2012/07/02
UM GOVERNO DE TRANSIÇÃOPARAA SÍRIA? Alexandre Reis Rodrigues
Kofi Annan conseguiu que o “Action Group on Syria”[1]
aprovasse um novo plano para tentar trazer a paz e estabilidade à Síria, procurando combinar o plano original com novas medidas, incluindo a criação de um governo de transição, englobando representantes do actual regime e da oposição. Poderá este passo significar que o fim da crise está agora mais próximo?
No entanto, continua a haver muitas “nuvens” no horizonte. A Rússia bloqueou qualquer menção a exigências de saída de al Assad e a China esclareceu que não aceitaria soluções impostas. A oposição não quer ouvir falar em acordo que
admita a permanência de al Assad no poder. Não é conhecida qualquer reacção da Síria. Ao certo só se sabe que, no conjunto, as razões de pessimismo levam vantagem quase total sobre as de optimismo. Basta ver o que aconteceu ao anterior plano de seis pontos de Annan, também recebido de braços abertos por todos mas que cedo se revelou um fracasso. Teve, porém, uma vantagem importante, como, certamente, terá também este. Uniu a comunidade internacional num esforço diplomático para levar al Assad a dar o devido espaço à oposição e pôr fim à forma brutal como lida com a insurreição.
De resto, o que se alterou, desde a primeira iniciativa de Annan, foi apenas para pior. O número de vítimas e de refugiados continuou a aumentar de semana para semana, com notícias de cada vez mais violência. Nem sequer foram garantidas condições de segurança mínimas para permitir a actuação dos observadores que a ONU tinha no terreno, tendo a missão acabado por ser suspensa.
Al Assad não se mostrou sensível a pressões diplomáticas, nem disposto a honrar compromissos.
É difícil imaginar porque poderá reagir de forma diferente, desta vez. O que, normalmente, dita mudanças de postura neste tipo de situações é uma nova avaliação da relação de forças. Como veremos seguidamente, não é evidente que a situação tenha evoluído ao ponto de levar al Assad a concluir que chegou a altura de fazer compromissos. Acresce que tendo as partes chegado a um ponto em que o confronto se tornou uma questão de sobrevivência, o primeiro a ceder correrá grande risco.
A minoria, alauita e os seus apoiantes druzos, cristão e os homens de negócios que vivem à sombra do regime, sabe que a partir do momento que perder o controlo da situação será decimada ou terá que abandonar o país. A oposição está sob o risco de ver a história a repetir-se com algo
semelhante ao que fez, em 1982, o então presidente Hafez al Assad, pai do actual presidente: uma repressão brutal que fez mais de vinte mil vítimas.
Assad sabe que a possibilidade de o regime ter que se confrontar com uma intervenção externa é algo remoto. Porque hão-de os EUA intervir agora, se não o fizeram em 1982? Nada se conjuga em favor dessa eventualidade. Intervenções humanitárias passaram a ser uma opção pouco provável depois da aprovação da nova estratégia de segurança americana que orienta o foco da atenção americana para a Ásia. Em ano de eleições, o Presidente Obama não vai envolver-se numa
“aventura” que possa fazer perigar a sua recandidatura. Rússia e a China opõem-se frontalmente a essa eventualidade.
Não obstante o inconformismo que a França e o Reino Unido têm mostrado para com a situação, com insistentes recomendações à necessidade de intervir, não se espera qualquer acção unilateral dos europeus, quer por motivos políticos, quer por razões essencialmente militares. As condições no terreno são quase o oposto das da Líbia: território cerca de dez vezes mais pequeno, população três vezes maior e concentrada sobretudo em duas grandes cidades, fáceis de controlar pelo regime: Damasco e Aleppo. Ou seja, risco muito elevado de uma campanha aérea provocar danos colaterais, e falta de espaço onde a oposição se possa organizar com segurança.
