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Contribuição de traçadores geoquímicos e isotópicos para a avaliação das águas termais das Caldas da Rainha

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Versão online: http://www.lneg.pt/iedt/unidades/16/paginas/26/30/125 Comunicações Geológicas (2012) 99, 2, 43-51 ISSN: 0873-948X; e-ISSN: 1647-581X

Contribuição de traçadores geoquímicos e isotópicos para a avaliação das águas termais das Caldas da Rainha

Contribution of geochemical and isotopic tracers to the assessment of Caldas da Rainha thermal waters

J. M. Marques1*, H. Graça2, H. G. M. Eggenkamp1, P. M. Carreira3, B. Mayer4, D. Nunes3

Recebido em 19/10/2011 / Aceite em 12/01/2012

Disponível online em Janeiro de 2012 / Publicado em Dezembro de 2012

© 2012 LNEG – Laboratório Nacional de Geologia e Energia IP

Resumo: Este estudo teve como objectivo proceder à avaliação das águas termais das Caldas da Rainha. Foi aplicada uma abordagem multidisciplinar, envolvendo técnicas da geoquímica convencional, da hidrologia isotópica (18O, 2H, 13C, 3H, 14C, 34S(SO4) e 18O(SO4)) e da geotermometria. Os resultados obtidos indicam que a área recarga do sistema hidrotermal das Caldas da Rainha deverá localizar-se nas formações geológicas localizadas no bordo W da Serra dos Candeeiros.

As águas de origem meteórica infiltram-se e escoam subterraneamente ao longo do sinclinal de A-dos-Francos. Ao longo do seu percurso subterrâneo irão adquirir temperatura relativamente elevada (60 ºC, com base nos resultados da geotermometria) promovendo a interacção água- rocha e a dissolução das rochas carbonatadas e evaporíticas (gesso e halite). Os resultados obtidos indicam igualmente que as águas termais das Caldas da Rainha se encontram “isoladas” pelas camadas aflorantes do Jurássico Superior.

Palavras-chave: águas termais, origem dos sulfatos, modelo conceptual, Caldas da Rainha.

Abstract: The main objective of this study was to assess Caldas da Rainha thermal waters. We applied a multidisciplinary approach, involving conventional geochemical techniques, isotope hydrology (18O,

2H, 13C, 3H, 14C, 34S(SO4) e 18O(SO4)) and geothermometry. The results obtained indicate that the recharge area of the hydrothermal system of Caldas da Rainha should be located in the geological formations located on the W edge of the Serra dos Candeeiros. The waters of meteoric origin, and infiltrate and have their underground flow along the A-dos-Francos syncline. Throughout their underground flow paths they will acquire relatively high temperature (60 ºC, based on the results of geothermometry) promoting water-rock interaction and dissolution of carbonate and evaporitic rocks (gypsum and halite). The results obtained also indicate that the Caldas da Rainha thermal waters are "isolated" by the Upper Jurassic geological formations.

Keywords:thermal waters, origin of sulphates, conceptual model, Caldas da Rainha.

1Centro de Petrologia e Geoquímica do Instituto Superior Técnico, Av. Rovisco Pais, 1049-001 Lisboa, Portugal.

2Centro Hospitalar das Caldas da Rainha, Rua Diário de Notícias, 2500-176, Caldas da Rainha, Portugal.

3Instituto Tecnológico e Nuclear, Estrada Nacional nº 10, 2685 Sacavém, Portugal.

4University of Calgary, Department of Geosciences, 2500 Univ. Drive NW, Calgary, Alberta, Canada, T2N 1N4.

*Autor correspondente / Corresponding author: jose.marques@ist.utl.pt

1. Introdução

Foi Charles Lepierre o autor da frase: “proporcionalmente à sua superfície e à sua população, Portugal é um dos países mais ricos do globo no que se refere ao número e variedade das suas fontes

termais” (Lepierre, 1930/31). Esta afirmação ainda hoje é verdadeira, tanto mais que actualmente, em Portugal, a afluência às Estâncias Termais tem vindo a sofrer um desenvolvimento considerável, não apenas na vertente “Termalismo Clássico” mas igualmente no sentido do “Bem-Estar Termal”. De salientar que esta riqueza e variedade de georrecursos hidrominerais cedo foram conhecidas dos povos que, ao longo da História, foram vivendo neste rectângulo ocidental da Ibéria.

As águas termais são recursos geológicos que por definição (Decreto-Lei n.º 90/90 de 16 de Março) deverão ser captados bacteriologicamente puros na origem, sendo posteriormente utilizados sem terem sido alvo de qualquer tratamento que lhes possa vir a alterar a sua composição química característica.

Deste modo, a elaboração de um modelo conceptual de circulação de uma água termal de determinada região deve constituir um princípio basilar para futuros planos de perfuração (com vista a captar águas termais com maior caudal e/ou temperatura) e desenvolvimento (utilização das águas termais nas suas mais diversas vertentes), chave para uma gestão eficaz dos recursos que lhes garanta a respectiva sustentabilidade. Para tal, muito contribuem os conhecimentos provenientes de diversas Disciplinas das Ciências da Terra como a Geologia, a Geoquímica, a Hidrogeologia e a Hidrologia Isotópica.

As águas termais têm a sua origem na precipitação atmosférica (e.g., IAEA, 1981) que, infiltrando-se em profundidade ao longo de acidentes geológico- estruturais/tectónicos importantes (e.g., filões de quartzo, falhas, etc.) vai adquirindo características físico-químicas peculiares função da composição mineralógica das formações geológicas por onde circula. De igual modo, a temperatura de emergência das águas termais é função da profundidade a que estas circulam. Da mesma forma, os processos de interacção água-rocha a temperaturas consideráveis fazem com que a concentração em sais minerais nas águas termais seja mais elevada do que a das águas subterrâneas ditas “normais” da região envolvente.

