Maria Antnia Coutinho
A
multiplicidade
deacepes
em que sepode
tomar texto e adiversidade de reas cientficas que por ele se interessam seriam razo bastante para comear por esclarecer o que convir entender por texto em
lingustica.
Apertinncia
daquesto
no asseguraporm
umaresposta evidente. Ainda recentemente, num
artigo
publicado
em 95,Franois
Rastier fazia sentir adivergncia
que subsiste nesta matria, ao afirmar:Le texte est attest: il n'est pas une crcation
thorique
comme1'exem-ple
delinguistique,
mme considere comme texte.RASTIER 1995:195
No sendo
pois
consensual, estaposio,
queaqui
subscrevo,implica
duas vertentes: assumir o texto comopatamar
dedescrio
lingustica
e encarar os textos comosequncias lingusticas
empricas,
orais ou
escritas,
produzidas
numaprtica
social determinada1.Uma das dificuldades que decorre desta
noo
de texto tem a ver com o facto de nos reencontrarmos face a umobjecto
multifacetado-e de nos redescobrirmos,
ns,
linguistas,
e mesmolinguistas
do texto,razoavelmente desmunidos. Como comentava
Jean-Michel
Adam, naintroduo
aos seus Elementos deLingustica
Textual:1 Cf. a este
propsito, RASTIER 1989; 1991; 1995:185-6,195.
Revista da Faculdade de Cincias Sociais e Humanas, n." 10,
Entreprendre
deparler
enlinguiste
du texte, c'est, en effel, se trouver enprsence
d'unobjet pluridisciplinaire
et tre invitablement confronte aux limites d'une
discipline
constitue.ADAM 1990:1 1
Estranha seria uma cincia que definitivamente se acomodasse aos limites do seu saber
j
constitudo. Como faz notar JolleKohler--Chesny,
talvez no interesse tanto umaoposio
entre "cincias duras"e "cinciasmoles",
mas entre cincias que se encontraram ecincias que se
procuram2.
Privilegiando,
por evidente necessidade dereduo metodolgi
ca, o texto escrito e o ponto de vista daproduo,
aperspectiva
sobre aqual
meproponho
trabalhar consiste em tomar emconsiderao
arelao
indissocivel entre texto e conhecimento. Entendoaqui
conhecimento no comoespelho
de um mundo exterior tido porobjectivo
mas comoorganizao
daexperincia
dosujeito
em interaco
com o ambiente. Estaperspectiva,
filiada naepistemologia
construtivista de
Piaget
emarcada,
mais recentemente,pelo
trabalhodos
bilogos
Maturana eVarela3,
est presente nainvestigao
emlingustica.
Poder-se- apontarVignaux
como uma das refernciassignificativas,
assumindo aposio
construtivista e reconhecendo que todo o conhecimento se estabelece sempre discursivamente. Emltima anlise, como se
pode
ver, aprpria
noo
de discurso queresulta clarificada:
Tout discours est de la sorte, ensemble d'actions sur le
systmc
du langage
qu'il
utilise, sur le monde travers cequ'il
choisit d'en "extrairc"pour en
parler,
sur les"objets
nouveaux"qu'il
construa alors clqui
prennentforme
d'arguments
por d'autres discours.VIGNAUX 1988:219
Poder-se- assim falar de um trabalho de
construo
de sentido,insistindo no facto de esse trabalho
depender
necessariamente dosdados
disponveis,
no sentido tanto dos aspectosprovocadores
(aspectos
doambiente,
em sentidolato)
como daspossibilidades
2 A
propsito das cincias ditas constitudas, a autora lembra que" un moment de
leur histoire, elles ont bien du expliciter leur point de regard, leurobjet el 1'espace
de lcurs propositions.". Cf. KOHLER-CHESNY 1982:102
3 Le Moigne refere a teoria de H. Maturana
e F. Varela entre as contribuies
actuais
-e diversificadas
-para o paradigma construtivista (LE MOIGNE
internas de
reagir
-possibilidades
essas que incluem certamenterepresentaes
e conhecimentos.Lembraria,
a estepropsito,
o desdobramento a que se presta a
noo
derepresentao,
empsicologia
cognitiva:
por um ladorepresentaes,
isto ,construes
transitriasque, fazendo face a necessidades circunstanciais so, nessa mesma
medida, elaboradas
(e
substitudas)
pela
memria de trabalho ou memriaoperacional;
e por outroconhecimentos,
no sentido de estru turas estabilizadas na memria delonga
durao,
que constituemsaberes de base face s
situaes
eaco.4
No que diz
respeito
arepresentaes,
poder-se-
apontar, a traoslargos
e sempretenso
de exaustividade, arepresentao
que o locutor tem de si
prprio,
a que tem do seuinterlocutor,
daquilo
que trata, dasituao
comunicativa e at daprpria lngua5.
