. No parágrafo VII, do art. 19, indicam-se as etapas do concurso: “o exame das quatro primeiras materias constará de prova escripta e prova oral” (BRASIL, 1926).

Portanto, o candidato a professor do curso primário, deveria realizar uma prova escrita e

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outra oral sobre o conteúdo de aritmética prática. No parágrafo VIII, está descrita as instruções da prova escrita:

no inicio de acto do exame, o primeiro os concorrentes inscriptos na lista, organizada por ordem alfabética, tirará um ponto de cada materia, e sobre os pontos assim tirados farão todos, em papel préviamente rubricado pela comissão, a prova escripta, em prazo correspondente a uma hora no maximo por materia, a portas fechadas e com fiscalização dos examinadores

Habilitados nesta prova, no dia seguinte os candidatos realizariam a prova oral.

IX os candidatos julgados habilitados passarão, no dia immediato, á prova oral, que constará da arguição de cada examinando, durante o tempo de mínimo de 45 minutos e máximo de uma hora, sobre o ponto de cada materia

XI os pontos em cada prova serão sempre tirados á sorte pelos candidatos.

Os pontos da prova escripta e os da prova pratico-graphica serão os mesmo para todos os concurrrentes, e o s da prova oral differentes para cada um (BRASIL, 1926).

A partir do documento de Consolidação, mais especificamente do seu artigo 19 e a redação complementar deste mesmo artigo, é possível perceber, que ao contrário dos saberes a ensinar, os saberes para ensinar aritmética não estão contemplados em nenhuma etapa do concurso e nem em suas instruções. No entanto, em relação alguns conteúdos como, por exemplo, de “Calligraphia” e “Geometria”, os candidatos tinham que passar por uma terceira etapa, a prova prática. Com isso, a indicação da prova prática aponta que os saberes para ensinar estavam contemplados nas etapas da prova do concurso, mas apenas para alguns tópicos de conteúdos. A aritmética, como vimos, não estava contemplada. O que há é uma prevalência de se aferir os saberes a ensinar aritmética. Ainda de acordo com este conteúdo, observa-se a indicação da “aritmética prática” como conteúdo para a prova do concurso, quer dizer que os aspectos práticos da aritmética prevalecem em relação aos seus aspectos teóricos. Portanto, não interessava aferir todos os saberes a ensinar aritmética, mas apenas aquelas que tinham finalidades práticas. Esta indicação não converge exatamente para o “perfil de professor” da EAAs, uma vez que, em 1926, a partir do documento de Consolidação, o professor do curso primário passa a lidar com a disciplina de “Contas” que abrange aspectos teóricos da aritmética. Isto nos leva a problematizar o porquê da prevalência da “arithmética prática”. Como afirma Charlot (2000):

O saber apresenta-se sob a forma de “objetos”, de enunciados descontextualizados que parecem ser autônomos, ter existência, sentido e valor por mesmos e como tais. Esses enunciados, porém, são as formas substancializadas (Schanger, 1978) de uma atividade, de relações e de uma relação com mundo (CHARLOT, 2000, p. 63).

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Como vimos, no começo das atividades das EAAs a aritmética era tida como uma matéria escolar. Com o Serviço de Remodelação modificações no ensino elementar passam a operar e esta herança do passado passa a se desfazer dando lugar para uma aritmética na forma de disciplinas: Contas e Arithmética. Essas modificações não ocorrem repentinamente, mas lentamente. Analisando os discursos presentes nos relatórios de remodelação, é possível verificar discursos que manifestam a aspiração de uma aritmética que pudesse ser aplicada para resolver problemas do cotidiano das oficinas, com um viés industrial (CUNHA, 2000), dando forma para “arithmética prática” a partir de suas atividades. É a partir dos relatórios que se nota o valor social que este discurso de uma

“arithmética prática” passa a assumir nas EAAs. O que se observa é que a aritmética passa a torna-se um saber cada vez mais especifico, e segundo Charlot (2000), “o saber não existe senão sob formas específicas” (CHARLOT, 2000, p. 62). Para este autor, é a relação que o sujeito tem com este saber que o dará esta especificidade, por exemplo, um saber não é por si só prático, mas o uso que é feito dele (CHARLOT, 2000).

O ensino de aritmética presente no ensino elementar das EAAs, tem seu contorno definido a partir da cultura escolar que se estabelece nesse espaço escolar. No entanto, as EAAs possuem suas especificidades que se diferem do ensino regular, pois era uma educação voltada para o trabalho. Essas especificidades são determinadas por outras culturas como, por exemplo, a cultura do trabalho. Com isso, como afirma Almeida et al (2015):

Os sentidos que permearam a Aritmética, em diferentes tempos e espaços, seja nas mais modestas escolas do interior do estado em tempos de ocupação de terras, sejam nos modernos grupos escolares instalados em regiões mais urbanizadas, decorrem das estreitas relações entre a cultura escolar com outras culturas, religiosas, econômicas as quais, direta ou indiretamente, ajudaram a configurar uma dimensão prática da Aritmética da escola primária, o que permite compreender esse saber enquanto um objeto cultural com características que permanecem ou desaparecem em diferentes tempos e espaços (ALMEIDA et al, 2015, p. 12).