A Hidrologia Isotópica desempenha um papel fundamental na elaboração dos modelos hidrogeológicos conceptuais. A utilização dos isótopos estáveis (oxigénio-18 e deutério - 18O e 2H) como traçadores do fluxo subterrâneo das águas termais, desde as áreas de recarga até aos locais onde emergem, reside no facto destes isótopos fazerem parte integrante da molécula de água, e apresentarem um carácter conservativo após infiltração da água da chuva, nos casos em que a temperatura de interacção água – rocha em profundidade não exceda os 100 ºC (IAEA, 1981): estamos pois a utilizar a própria água para escrever “o livro da sua

Artigo original Original article

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História”. O trítio (3H), isótopo radioactivo do hidrogénio, encontra-se presente na atmosfera onde as suas concentrações têm variado ao longo dos anos, em concentrações significativas como resultado dos primeiros testes termonucleares realizados na atmosfera com início em 1952/53. Estes teores têm sido utilizados na determinação da “idade aparente” das águas e na caracterização da dinâmica dos sistemas de fluxo subterrâneo.

Assim, a ausência de 3H numa amostra de água subterrânea é bom um indicador de que a infiltração terá ocorrido anteriormente a 1950 (3H – tempo de semi-vida de 12.32 anos, Lucas &

Unterweger, 2000), tendo por base a concentração em trítio na atmosfera (entre 3 a 5 TU), nas águas de precipitação em Portugal Continental (Carreira et al., 2005).

Por outro lado, nos sistemas hidrotermais, as concentrações em carbono-14 nas águas de recarga (derivadas da atmosfera ou do ambiente geológico) podem vir a ser “mascaradas” por grandes quantidades de C introduzido por metamorfismo térmico ou fontes mantélicas em profundidade (Truesdell & Hulston, 1980). Deste modo, a utilização da actividade em carbono-14 (14C - tempo de semi-vida de 5730 anos) na datação de sistemas hídricos subterrâneos deve ser encarada com algumas restrições e espírito crítico (Mook, 2000).

A análise dos valores 34S(SO4) e 18O(SO4) no sulfato presente nas águas termais é uma ferramenta hidrogeológica muito importante para a determinação da origem do sulfato (e.g., interacção com evaporitos, sulfato proveniente quer da atmosfera quer do solo, sulfato proveniente da oxidação de espécies inorgânicas reduzidas de enxofre) quer nas águas termais quer nas águas ditas “normais” da região, sendo igualmente útil na avaliação da interacção águas superficiais / águas subterrâneas e, consequentemente, na análise da vulnerabilidade à poluição antrópica das águas termais.

Este estudo teve como objectivo aprofundar o conhecimento acerca do modelo conceptual de circulação das águas termais das Caldas da Rainha e avaliar a sua vulnerabilidade à poluição de origem antrópica, quer devido à utilização frequente de fertelizantes e pesticidas na agricultura quer à prática de pastoreio.

A utilização da geoquímica convencional permitiu, conjuntamente com a hidrologia isotópica, a elaboração de um modelo hidrogeológico conceptual consistente.

2. Enquadramento geológico, geomorfológico e hidrogeológico

A área de estudo (Fig. 1) é dominada por uma enorme estrutura sinclinal responsável pelo fluxo regional das águas termais.

Na Figura 2 apresenta-se um esquema de uma secção transversal da região em estudo, passando pelo local onde na Figura 1 se encontram localizadas as nascentes termais das Caldas da Rainha.

As águas termais emergem através de nascentes junto a uma falha inclinada (60 º E), cartografada localmente com direcção aproximadamente N-S. Esta falha encontra-se mapeada como o contacto entre as rochas detríticas do Jurássico Superior (D) e as margas da Dagorda (Hetangiano-Retiano - A). As margas do Hetangiano-Retiano não constituem qualquer sistema aquífero, funcionando apenas como uma barreira negativa. As estruturas diapíricas regionais foram responsáveis pela elevação e consequente dobramento das formações Jurássicas. Na Figura 2, as setas indicam a direcção do movimento das margas e dos depósitos evaporíticos. As camadas aflorantes do Jurássico Superior são formadas por uma série de rochas detríticas (e.g., grés de cimento argiloso – “grés superiores com vegetais e dinossaúrios”, D), complexo representado por grés e argilas de cor diversa (Zbyszewski & Moitinho de Almeida, 1960). A maior profundidade encontramos principalmente rochas calcárias de

idade Jurássica (C e B). Posteriormente, estas formações geológicas foram cobertas por depósitos sedimentares no final do Pliocénico (E). Os furos de exploração de água termal captam este recurso hidromineral a partir dos calcários Jurássicos.

Fig.1. Mapa Geológico da região em estudo. Adaptado de Zbyszewski & Moitinho de Almeida (1960). No local indicado como “Nascente das Caldas da Rainha”

encontram-se localizadas as nascentes de água termal das Caldas da Rainha e os furos de exploração de águas termais. (1), (2), (3) e (4) são os locais de amostragem de águas superficiais e subterrâneas referidos ao longo do texto.

Fig.1. Geological map of the study region. Adapted from Zbyszewski & Moitinho de Almeida (1960). In the place indicated as "Nascente das Caldas da Rainha" are located the thermal springs of Caldas da Rainha and the exploitation boreholes of thermal waters. (1), (2), (3) and (4) stand for the sampling sites of surface water and groundwater mentioned throughout the text.