Emrelao
aosconhecimentos
-no sentido atrs
apontado
derepresentaes
estabilizadas e, como
tal,
adistinguir
darepresentao
que osujeito
tenha dos seusprprios
conhecimentos e dos conhecimentos do interlocutor- sabida
a
importncia
de que se revestem os conhecimentos relati vos ao assunto em causa. Mas no menosimportante
ser o conhecimento
lingustico
dosujeito
- a entendercomo um estdio
personali
zado de
competncia lingustica,
com nveis(variveis)
deexplicita
o,
modelado pordeterminaes ligadas
ao estratosocial,
histriafamiliar e
pessoal,
ao percurso escolar e s ocasies deeducao
informal,
poca,
gerao
-e, atravs de tudo isso, em
particular,
prtica
deproduo
de textos6. Esse conhecimento ser determinantena forma como o
sujeito
faz face actividadecomplexa,
lingustico--cognitiva,
em que o coloca asituao
deproduo
textual: actividadelingustica
atravs daqual
toma forma o conhecimento e, simultaneamente, actividade
cognitiva
atravs daqual
toma forma o texto. Trata--se de um trabalho deelaborao
sobrerepresentaes
lingustico--cognitivas prvias
-ou, se
preferirmos,
darepresentao
derepresen-4 A este
propsito veja-se, por exemplo, VIGNAUX, G. 1 99 1:223-4
5 Grize,
que h muito toma em considerao este tipo de representaes, salienta
recentemente arecursividade da representao (por exemplo, a representao que o
locutor tem do interlocutor inclui a representao que o interlocutor ter do
locutor) e, salientando que ningum representa o outro globalmente, destaca trs
aspectos da forma como o interlocutor representado (os conhecimentos que tem,
o nvel de lngua e os valores e ideologias que subscreve). Cf. GRIZE 1996:63-65 6 A
propsito de percursos escolares e de prtica de produo de textos, seria de
todo o interesse repensarar, por um lado, a
importncia
dada produo de textosorais - ano confundir
taces.
Trabalho que radicalmente define osujeito
que escreve comosujeito
criador de um determinado conhecimento - oseu,
aquele
que no existe fora daformulao
que o tornaconhecido,
naconfigurao
espacio-temporal
que , tambm, um texto. Deste ponto de vista-aqum
dos critrios devalidao
e dos circuitos de transmisso deconhecimentos, uns e outros mais ou menos convencionais e institu
cionalizados - o auto-conhecimento
produo
de conhecimento.So
alguns
aspectos desse trabalho quepretendo pr
emdestaque,
na anlise textual que se segue. Limitar-me-ei a abordar asequncia
inicial do texto7 - escolhidopelo
carcterexemplar
que exibe, emparticular
relativamenteperspectiva
atrsapontada.
Aanlise do
primeiro pargrafo
dar conta damultiplicidade
de representaes
em causa, e dos efeitoslingustico-discursivos
associadosre-representao
estabelecida. Numsegundo
momento,sublinhar-se-a
articulao
entreaquelas
mesmasrepresentaes
e umaespecfica
organizao
textual.Anlise do 1"
Como bem
sabemos,
um textoapresentado
a um congressoquase sempre um texto escrito - e mesmo cuidadosamente escrito
-que se l em
situao.
O binmio escrita /leitura(cronologicamente
orientado, neste caso, neste mesmo
sentido)
aqui apagado pela
ocor rncia do lexemafalar
- atravs doqual
osujeito
reconstitui asituao
deinterlocuo
como no diferida.Representar
asituao
como sendo ou no diferidadepende
de seprivilegiar
a tomada depalavra,
oralmente,
ou o actoprvio
deproduo
escrita. A ocorrncia defalar
corresponde
assimopo
mais fecunda. Por um lado, preservando,
atravs de'proximidades
lexicais' a fazerem-se valer numa rede derelaes paradigmticas8,
arepresentao
maiscomplexa
e menos linear do "facto":7 O excertoem anliseencontra-se
reproduzido em Anexo.