Em consonância com Almeida et al, entende-se que a aritmética pensada para as EAAs terá sua dimensão configurada pelas demais culturas que se relacionam com a cultura escolar das EAAs, tornando um saber com uma forma específica. Não é finalidade deste artigo discutir tais relações. No entanto, verificam-se vestígios destas relações da cultura escolar e demais culturas por meio da redação dos documentos analisados.

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É preciso pensar que um professor é parte integrante de uma instituição, como tal ele deve corresponder com as necessidades da mesma. Julia (2001) afirma que “o exame ou o concurso definem, tanto na forma das provas como nos conteúdos dos saberes propostos aos candidatos, a base mínima de uma cultura profissional a se possuir (JULIA, 2001 p. 30). Portanto, a prescrição da “arithmética prática” como conteúdo para a prova de concurso, além de alinhar-se a concepção desejável para ensino de aritmética, também é um dos itens que representam a base mínima exigida para o cargo de um professor do ensino elementar para as EAAs. Diante deste contexto, nota-se que o concurso das EAAs alinha-se apenas aos saberes a ensinar aritmética do “perfil do professor”. Percebe-se uma preocupação quanto ao domínio do conteúdo. Ainda, há uma prevalência dos aspectos práticos da aritmética em relação aos aspectos teóricos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

As Escolas de Aprendizes Artífices é um passo inicial para a institucionalização de uma rede federal de ensino profissional no Brasil. A criação delas nas capitais dos Estados foi por motivações políticas, sociais e econômicas. Inicialmente o curso primário, presentes nessas escolas, estavam voltados para uma demanda social, de cunho assistencialista. No decorrer de sua história é possível notar, por meio de documentos, que essa característica filantrópica vai dando lugar para um ensino mais científico. Este aspecto é visível no documento de Consolidação dos Dispositivos Concernentes às Escolas de Aprendizes Artífices. É neste documento que percebemos, pelo menos a tentativa, de se institucionalizar o ensino secundário nas escolas.

Além das mudanças sobre ensino, ocorrem mudanças na contratação de professores do curso primário. Com o Decreto n. 13.064 o provimento do cargo de professores do curso primário passa a ser mediante a concurso. No entanto, este documento não deixa claro as instruções do concurso. As instruções aparecerão no documento de Consolidação.

Segundo este documento, a prova ocorreria em duas etapas: escrita e oral. Em ambas a

“arithmetica pratica” aparece como conteúdo prescrito.

Quanto ao “perfil do professor”, observou-se que saberes a ensinar aritmética tinham como referência as disciplinas “Contas” e “Arithmética”. A primeira trata-se de

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uma aritmética teórica, com o objetivo de ensinar as noções básicas da aritmética e as notações matemáticas. A segunda trata-se de uma aritmética prática, com a finalidade de oferecer elementos que pudessem ser aplicados para resolver problemas dos cotidianos das oficinas, com um viés industrial. Diante disto, faz parte do “perfil do professor” ter domínio de ambas as dimensões da aritmética, ou seja, teórica e prática. Quanto a isto o concurso privilegia os saberes para ensinar aritmética prática, visto que, é o conteúdo prescrito no documento de Consolidação.

Os saberes para ensinar aritmética não são mencionados na prova, e as instruções prescritas não fazem indicações de como elas seriam aferidas. Sendo assim, entende-se que não havia a preocupação quanto aos instrumentos que seriam mobilizados para o ensino de aritmética. A que tudo indica, os livros fariam o papel de orientar a metodologia de ensino do professor, uma vez que, em 1925 estabelece-se um conjunto de compêndios que deveriam ser adotados pelas escolas. Os livros sugeridos tomam como referência para os saberes para ensinar indicam o método intuitivo.

É importante ressaltar que o propósito deste artigo foi problematizar, a partir de documentos oficiais, como as prescrições do concurso para o cargo de professor do curso primário se alinha ao “perfil do professor” das EAAs em relação ao ensino de aritmética.

Com isso, conclui-se, pelas prescrições dos documentos disponíveis, que as orientações privilegiam os saberes a ensinar aritmética prática do “perfil do professor”, deixando de lado outros elementos como, por exemplo os saberes para ensinar aritmética que são excluídos desta aferição. No entanto, é importante ressaltar que as escolas tinham autonomia, ainda que tivessem que seguir as orientações descritas no documento de Consolidação, é possível que se encontre situações diferentes as prescrições que foram expostas pelo Serviço de Remodelação. Diante disto, se quer chamar atenção para o acesso às questões das provas escritas e orais que poderiam de delinear melhor esta conclusão, ou ainda, a conduzir a uma conclusão diferente a esta.

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