Fig.2. Corte geológico-estrutural esquemático da região em estudo. (I) Diapiro das Caldas da Rainha; (II) Serra dos Candeeiros; (III) Diapiro de Fonte da Bica. (i) nascentes termais das Caldas da Rainha, (ii) furos de exploração das águas termais das Caldas da Rainha. Adaptado de Zbyszewski (1959). Simbologia como na Figura 1.

Fig.2. Schematic geological-structural cross section of the study region. (I) Caldas da Rainha diapir (II) Candeeiros Mountain (III) Fonte da Bica diapir. (i) Caldas da Rainha thermal springs, (ii) exploitation boreholes of Caldas da Rainha thermal waters of. Adapted from Zbyszewski (1959). Symbols as in Figure 1.

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3. Metodologia adoptada e técnicas analíticas

No decorrer deste estudo, foi efectuada uma compilação e análise da informação de carácter geomorfológico, hidrogeológico e hidrogeoquímico disponível sobre a região, de forma a elaborarmos o programa de trabalhos e a metodologia a adoptar. Como documentação base utilizámos a cartografia geológica à escala 1:50 000. Com base na informação recolhida, os trabalhos de campo tiveram a seguinte orientação:

i) amostrar águas subterrâneas não termais, associadas a diferentes formações geológicas da região em estudo (Fig. 3). Esta amostragem foi efectuada a diferentes cotas de forma a permitir, mediante técnicas da hidrologia isotópica, a determinação das potenciais áreas de recarga do sistema hidrotermal das Caldas da Rainha.

ii) recolher igualmente amostras de águas termais, provenientes de diversos locais de amostragem, para uma melhor caracterização do sistema hidrotermal em estudo (Figs 1 e 3).

iii) proceder a amostragem sazonal, de modo a fazer coincidir os trabalhos de campo com o decorrer da época das chuvas e da estação seca.

iv) adquirir uma maior sensibilidade para o tipo de sistema hidrotermal em estudo, de modo a poder seleccionar criteriosamente os melhores locais para amostragem específica para a determinação da idade das águas (13C e 14C) e da origem do sulfato presente nas águas termais (valores 34S(SO4) e 18O(SO4)).

Fig.3. Locais de amostragem de águas na região em estudo. (a) Casal dos Chãos (poço); (b) Quinta das Janelas (nascente ≈ 31 ºC); (c) Rio da Tornada (a água flui por debaixo da ponte); Moitas (poço).

Fig.3. Water sampling sites in the study region. (a) Casal dos Chãos (well), (b) Quinta das Janelas (spring ≈ 31 °C), (c) Tornada river (water flowing under the bridge); Moitas (well).

Foram efectuadas diversas campanhas para amostragem de águas provenientes de cursos de água, nascentes, poços e furos de captação da região em estudo, tendo-se realizado igualmente determinações in-situ (e.g., pH, temperatura, Eh e condutividade eléctrica). A determinação das concentrações dos elementos maiores e menores nas águas “normais” foi efectuada no Laboratório de Mineralogia e Petrologia do Instituto Superior Técnico (LAMPIST). As análises químicas referentes à amostragem de águas termais foram efectuadas no Laboratório de Análises do Instituto Superior Técnico (LAIST).

Os isótopos ambientais (18O, 2H e 3H) foram determinados no Instituto Tecnológico e Nuclear / ITN / Portugal.

A datação das águas (14C e 13C) foi realizada no Center for Applied Isotope Studies, The University of Georgia, USA.

A análise dos valores 34S(SO4) e 18O(SO4) no sulfato presente nas águas termais e “normais” da região foi feita no Isotope Science Laboratory, Department of Physics and Astronomy, University of Calgary, Canadá. Na Tabela 1 encontram-se os resultados de análises fisico-químicas representativas das águas subterrâneas da região em estudo.

Tabela 1. Composição físico-química de águas termais, águas superficiais e águas subterrâneas da região das Caldas da Rainha.

Table1. Physico-chemical composition of thermal waters, surface waters and groundwaters of Caldas da Rainha region.

(a) = Água termal – furo AC2 de exploração.

(b) = Água termal – nascente “Piscina da Rainha”.

(1) = Casal da Marinha – furo de exploração.

(2) = Moitas - poço.

(3) = Rio da Tornada – água superficial.

(4) = Casal dos Chãos - poço.

n.d. = não detectado (abaixo dos limites de detecção).

n.a. = não analisado

(a) = Thermal water – exploitation borehole AC2.

(b) = Thermal water – “Piscina da Rainha” spring.

(1) = Casal da Marinha – exploitation borehole.

(2) = Moitas - well.

(3) = Rio da Tornada – surface water (river).

(4) = Casal dos Chãos - well.

n.d. = not detected (bellow detection limits).

n.a. = not analysed

4. Resultados e discussão

No que respeita à caracterização química das águas termais das Caldas da Rainha, com uma temperatura de emergência de aproximadamente 33 ºC, podemos afirmar que pertencem ao grupo das águas sulfurosas de facies Cl-Na (sendo de realçar a presença de H2S, HS- e S2-). Trata-se de águas bastante mineralizadas, apresentando um valor de Sólidos Dissolvidos Totais (SDT) de cerca de 3000 mg/L. Embora localizada a aproximadamente 5 km da zona termal das Caldas da Rainha, as águas termais (T ≈ 30 ºC) da nascente da Quinta das Janelas apresentam assinaturas geoquímicas semelhantes às das águas termais das Caldas da Rainha, mas valores de SDT inferiores (≈ 2375 mg/L), indicando que estas águas devem ser encaradas como uma expressão do mesmo sistema hidrotermal.