8 A expresso 'proximidades lexicais' de
Vignaux que, por sua vez, se refere a D.
Kayser, a propsito da possibilidade de organizar em arborescncia as diferentes
significaes de uma palavra. Sublinhe-se, entretanto, como o ponto de vista de
Vignaux vem confirmar a anlise proposta: "De mme faut-il envisager, dans le
futur, des recherches traitant mieux les proximits lexicales et les niveaux de
comprhension requis, la manire dont nous-mmes sommes capables dexercer
toute une gamme de niveaux de lecture d'un texte, selon nos connaissances, nos
tomar apalavra
FALAR
ler
(em vozalta)
escrever
Por outro,
privilegiando
uma dasrepresentaes
- a da interlocuo
no diferida -como forma de acentuar arelao
discursiva-ou,
por outras
palavras,
derepresentar
aproximidade
dessarelao.
Essa mesmarepresentao
corroboradapela
ocorrncia do presente doindicativo do verbo
principal
("Foro-me")
-que, a marcar o presente
da
enunciao,
nopode
deixar de seraqui
um presente deencenao:
o presente deste[falar
que ler diante desta assembleia o que estescrito/o que me
forcei
aescrever].
O conector porque introduz
(retroactivamente)
o argumento para a conclusoj apresentada.
Esquematicamente:
a
PORQUE
bForo-me
afalar diante faz-lodesta assembleia
[falar
diante desta assembleia]reconhecer-me como... e mais: como...
A
relao
entre concluso eargumento
envolve tambm diferentes
representaes
que osujeito
de siprprio
pe
emjogo. Foro-me
afalar
marca arepresentao
da diviso dosujeito
-(querer)
talar /no
(querer)
falar. Se oargumento
apresentado
constitui razo parafalar,
"Foro-me
a falar" serequivalente
a[Foro-me
a reconhecer--mecomo...],
cabendohiptese
excluda(no
falar)
assinalar a pertinncia
(at mesmo apersistncia),
de umponto
de vista contrrio,isto
[no
me reconhecercomo...]
-ponto
de vista esse anteriormenteexperimentado
pelo sujeito
como, de resto, se faz tambm sentir naA ocorrncia do pronome de
segunda
pessoa nasuperfcie
textualatestaria,
por sis,
arepresentao
daproximidade
do interlocutor-representao
antecipada
/consagrada pela
escrita queprecede
o face e face. Mas a ocorrncia da forma deplural
(a
desusadasegunda
pes soa doplural)
vem acrescentarrepresentao
daproximidade
fsica arepresentao
de umaproximidade
cultural: no vs se faz sentir arepresentao
daqueles
para quem se fala como sendo escritores, a de quemfala,
igualmente
reconhecida como escritora,pelos
outros e porsi
prpria
tambm, "acasofinalmente";
a dalngua,
herdada com seus usos literrios ou apenas diacronicamenteultrapassados,
e como talmanejada.
Se
algo
parece remeter para um exterior dalinguagem
(efeito
daproximidade sintagmtica ter<rJ>algo, susceptvel
de criar a iluso de uma materialidadeobjectiva
dealgo),
no deixa de seimpor
a suacondio lingustica,
na medida em que aorganizao
sintctica torna saliente arepresentao
dealgo
como[algo
paradizer]:
[ter
algo]
tendo
algo
que considero tempo de vos dizer claro[algo
paradizer]
A estes dois
plos,
entretanto, sepodero
fazercorresponder
diferentes
planos
derepresentao:
[ter
algo]
remete para oplano
derepresentao
mental enquanto[algo
paradizer]
anuncia oplano
derepresentao
lingustico-textual
-aquele,
precisamente,
em quealgo
tomaforma,
sediz,
em texto.Alguns aspectos de
organizao
textualComo atrs se
viu,
oprimeiro pargrafo
disponibiliza
umponto
de vista
implcito, experimentado pelo sujeito
num tempo anterior aopresente da
enunciao:
[no
me reconhecercomo...].