As condições militares, propriamente ditas também diferem muito das encontradas na Líbia; em grande parte, graças ao reequipamento que tem sido assegurado pela Rússia, nas áreas da defesa anti-aérea (mísseis “Pantsyr S1” e “Bunk M2”[2]), anti-navio (míssil de cruzeiro “Yakhont”[3]) e aviação (aviões de combate “Yak-130” e helicópteros “MI 25”). Moscovo, defendendo-se das críticas, tem
argumentado que se trata de meios exclusivamente destinados auto-defesa o que, na generalidade, é verdade mas os helicópteros[4] podem ter um papel no combate às forças da oposição.
O sistema sírio de defesa aérea é, no mínimo, um sistema capaz. O abate de um “Phamtom” (F-4) turco no passado dia 22 junho, embora por si só não chegue para avaliar a eficácia das defesas é, em qualquer caso, um sinal de credibilidade e uma indicação de que o regime tem as suas forças em alerta permanente. Tratou-se de uma situação de onde a Síria saiu com uma imagem militar reforçada. Tudo isto combinado torna improvável uma intervenção externa.
Como evoluirá a situação no futuro próximo depende do grau de coesão que al Assad conseguir manter, quer nas Forças Armadas, quer nas elites do País, que, regra geral, o apoiam. Estas últimas não quererão, sobretudo, arriscar uma mudança para o desconhecido mas regularão a sua postura em função da situação; segundo o “Jerusalem Post” de 22 de Junho, algumas estarão preparadas para “desertar” se a situação se complicar. O que será decisivo, neste sector, é a forma como decorrerá a aplicação de sanções económicas e financeiras, que, como é habitual, com as habituais conivências externas, não têm resultado tão eficazmente quanto seria desejável.
No que respeita às Forças Armadas, no essencial a integridade tem sido mantida, não obstante algumas deserções recentes. Houve duas mais significativas: um coronel piloto-aviador que desertou para a Jordânia no seu avião e um general que procurou refúgio na Turquia. Globalmente, terão havido mais algumas centenas, talvez milhares, de desertores, mas a níveis de
responsabilidade que não são decisivos para alterar o desfecho da situação. No entanto, não existe informação credível sobre este assunto. A oposição tende a empolar os números; o regime a desvalorizá-los. Em qualquer caso, tudo o que é essencial está nas mãos da etnia aluita ou sob a sua dependência; por exemplo, os pilotos de aviões de caça são maioritariamente sunitas mas as equipas de apoio em terra são aluitas; oficiais generais que não são alauitas (caso do que desertou) não detêm cargos operacionais relevantes. Os pilotos dos helicópteros, que podem ser decisivos para deter a insurreição, são todos alauitas!
É verdade que o “Exército Livre da Síria” tem conseguido ultimamente causar alguns reveses ao regime, graças a melhor organização e maior disponibilidade de meios, mas não parece que isso possa chegar para uma mudança radical na postura de al Assad. Vai ser necessário continuar a ajudar a oposição, mas esse é precisamente um dos desafios sobre o qual os principais intervenientes ainda não têm um entendimento comum. A Turquia pretende favorecer a facção da Irmandade Muçulmana; a Arábia Saudita confia mais nos salafitas que tem estado a infiltrar e quer a Irmandade sob estreito controlo; os EUA preocupam-se com o aproveitamento da situação pela al Qaeda, tendo reservas sobre a posição saudita. Enquanto esta situação se mantiver, Assad beneficiará de um espaço de manobra que não deveria ter.
[1] Para além dos secretários gerais da ONU e da Liga Árabe, inclui os ministros dos Negócios Estrangeiros dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança, Turquia, Kuwait, Qatar, Iraque e Catherine Ashton pela EU.
[2] Com alcances e altitudes, respectivamente, de 20 kms/50000 pés e 50 kms/82000 pés.
[3] Míssil anti-navio com 300 kms de alcance.
[4] Em qualquer caso, o recente envio de helicópteros não corresponde ao fornecimento de uma nova capacidade. A Síria tem 86 destes helicópteros, e os agora recebidos, terão estado na Rússia, sob contrato de modernização. Este episódio levantou grande celeuma quando o navio que os transportava (MV “Alaed”) foi interceptado ao largo da Escócia, sob o argumento de falta de documentação respeitante a seguro.
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