No diagrama Schoeller-Berkaloff modificado da Figura 4, podemos observar que as assinaturas geoquímicas das águas termais das Caldas da Rainha revelam o domínio das seguintes espécies:

Na+, Ca2+, HCO3-, SO42- e Cl-. De referir que as águas termais da nascente da Quinta das Janelas acompanham igualmente esta tendência. A presença de HCO3-, Ca2+ (e até mesmo Mg2+) parece ser atribuída à interacção água-calcários, enquanto as concentrações em Na+, Cl- e SO42- parecem estar associadas à dissolução da

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halite/gesso, cuja presença se encontra associada ao sinclinal regional.

Fig.4. Diagrama Schoeller-Berkaloff modificado para águas representativas dos diferentes sistemas aquíferos locais.

Fig.4. Modified Schoeller-Berkaloff diagram for representative waters from the different local aquifer systems.

As águas subterrâneas associadas às formações geológicas C e B (Figs. 1 e 2) apresentam características geoquímicas típicas de águas de circulação em formações calcárias, pertencendo à facies HCO3-Ca.

O sistema aquífero carbonatado associado à formação Jurássica C encontra-se confinado pelo sistema aquífero do Jurássico Superior (D), composto fundamentalmente por grés e argilas de cor diversa (Zbyszewski & Moitinho de Almeida, 1960). As águas subterrâneas associadas a este sistema aquífero superior, com uma temperatura de emergência que ronda os 17ºC, pertencem igualmente à facies HCO3-Ca (ver Fig. 4).

Tendo em atenção a variação de teor em NO3, Cl e SO4 (ver Tabela 1) registado entre as amostras de água associadas à formação D e os restantes pontos de água seleccionados é possível formular a hipótese desse incremento estar associado e poder ser considerado como um índice de impacto antrópico nas águas subterrâneas associadas a esta formação (D). Assim, ao admitir-se essa hipótese, a influência antrópica parece ser evidenciada pelo aumento das concentrações em NO3, Cl e SO4, quando comparadas com as concentrações observadas nas águas subterrâneas associadas às formações geológicas C e B. As elevadas concentrações em NO3, Cl e SO4 podem estar relacionadas com o facto de as águas amostradas (a maior parte em poços) estarem localizadas no seio de áreas de agricultura intensiva.

Com o intuito de investigar a profundidade de circulação das águas termais das Caldas da Rainha, a geotermometria química demonstrou ser uma ferramenta hidrogeológica importante na avaliação de recursos hidrotermais. As temperaturas de reservatório são estimadas com base em dados referentes à composição química das descargas superficiais. Utilizam-se fórmulas mais ou menos empíricas que permitem calcular a temperatura do reservatório de água quente, em equilíbrio, em profundidade.

Para a aplicação da geotermometria química assume-se que:

i) o equilíbrio químico, dependente da temperatura, é atingido, em profundidade, no reservatório,

ii) o re-equilíbrio durante a ascensão dos fluidos desde o reservatório até à superfície não é significativo, e

iii) não existe mistura de águas de diferentes tipos durante a ascensão dos fluidos geotérmicos desde o reservatório até à superfície.

Deve no entanto ter-se presente que, no decorrer do percurso ascensional das águas termais, pode ocorrer mistura com águas subterrâneas frias pouco mineralizadas (águas ditas “normais”),

alterando a composição das descargas superficiais e, consequentemente, a estimação das temperaturas em profundidade. Deste modo, a aplicação dos diferentes geotermómetros químicos deverá ser efectuada criteriosamente.

Algumas das fórmulas geotermométricas mais utilizadas encontram-se referenciadas de seguida:

Geotermómetros da sílica Calcedónia

Fournier & Truesdell (1974) - in Fournier (1977)

T(ºC) = 1032 / (4,69 - log SiO2) - 273,15 SiO2 em mg/L (1) Quartzo (arrefecimento condutivo)

Truesdell (1975)

T(ºC) = 1315 / (5,205 - log SiO2) - 273,15 SiO2 em mg/L (2) Geotermómetro Na/K

White & Ellis (1970) - in Truesdell (1975)

T(ºC) = 855,6 / (log (Na/K) + 0.8573 - 273,15 Na e K em mg/L (3) Geotermómetro K2/Mg

Giggenbach (1988)

T(ºC) = 4410 / (14 - log (K2/Mg) - 273,15 K e Mg em mg/L (4) Considerando o valor do gradiente geotérmico médio para região de emergência de uma determinada água termal, podemos estimar a profundidade máxima alcançada pelo sistema hidromineral. Esse valor poderá ser obtido considerando que:

P = (Tr - Ta) / gg (5)

onde P é a profundidade em km, Tr é a temperatura de reservatório (ºC), Ta é a temperatura média anual na região em estudo (ºC) e gg é o gradiente geotérmico médio (ºC/km).

No caso das águas termais das Caldas da Rainha, os resultados do geotermómetro da sílica - SiO2 (quartzo) e do geotermómetro K2/Mg (equações 2 e 4) parecem produzir temperaturas de reservatório relativamente fiáveis (Tabela 2).

Tabela 2. Temperatura de reservatório das águas termais das Caldas da Rainha (ºC) estimada com base em diversos geotermómetros químicos.

Table 2. Reservoir temperature of the Caldas da Rainha thermal waters (ºC) estimated from the diverse chemical geothermometers.

(1) (Truesdell, 1975) – arrefecimento por condução; (2) (Fournier & Truesdell, 1974) – in (Fournier, 1977); (3) (White & Ellis, 1970) – in (Truesdell, 1975); (4) (Giggenbach, 1988). (*) furo de exploração; (+) nascente.

(1) (Truesdell, 1975) – cooling by conduction; (2) (Fournier & Truesdell, 1974) – in (Fournier, 1977); (3) (White & Ellis, 1970) – in (Truesdell, 1975); (4) (Giggenbach, 1988). (*) exploitation borehole; (+) spring.