Esteimplcito
assume estatuto de segmento textual: com ele que se articula osegundo pargrafo,
ele que determina o carcter narrativo desse mesmosegundo
pargrafo
(assinale-se
a recorrncia dopretrito
imperfeito
doindicativo).
Refazendo o percurso desde[no
mereconhecer
como...]
at "reconhecer-me como..."(isto
, at ao precon-tribui para uma
primeira
caracterizao
desse"algo
que considerotempo de vos dizer claro",
seguida
de imediato de umaanaforizao
que o
relana. Vejamos esquematicamente:
P [no me reconhecer como...] (...)
algo
que considero tempo de vosdizer claro.
2 At estas horas novas (...)
Hoje
sei e aceito que o problema (...)*
E dele venho dar-vos parte, (...)
Novamente narrativo, o terceiro
pargrafo
reconstitui as circunstncias atravs das
quais
seproblematizou
arelao
entre o 'eu' e alinguagem
- ao mesmotempo que se
problematizava
arelao
com os outros e com a realidade.Tempo
deaprendizagem
- contada, analisada e avaliada a
partir
dopresente
(do
saber dopresente).
Destaquemos
trs momentos desse
ponto
de vista sobre opassado:
. "Como era subversivo, enquanto
trajecto,
treino, ler entoassim a mofenta Condessa de
Sgur!"
.
"(...)
eu soube ento, definitiva embora informemente, que arealidade dada se
pode
modificar,(...)."
. "Mais tarde havia de saber que o que caracteriza a
burguesia
o seu
profundo
apego ao conhecido."Pode
verificar-se,
emprimeiro lugar,
adissociao
entre o tempode que se fala e o tempo em que se fala (o tempo da
enunciao):
paraalm dos tempos
verbais,
a ocorrncia de "ento"(por
oposio
ao[agora]
daenunciao),
e de "Mais tarde"(que
estabelece a referncia apartir
de"ento").
Adissociao temporal
vai de par, entretanto, com adissociao
de doisnveis,
temporal
ecognitivamente
diferenciados,
que aorganizao lingustica sequencializa.
Noprimeiro
caso,trata-se da
dissociao
entre o que ento se fazia e a forma comoagora se avalia esse fazer:
'fazer-de-ento' ler a Condessa de
Scgur
'avaliao-de-agora'
(a Condessa deScgur)
mofentaser subversivo
No
segundo
caso, estamosperante
adissociao
entre o'saber--de-ento' e o que agora se sabe sobre o saber-de-ento
'saber-de-ento'
"(que)
a realidade dada sepode
modificar "saber sobre o
'saber-de-ento'
"(soube) definitiva embora informemente"
No terceiro caso encontramos, luz do
'saber-de-agora',
um saberposterior
ao 'saber de-ento':'saber-de-ento'
'saber-de-agora'
"Mais tarde havia de saber que (...)"
No seu
conjunto,
o terceiropargrafo
constitui argumento para uma concluso: a queintroduz,
noprincpio
do quartopargrafo,
a ocorrncia de"por
isso" e"por
essa dissonncia". Se as duas expresses funcionam redundantemente, do ponto de vista
argumentativo
(ambas introduzindo a mesmaconcluso),
a sua ocorrncia justifica--se por cada uma assumir um movimento fundamental em termos deorganizao
textual: em"por
isso" o demonstrativo anaforiza oj-dito
(a narrativa do terceiro
pargrafo), assegurando
assim aarticulao
com um momento anterior do texto; em"por
essa dissonncia" o j--dito reaparece reformulado, condensado numaexpresso
nominal1' querelana
o movimento do texto. Curiosa, em todo o caso, arepetio
de"por
isso" - nestecaso, "isso" anaforiza o contedo dis
ponibilizado
no terceiropargrafo
ou aexpresso
decondensao
-talvez
alongada
demais para afuno
textual que era supostacaber--lhe? O enunciado
apresentado
como concluso(isto
, marcado comoconcluso
pela
ocorrncia da conexoargumentativa)
no , no entanto, mais do que um passo: reconstitua-se a
repetio,
ainda uma vez,do conector
argumentativo.