Tendo em conta que o sistema hidromineral das Caldas da Rainha se encontra associado a formações calcárias (com alguma componente argilosa e presença de quartzo), e considerando a temperatura média de reservatório do geotermómetro do quartzo (59,9 ºC) e um gradiente geotérmico médio de 25-30 ºC/km (IGM, 1998) é possível estimar uma profundidade de cerca de 1,6

(5)

km alcançada pelo sistema hidrotermal hidromineral das Caldas da Rainha. Este valor foi obtido considerando que (equação 5)

P = (Tr - Ta) / gg = (59,9 - 15) / 27,5 = 1,6 km

A utilização dos isótopos estáveis (oxigénio-18 e deutério -

18O e 2H) como traçadores do fluxo subterrâneo das águas termais, quando utilizados em paralelo com técnicas da geologia, tectónica e geoquímica convencional, desempenha um papel primordial na elaboração de modelos hidrogeológicos conceptuais robustos.

A variação da concentração dos isótopos estáveis em águas naturais é expressa em termos da notação delta (δ) do seguinte modo:

δ = (Ra - Rp) / Rp (6)

onde Ra representa a razão isotópica (2H/1H, 13C/12C,

18O/16O ou 34S/32S) da amostra e Rp representa a mesma razão isotópica (2H/1H, 13C/12C, 18O/16O ou 34S/32S) do padrão. Em estudos hidrológicos o padrão internacional adoptado para o caso do 18O e 2H é a V-SMOW (Vienna Standard Mean Ocean Water), que corresponde ao valor médio da composição isotópica das águas oceânicas, simbolizando o início e o fim do Ciclo Hidrológico. Os valores delta (δ) são expressos em permilagem (º/oo) dos desvios relativamente ao padrão internacional (e.g., IAEA, 1981).

Nas últimas décadas a espectrometria de massa tornou possível proceder, com rigor, à identificação da origem das águas em sistemas hidrotermais. Durante muito tempo julgou-se tratar exclusivamente de águas de origem magmática (água que deriva do magma, mas que não é necessariamente água juvenil, dado que o magma pode incorporar água meteórica de circulação profunda ou água proveniente de rochas sedimentares) e/ou juvenil (água “nova” derivada de magma primário, nunca tendo feito parte da hidrosfera - Ellis & Mahon, 1977). Craig (1961) verificou que num diagrama δ2H vs. δ18O os valores referentes a amostragem de águas meteóricas distribuídas pelo globo seguiam uma relação linear cuja equação é δ2H = 8 δ18O + 10, que designou por recta das águas meteóricas mundiais (na literatura científica anglófona por Global Meteoric Water Line – GMWL).

Deste modo, uma água proveniente da precipitação atmosférica, que não tenha sido alvo de variação na composição isotópica ao longo do sistema de fluxo subterrâneo, apresentará valores δ18O e δ2H que se projectam sobre ou próximo da recta das águas meteóricas mundiais.

Através da análise da Figura 5, podemos observar que:

a) O sistema aquífero hidrotermal das Caldas da Rainha apresenta composição isotópica média (valores δ2H e δ18O) de modo geral empobrecida em isótopos pesados relativamente às águas associadas às formações detríticas do Jurássico Superior (D), indicando a presença de sistemas aquíferos distintos, associados a diferentes altitudes de recarga.

b) A área de recarga do sistema hidrotermal das Caldas da Rainha é bastante indiferenciada, encontrando-se fundamentalmente localizada na Serra dos Candeeiros, infiltrando-se em diferentes formações geológicas (C e B).

c) De referir que as águas termais da nascente da Quinta das Janelas () apresentam uma composição isotópica semelhante à das águas termais das Caldas da Rainha (Fig. 5).

De referir que o Director Técnico das Caldas da Rainha (Dr.

Henrique Graça – co-autor deste trabalho) solicitou, ao antigo Instituto Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial (INETI) / Departamento de Microbiologia, a realização análises para detecção de bactérias, responsáveis pela redução de sulfatos (sulfato-bactérias) e de ferro (ferro-bactérias), nas águas termais das Caldas da Rainha. Os resultados obtidos não acusaram a

presença de qualquer um dos tipos de bactérias referidos anteriormente. Mais recentemente (Setembro de 2010) o Director Técnico das Caldas da Rainha promoveu a recolha de uma amostra de água termal das Caldas da Rainha (furo AC2) pelo Laboratório Nacional de Recursos Biológicos, para detecção das espécies microbiológicas presentes através do método de identificação do ADN. Esta iniciativa integra-se no Projecto

“HIDROGENOMA” promovido pela Direcção Geral de Energia e Geologia (DGEG). Os dados ainda se encontram em fase de tratamento, não havendo previsão quanto à data para a sua divulgação.

Fig.5. Diagrama δ2H vs δ18O para as águas subterrâneas associadas a diferentes formações geológicas da região em estudo.

Fig.5. δ2H vs. δ18O diagram of groundwaters associated with different geological formations of the study region.

O trítio (3H), isótopo radioactivo do hidrogénio, apresenta um período de semi-vida de 12,32 anos (Lucas & Unterweger, 2000). O trítio atmosférico tem a sua origem directamente associada a dois processos distintos:

i) um está relacionado com a designada "produção atmosférica natural" (a produção atmosférica natural de trítio é da ordem de 5 a 20 Unidades de Trítio (TU), onde 1 TU corresponde à razão 3H/1H igual a 10-18, ou seja a 7,2 dpm (desintegrações por minuto) por litro de água, ou 0,12 Bq/L (IAEA, 1983), resultante da reacção entre neutrões (térmicos), produzidos pela interacção de raios cósmicos com partículas existentes nas altas camadas da atmosfera (estratosfera) com os núcleos de átomos de azoto;

ii) o outro tem uma origem artificial (antrópica) associada às primeiras detonações termonucleares e à industria nuclear, as quais, "injectando" quantidades apreciáveis de trítio na atmosfera, tiveram como consequência o aumento das concentrações em trítio na precipitação. Após 1953, a produção artificial de trítio na atmosfera aumentou significativamente tendo, no Hemisfério Norte, atingido o seu máximo em 1963, onde a concentração em trítio na precipitação ultrapassou as 1000 TU (IAEA, 1983).

Os valores de 3H nas águas termais são geralmente baixos, excepto nos casos onde ocorrem processos de mistura com águas superficiais (Albu et al., 1997).

O carbono-14 (14C) existente actualmente na atmosfera, à semelhança do trítio, tem a sua origem associada a dois processos distintos:

i) um natural, resultante da interacção de radiação cósmica nas altas camadas da atmosfera com átomos de N;

ii) outro artificial, relacionado com a actividade nuclear desenvolvida pelo homem. Os teores em 14C das amostras de água expressam-se em termos de pmC (equação 7) “percentagem de carbono moderno” (Fontes & Garnier, 1979):

pmC = [Aamostra / (Aácido oxálico e(y-1950))] x 100 (%) (7) onde,

(6)

Aamostra – actividade específica do 14C determinada na amostra;

Aácido oxálico – actividade específica do 14C determinada no ácido oxálico (padrão moderno de referência);

 – 1/8267 anos e

y – ano de contagem do ácido oxálico.

Importa ainda referir que o valor médio do desvio padrão associado varia com a concentração em carbono na amostra, isto é, quanto menor o teor em carbono maior será o erro associado à medição. No decorrer do processo de síntese de benzeno é sempre retirada uma amostra de dióxido de carbono para determinação do teor em carbono-13 da amostra por espectrometria de massa. Os valores de 13C assim obtidos constituem um dos parâmetros necessários para a correcção no cálculo da idade aparente da água subterrânea.

Têm sido feitas muitas tentativas para utilizar os dados de carbono-14 (período de 5730 anos) na datação de águas subterrâneas (Truesdell & Hulston, 1980). No entanto, nos sistemas hidrotermais, as pequenas concentrações de dióxido de carbono nas águas de recarga (derivadas da precipitação atmosférica) sofrem um incremento quando atravessam a camada de solo, onde a pressão parcial de CO2 resultante da respiração das plantas é bastante superior: PCO2atmosférico = 10-3,5 bar e 10-3 <

PCO2solo < 10-1 bar (Freeze & Cherry, 1979). Estas concentrações iniciais em carbono podem vir a ser mascaradas pela adição de grandes quantidades de CO2 introduzido em profundidade por acção de metamorfismo térmico, fontes magmáticas ou pela dissolução de rochas carbonatadas (Fig. 6). Nestes casos, a análise comparativa dos valores de 3H e 14C é a metodologia mais coerente, na datação da idade aparente (por 14C) das águas subterrâneas.

No caso em estudo efectuaram-se determinações do 14C em amostras de águas termais. As determinações de 14C deram origem aos resultados que se encontram apresentados na Tabela 3.

Fig. 6. Diagrama esquemático mostrando as relações entre os valores δ13C e 14C na natureza. () representa o “domínio das águas termais das Caldas da Rainha”.

Adaptado de Mook (2000).

Fig. 6. Schematic diagram showing the relationships between δ13C and 14C values in nature. () stands for the "Caldas da Rainha thermal waters domain". Adapted from Mook (2000).

Utilizando os teores em 14C obtidos e recorrendo à equação 7, é possível estimar qual a idade aparente da água subterrânea.

Contudo, a problemática desses cálculos reside em definir qual o valor de teor inicial em 14C para o caso de estudo. O teor atmosférico médio oscila em torno de 100 pmC, no entanto, quando não existem dados regionais podem ser utilizados valores empíricos. De acordo com Vogel (1970), o teor médio de 14C

inicial é igual a 85 pmC, enquanto outros autores sugerem concentrações entre 65 e 75 pmC para regiões cársicas. Na Tabela 3 apresenta-se o valor médio de idade aparente em 14C, valor obtido por média aritmética considerando as diferentes concentrações de radiocarbono inicial.

Tabela 3. Idade aparente das águas termais das Caldas da Rainha.

Table 3. Apparent age of the Caldas da Rainha thermal waters.

Notas: (*) furo de captação; (**) nascente.

Notes: (*) exploitation borehole; (**) spring.

Os resultados apresentados na Tabela 3 indicam uma idade considerável para as águas termais das Caldas da Rainha (idades médias aparentes entre 1480 a 1925 anos BP), devido ao facto de as formações calcárias do Jurássico Médio/Inferior (C e B), associadas ao sistema hidrotermal das Caldas da Rainha, se encontrarem em profundidade, estando hidrogeologicamente

“seladas” pelas formações aflorantes do Jurássico Superior (D).

Deste modo, a circulação das águas subterrâneas nas formações carbonatadas é efectuada de uma forma bastante mais lenta, ao longo da fracturação e das juntas de estratificação, dada a ausência de forte carsificação.

As determinações de trítio efectuadas recentemente nas águas termais das Caldas da Rainha (furos de captação AC1-B, AC2 e JK1) indicam concentrações em 3H significativas: 2,8; 2,5 e 1,1 ± 0,6 TU, respectivamente. Uma vez que a semi-vida do trítio é de 12,32 anos, este isótopo radioactivo não deverá ser detectado em águas com mais de 50 - 60 anos, salvo em casos muito particulares em que os sistemas hidrológicos estão associados a minerais radioactivos, por exemplo em que a matriz do aquífero apresenta minerais de urânio (Moser et al., 1989).