A noo de operao de condensao (e de outras operaes de objectos) est
ligada perspectiva de lgica natural, desenvolvida por Jean-Blaise Grize e outros
investigadores ligados ao Groupe de Recherches Smiologiques de Neuchtel. A esse propsito veja-se, por exemplo, VERGS, APOTHLOZ, MIVILLE
1987:215. Um ponto de vista mais lingustico, como o de Corblin, parece no
entanto de alguma forma convergente: de acordo comeste autor, o carcter
anaf-rico de grupos nominais introduzidos por demonstrativo caracteriza-se por um
eleito mnimo de identificao e um efeito mximo de reclassificao do elemento
c
POR ISSO
3
POR ESSA DISSONNCIA com as
origens
que me foi o ler/escrever, um ler/escreverqualquer,
indiscriminado
POR ISSO
[POR ISSO]
a pouca monta em que
tenho
hoje
as querelas deescola, estilo, moda.
No sou uma criatura
literria,...
O nexo conclusivo que inicia o quarto
pargrafo imprime
umcarcter
argumentativo
a toda asequncia
mas asrelaes
argumento- concluso estabelecem-se a diferentes
nveis,
em simultneo.Assim,
se a histriapessoal
revista e contada (no terceiropargrafo)
constitui argumento para o enunciados conclusivo atrs
destacado,
este reconstitui -se como argumento para o enunciado (com orespectivo
implcito)
que abre o texto:Foro-me
a falar[areconhecer-me como uma de entre vs]
[PORQUE "No sou uma cria
tura literria"]
Por outro
lado,
asequncia
articula-se a dois nveis distintos. Emrelao
ao terceiropargrafo,
assume o estatuto deeplogo
narrativo-no reconhecimento da mais bsica
relao
com alinguagem
e navalorizao
de um "sobreviver mutante". Noconjunto
dos quatropargrafos,
esse mesmoeplogo
narrativo constituiaquele algo
quedesde o incio havia para dizer: a concluso a
realizao
do que foianunciado.
1 (...)
algo
que considero tempo de vos dizer claro.2
Hoje
sei e aceito que oproblema
(...)*
E dele venho dar-vos parte, (...)
3 Foi...
4 Por isso...
sequncia
narrativaO percurso estritamente individual que o de um texto
escrito,
ningum
opoder
ensinar. Os meandros atravs dosquais
seorganiza
o texto - e osujeito,
ou oque textualmente se constitui como
sujeito
-no
poder
prever alingustica.
Mas nopoder
tambm,
nessa mes ma medida, deixar de estar confrontada com a"pluralidade
irredutvel dos textos, daslnguas
e das culturas"10. Caberhoje,
a umalingusti
ca que sequeira
do texto, contribuir para o fazer faceproblemtica
actual da
produo
escrita(articulando-a
necessariamente comalgu
mas dasespecificidades
da culturacontemponea
e, emparticular,
de uma sub-cultura dejuventude).
Deste ponto de vista, ela deixar-se-testarpela satisfao
queseja
capaz de dar aosproblemas daqueles
que no solinguistas.
Como diz Boaventura Sousa Santos, apropsi
to de um novo
paradigma
cientfico emergente:Hoje
no se trata tanto de sobreviver como de saber viver. Para issonecessria uma outra forma de conhecimento, um conhecimento com
preensivo
e ntimo que no nos separe e antes nos unapessoalmente
aoque estudamos.
SANTOS, B.S. 19936:53
ANEXO
Subsdiopara uma
restaurao
do corpo dalngua*
Maria Velho da Costa in Cravo
(Lisboa, Moraes Editores, 1976, 77-86)
Foro-me
a falar diante desta assembleia.Porque
faz-loreconhecer--me, acaso finalmente, como uma de entre vs, e mais: como tendo
algo
queconsidero tempo de vos dizer claro.
At estas horas novas, sempre me recusei definir-me face sociedade
portuguesa como exercendo nela a
funo
de escritora. Apalavra
escrita nopodia ser o instrumento da minha
funo
social reconhecida,pois
que aminha histria pessoal a
erigira
o meioprivilegiado
do sentimento de clandestinidade e resistncia radicais, acaso pequeno, burgus, um dia a suicidar.