Numa primeira abordagem estes resultados parecem indicar que os furos de captação das águas termais das Caldas da Rainha se encontram a captar águas subterrâneas pertencentes a sistemas aquíferos com circulação que ocorre a diferentes profundidades.

Por outro lado, as águas termais da Piscina da Rainha e da nascente da Quinta das Janelas, sendo caracterizadas pela ausência de 3H ou por valores de 3H próximos do limite de detecção, deverão ser encaradas como mais representativas do sistema hidrotermal profundo. De referir que são estas águas que apresentam uma maior idade aparente, determinada pelo método do 14C, nomeadamente Piscina da Rainha = 1646 anos BP e Quinta das Janelas = 1925 anos BP.

O carbono tem dois isótopos estáveis: 12C (98,89 %) e 13C (1,11 %). Tal como no caso do 18O e 2H, a variação da concentração destes isótopos em águas naturais é igualmente expressa em termos da equação (6) onde Ra representa a razão isotópica 13C/12C na amostra e Rp a razão isotópica 13C/12C no padrão. O padrão adoptado universalmente para o caso do 13C é o PDB, proveniente do CaCO3 de uma belemenite Cretácica colhida na formação Peedee (PDB) da Carolina do Sul, EUA.

Actualmente este padrão encontra-se esgotado sendo substituído

(7)

pelo V-PDB (Vienna PDB). Os valores delta (δ) são expressos em permilagem (º/oo) dos desvios relativamente ao padrão internacional.

O dióxido de carbono presente nos sistemas hidrotermais pode ser atribuído a duas principais origens: orgânica e inorgânica (Panichi & Tongiorgi, 1975). Relativamente à origem orgânica, o CO2 pode ser produzido pelo decaimento da matéria orgânica, apresentando valores δ13C compreendidos entre -26 o/oo e -22 o/oo. No que respeita às fontes inorgânicas, o dióxido de carbono nos sistemas hidrotermais pode ser de origem profunda (manto superior) apresentando valores δ13C compreendidos entre -8 o/oo e -1 o/oo, ser proveniente da dissolução de rochas carbonatadas, originando valores δ13C próximo de 0 o/oo, ou resultar do metamorfismo de rochas carbonatadas, produzindo CO2 com valores δ13C ligeiramente positivos (Truesdell & Hulston, 1980).

A variação do conteúdo em 13C em alguns dos reservatórios mais importantes de carbono encontra-se representada esquematicamente na Figura 7.

Fig. 7. Valores δ13C dos reservatórios mais importantes de carbono. Adaptado de Birkle (2001).

Fig. 7. δ13C values of the most important carbon reservoirs. Adapted from Birkle (2001).

No caso das águas termais das Caldas da Rainha os valores δ13C, estando compreendidos entre -9,9 e -6,6 o/oo vs PDB, parecem indicar a existência de mistura entre carbono associado às formações carbonatadas da região em estudo e a carbono de origem orgânica (solo). A origem orgânica para o carbono deverá estar associada fundamentalmente à área de recarga do sistema hidromineral (nas proximidades da Serra dos Candeeiros).

Na grande maioria dos casos de estudo associados à elaboração de modelos conceptuais de circulação de recursos hidrotermais de baixa temperatura, a existência de possível mistura entre as águas termais e as águas subterrâneas “normais”

da região é uma das principais questões ambientais a ter em conta.

Dado que a região em estudo é caracterizada pela existência de intensas práticas agrícolas, foi dado especial ênfase à identificação de eventuais processos de mistura entre as águas termais e as águas “normais” da região (algumas com elevados teores em nitratos). Os resultados obtidos indicam que as águas termais das Caldas da Rainha se encontram “isoladas” de eventuais processos de contaminação antrópica. Tal contaminação foi apenas detectada nas águas subterrâneas mais superficiais associadas à formação geológica (D ) Efectivamente, mediante a análise da Figura 8a, este processo de contaminação difusa pode ser facilmente detectado pelos teores em sulfato apresentados por algumas destas águas. De salientar estas mesmas águas apresentam igualmente concentrações

elevadas em NO3 (Fig. 8b). De realçar que as concentrações em

3H mais elevadas observadas nas águas termais (furos AC1-B, AC2 e JK1) das Caldas da Rainha não são acompanhadas por teores em NO3 elevados (Fig. 8b). Deste modo, as concentrações em 3H mais elevadas observadas nas águas termais das Caldas da Rainha deverão ser atribuídas ao facto de os furos anteriormente referidos estarem a captar águas associadas a um sistema de fluxo subterrâneo mais superficial (e mais curto), explicando as concentrações em 3H mais levadas.

Fig. 8. Diagramas (a) SO4vs. 3H e (b) NO3vs. 3H para as águas subterrâneas atribuídas a diferentes formações geológicas.

Fig. 8. Diagrams (a) SO4 vs. 3H and (b) NO3 vs. 3H for groundwaters assigned to different geological formations.

A análise dos valores 34S(SO4) e 18O(SO4) no sulfato presente nas águas termais veio contribuir para a determinação da origem do sulfato (Fig. 9).

Fig. 9. Variações dos valores 34S(SO4) e δ18O(SO4) observados nos sulfatos de origem atmosférica, pedogénica e geogénica. Segundo Herczeg & Cook (2001).

Fig. 9. Variation of the 34S(SO4) and δ18O(SO4) values observed in sulphates of atmospheric, pedogenic and geogenic origin. According to Cook & Herczeg (2001).

Segundo Herczeg & Cook (2001) o sulfato presente nas águas subterrâneas pode ter diversas origens: atmosférica, industrial e dos sulfatos existentes no solo os quais são introduzidos nos sistemas aquíferos pelas águas de recarga. As fontes geológicas de enxofre interagem normalmente in situ com as águas subterrâneas locais.

No caso da região das Caldas da Rainha, podemos observar a existência de dois grupos de águas com assinaturas geoquímicas diferentes e com diferentes valores de 34S(SO4) e 

18O(SO4) igualmente distintos:

Grupo 1 - Inclui águas subterrâneas profundas, amostradas quer em nascentes quer em furos de captação, associadas às Termas das Caldas da Rainha e apresentando valores 34S(SO4) e

18O(SO4) entre +14,9 e +19,1 o/oo e +11,1 e +16,2 o/oo, respectivamente.

Grupo 2 - está relacionado águas subterrâneas com uma circulação menos profunda e amostradas em poços, exibindo

(8)

valores 34S(SO4) e 18O(SO4) entre +1,5 e 4,1 o/oo e +8,6 e + 9,3 o/oo, respectivamente (Tabela 4).

Estes resultados parecem indicar duas fontes diferentes para o sulfato existente nas águas subterrâneas estudadas. No caso das águas termais das Caldas da Rainha, o sulfato é claramente o resultado da interacção com água-rocha (com formações evaporíticas - ex. gesso e anidrite) associadas à estrutura sinclinal regional.

Table 4. Valores 34S(SO4) e δ18O(SO4) e SO4 nas águas amostradas (águas termais e águas subterrâneas de circulação na formação geológica D). Campanha realizada em

Março de 2008.

Tabela 4. 34S(SO4) e δ18O(SO4) and SO4 values in the sampled waters (thermal waters and groundwaters flowing in the geological formation D). Campaign performed in

March 2008.

Nas águas do Grupo 2, onde a concentração em sulfato (< 60 mg/L) é bastante inferior à das águas termais (≈ 600 mg/L – resultante da interacção água – gesso), a origem do sulfato poderá ser atribuída: i) à deposição atmosférica que vai incorporando a zona do solo e que posteriormente é assimilada pelas águas subterrâneas e ii) à influência antrópica local (uso na agricultura), tendo em consideração quer os valores 34S(SO4) próximos de 0

o/oo (ver Figura 9), quer o aumento das concentrações em SO4, Cl e NO3 nestas águas.

5. Conclusões

O funcionamento de um sistema hidrotermal deve ser representado através de um modelo conceptual, ou seja, por intermédio de uma construção mental, resultante da interpretação da informação disponível num determinado momento (Marques et al., 2004).

O presente estudo ilustra o processo de modelação conceptual do sistema hidrotermal das Caldas da Rainha. Esta região apresenta características geológicas, geomorfológicas, tectónicas e estruturais específicas, que condicionam directamente o ciclo hidrológico regional e, consequentemente, a disponibilidade de recursos hídricos. Tais recursos, de elevada qualidade e valor económico, incluem as águas subterrâneas (“normais” e termais).

Os resultados obtidos neste estudo apontam para a um modelo conceptual de circulação das águas termais das Caldas da Rainha (Fig. 10), onde a principal área recarga deverá ser atribuída às formações geológicas localizadas no bordo Oeste da Serra dos Candeeiros (com base nos resultados dos isótopos estáveis 18O e 2H).

A estrutura sinclinal regional será a grande responsável pelo escoamento subterrâneo deste sistema hidrotermal. A zona de descarga localiza-se no bordo W do sinclinal, é caracterizada pela ocorrência de diversos locais de captação de águas termais (nascentes e furos) na área das Caldas da Rainha. As águas meteóricas infiltradas escoam subterraneamente ao longo do chamado sinclinal de A-dos-Francos (com aproximadamente 15 km de comprimento). Ao longo da sua trajectória subterrânea (com cerca de 1,6 km de profundidade – estimada com base nos

resultados dos geotermómetros químicos), as águas meteóricas infiltradas irão adquirir temperatura promovendo a interacção água-rocha e a dissolução das rochas carbonatadas e minerais evaporíticos.

Fig. 10. Modelo conceptual de circulação das águas termais das Caldas da Rainha.

Simbolos como na Figura 2.

Fig. 10. Conceptual circulation model of Caldas da Rainha thermal waters. Symbols as in Figure 2.

Conjugando a informação da datação das águas termais das Caldas da Rainha (através do método do 14C (c/ correcção dos valores com base no 13C) e as concentrações em trítio obtidas nas águas termais (ex. nascente da Piscina da Rainha), podemos afirmar estarmos na presença de um sistema hidromineral com um tempo de circulação considerável, o que vai ao encontro da extensão do sinclinal de A-dos-Francos e da profundidade de circulação atingida pelas águas termais.

Os valores 34S(SO4) e 18O(SO4) do sulfato dissolvido nas águas termais das Caldas da Rainha indicam que o sulfato presente nas águas é claramente o resultado da interacção água- rocha com formações evaporíticas, em profundidade.

As águas termais das Caldas da Rainha deverão ser consideradas como um dos recursos naturais mais importantes da região, pelo que o estabelecimento de um modelo conceptual de circulação associado é extremamente importante para uma gestão sustentável deste “georrecurso invisível”.

Agradecimentos

Este estudo foi solicitado e financiado pelo Centro Hospitalar das Caldas da Rainha (CHCR), tendo sido executado no âmbito do Protocolo estabelecido entre o CHCR e o Centro de Petrologia e Geoquímica do Instituto Superior Técnico.

Gostaríamos igualmente de agradecer os comentários e sugestões de três Revisores anónimos, que em muito contribuíram para melhorar o conteúdo do manuscrito inicial.

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