Se o
quiserem,
e euhoje
sei-o, apalavra
escrita, lida e escrita,permanecia
para mim o
lugar
da conscincia simultaneamente alienada e desperta paraum devir totalmente
significante.
No sou escritora, dizia, distorcia a escritaat ao limiar do possvel, no me definia por a, ainda
quando
oquotidiano,
o10 Cf. RASTIER 1995:209
*
vosso reconhecimento, a
demonstrao
por absurdo de um processo porabuso da liberdade de escrita cocasse, tudo tendia a conter-me nos limites
dessa
funo,
nomeada, uma mais.Hoje
sei e aceito que oproblema
entre mim e alinguagem,
entre a minha identidade pessoal e essa dimenso constitutiva da identidade nacional de ns todos que a
lngua
portuguesa. E delevenho dar-vos parte, porque o creio
hoje
presente em todos ns.Foi
pela palavra
lida em silncio autista sob amultiplicidade
decdigos
estridentes e contraditrios minha volta que
forjei
emcriana
as armas doconfronto subversivo, to pouco e tanto, com a classe e castas onde me era
feito um
lugar
fechado, servido porpalavras
feitas. Ao lado da rua, onde osdizeres eram outros, para dentro dos livros que remetiam,
indisssociavelmen-te, parao indizvel e para a
explicitao.
Alinguagem
lida,independentemen
te do contedo, era a outralinguagem,
suporte do discurso do outroimaginrio,
do outropossvel,
do outro eu, dos outros outros. Como era subversivo, enquanto
trajecto,
treino, ler ento assim a mofenta Condessa deSgur!
Do ler histrias ao cont-las h um passo que ratifica para sempre umaconvico
perigosssima
-a realidade que nos dizem
pode
ser falseada.preciso
estar atento. Pelaprtica
da leitura e escrita sem suportes sociaisimediatos ratificadores, eu soube ento, definitiva embora informemene. que a realidade dada se
pode
modificar. Isto , tendo como firmeposio
infantil aperplexidade
perantecdigos
dissonantes,suspeitei
de vez que no s haviade haver outros, como que era
possvel
cri-los.Porque
ao querer dar parteento aos meus desse
incipiente
modo deexperimentar,
encontrei estranheza e formas subtis de receio,algumas
vezesj
lisonja.
Comohoje.
Falavam-meento de talentos, com uma
espcie
de furor nomenclativo. que no dava paratrocas. Foi assim a
demarcao
inicial de territrios,quando
o que euqueria
transmitir era to
simples
ento quantojoelho
esfolado ou medo do escuro.Mais tarde havia de saber que o que caracteriza a
burguesia
o seuprofundo
apego ao conhecido.
Por isso acaso, por essa dissonncia com as
origens
que me foi oler/escrever, um ler/escrever
qualquer,
indiscriminado, por isso a pouca monta em que tenhohoje
asquerelas
de escola, estilo, moda. No sou umacriatura literria, no sentido em que a literatura me foi, antes de o ser, muito mais do que
desempenho
ouaprendizagem pontual
de arte ou ofcio.Qualquer,
mesmo de cordel, foi-me ento o cordo mor da mais conscincia,fluxo que um dia haveria de
desaguar-me
na reflexo sobre toda a diferena,toda a
produo
de bens e dedesejo,
toda a necessidade, reflexo empalavras
ouvidas, lidas, escritas - as coisas a ordenar novamente
pelos
seus nomes,relaes
-linguagem
matria eenergia manejada
parapoder
sobrevivermutante, que esse o
poder
dalinguagem
- fazer-nos, desfazer-nos. indivduos, grupos,
ptrias
- imersos no mesmomagma vivo dos que no lem, nao
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Paris, Editions La DcouverteResumo
Um texto uma forma de conhecimento, isto , um trabalho de
organi
zao da
experincia,
envolvendo a representao de representaes. Que essaelaborao
se deixe ver atravs de marcaslingustico-discursivas
eespecificamente
textuais nopode
deixar de constituir tarefa de anlise-conduzindo
provavelmente
consolidao
de um ponto de vista construtivista emlingustica.
Tout texte est un acte de connaissance
-un travail
d'organisation
del'exprience qui
inclut lareprsentation
dereprsentations.
Ce scront des traces d'une telle laboration qu'on voudra mettre en vidence, enanalyse
textuelle - en